Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
945/04.9TYLSB-E.L1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO DE FALÊNCIA
EMBARGOS
PROCESSO EXECUTIVO
PRAZO RAZOÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO DE FALÊNCIA - SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA / OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À SENTENÇA.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA APLICAÇÃO/ OBRIGAÇÃO DE JULGAR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 4.ª edição, 304/307.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, 601.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 3.º, 8.º, N.º1, ALÍNEA A), 129.º, N.º1, ALÍNEA A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º, N.ºS 1 E 4, 202.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM: - ARTIGOS 6.º, N.º1, 35.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-DE 8 DE ABRIL DE 2015, N.º 220/2015, IN WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):
-DECISÃO DE 22 DE MAIO DE 2003, NO CASO MARIA DE LURDES GOUVEIA DA SILVA TORRADO CONTRA PORTUGAL, IN WWW.ECHR.COE.IN .
Sumário :
I. A prolação de uma sentença em sede de oposição à falência por meio de embargos ao fim de cerca de onze anos, não violou os direitos do Embargante a um processo equitativo, uma vez que dos autos resulta que ao longo de todo esse tempo lhe foi facultado o uso de todos os expedientes processuais que entendeu por convenientes, para defender a sua tese, tendo-lhe sido proporcionados todos os meios efectivos de defesa do direito que se arrogava, bem como, igualmente, aos restantes intervenientes processuais.

II. A prolação de uma decisão ao fim de onze anos, não cabe na noção de «prazo razoável», sendo certo que a falta de razoabilidade do prazo, nunca poderia impedir o Tribunal de a proferir, sob pena de denegação de justiça, pois sobre as instâncias jurisdicionais impende o dever de se pronunciarem sobre os pedidos que lhes são formulados, nos termos do artigo 8.º do C. Civil e 202.º da C.R. Portuguesa.

III. A decisão de que aqui curamos, se se mostra tardia e por isso, quiça, ofende algum direito do Recorrente, poderá dar lugar a uma acção de indemnização por violação do artigo 6º, nº1 da Convenção dos Direitos do Homem.

IV. O processo falimentar aqui utilizado difere e não se confunde com uma qualquer acção executiva.

V. Em sede executiva, o devedor não cumpriu e o credor vai-se satisfazer através do seu património, tout court; naqueloutra sede falimentar, a problemática põe-se de modo distinto: o devedor não cumpriu e o credor tem elementos que lhe permitem fazer crer que a situação patrimonial daquele não lhe permite satisfazer a generalidade das suas obrigações, impondo-se então a adopção de outro tipo de medidas mais drásticas, vg, a declaração de falência (requerida e obtida nestes autos).

(APB)

Decisão Texto Integral:

                 

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I, por apenso ao processo de falência, em que foi requerente CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, veio deduzir, em 20 de Janeiro de 2016, embargos à falência declarada por sentença de 12 de Janeiro de 2016, pedindo a procedência dos embargos e, em consequência, a revogação da sentença que decretou a falência, promovendo o arquivamento dos autos.

Fundamentou o embargante, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1. Ao não ter obtido uma decisão em tempo útil, foi atingido por uma flagrante violação dos seus direitos, tendo havido por parte do tribunal uma interpretação inconstitucional do artigo 20º, nºs 4 e 5 da Constituição.

2. A sentença, independentemente do seu conteúdo, atenta frontalmente contra tais direitos, tendo sido violado o artigo 13º da lei fundamental, uma vez que, dispondo o CPEREF que o processo é urgente, a distorção do prazo para prolação de sentença potenciou um tratamento desigual e assimétrico.

3. A requerente da falência subverteu a ratio do processo de falência para fazer uma cobrança encapotada de uma dívida de uma sociedade que tinha subjacente dois contratos de mútuo, os quais se encontram garantidos por duas livranças avalizadas pelo embargante.

4. Como avalista e não tendo ligação à sociedade, o embargante não tem forma de saber se os alegados montantes em dívida são certos, líquidos e exigíveis

5. A requerente da falência não provou ter interpelado o devedor original para proceder ao pagamento que lhe competia.

6. Foram amputados ao embargante os mais elementares direito de defesa.

7. Não foram relevadas pelo tribunal duas questões pertinentes e cruciais para o destino da causa:

- a falsidade da sua assinatura numa das livranças.

- a falta de interpelação para o pagamento.

8. Os créditos da Autoridade Tributária, Banif Leasing, Santander, Caixa BI e BES não são exigíveis, pois o embargante deduziu oposição nos processos executivos, sem que existam decisões transitadas em julgado.

9. O processo de falência oferece menos meios de defesa do que o processo executivo e a sentença amputou os seus direitos de defesa.

10. O tribunal desconsiderou prova junta aos autos, pois menciona na ata de 8 de Janeiro os créditos do BCP de € 13.462.622,75+€8.378, quando consta documento junto aos autos que demonstra que a sociedade H-Form, SGPS, S.A. liquidou a quantia de € 450.000.

                       

A embargada, requerente da falência, veio contestar, invocando, em síntese:

1. Não existe qualquer pretensa inconstitucionalidade na sentença, uma vez que o embargante apenas vem invocar o lapso de tempo decorrido entre aquele pedido e a sentença de declaração de falência (mais de onze anos), quando tal se deve somente à conduta processual do Embargante, o qual, após a petição inicial, deduziu oposição à Falência, suscitou diversas questões processuais, infundamentadas, em requerimentos autónomos, foram apresentados requerimentos de renúncia ao mandato, apresentou Concordatas e nesse apenso, deduziu vários incidentes processuais autónomos, interpôs recurso da decisão no âmbito da Concordata, e, mesmo aquando da marcação do julgamento, por sucessivos requerimentos, tentou o seu adiamento.

2. O embargante, devido à sua conduta processual, tentou deferir no tempo a sua declaração de falência, não podendo, agora, com fundamento nessa mesma sua conduta processual, arguir a inconstitucionalidade da sentença, que o próprio Embargante, ao invocar o princípio do acesso à justiça, não olvida que uma das suas dimensões é a da celeridade processual.

3. A presente acção tem fundamento no disposto na alínea a), do n° 1, do art.º 8° do CPEREF, podendo a falência ser requerida com base na falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, sendo o que sucede no caso em apreço, não existindo qualquer pretensa subversão, estando tal possibilidade prevista expressamente na lei.

4. A dívida da requerente está provada e não foi feita qualquer prova, pelo embargante, como lhe competia, uma vez que lhe cabia tal ónus, de qualquer facto extintivo ou modificativo da mesma, muito menos do seu pagamento,

5. Foi feita igualmente prova de inexistência de activo, pelo que o Falido não está em condições para satisfazer o seu passivo exigível, como bem se decidiu na sentença.

6. O embargante nenhuma prova fez no que toca à existência de bens móveis ou imóveis ou rendimentos e foi o próprio falido que, no pedido de concordata, elencou o crédito da requerente e dos cinco credores, ascendendo os créditos, conforme por si mesmo alegado, ao montante total de € 15.472.193,30.

7. O título em que a embargada fundamenta o pedido de declaração de falência do embargante são duas Livranças, por este avalizadas, que este nunca pôs em crise o título cambiário, seja de que forma fosse, antes pelo contrário, confessando o mesmo.

8. Não foram amputados ao embargante quaisquer direitos de defesa, como se comprova pelos próprios autos, e pelos sucessivos incidentes processuais, seja em Oposição, seja em requerimentos autónomos, seja em sede de recurso, deduzidos por este.

9. O embargante alega ter colocado em questão a falsidade da sua assinatura numa das livranças, mas apenas se poderá estar a referir ao seu Requerimento de 2/12/2015, que, para além do aí requerido já ter sido objecto de decisão, objecto de recurso, os documentos e assinaturas constantes dos mesmos estão confessados, porque admitidos por acordo, cujos originais foram juntos aos autos em 5/5/2008, tendo o embargante, notificado da petição inicial da CGD, veio deduzir oposição em 28/2/2005, no âmbito da qual:

a. Confessa o aval prestado à sociedade Lisforja, Lda. – arts. 6º e 22º da Oposição à Falência;

b. Apenas vem requerer a junção aos autos das cartas interpelativas – art.º 23º da Oposição à Falência, as quais foram juntas em 14/3/2005), o que significa que em sede de Oposição, o Embargante veio confessar expressamente o crédito da Embargada e a qualidade em que intervêm nos títulos executivos, as duas Livranças, que, no despacho de 16/6/2005, notificado ao Embargante, se declarou que este não contestou o crédito invocado pela Embargada e foi facto dado como assente, por despacho saneador de 8/1/2016.

10. Não corresponde à verdade que o Embargante tenha demonstrado a existência de falta de interpelação para o pagamento, já que tal documentação foi junta 14/3/2005, a fls. 119 a 124, e confirmada em sede de Audiência de Julgamento, pelas Testemunhas arroladas pela Embargada.

11. O embargante, notificado do despacho de prosseguimento da acção declarativa de falência, de 16/6/2005, onde se declarou que este não contestou o crédito invocado pela Embargada, não interpôs qualquer recurso, reconhecendo a justeza da decisão.

12. No tocante à interpelação, a mesma já foi objecto de prova, em sede de julgamento, de 8/1/2016, realizado com observância de todos os formalismos legais e processuais, não podendo o falido/embargante vir pretender a mera reapreciação de tudo quanto se passou no processo falimentar, já tendo a sentença tido em consideração os argumentos deduzidos pelo embargante no tocante a estes pontos, devendo os mesmos ser julgados improcedentes, sob pena de ser efectuada a mesma prova sobre a mesma matéria.

13. Ao invés do que o embargante pretende fazer crer, a nulidade do contrato a que se refere o Embargante e não do título, visto este ser as livranças, com fundamento na impugnação da sua assinatura, tratando-se de facto pessoal, não pode ser invocada a todo o tempo, que a verdade, que o Embargante não consegue ultrapassar, é que em sede de Oposição, o mesmo veio confessar expressamente o crédito da CGD e a qualidade em que intervém nos títulos executivos (duas Livranças) e tanto assim é que, logo no despacho de 16/6/2005, notificado ao Falido, se declarou que este não contestou o crédito invocado pela embargada, e, não tendo recorrido daquela decisão, podendo-o fazer, reconhece a justeza do decidido.

14. Não foi questionado o crédito da embargada nas várias intervenções processuais, tanto assim é que nos sucessivos pedidos de Concordata apresentados, na primeira é indicado o crédito no valor indicado de € 108.251,60 e, na segunda Concordata, idêntico procedimento, pelo que os documentos e assinaturas constantes dos mesmos, a que se reporta o Requerimento de 02.12.2015, alínea b), estão confessados, porque admitidos por acordo, tal Requerimento é extemporâneo e processualmente inadmissível não prevendo o legislador a sua existência, pelo que o mesmo não pode ser atendido, não se tratando de qualquer redução de meio de prova, nem diminuição de qualquer direito, ao Falido.

15. A embargada juntou os respectivos avisos de recepção, que juntou aos autos cartas, por requerimento de 14/3/2005, datadas de 19/3/2003, recebidas dia 24 do mesmo mês, que constam de fls. 119 a 124, com os respectivos A.R. assinados e o Embargante, no seu requerimento de 24/3/2005, nada invocou quanto às mesmas, e veio a pronunciar-se sobre estas só volvidos mais de cinco anos, por requerimento de fls. 729, datado de 10 de Março 2011, o qual mereceu resposta por parte da embargada, que, como atesta a Acta da Audiência de discussão e julgamento de 11/1/2016, consta que tal matéria não foi dada como provada pelo douto Tribunal apenas porque foram juntos os avisos de recepção, mas sim, porque conjugada com a prova testemunhal.

16. Não se verifica qualquer abuso de direito ou má-fé por parte da embargada/requerente da falência, como atestam os autos, não tendo sequer sido invocados pelo Embargante quaisquer factos concretos que pudessem eventualmente reconduzir-se a tal instituto de direito,

17. Não foi negado ou diminuído qualquer direito ou garantia ao Embargante, como também os autos demonstram, pelos sucessivos incidentes suscitados por este, não está preenchida a previsão dos arts. 13º ou 20º da CRP.

18. A sentença de declaração de falência foi proferida na sequência da produção de prova, segundo todos os formalismos legais aplicáveis ao caso em apreço e tanto assim é que a data de julgamento designada nos autos foi dada sem efeito, e designada nova data, de forma a assegurar precisamente todos os direitos de defesa ao Embargante, o qual, escolheu, de sua livre vontade não comparecer na data de julgamento designada nos autos.

19. Quanto à não exigibilidade de créditos reclamados, foi o próprio Embargante que, no pedido de concordata, para além do crédito daquela, elencou cinco credores, ascendendo os créditos por si mesmo alegados, ao montante total de € 15.472.193,30, que este, notificado da petição inicial da embargada, deduziu oposição em 28/2/2005, no âmbito da qual confessa o aval prestado à sociedade L, Lda., nos artigos 6º e 22º e apenas requereu a junção aos autos das cartas interpelativas, confessando dessa forma expressamente o crédito da requerente e a qualidade em que intervêm nos títulos executivos (duas Livranças) e se só agora, vem o Embargante, após a declaração da sua falência, invocar a não exigibilidade de créditos por si mesmo invocados, tal consubstancia abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

20. Nos termos do disposto na alínea a), do n° 1, do art.º 8° do CPEREF, a falência pode ser requerida com base na falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

21. As oposições deduzidas, em processos de terceiros, para além de não fazer prova da não existência do crédito peticionado pela embargada, foram julgadas improcedentes.

22. O objecto dos embargos à falência é a sentença que decretou a falência, não os meios que à mesma levaram, ou seja, o exame crítico permitido pelos embargos só é possível relativamente à sentença e respectivos fundamentos, que tal não é feito nos presentes embargos, sendo que, acresce, a produção da prova desenrolou-se em fase de contraditório, tendo o Embargante apresentado a prova que muito bem entendeu.

23. Outro entendimento seria aceitar que os presentes embargos se transformem numa nova contestação do pedido de falência, o que a lei não aceita, na sua formulação do artigo 129º n.º 1, alínea a) do CPEREF

24. O embargante foi convocado para a falência, deduzindo na mesma a prova que, tempestivamente, entendeu, por sua livre iniciativa, pelo que o que, de facto, está a fazer com estes embargos sejam a repetição de todo o processo em que já interveio anteriormente, acabando por desencadear um segundo julgamento do próprio processo de falência, invocando agora o que, então não requereu tempestivamente e praticando, só agora actos que então, podendo praticar, então omitiu, caindo por terra os fundamentos para os presentes Embargos, impondo-se o seu indeferimento.

O Sr. Administrador da Insolvência, quanto a tal matéria, nada veio dizer.

Foi produzida sentença a manter inalterados os pressupostos de facto e de direito que levaram à declaração de falência, não havendo fundamento para revogar a sentença declaratória de falência do embargante.

Inconformado com tal sentença veio o Embargante interpor recurso de Apelação, o qual foi julgado improcedente.

De novo irresignado, o Embargante recorre agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A questão da prolação da sentença pelo período de 11 anos é transversal a todo o ordenamento jurídico, contende, naturalmente com o art. 20° da CRP que garante acesso à justiça, mas igualmente com o art. 13° do mesmo diploma, já que é suscetível de potenciar uma aplicação da justiça diferenciada nuns casos mais célere e noutros ao retardador, levando necessariamente à verificação de assimetrias entre cidadãos iguais.

- O facto de um cidadão (como de resto fez o Recorrente) utilizar os meios legalmente previstos aos seu dispor - num claro desdobramento do Art. 20° da CRP que permite a todos protegerem os seus direitos e interesses utilizando para tanto os tribunais e o acesso ao direito e à justiça -, não pode ser argumento utilizado para o julgar por ter protelado de moto próprio a prolação da sentença, como fez o acórdão recorrido. - Tal situação consubstancia por parte do julgador venire contra factum proprium.

- É necessário proceder a uma auto crítica do sistema, e para tanto a sindicância pelos tribunais superiores das instâncias inferiores assume importância preponderante.

- Igualmente se torna determinante a análise do sistema a implementar, que passa necessariamente por definir os direitos e garantias concedidos pelo ordenamento, equacionando - porque se confrontam - um sistema garantistico (como o atual) em detrimento da celeridade processual ou o inverso.

- Urge clarificar e hierarquizar os valores em jogo e, por isso, a assunção, pela questão colocada de relevância jurídica.

- Por último, cremos igualmente, que a segunda questão colocada, a da utilização indevida do processo de falência para cobrança de uma dívida, assume igualmente relevância, devendo promover-se uma análise ao art. 8º do CPEREF que permite ao “alegado credor” a interposição da acção de falência, invertendo o ónus da prova - desproporcionado e nem sempre passível de elisão rápida - e impondo ao “alegado devedor” demonstrar a sua solvabilidade.

- 0 processo de falência não assegura os meios de defesa que o processo de execução conleva, motivo pelo qual, a relevância jurídica da questão se impõe em sede de análise pelo Venerando STJ.

- Igualmente se questiona a interpretação inconstitucionalizante que no caso concreto foi dada ao art. 8º do CPEREF, porquanto a sua utilização indevida - volta a frisar-se para cobrar uma dívida - atenta claramente contra o art. 13° da CRP, na medida em que põe à disposição do credor meios distintos de grau diferente no que respeita à defesa dos direitos do devedor, gerando desigualdade no seio dos devedores, pelo que, se impõe a sua análise nesta sede, no sentido de se abrir caminho a uma melhor aplicação do direito.

- O acórdão recorrido deverá ser revogado por inconstitucionalidade, porquanto a prolação da sentença pelo período de 11 anos, contraria frontalmente os arts. 20° e 13° da CRP ao promover um tratamento diferenciado e o acesso ao direito e à sentença em prazo razoável;

- Deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido por venire contra factum proprium já que acusa o Recorrente de, por utilizar os meios jurídicos que o ordenamento coloca ao seu dispor, visar prorrogar a todo o transe a declaração de falência, imputando o ónus da prolação da sentença ao Recorrente;

- Deverá ser determinado ser ilegal a utilização do processo falimentar para cobrança encapotada de uma dívida, na medida em que determina uma diminuição das garantias dos Recorrente, e contraria igualmente o disposto nos arts. 20° e 13° da CRP.

Nas contra alegações a Recorrida CGD, pugna pela manutenção do julgado.

II As questões suscitadas pelo Recorrente em sede de Revista são as seguintes: i) se a prolação da sentença pelo período de 11 anos, contraria os artigos 20° e 13° da CRPortuguesa ao promover um tratamento diferenciado e o acesso ao direito e à sentença em prazo razoável; ii) se o Acórdão recorrido é nulo por reflectir um venire contra factum proprium já que acusa o Recorrente de, por utilizar os meios jurídicos que o ordenamento coloca ao seu dispor, visar prorrogar a todo o transe a declaração de falência, imputando o ónus da prolação da sentença ao Recorrente; iii) se é ilegal a utilização do processo falimentar para cobrança encapotada de uma dívida, na medida em que determina uma diminuição das garantias dos Recorrente, e contraria igualmente o disposto nos artigos 20° e 13° da CRPortuguesa.

As instâncias declararam assentes os seguintes factos:

1. No dia 28 de Julho de 1999 a sociedade L, Lda., o requerido, na qualidade de avalista, e a Caixa Geral de Depósitos. S.A. celebraram um acordo a que foi dado o n° … e que denominaram de "contrato de abertura de crédito em conta-corrente de utilização simples" nos termos do qual esta terceira declarou conceder à primeira um crédito para apoio a necessidades temporárias de tesouraria, até ao montante de Esc. 15.000.000$00, pelo prazo de seis meses com início em 9 de Agosto de 1999.

2. De tal acordo consta que o capital mutuado venceria juros à taxa de 5,87% ao ano, alterável em função das variações do indexante fixado, que em caso de mora os juros seriam calculados à taxa de juros remuneratórios mais elevada para operações activas da mesma natureza, em vigor ao tempo da mora, à data do contrato 11,45%, acrescida de uma sobretaxa de 4% e que a Caixa Geral de Depósitos, S.A. podia, a todo o tempo, capitalizar juros remuneratórios não inferiores a três meses e moratórios não inferiores a um ano.

3. Do mesmo acordo consta ainda que para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente os primeira e segundo outorgantes entregavam à Caixa Geral de Depósitos, S.A. uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo e que desde logo a autorizavam a preencher a livrança pelo valor total das responsabilidades decorrentes do empréstimo, incluindo capital, juros, comissões, despesas e encargos fiscais.

4. Na sequência do acordo referido em 1), foi entregue à requerente a livrança referida em 3), no verso da qual o requerido apôs a sua assinatura por baixo da frase "Bom para aval ao subscritor".

5. A sociedade L deixou de cumprir o acordo referido em 1), estando por liquidar a quantia de € 82.640,24, sendo € 74.819,70 de capital, € 7.057,99 de juros, € 371,36 de comissões, € 75,06 de despesas e € 316,13 de imposto de selo.

6. A requerente preencheu a livrança referida em 4) com vencimento em 20/3/2003, no valor de € 83.057.94, tendo como local de pagamento a Caixa Geral de Depósitos, S.A., conta DO/nº …

7. Até à data, a requerente não recebeu a quantia referida em 6).

8. No dia 22 de Março de 2000 a sociedade L, Lda., o requerido, na qualidade de avalista, e a Caixa Geral de Depósitos, S.A. celebraram um acordo a que foi dado o na … e que denominaram de "contrato de empréstimo e de garantias" nos termos do qual a terceira declarou conceder à primeira um empréstimo, até ao montante de Esc. 5.000.000$00, pelo prazo de quatro anos.

9. De tal acordo consta que o capital mutuado venceria juros à taxa de 7,059% ao ano, alterável em função das variações do indexante fixado, que em caso de mora os juros seriam calculados à taxa de juros remuneratórios mais elevada para operações ativas da mesma natureza em vigor ao tempo da mora, à data do contrato 11,45%, acrescida de uma sobretaxa de 4% e que a Caixa Geral de Depósitos. S.A. podia, a todo o tempo, capitalizar juros remuneratórios não inferiores a três meses e moratórios não inferiores a um ano.

10. Do mesmo acordo consta ainda que, para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente os primeira e segundo outorgantes entregavam à Caixa Geral de Depósitos, S.A. uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo e que desde logo a autorizavam a preencher a livrança pelo valor total das responsabilidades decorrentes do empréstimo, incluindo capital, juros, comissões, despesas e encargos fiscais.

11. Na sequência do acordo referido em 8), foi entregue à requerente a livrança referida em 10), no verso da qual o requerido apôs a sua assinatura por baixo da frase "Bom para aval ao subscritor".

12. A sociedade L deixou de cumprir o acordo referido em 8), estando por liquidar a quantia de € 18.362,75, sendo € 15.990,93 de capital, € 2.265,08 de juros, € 16,15 de despesas e € 90,59 de imposto de selo.

13. A requerente preencheu a livrança referida em 11) com vencimento em 20/3/2003, no valor de € 18.454,58, tendo como local de pagamento a Caixa Geral de Depósitos, S.A., conta DO/n°…

14. Até à data, a requerente não recebeu a quantia referida em 13).

15. Em 16 de Abril de 1984 foi registada a aquisição pelo requerido e M do prédio urbano sito na Rua Y, descrito na … Conservatória do Registo Predial de ….

16. Em 30 de Setembro de 2002 foi inscrita a venda do imóvel em 15) à sociedade "H Lda." e em 13 de Janeiro de 2004 ao Banco Comercial Português, S.A., por dação em cumprimento.

17. O requerido é titular da conta n° … da Caixa Geral de Depósitos, S.A., balcão de …

18. O requerido é presidente do conselho de administração da sociedade "H, S.A.", que tem um capital social de € 10.000.

19. A sociedade "H, S.A." faz parte de um grupo de sociedade constituído por 17 sociedades, entre as quais uma denominada A, S.A., englobando diversos ramos: alimentar, imobiliário, comércio por grosso de aço inoxidável.

20. No dia 17 de Dezembro de 2003 o Banco Comercial Português, S.A. e a sociedade H, SA celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Reestruturação de Créditos” nos termos do qual declararam em fixar o valor da reestruturação em € 13.858.817, pelo prazo de 3 anos com um período de carência de 3 anos.

21. O requerido outorgou o referido acordo como avalista.

22. O Grupo H adquiriu, em Dezembro de 2000, um outro grupo empresarial: o Grupo E.

23. Por sentença datada de 18 de Outubro de 2004 a sociedade E, Lda. foi declarada falida.

24. No ano fiscal de 2002 o requerido declarou rendimentos de trabalho dependente de € 104.364,75.

25. No ano fiscal de 2003 o requerido declarou rendimentos de trabalho dependente de € 24.441,06 e de trabalho independente de € 53.749,96.

26. O Ministério Público justificou, em representação do Estado, um crédito de € 260.804,49, reportado a dívidas de IRS e custas dos anos de 2004 e 2005.

27. O Banco Espírito Santo, S.A., Sociedade Aberta justificou um crédito de € 1.346.754,32 relativo a uma livrança vencida em 2 de Setembro de 2001, titulada pela sociedade H SGPS e avalizada pelo requerido.

28. O Banco Comercial Português. S.A. justificou um crédito de € 13.471.000,75 relativo a uma livrança avalizada pelo requerido e a garantias bancárias contra garantidas pelo requerido, créditos não vencidos à data da apresentação da justificação.

29. No dia 4 de Julho de 2005 o requerido apresentou um requerimento de concordata particular no qual indica o seguinte rol de credores:

a) Caixa Geral de Depósitos, S.A. - € 108.251.60;

b) Administração fiscal: € 260.112,64+59.800.33+ 1.103,32;

c) Banco Comercial Português. S.A.: € 13.462.622,75+8.378,00;

d) Banco Espírito Santo, S.A.: € 1.346.754,32;

e) Santander Central Hispano - € 234.170,34.

30. Citados os credores no apenso de concordata foram apresentadas oposições por:

a) Caixa - Banco de Investimento, S.A., que invoca um crédito de € 3.128.487,86;

b) Ministério Público;

c) Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

d) Totta Crédito Especializado - Instituição Financeira de Crédito, S.A., anteriormente designada Santander Central Hispano, que invoca um crédito de € 263.452,81;

e) BanifLeasing, S.A., que invoca um crédito de € 170.634,16.

31. O requerido não tem acesso a crédito bancário.

32. A requerente enviou ao requerido uma carta datada de 19 de Março de 2003, junta a fls. 119 e cujo teor aqui se dá por reproduzido e essa carta foi recebida pelo requerido no dia 24 de Março de 2003.

33. A requerente enviou ao requerido uma carta datada de 19 de Março de 2003, junta a fls. 122 e cujo teor aqui se dá por reproduzido e essa carta foi recebida pelo requerido no dia 24 de Março de 2003.

34. No dia 27 de Março de 2007 foi inscrita na matrícula da sociedade H a renúncia do requerido ao cargo de presidente do seu conselho de administração, reportando-se a renúncia a 20 de Dezembro de 2006.

A segunda instância teve em atenção:

35. É o seguinte o iter processual a ter em consideração:

a) Em 13.09.2004 a CGD requereu a declaração de falência de Américo Fernando Costa e Silva (fls. 171-180).

b) Em 23.09.2004 foi proferido despacho ordenando a citação do requerido e de todos os credores deste (fls. 212).

c) Em 25.02.2005, A deduziu oposição à falência (fls. 220-239).

d) Em 09.03.2005, o Ministério Público justificou o crédito relativo a IRS e custas (fls. 279-281).

e) Em 10.03.2005, o credor BES justificou o seu crédito (fls. 282-283).

f) Em 14.03.2005, a requerente CGD apresentou resposta à oposição e juntou documentos alegadamente comprovativos da notificação efectuada a A (fls. 284-293).

g) Em 10.03.2005 e 15.03.2005, os credores de A, BES e BCP justificaram os seus créditos (fls. 282/297-308-385).

h) Em 24.03.2005, A veio responder à resposta à oposição apresentada pela CGD, que deu origem à oposição desta, tendo tal articulado sido dado por não escrito, por despacho de 17.05.2005 (fls. 386-394/429-432).

i) Em 31.03.2005, o credor BCP veio reduzir o montante do seu crédito, que deveria ser de € 13.471.000,75 e não € 13.921.000,75, como por lapso constava da justificação de créditos apresentada (fls. 410).

j) Em 12.04.2005, A veio contestar s justificação de créditos apresentada pelo Administração Fiscal e pelo BES (fls. 415-417).

k) Em 15.06.2005, foi levada a efeito audiência de julgamento, tendo sido ouvido em declarações A e inquiridas várias testemunhas (fls. 447-451).

l) Em 16.06.2005, foi proferida decisão e, por se entender estar indiciada a situação de insolvência de A, foi ordenado o prosseguimento da acção declarativa de falência (fls. 452-455).

m) Em 05.07.2005, foi proferido despacho a ordenar a citação dos credores nos termos do artigo 243º do CPEREF (fls. 464).

n) Em 31.08.2005, a credora Caixa-Banco de Investimento, S.A. veio requerer o indeferimento liminar do requerimento de homologação de uma proposta de concordata particular, nos termos dos artigos 240º e ss do CPEREF, apresentada por A (fls. 647-659).

o) Em 05.09.2005, a credora Caixa-Banco de Investimento, S.A. veio juntar documentos comprovativos do seu crédito (fls. 660-704).

p) Em 25.01.2006, a requerente CGD veio requerer o indeferimento do documento de pedido de concordata particular apresentado por A (fls. 714-718).

q) Na sequência do ofício da DGCI, datado de 25.01.2006, a Magistrada do Ministério Público deduzir embargos à proposta de concordata particular apresentada por A (fls. 712-713).

r) Em 16.02.2006, a credora Totta-Crédito Especiaizado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. veio deduzir oposição à proposta de concordata particular e reclamar os seus créditos (fls. 725-730).

s) Em 28.03.2006, os mandatários de A renunciaram ao mandato (fls. 465-466).

t) Em 31.10.2006, A veio juntar procuração conferida a novo mandatário (fls. 470-471).

u) Em 18.10.2006, a credora Banif Leasing, S.A. veio dar conhecimento do seu crédito, invocando que o mesmo havia sido omitido na proposta de concordata particular apresentada por A, requerimento ao qual este respondeu (fls. 748-822, 889-908).

v) Em 25.02.2008, foi proferido decisão não homologando a proposta de concordata particular apresentada por A, por a mesma ter a oposição de credores representando mais de 51% dos créditos atingidos pela providência (fls. 823- 827).

w) Em 25.02.2008, foi proferido despacho designando para julgamento, o dia 14.04.2008 (fls. 472-473).

x) Em 14.03.2008, A apresentou requerimento impugnando o valor dos créditos reclamados pelos credores Caixa B.I. e Santander (fls. 474-476).

y) Em 10.04.2008, A veio invocar a incompetência absoluta do Tribunal, insistindo, através de novo requerimento de 19.05.2008, tendo sido proferido despacho de 21.05.2008, deferindo tal questão para a audiência de julgamento (fls. 479-482,486-487).

z) Em 10.04.2008, A apresentou alegações, referente ao recurso incidente sobre a decisão datada de 25.02.2008 (fls. 831-876).

aa) Em 05.05.2008, o julgamento veio a ser adiado para 26.05.2008 (fls. 483)

bb) Em 26.05.2008, teve lugar a audiência de julgamento, na qual foi proferido despacho saneador, fixados os Factos Assentes e organizada a Base Instrutória (fls. 488-496)

cc) Em 27.05.2008, foi proferida sentença, declarando a falência de A (fls. 497-509).

dd) Em 09.06.2008, foi proferido despacho no apenso de concordata, anulando-se a decisão que não a homologou, atenta a omissão de notificação, ao requerente da concordata, da oposição apresentada por Banif Go-Instituição de Crédito, S.A. (fls. 935-938).

ee) Em 09.06.2008, foi proferido despacho no processo da falência, anulando o despacho que havia determinado a cessação da suspensão da instância e todo o processado subsequente, incluindo a decisão que decretou a falência, suspendendo-se os termos do processo de falência (fls. 512-513).

ff) Em 20.06.2008, A, invocando ter tomado conhecimento da anulação da sentença não homologatória da concordata particular, veio apresentar requerimento, nos termos do artigo 506º do CPC, por entender que decorridos três anos sobre a apresentação da proposta de concordata, ocorreram alterações susceptíveis de influenciar a decisão da causa, pronunciou-se, de novo, sobre os créditos da requerente da falência e dos credores que deduziram oposição à concordata, mais tendo invocado a necessidade de reformulação da concordata (fls. 942-967).

gg) Em 23.06.2008, A apresentou novo requerimento, ao abrigo do artigo 3º, nº 3 do CPC (fls. 968-971).

hh) Em 30.06.2008, a credora Banif Go respondeu ao requerimento apresentado por A (fls. 977-982).

ii) Em 01.07.2008, A veio juntar documentos atinentes ao invocado no articulado apresentado em 20.06.2008 (fls. 989-993).

jj) Em 08.07.2008, A pronunciou-se sobre o requerimento da credora Banif Go, invocando o disposto nos artigos 3º, nº 3 e 506º do CPC (fls. 985-988).

kk) Em 22.06.2009, foi proferido despacho ordenando a notificação dos credores para se pronunciarem com relação aos requerimentos e documentos apresentados por Américo Fernando Costa e Silva (fls. 997).

ll) Em 25.09.2009, o credor BCP veio confirmar que os seus créditos não haviam ainda sido pagos e que se opunha à proposta de concordata apresentada por A (fls. 998).

mm) Em 28.09.2009, o credor/requerente CGD veio reiterar a não aceitação da proposta intitulada de Concordata Particular, requerer a não admissão os factos articulados por A como supervenientes, impugnando os factos por este alegados (fls. 999-1015).

nn) Em 11.01.2010 e 06.05.2010 foram ordenadas notificações a alguns credores e ao requerente da concordata (fls. 1017-1018).

oo) Em 24.10.2010, A apresentou novo requerimento renovando considerações acerca dos créditos dos credores CGD, A.F., BES, Santander, CBI, BANIF, BPN, BNC e BCP, invocando a ilicitude da conduta da CGD, designadamente por instrumentalizar o processo de falência para cobrar uma alegada dívida (fls. 1019-1067).

pp) Em 31.05.2010, CGD respondeu ao requerimento apresentado por A (fls. 1071 e ss).

qq) Em 10.03.2011, A veio requerer a junção de documentos visando impugnar o alegado pela CGD quanto ao facto de lhe ter sido dado conhecimento dos montantes em falta devido pela sociedade “L, S.A:” (fls. 533-534).

rr) Em 17.03.2011, A veio juntar documentos visando impugnar os créditos dos credores BES, Santander Totta, Caixa Banco de Investimento e AF (fls. 572-573).

ss) Em 22.02.2011, foi proferida decisão incidente sobre o requerimento apresentado por A, em 24.10.2010 e, por considerar que nenhum dos credores, seja os que o requerente da concordata reconhece como credores, seja aqueles cujos créditos este impugna, aceitou a proposta apresentada, não foi homologada a proposta de concordata particular por aquele apresentada (fls. 1077-1081).

tt) Em 25.03.2011, inconformado com a decisão de não homologação da concordata, A veio interpor recurso e solicitar a reforma da decisão (fls. 1083-1087).

uu) Em 18.12.2013, a Magistrada do Ministério Público veio apresentar contra-alegações (fls. 1090-1101).

vv) Por acórdão do TRL de 18.11.2014, e devido à ausência de conclusões foi julgado findo o recurso de apelação, interposto por A, pelo não conhecimento do respectivo objecto (fls. 1103-1105).

ww) Em 23.02.2015 foi proferido despacho, declarando cessada a suspensão da instância, atento o trânsito em julgado da sentença de não homologação da concordata particular (fls. 587).

xx) Em 02.03.2015, tendo o processo baixado à 1ª instância, foi proferido despacho, determinando a subida dos autos ao TRL, uma vez que o apelante invocava não ter sido notificado do Acórdão (fls. 590, 1110).

yy) Por despachos do relator no TRL, de 21.04.2015 e 30.04.2015, foi ordenada nova notificação do Acórdão para o novo domicílio profissional do respectivo mandatário (fls. 1111-1112).

zz) Na sequência do pedido de reforma do anterior acórdão, por parte do recorrente, foi proferido Acórdão, em 14.07.2015, no qual se decidiu reformar o acórdão de 18.11.2014, ordenando-se a baixa do processo ao tribunal de 1ª instância, a fim de ali ser julgado deserto, por falta de alegações tempestivas, o recurso interposto pelo recorrente A, em 25.03.2011 (fls. 1113-1116).

aaa) Em 02.12.2015, A apresentou novo requerimento pronunciando-se, uma vez mais, sobre os créditos dos credores CBI, TCS (Totta Crédito Santander), BES, tendo a CGD respondido, invocando a extemporaneidade do requerimento apresentado (fls. 599-601).

bbb) Em 08.01.2016 e 11.01.2016, teve lugar a audiência de julgamento e proferida sentença, declarando a falência de A (fls. 610-634, 635-646).

Vejamos.

Como deflui do Aresto impugnado, o ora Recorrente, em sede de recurso de Apelação, concluiu, além do mais do seguinte modo:

« (…) vii. Assim, a questão que se coloca e que o Recorrente pretende ver esclarecida é a seguinte: a prolação de uma sentença em primeira instância no Tribunal do Comércio de um processo urgente por mais de onze anos viola ou não o art. 20º da CRP consubstanciando em si mesmo, pela morosidade, uma denegação de justiça?

viii. E viola ou não o art. 20º da CRP uma afirmação enxertada numa sentença que confunde fazer valer os direitos processuais da parte com expedientes dilatórios em ordem a “arrastar o processo"? Padecendo, por essa via, a douta sentença de inconstitucionalidade?

ix. Da mesma forma, impondo a lei celeridade processual ao processo de falência (processo urgente) e observando-se o dispositivo legal por uns tribunais mas não por outros (como é o caso sub judice) estamos ou não perante uma violação do art. 13° da CRP, já que estamos perante um tratamento diferenciado de situações iguais.

x. Outra das questões que se coloca é a de saber em que medida a utilização indevida do processo de falência para cobrança de uma dívida não amputou as garantias de defesa do Recorrente, o que não aconteceria num processo de execução.

xi. Acresce, que a requerente ao optar por um processo urgente e expedito, nem sequer curou de ter de demonstrar se a dívida era certa, líquida e exigível, por um lado, e por outro actuando com manifesta má fé - mais concretamente em abuso de direito - por se fazer valer de um expediente processual que na prática, limita os direitos de defesa.

Vejamos,

xii. A inversão do ónus da prova que o art. 8º da CPEREF promove, impondo ao Recorrente o ónus de proceder ao pagamento como única forma de ilidir a presunção de que é devedor constante da al. a) do citado artigo - cfr. espelha a própria sentença "demonstrada a existência da dívida cabia ao embargante demonstrar que havia uma razão justificativa para o não cumprimento, porque é que até à data, mais de 11 anos depois, não conseguiu efetuar o pagamento" - determina a impossibilidade que o mesmo possa arguir excepções para o não cumprimento - as quais são sempre admissíveis no domínio das relações imediatas, uma vez que a livrança não entrou em circulação.

xiii. Como se verifica e resulta da sentença recorrida, o acento tónico é colocado exclusivamente no pagamento não na razão justificativa para esse pagamento não ter sido feito, o que se compreende, de resto, por não ser essa a vocação do tribunal de comércio que tem competência especializada.

xiv. Ou seja, a interpretação dada ao art. 8º CPEREF na aceção feita pela sentença recorrida é inconstitucional, na medida em que ao colocar o acento tónico exclusivamente nos meios de pagamento precludiu a possibilidade de o Recorrente poder alegar outras forma de defesa.

xv. Como na prática aconteceu, já que, pese ter sido arguida a falta de interpelação e de a requerente não ter juntado aos autos meios de prova que ilidissem o contrário.

xvi. Como se disse, não foi provado, contrariamente ao que a douta sentença estatui, que o alegado credor tenha procedido à interpelação do Recorrente, desde logo, porque os avisos de receção que juntou aos autos apresentam uma morada que não encontra correspondência nas moradas constantes dos contratos que pela via da falência pretende executar.

(…)

Pede, por isso, o apelante que:

(…)

Sejam analisadas as questões de constitucionalidade colocadas em ordem a determinar se a douta sentença e as interpretações inconstitucionalizantes susceptíveis de coarctar os direitos do Recorrente violam ou não o art. 20° da CRP e o art. 13º também da CRP;

Seja analisada a questão da utilização indevida do processo de falência para cobrança de uma dívida, já que o art. 8° do CPEREF determina uma inversão do ónus da prova contra o Recorrente que obvia a que o mesmo possa exercer os seus direitos os quais estariam salvaguardados num processo de execução.(…)»

Daqui deflui, com mediana clareza, que as questões suscitadas, aqui, em sede de Revista, já haviam sido suscitadas em sede de recurso de Apelação.

Face a esta paridade de fundamentos recursivos cumpre-nos dizer o seguinte.

Como deflui do normativo inserto no artigo 674º, nº1 CPCivil «A revista pode ter como fundamento: a) A violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;(…)» aplicando-se a esta espécie de recurso no que tange à sua interposição as mesmas regras da Apelação, cfr artigo 679º, do mesmo diploma, de onde, em termos formais, ser aplicável à Revista, além do mais, o preceituado no artigo 639º, nº1 e 2 do CPCivil, impendendo sobre o Recorrente o ónus de alegar e formular conclusões, sendo que estas terão de versar, obrigatoriamente, sobre as razões da sua discordância em relação à Lei substantiva aplicada no Acórdão recorrido, porque este recurso de Revista abrange, unicamente, a violação desta, sendo a função do STJ neste conspectu corrigir os eventuais erros de interpretação e de aplicação das normas jurídicas cometidos pelo Tribunal da Relação, cfr José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume VI, 1953, pag 2.

In casu, o Recorrente, sem embargo de se repetir na tese que defende, aponta especificamente as razões da sua dissidência com o Acórdão da Relação de que recorre, ao qual imputa a mesma violação de Lei que já havia imputado antes à sentença de primeira instância, as inconstitucionalidades e a pretensa utilização indevida do processo de falência.

Revisitemos então estas temáticas.

1.Da prolação da sentença após onze anos.

Insurge-se o Recorrente contra a decisão proferida no Acórdão impugnado, porquanto na sua tese, a mesma contenderá com o artigo 20° da CRPortuguesa que garante acesso à justiça, mas igualmente com o artigo 13° do mesmo diploma, já que é suscetível de potenciar uma aplicação da justiça diferenciada, nuns casos mais célere e noutros ao retardador, levando necessariamente à verificação de assimetrias entre cidadãos iguais.

Quid inde?

Comecemos por analisar o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRPortuguesa, no que à economia da questão solvenda diz respeito.

Aquele normativo predispõe no seu nº1 o seguinte: «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.», acrescentando o seu nº4 que «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.».

Como deflui do Acórdão do Tribunal Constitucional de 8 de Abril de 2015, nº220/2015 (Relator Fernando Vaz Ventura), in www.dgsi.pt, «(…) A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao pro­cesso, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão funda­mentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).

Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano­tada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).

Por outro lado, importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no referido artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.(…)».

Ora, este direito fundamental ao processo equitativo, não foi de todo em todo coarctado ao Recorrente, o qual, como decorre de toda a sua actividade processual espelhada no ponto 35 da matéria assente, pode usar ao longo de onze anos de todos os expedientes processuais que entendeu por convenientes, para defender a sua tese, tendo-lhe sido proporcionados todos os meios efectivos de defesa do direito que se arrogava, bem como, igualmente, aos restantes intervenientes processuais.

Não se vê, assim, como se mostra tolhido este direito, bem como o princípio da igualdade, aludido no artigo 13º da Lei Fundamental, convocado pelo Recorrente, neste preciso conspectu.

Questão diversa assenta na morosidade do processo, pois efectivamente, os onze anos que decorreram até à prolação da decisão, não cabem na noção de «prazo razoável».

Contudo, a falta de razoabilidade do prazo, nunca poderia impedir o Tribunal de proferir a decisão, sob pena de denegação de justiça, pois sobre as instâncias jurisdicionais impende o dever de se pronunciarem sobre os pedidos que lhes são formulados, nos termos do artigo 8º do CCivil e 202º da CRPortuguesa.

A decisão de que aqui curamos, se se mostra tardia e por isso, quiça, ofende algum direito do Recorrente, poderá dar lugar a uma acção de indemnização por violação do artigo 6º, nº1 da Convenção dos Direitos do Homem, no qual se prevê que «Qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada (...) num prazo razoável, por um tribunal (...), o qual decidirá (…) sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil (...)», por via do preceituado no artigo 13º da mesma Convenção, no qual se lê «Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuaram no exercício das suas funções oficiais.», podendo intervir o Tribunal Europeu, após o esgotamento dos meios internos, nos termos do artigo 35º daquela mesma Convenção, cfr a propósito Irineu cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 4ª edição, 304/307; Decisão do TEDH, de 22 de Maio de 2003 no caso Maria de Lurdes Gouveia da Silva Torrado contra Portugal, in www.echr.coe.in.

Quer isto dizer que, por muita razão que tenha o Recorrente quanto à morosidade da justiça, com a qual aliás compactuou ao longo dos anos, terá de acionar os meios próprios para ser ressarcido, se assim entender e se a tal tiver direito, o que, diga-se, quod est desmonstrandum.

Aqui, a justiça foi feita, na medida em que se conheceu, tarde, mas conseguiu-se conhecer, da sem razão do Recorrente, não sendo este o meio adequado para este se insurgir contra a produção tardia daquele resultado.

Soçobram, assim, as conclusões quanto a este ponto.

2.Da nulidade do Acórdão Recorrido.

Imputa o Recorrente ao Acórdão recorrido o vicío da nulidade, por no seu entendimento o mesmo reflectir um venire contra factum proprium, ao acusá-lo de, por utilizar os meios jurídicos que o ordenamento coloca ao seu dispor, visar prorrogar a todo o transe a declaração de falência, imputando o ónus da prolação da sentença ao Recorrente.

Os vícios dos Acórdãos são pautados pelos vícios da sentença, referindo-se aos mesmos os segmentos normativos insertos nas várias alíneas do nº1 do artigo 615º do CPCivil:

«É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.».

Daqui resulta, inequivocamente, que a apontada nulidade do Acórdão não encontra qualquer respaldo na lei processual.

Eventualmente quereria o Recorrente aventar a existência de uma contradição nos termos, pois cabe ao Tribunal produzir as decisões, independentemente dos direitos de defesa conferidos aos intervenientes processuais.

Contudo, se os intervenientes usam até à exaustão de todos os direitos de defesa que a Lei lhes confere, protelando assim o normal desfecho processual, é óbvio que o Tribunal não poderá ser célere e razoável na finalização dos termos, a não ser que coarcte às partes alguns dos poderes que a Lei lhes atribui.

Todavia, a constatação feita pelo segundo grau de que se a decisão foi proferida onze anos mais tarde, a tal não foi estranho o comportamento do Recorrente, para além de se encontrar perfeitamente justificada pelo comportamento processual deste, cfr ponto 35. da factualidade assente, não consubstancia qualquer abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, pois não houve qualquer violação da tutela da confiança, nem qualquer actuação por banda das instituições judiciais, contrária ao expectável.

A apontada constatação traduz, apenas e tão só, um obiter dictum na fundamentação, quando se partilhou a culpa no atraso: o Tribunal não descartou a sua culpa, mas chamou a atenção do Recorrente de que esta não era exclusiva, porquanto o seu comportamento processual propiciou, em muito, o largo atraso existente, actuação largamente exemplificada e demonstrada nos autos, através das suas variadas e constantes intervenções processuais, legitimas, com certeza, mas obstaculizadoras de um resultado mais atempado, certamente.

Claudicam por aqui as conclusões quanto a este particular.

3.Da ilegalidade do processo falimentar.

Insurge-se ainda o Recorrente contra o Aresto impugnado, uma vez que entende ser inconstitucionalizante a interpretação que no caso concreto foi dada ao artigo 8º do CPEREF, porquanto foi o mesmo utilizado indevidamente para cobrar uma dívida, atentando claramente contra o artigo 13° da CRPortuguesa, na medida em que põe à disposição do credor meios distintos de grau diferente no que respeita à defesa dos direitos do devedor, gerando desigualdade no seio dos devedores.

Vejamos, então.

O processo de falência existente na data da propositura da acção e aqui aplicável (CPEREF), à semelhança do actual processo insolvencial, constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação.

A massa abrange, desta feita, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que forem por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo.

Porque se trata de um procedimento de natureza mista, quer dizer, por um lado contem uma faceta declarativa que visa a apreciação e decisão sobre a verificação dos pressupostos tendentes à declaração do estado falimentar, por outro, uma faceta executiva conducente à liquidação do património do devedor.

Naquela primeira fase, impõe-se a verificação dos factos índice carreados para os autos pelos Requerentes da falência, no caso, o crédito da Recorrida CGD, invocado nos termos do disposto no artigo 8º, nº1, alínea a) do CPEREF, isto é «Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;», tendo sempre em atenção que a falência apenas pode ser decretada se e quando se apure que o Requerido se encontra numa situação de carência de meios próprios e de falta de crédito, que o impeça de cumprir pontualmente as suas obrigações, artigo 3º do apontado diploma.

Esta situação pontual, pressupõe a alegação e prova daquelas circunstâncias específicas, que in casu se vieram a apurar, e, por outro lado, dispondo o normativo inserto no artigo 129º, nº1, alínea a) do CPEREF que o devedor que tenha sido decretado em situação de falência pode «(…) opor embargos à sentença, quando haja razões de facto ou de direito que afectem a sua regularidade ou real fundamentação (…)», o que fazia impender sobre o Recorrente o ónus de alegar e provar que a decretação de falência ocorrida teria sido produzida sem que existissem quaisquer razões de facto e/ou de direito que a sustentassem, apesar de ter usado de todos os expedientes processuais que a Lei e as circunstâncias lhe permitiram, tendo-lhe sido dadas ao Recorrente todas as garantias de defesa, por forma a contrariar a pretensão da Recorrida, não logrou conseguir tal resultado.

                                   

De outra banda, sempre se diz que o processo executivo visa a obtenção da satisfação do credor à custa do património do devedor, como deflui do artigo 601º do CCivil, o que pressupõe para além da falta de pagamento e da mora, que o devedor não satisfaça voluntariamente a obrigação a que está obrigado: «Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.», artigo 817º daquele mesmo diploma substantivo.

Aqui, nesta sede executiva, o devedor não cumpriu e o credor vai-se satisfazer através do seu património, tout court.

Naqueloutra sede falimentar, a questão põe-se de modo distinto: o devedor não cumpriu e o credor tem elementos que lhe permitem fazer crer que a situação patrimonial daquele não lhe permite satisfazer a generalidade das suas obrigações, impondo-se então a adopção de outro tipo de medidas mais drásticas, vg, a declaração de falência requerida e obtida.

A seguir-se a tese do Recorrente, teríamos então uma impossibilidade quase total de coexistência dos processos de insolvência e de execução, porque aquele sempre seria, na sua óptica, um processo de execução encapotado, atenta a sua vocação universal e concursal visando excutir o património do devedor com vista à redistribuição equitativa por todos os seus credores.

Só que, esta visão redutora do Recorrente tem por base a desconsideração completa dos requisitos exigidos pela Lei para a declaração de falência, soçobrando por isso a tese desenvolvida pelo mesmo.

                                                      

Não se vislumbra, pois, em que medida é que se violou a Lei fundamental, máxime o artigo 13º da CRPortuguesa, já que, conforme se deixou exposto o Recorrente, nesta sede falimentar teve ao seu dispor todos os meios de defesa, não tendo sido infringido qualquer direito.

Improcedem igualmente as conclusões neste ponto.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 29 de Novembro de 2016

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes