Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
276/08.5TCSNT-A.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Data do Acordão: 05/15/2025
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I - A decisão é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

II - Não existe nulidade caso o juiz, ao fundamentar a decisão sobre essas questões, não aprecie as linhas argumentativas apresentadas pelas partes.

III - Relativamente ao recurso de revista de decisão interlocutória, deve ser declarada a extinção da instância recursiva por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º alínea e) do CPC se, ainda que admitido o recurso, na sua procedência, tal decisão seria absolutamente inútil, face ao trânsito em julgado da decisão final.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. intentou execução comum contra;

AA,

BB,

CC e

DD, todos melhor identificados nos autos.

Invoca a Exequente a celebração de dois contratos de mútuo com a 1.ª executada, através dos quais lhe emprestou as quantias de €95.000,00 e de €40.000,00, e nos quais os 2.º e 3.º executados intervieram na qualidade de fiadores.

À data da execução – 29-02-2008 – a dívida ascendia a € 132.504,51.

O pagamento da dívida foi garantido através de hipoteca que incidiu sobre o imóvel adquirido pela executada e seu marido e para pagamento do qual foi celebrado o contrato de mútuo.

Citada, a executada AA deduziu oposição à execução, para tanto alegando, em síntese, (i)a falta de título executivo, (ii) a falta de registo da alegada alteração ao contrato de mútuo, e ainda (iii) a excepção peremptória de não accionamento do seguro do seguro de invalidez. Com efeito, o contrato de seguro celebrado em 2003 com a Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, SA, garante em caso de morte ou invalidez a liquidação do montante em dívida e juros. Ora, em 2003, foi-lhe diagnosticada uma doença do foro oncológico, na sequência do que lhe foi depois fixada uma incapacidade permanente global de 85%. Tendo comunicado, atempadamente, estes factos ao Banco e à seguradora, fornecendo toda a documentação que lhe foi solicitada, mas que o Banco não acionou os mecanismos do seguro, limitando-se a exigir a amortização da dívida, recusando encontrar uma solução para o problema, designadamente a dação em pagamento do imóvel, que propôs e lhe foi recusada.

Recebida a oposição, contestou o Banco Espírito Santo, S.A. defendendo, entre o mais, que os documentos dados à execução constituem título executivo.

A oponente AA veio a falecer, em ... de ... de 2013, na pendência da acção, tendo sido habilitados como sucessores os seus pais CC e BB,

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento, tendo sido proferida sentença, com data de 17/07/2022, com o seguinte dispositivo:

Termos em que, face ao exposto, julgo a presente oposição parcialmente procedente, por provada e, em consequência, determino o prosseguimento da execução, mas apenas para cobrança do capital em dívida, acrescido de juros calculados desde 17.04.2008, até integral e efetivo pagamento”.

Inconformados, os embargantes CC e BB interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que proferiu acórdão, no qual deliberou:

Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto efectuada pelos recorrentes, determinando o aditamento à factualidade assente do facto 12-A (supra referido);

No mais, julgar improcedente a apelação apresentada, mantendo-se a decisão recorrida.”

Ainda inconformados vieram os Embargantes interpor recurso de revista excepcional para o STJ, invocando como fundamentos da excepcionalidade da revista interposta, os previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do Código de Processo Civil.1

Foi proferido despacho a remeter os autos à Formação a fim de que fosse apreciada a verificação dos requisitos da revista excepcional quanto à impugnação do acórdão recorrido, na parte em que o mesmo apreciou o mérito da oposição à execução.

O acórdão que antecede não admitiu a revista excepcional.

Prevendo-se não poder conhecer do objecto do recurso (art.º 652 n.º 1 h) e 277.º e) do CPC), determinou-se a notificação das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 655.º do CPC.

Por decisão singular proferida em 12-03-2025, foi julgada extinta a instância recursiva nos termos do disposto nos artigos 652 n.º 1 h) e 277.º e) do CPC, não se tomando conhecimento do recurso.

Inconformado com esta decisão, CC,na qualidade de cabeça-de-casal da Herança, vem arguir a nulidade da decisão e reclamar para a conferência da não admissãodo recurso, concluindo o seguinte:

1 - Prescreve o artº 615 nº 1 d) do CPC que a decisão é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, como foi o caso na decisão singular de 12-3-25.

2- No caso dos autos, foi logo proposto o não conhecimento do recurso, e ocorreu também o indeferimento do pedido de prorrogação, mas o Recorrente apresentou requerimento onde se opôs veementemente à extinção da instância recursiva, por suposta inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º alínea e) do CPC e contestou o conhecimento oficioso da alegada inutilidade.

3- O ora recorrente, no seu requerimento de 14/11/24 apresentado na sequência da notificação de 30/10/2024,......72, com o despacho de 29-10-24, opôs-se desde logo e com veemência, à extinção por conhecimento oficioso de inutilidade porquanto, a questão da admissão da intervenção da seguradora não se estende apenas aos embargos em julgamento, terá efeitos na execução e numa ação declarativa contra a mesma seguradora com o nº 9297/23.7..., onde foi levantada a questão da prescrição, mas a decisão de 12-3-25 omitiu pronuncia sobre esta questão.

4- A decisão de 12-3-25 omitiu também pronuncia sobre o que foi alegado em 14/11/24 de que ainda não existia trânsito em julgado porque existem outros embargos à mesma execução, neste STJ, do quais também se aguarda certidão, e o julgamento de ambos foi conjunto em 1ª Instância, e portanto está em análise uma questão que pode ser útil aos autos, conforme foi assinalado pelo Acórdão da Secção de formação deste STJ.

5- A decisão de 12-3-25 omitiu também pronúncia sobre a existência do Acórdão do apenso “B” da secção da formação do S.T.J. notificado às partes em 28-2-2025, no qual foi revogada a sentença da 1ª Instância, e que concedeu a revista em parte, e na parcial revogação do acórdão recorrido, determina-se que os autos de execução, de que estes são apenso, prossigam os seus ulteriores termos para cobrança das prestações não pagas e respectivos juros, até à propositura da acção executiva.

6- O Acórdão supra referido nº 276/08.5TCSNT-B.L2.S2 – Revista excepcional no apenso “B”, tem manifesta influência nos presentes autos, pois a decisão de redução da quantia exequenda aplica-se à totalidade da execução, cuja quantia exequenda era de €132.504,51, tendo sido agora reduzida ao pagamento das prestações não pagas e respectivos juros, somente até à propositura da acção executiva em 2008.

7- A análise do Acórdão que se transcreveu foi omitida na decisão de 12-3-25, sendo que a decisão proferida neste STJ em 27/2/25, confere total utilidade ao presente recurso de incidente de intervenção da seguradora nos autos de execução, pois a mesma entidade deve ser admitida nos autos para se pronunciar sobre se assume ou rejeita a responsabilidade assumida em 2003, nos empréstimos à habitação executados nos autos pelo ex-BES, S.A

8- O presente recurso deve ser admitido, pois em face da invalidez e posterior falecimento da executada AA, e considerando a decisão do Supremo no apenso “B” urge chamar aos autos a Seguradora para assumir as responsabilidades garantidas pelas apólices de Seguro identificadas nos autos, ou dizer o que tiver por conveniente, podendo, consoante a pronuncia, o Tribunal de 1ª Instância ainda pode remeter para os meios comuns, evitando-se assim que a Seguradora venha invocar a prescrição, pois a intervenção provocada foi requerida pela Embargante em 2008 e só foi indeferida em 1ª Instância em 2022.

9- A reclamação deve ser deferida pois existe omissão de pronúncia, pois foram ignoradas as certidões a comprovar o julgamento conjunto das duas oposições à execução (apensos “A” e “B”) e da pendência da acção nº 9297/23.7... - Ação de Processo Comum.

10-A decisão reclamada é NULA pois os argumentos jurídicos para sustentar a utilidade da admissão do recurso e suja análise foi omitida no despacho reclamado que não admitiu o recurso, tendo contribuído para agravar esta situação, o lapso de expediente, com a remessa dos autos à 1ª Instância em 6-2-25 Refª ......57, sem a decisão final, que veio a ser proferida em 12-3-25, sem curar de analisar os factos supervenientes para os quais o recorrente havia alertado no requerimento de 14/11/24, c/ a Refª....33.

11-O recurso deve ser admitido pois as normas do processo de declaração não são incompatíveis com a finalidade visada pelos embargos na espécie em apreço pois perante a decisão do STJ no apenso “B” e em face da redução da quantia exequenda e do falecimento da executada mutuária, faz todo o sentido ser admitido o presente recurso para se apurar nos autos de execução em que circunstâncias os seguros, já accionado, poderão pagar a quantia pedida (e já reduzida) na acção executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na presente oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora.

12 - Na inconstitucionalidade arguida atempadamente, verifica-se que o indeferimento da prorrogação gerou uma nulidade por omissão de pronúncia na decisão reclamada, porque este Supremo Tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação.

13 - Essa dimensão normativa artigos 141.º n.º 1, art.º 569.º n.º 5, 655.º e 660º do CPC, deve ser interpretada em conformidade com o princípio da proporcionalidade é imposto pela Constituição da República Portuguesa, e não foi cumprida no Despacho de 15-11-24, no despacho de 16-1-25 e no despacho de 12-3-25, sob reclamação.

14 - Do preceito enunciado e no caso de vir a ser julgado inconstitucional Artºs 141.º n.º 1, art.º 569.º n.º 5, 655.º e 660º do CPC , o Tribunal pode apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.

15 - Ora, a presente reclamação satisfaz minimamente este requisito pois suscita uma questão de inconstitucionalidade, ao aduzir que qualquer interpretação do disposto nos artigos 141.º n.º 1, art.º 569.º n.º 5, 655.º e 660º do CPC, da qual resulte necessariamente indeferimento de pedido de prorrogação por 5 dias, viola materialmente o disposto nos artigos 13º e 20.º da CRP.

16 - Pelo que, a Herança reclamante, na qualidade de recorrente identificou positivamente o sentido da interpretação normativa inconstitucional.

17 - Donde a Herança recorrente suscita adequadamente, em reclamação para a conferência, uma questão de inconstitucionalidade normativa,

NORMAS VIOLADAS: Artº 615 nº 1 al. d) e 141.º n.º 1, 157 nº 6, 277.º alínea e) e art.º 569.º n.º 5, 655.º e 660º todas do CPC e Artigo 323.º do C.Civil.


*


II - OS FACTOS

Os elementos com relevância para a decisão são os que constam do relatório supra.

III - O DIREITO

As questões a decidir são:

1 - Nulidade do despacho reclamado por omissão de pronúncia

2 - Admissibilidade do recurso e extinção da instância recursiva

1 - Prescreve o art.º 615.º nº 1 d) do CPC que a decisão é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Deve, pois, o juiz conhecer “de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas”, constituindo nulidade o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão. Porém não constitui nulidade “a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, invocadas pelas partes2.

Ora, na decisão em análise, a questão a apreciar é a admissibilidade do recurso de revista do acórdão recorrido na parte em que apreciou a decisão da 1.ª instância que indeferiu o pedido de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, SA,

E foi essa a questão decidida. A decisão fundamentou as razões pelas quais entendeu dever julgar extinta a instância recursiva. Não estava o Tribunal obrigado a rebater os argumentos do Recorrente para defender a admissibilidade do recurso.

Improcede a invocada nulidade.

2 - Importa agora apreciar a questão da admissibilidade do recurso de revista do acórdão recorrido na parte em que apreciou a decisão da 1.ª instância que indeferiu o pedido de intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, SA, pois que quanto a esta decisão, não é admissível a revista excepcional, por se tratar de decisão interlocutória, como é jurisprudência assente deste STJ e como, confirmando essa jurisprudência, vem referido no acórdão da Formação.

Neste caso, apenas é admissível o recurso de revista ao abrigo do disposto no art.º 671.º n.º 2, dispondo nas suas alíneas a) e b) o seguinte:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam [os acórdãos] em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

Por sua vez dispõe o art.º 629.º n.º2, na parte que ora releva, que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…) d) do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

No caso em análise, os Recorrentes fundamentaram o seu recurso na contradição entre a decisão recorrida e os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-10-2019, proferido no âmbito do Processo 1896/18.5T8ACB-B.C1 e do Tribunal da Relação de Évora de 6-12-2018, proferido no âmbito do processo n.º 1930/15.0T8SLV-A. E1.

Existem, neste momento, no Supremo Tribunal de Justiça duas posições sobre a admissibilidade do recurso de revista de acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias tendo por fundamento contradição entre acórdãos de Tribunais da Relação.

De um lado, os defensores de uma tese mais ampla – interpretação declarativa 3- segundo a qual a remissão da alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º abrange todas as alíneas do n.º 2 do art.º 629.º incluindo, por conseguinte, a alínea d).

De outro lado, uma segunda tese – interpretação restritiva- segundo a qual a remissão da alínea a) do n.º 2 do art.º 671.º excluiria a alínea d) do art.º 629.º n.º 2.

Argumentam os defensores desta tese que o sentido e alcance das normas em apreço conduzem-nos à verificação de que o legislador ao definir as situações que se enquadram na alínea d) do n.º2 do art.º 629.º quis diferenciar aqueloutras prevenidas na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil. Se assim não fosse, bastaria ao legislador enunciar o fundamento previsto na alínea a) do art.º 671.º n.º 2, pois que esta alínea já remeteria para todas as situações previstas nas alíneas do art.º 629.º n.º 2, e entre elas a alínea d) onde está prevista a contradição de julgados.

Contudo não foi o que sucedeu. O legislador ao acrescentar a alínea b) ao n.º 2 do art.º 671.º, caracterizando o fundamento com base no qual quis definir a admissibilidade do recurso “contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça”, demonstra que se quis afastar do fundamento constante da alínea b) do art.º 629.º n.º 2.

Entender de outro modo, argumentam ainda, levaria à situação inadequada de “uma contradição de julgados em simples matéria interlocutória de natureza processual autorizar recurso para o Supremo, independentemente do valor da causa e da sucumbência, enquanto a oposição de julgados relativa a decisão final de mérito que viesse a ser proferida nas circunstâncias dos n.ºs 1 e 3 do art.º 671.º do CPC só admitiria recurso para o Supremo (por via da revista excecional) se se verificassem os requisitos atinentes ao valor e a sucumbência.4

Porém, a referida tese mais ampla que admite o recurso de revista de decisões interlocutórias com natureza adjectiva, nos termos dos artigos 671.º, n.º 2 a) e 629.º, n.º 2 d) do Código de Processo Civil, quando a invocada oposição de acórdãos ocorre com acórdãos dos Tribunais da Relação, assenta fundamentalmente, nos seguintes argumentos:

(i)a letra da lei, segundo a qual o que se extrai do artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil é o estabelecimento de duas diferentes situações de recorribilidade, fazendo a alínea a) uma remissão directa para o artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil sem exclusão das situações previstas no artigo 629.º n.º 2 d) do Código de Processo Civil;

(ii) a ratio legis ou razão teleológica, porquanto só com a admissibilidade da revista se assegura a efectiva viabilidade para, por intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, se pôr fim às contradições jurisprudenciais respeitantes a questões de direito adjectivo que possam ocorrer entre os Tribunais da Relação.5 “A ampliação da recorribilidade constitui a solução que garante a efectiva possibilidade de, por intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, serem superadas contradições ou divergências jurisprudenciais, ou erradas interpretações que tendam a consolidar-se ao nível das Relações em torno de questões de direito adjectivo que, por regra, não surgem no âmbito dos demais recursos de revista interpostos ao abrigo do n.º1 do art.º 671.º6

Assim, o presente recurso de revista seria admissível, à luz deste entendimento, nos termos do art.º 671.º n.º2 alínea a) e alínea d) do art.º 629.º n.º2 do CPC, verificada que fosse a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, sendo certo que, face ao que dispõe o art.º 854.º do CPC, pois estamos no âmbito de uma oposição a processo executivo, estaria ainda verificado o condicionalismo legal exigido de que “não caiba recurso ordinário por motivo estranho â alçada do tribunal”.

Contudo, ainda que sigamos esta tese mais ampla7 e ainda que estivesse verificada a oposição de julgados, no contexto processual em que nos encontramos, acima descrito, importaria questionar sobre o efeito útil deste recurso ainda que viesse a concluir-se pela sua admissibilidade ao abrigo do disposto nos artigos 671.º n.º 2 a) e 629.º n.º 2 d).

Equacionando a admissão do recurso e admitindo a respectiva procedência, ou seja, entendendo-se que deveria ter sido admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros Tranquilidade Vida, SA, qual seria a utilidade dessa decisão?

Entretanto, transitou em julgado o acórdão que julgou improcedentes os embargos (art.º 628.º do CPC). Assim, ainda que, por força da procedência deste recurso, viesse a ser julgado que deveria ter sido admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros, essa decisão seria inútil, pois o processo já não poderia voltar atrás, repetindo todo o processado com a presença da interveniente. Tal implicaria a anulação do processado que já não é possível, por falta de fundamento legal para tanto.

Nestas condições, sempre seria de reconhecer a extinção da instância recursiva por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277.º alínea e) do CPC.

Com efeito, a lide torna-se inútil quando ocorre um facto ou uma situação posterior à sua instauração que implique a desnecessidade ou a impossibilidade de sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito.

III - DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordamos, em conferência, na 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em manter a decisão singular proferida, julgando extinta a instância recursiva, nos artigos 652 n.º 1 h) e 277.º e) do CPC, e por conseguinte, não se tomando conhecimento do recurso.

Custas pelo Reclamante.

Lisboa, 15 de maio de 2025

Maria de Deus Correia (relatora)

Nuno Pinto Oliveira

Oliveira Abreu , com declaração de voto, como segue


Declaração de voto

O objeto da revista encerra uma decisão que não recai sobre a relação controvertida, tendo, isso sim, por objeto questão processual (indeferimento da requerida intervenção principal acessória formulado pela primitiva oponente no requerimento de oposição à execução), sendo que a Relação a conheceu enquanto intercorrência processual já conhecida em 1ª Instância.

Inexiste, neste caso trazido a Juízo, circunstância que quadre quaisquer dos casos previstos no mencionado art.º 671º n.º 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

Ademais, há obstáculos à admissibilidade do interposto recurso das decisões interlocutórias ao abrigo do art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, sendo que esta disposição adjetiva civil, não se confunde, de todo, com aqueloutro preceito condizente ao art.º 671º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil, ou está integrada na alínea a) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil.

Invocada uma oposição jurisprudencial com um outro Acórdão da Relação, na revista do acórdão que recaiu sobre intercorrência processual, está, necessariamente, afastada a hipótese da alínea a) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, e porque não existe qualquer impedimento impugnatório adveniente de razões de alçada, o recurso de revista interposto apenas poderia quadrar a situação prevenida na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, estando em causa a contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conforme expressamente se exige na citada alínea, o que não é o caso.

Tudo visto, entendo que não devia ser conhecido o objeto da presente revista dada a sua inadmissibilidade nos termos, abreviadamente, discreteados.

Oliveira Abreu

_________

1. Serão deste diploma legal, todos os preceitos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência.

2. José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, p.704.

3. Nuno Manuel Pinto Oliveira, in https://blogippc.blogspot.com/2024/03/apontamento-sobre-coordenacao-entre.html.

4. Acórdão do STJ de 12-11-2020, Processo 6333/15.4T8OER-A.L1.S1. disponível em www.dgsi.pt

5. Ao nível da Doutrina defendem esta tese Abrantes GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, pp. 61-71 e 415-416, bem como Lopes do Rego, in A dupla conforme, Cadernos do STJ – Secções Cíveis, Lisboa, 2021, pp. 16-17, e Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC: o regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Vol. II, Gestlegal, 2022, pp. 471.º e ss.

  Na Jurisprudência deste STJ, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 01-03-2018, Processo 3580/14.0T8VIS-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt

6. Vide Abrantes Geraldes, Ob.Cit.p.66-67.

7. Como seguimos, designadamente, no acórdão recentemente prolatado de 23-04-2025, Processo 939/16.1T8LSB-H.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt