Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECLAMAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DE ACÓRDÃO PENA DE PRISÃO PENA DE SUBSTITUIÇÃO PENA ÚNICA LIQUIDAÇÃO DA PENA CÚMULO JURÍDICO DESCONTO INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 05/14/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. A omissão de pronúncia a que se refere a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, aplicável a acórdãos proferidos em recurso por força do art. 425.º, n.º 4, significa, fundamentalmente, a ausência de tomada de posição ou de decisão do tribunal de recurso sobre matérias relativamente às quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa. II. A arguição da nulidade do acórdão anterior, que não descontou penas de prisão parcelares, suporta-se numa divergência quanto ao decidido, em virtude de essas penas, incluídas nas operações de cúmulo, não terem sido excluídas. III. A alegada omissão consistiria no não desconto dessas penas (art. 78.º, n.º 1, do CP), o que, sendo resultado da discordância quanto ao decidido, não constitui omissão de pronúncia. IV. Também não se verifica omissão por não ter sido ordenado o desconto parcial da pena de prisão que o arguido cumpre, o que, devendo ser oportunamente considerado em liquidação da pena, após trânsito da decisão que aplica a pena única, no cumprimento dessa pena, não carece de decisão no recurso que incide sobre a aplicação da pena. V. Também não se verifica omissão de pronúncia quanto ao não desconto das penas de substituição das penas de prisão parcelares, pois o acórdão reclamado pronunciou-se sobre essa questão, excluindo o desconto. VI. Termos em que se indefere o requerimento de arguição de nulidade, que não pode ser considerado como de recurso de constitucionalidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido, com a identificação dos autos, notificado do acórdão de 02.04.2025, que julgou improcedente o recurso que interpôs do acórdão condenatório, vem «nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c) e 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal (“CPP”), e com expressa invocação dos artigos 29.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”)», arguir «nulidade», do acórdão, nos termos e com os fundamentos seguintes: «[…] Por Acórdão datado de 2 de abril de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça julgou improcedente o recurso interposto pelo Arguido AA, mantendo a decisão recorrida – i.e. aplicação de uma pena única de 9 (nove) anos de prisão. Considerou, nomeadamente, este Tribunal que não cabia conhecer do recurso quanto às questões da exclusão da pena aplicada no processo n.º 7656/15.8... e extinção, com consequente exclusão, da pena aplicada no processo n.º 2537/10.4.... Fê-lo, desde logo, por entender tratar-se de matéria que não podia ser conhecida por estar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo, considerando que a situação de facto relevante seria aquela existente à data do primeiro Acórdão, de novembro de 2022 e que o Tribunal não poderia conhecer de factos supervenientes. Fê-lo, crê, o Arguido, erradamente, ferindo de nulidade o Acórdão proferido. Vício de que padece igualmente o Acórdão no que respeita à omissão de pronúncia no relativamente ao desconto a aplicar ao abrigo do disposto no artigo 81.º do Código Penal (“CP”) face à pena de prisão parcialmente cumprida pelo Arguido. Pese embora o Tribunal enuncie que a pena única a aplicar no cúmulo deve considerar penas de prisão que tenham sido parcialmente cumpridas, pronuncia-se somente quanto ao desconto (ou não) das penas suspensas parcialmente cumpridas à data que considera relevante para aferir da matéria a decidir em sede de cúmulo jurídico, omitindo pronúncia quanto ao desconto a aplicar face à pena de prisão parcialmente cumprida (desde 30 de setembro de 2021). À data que o Tribunal considera, i.e., novembro de 2022, o arguido já havia cumprido mais de um ano de prisão da pena determinada no âmbito do processo n.º 9492/05.0... – facto que o Tribunal a quo e este Insigne Tribunal pura e simplesmente ignoram sendo este um facto absolutamente essencial para a decisão a tomar nos presentes autos. A verdade é que entre o primeiro e o segundo Acórdão proferidos pelo Tribunal a quo ocorreram factos supervenientes com relevo jurídico essencial para a decisão justa que se pede à justiça digna de um Estado de Direito democrático e que este Tribunal não poderia deixar de considerar na sua decisão, nomeadamente, desconsiderou o Tribunal que: (i) No processo 7656/15.8..., a pena de prisão suspensa foi declarada extinta por decisão judicial transitada em julgado, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, por decurso do respetivo prazo de suspensão e ausência de revogação; (ii) No processo 2537/10.4..., também se verificou o decurso do prazo de suspensão da execução da pena, igualmente sem que tenha sido proferida qualquer decisão de revogação, pelo que tal pena se encontra, por força da lei, automaticamente extinta; e que, (iii) O arguido encontra-se a cumprir a pena de 7 anos e 6 meses de prisão efetiva desde 30 de setembro de 2021, não tendo sido efetuado qualquer desconto desse tempo de prisão efetiva no acórdão de cúmulo e na pena única aplicada. II. Da Nulidade do Acórdão por Omissão de Pronúncia e Violação de Princípios Fundamentais O Tribunal a quo, bem como este Tribunal, não se pronunciou sobre factos essenciais ao julgamento do cúmulo, qual seja a extinção de penas entretanto ocorrida e a ponderação e desconto da pena de prisão parcialmente cumprida pelo arguido. Não obstante tais factos tenham sido tempestivamente alegados e provados pelo Arguido. Sublinhando-se aqui que os limites da reforma do acórdão impostos pelo anterior acórdão proferido nestes autos por este Insigne Tribunal, em março de 2024, não se ficam pela inclusão da factualidade relevante do processo n.º 2537/10.4..., Dado que no seu acórdão, este Tribunal ordenou que o Tribunal a quo suprisse as nulidades apontadas na fundamentação e que incluíam, desde logo, a ponderação do desconto de pena a aplicar face às penas parcialmente cumpridas – desiderato que o Tribunal de primeira instância realizou ao decidir pela não aplicação de qualquer desconto relativamente às penas de substituição, mas não se pronunciando quanto ao desconto da pena de prisão efetiva parcialmente cumprida à data da prolação do acórdão. A verdade é que a ponderação da aplicação do desconto implicaria, por si só, que o Tribunal a quo atendesse àquela que era a situação à data o que, por seu turno, implicaria que tomasse em conta a decisão transitada em julgado que procedeu à extinção da pena aplicada no âmbito do processo n.º 7656/15.8... e, bem assim, ponderasse e decidisse face ao cumprimento da pena determinada nos próprios autos (considerando que o Tribunal não decidiu revogar, ou prorrogar, a pena de substituição ali aplicada), E não vale dizer que o primeiro Acórdão Cumulatório, de novembro de 2022, interrompeu, por si só, a execução das sentenças transitadas em julgado nos processos abrangidos pelo cúmulo – isto porque aquele acórdão, não tendo transitado em julgado, não se reveste da exequibilidade que consubstanciaria tal pretensão interruptiva, E tanto assim é que o Tribunal competente, no âmbito do processo n.º 7656/15.8..., emitiu a sentença que declarou extinta a pena ali aplicada e ordenou a inscrição de tal extinção no Boletim, tendo ademais certificado a data do trânsito em julgado da decisão que procedeu à extinção da pena aplicada ao arguido. Impunha-se, pois, que o Tribunal a quo considerasse a factualidade relevante à data do novo Acórdão que foi chamado a proferir face à procedência parcial do recurso interposto pelo Arguido na sequência do Acórdão proferido em novembro de 2022. É por demais evidente que as consequências da nulidade do acórdão Cumulatório proferido a 30 e novembro de 2022, declarada pelo Acórdão proferido por este Insigne Tribunal a 13 de março de 2024, obrigariam a que a operação de cúmulo fosse realizada ex nuovo, após a realização da audiência que teve lugar no dia 17 de abril de 2024. A omissão decorrente da desconsideração de tais factos [leia-se, a extinção das penas de substituição aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... (assim declarada por sentença transitada em julgado) e 2537/10.4... (pelo decurso do tempo e na ausência de sentença que tenha procedido à revogação ou prorrogação da pena de substituição aplicada)] constitui nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, uma vez que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que devia conhecer. Uma omissão de pronúncia que se estende ao Acórdão sub judice dado que este Insigne Tribunal decidiu não conhecer de tais factos – objeto do recurso interposto –, num juízo que, no entender do arguido, se revela contra legem e atentatório dos mais basilares princípios e valores que norteiam o sistema jurídico penal. A omissão de pronúncia que ora se invoca e que fere de nulidade o Acórdão proferido afigura-se materialmente relevante, porquanto a realização de cúmulo jurídico com inclusão de penas já extintas viola, desde logo, os princípios do favor rei (artigo 29.º, n.º 4 da CRP), da legalidade das penas (artigo 1.º do CP); e da proibição de reformatio in pejus (artigo 32.º, n.º 1 da CRP e 409.º, n.º 1 do CPP). O Acórdão que antecede não se pronunciou sobre os factos supervenientes acima descritos, apesar de terem sido expressamente invocados no recurso interposto. Tal omissão configura nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, por omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal deveria conhecer, inclusive ex officio. Ao recusar conhecer tais factos, o tribunal incorre ainda em erro notório na apreciação da prova e dos factos (artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP), por presumir a existência de penas que, legalmente, já não subsistem na ordem jurídica. Senão vejamos, O artigo 77.º do CP determina que o cúmulo jurídico só é admissível quando existam várias penas ainda não extintas, e os factos tenham sido praticados antes do primeiro trânsito em julgado. À data do segundo Acórdão Cumulatório, datado de abril de 2024, duas das penas que integravam o cúmulo já se encontravam legalmente extintas: a pena aplicada no âmbito do processo n.º 7656/15.8..., por decisão judicial expressa, transitada em julgado; e, a pena aplicada no âmbito do processo n.º 2537/10.4..., por operação automática da lei face ao decurso do tempo e à ausência de decisão judicial que tenha procedido à sua revogação ou prorrogação antes de decorrido o tempo da pena suspensa aplicada. Não subsistindo estas penas, deixa de estar reunido um dos requisitos essenciais do cúmulo jurídico, tornando-o processualmente inviável. O que implicaria, in limine, que este Insigne Tribunal – aliás, na linha do parecer emitido pelo Ministério Público – declarasse a «inutilidade superveniente» do cúmulo realizado por não se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos. A manutenção do cúmulo, apesar da extinção de parte das penas que o sustentavam e a recusa em considerar factos supervenientes mais favoráveis ao arguido, viola diversos preceitos constitucionais. Nomeadamente, estamos aqui diante de uma violação clara do princípio da legalidade penal, previsto no artigo 29.º, n.º 1 da CRP, segundo o qual nenhuma pena pode ser aplicada senão nos termos da lei: manter uma pena única determinada num cúmulo assente em penas extintas é, na prática, aplicar uma sanção sem base legal, Sendo que a consideração de tais penas na operação de cúmulo jurídico a realizar vai além da mera omissão de pronúncia, traduzindo-se num verdadeiro erro de julgamento que pode e deve ser corrigido no âmbito do recurso. Tal entendimento preconiza, de igual modo, uma violação clara do princípio da lei penal mais favorável, previsto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual a situação mais favorável ao arguido (leia-se, a extinção das penas de substituição aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e 2537/10.4...), impõe-se retroativamente e em qualquer fase processual. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 81.º do CP, deveria ter sido obrigatoriamente efetuado o desconto do tempo de prisão efetivamente cumprido pelo arguido desde 30 de setembro de 2021, o que igualmente não sucedeu, violando o Acórdão que antecede o princípio da legalidade na determinação da pena. Bem assim, traduzindo uma violação do direito ao processo justo e equitativo, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual a omissão de pronúncia sobre factos essenciais e a execução de pena sem desconto válido fere o direito de defesa e o princípio da proibição de reformatio in pejus. A interpretação feita por este Insigne Tribunal, segundo a qual o tribunal recorrido não poderia apreciar os factos supervenientes por "esgotamento do poder jurisdicional em novembro de 2022", configura uma interpretação normativa inconstitucional, por violar frontalmente os artigos 29.º e 32.º da CRP. Tal interpretação, ao impedir a consideração de factos mais favoráveis ao arguido, nega-lhe garantias essenciais de defesa e legalidade penal, fundamento bastante para recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, requer-se: i. Seja o presente requerimento admitido como arguição de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP; ii. Seja declarada a nulidade do acórdão que antecede nos termos que constam da fundamentação supra; iii. Seja determinada a revogação do cúmulo jurídico, por inexistência superveniente dos seus pressupostos legais. Subsidiariamente, iv) Seja determinado o desconto do tempo de prisão efetiva já cumprida pelo arguido (desde 30 de setembro de 2021), e, bem assim, iv. Seja determinada a exclusão do cúmulo da pena legalmente extinta com base no trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo n.º 7656/15.8... Caso assim não se entenda – cenário que se coloca à cautela e por mero dever de patrocínio, v. Seja admitido o presente requerimento como de recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade da interpretação aplicada por este Tribunal nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e à luz da fundamentação supra exposta.» 2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal pronuncia-se sobre o requerimento agora apresentado, dizendo: «[…] 3 Dizemos nós, com todo o respeito, que tem parcialmente razão o reclamante. 4 Na verdade, o vício da sentença ou acórdão resultante da “omissão de pronúncia” decorre da disposição do art. 608.º do Código de Processo Civil, especialmente do respectivo n.º 2, quando estatui sobre as questões que devem aí ser conhecidas. 5 Donde: A nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” ocorre se alguma questão que devia ser conhecida não obteve aí qualquer valoração e decisão, sempre no pressuposto de que a sua resolução não tenha resultado prejudicada pelo tratamento dado a outras. 6 Ou, na formulação de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil, Anotado”, V, 143: Realmente, uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. Atentemos. 7 Quanto às questões da exclusão da pena aplicada no processo 7656/15.8... e da extinção, com consequente exclusão, da pena aplicada no processo 2537/10.4..., o próprio reclamante se ocupou em evidenciar – com alegação destacada supra, em 2 – que o Acórdão proferido se pronunciou sobre tais questões, embora no entendimento de que as decidiu erradamente. 8 Ora, se o Acórdão reclamado conheceu de tais questões – e assim o fez, como se extrai de págs. 90-93 – não pode estar ferido de nulidade (de omissão de pronúncia), como alega o reclamante. 9 Seria um non sense. Se o Tribunal: Não conheceu de uma questão, não pode ter julgado incorrectamente tal questão; Julgou (incorrectamente?) uma questão, impõe-se que tenha conhecido dela. 10 Mas já tem razão o reclamante, com todo o respeito, quando invoca que este Alto Tribunal não se pronunciou – decidindo-a – sobra a suscitada questão da aplicação (ou não) do instituto do desconto na pena única da pena de prisão parcelar parcialmente cumprida à ordem do Processo 9492/05.0... (cfr, o art. 81º/1 do Código Penal). 11 Na verdade, elencando-a expressamente no rol das questões a resolver – Quanto ao desconto das penas de substituição e do tempo da pena de prisão parcialmente cumprida [11.i)] –, o Acórdão reclamado acabou por não decidir sobre essa questão, referindo-se tão-somente às penas de substituição (cfr, pontos 36.-39., págs. 107-115). 12 Padece, assim, nesta parte, o Acórdão reclamado da nulidade de omissão de pronúncia, a ser sanada com a prolação de nova decisão, que decida sobre a questão em causa (cfr, o art. 379º/1-c) do Código de Processo Penal). Em conclusão: Merece provimento parcial a presente Reclamação, pois que o Acórdão “sub judice” padece da arguida nulidade “omissão de pronúncia”, na parte em que não conheceu questão da aplicação da instituto do desconto na pena única da pena de prisão parcelar parcialmente cumprida, motivo por que se p. que seja declarado o vício e sanado pela prolação de nova decisão, que decida sobre essa questão.» II. Fundamentação 3. Em conformidade com o disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil («CPC»), aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sem prejuízo do poder de retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 379.º e 380.º do Código de Processo Penal («CPP»), diploma que, nesta matéria, contém disciplina própria. O artigo 379.º do CPP, sob a epígrafe “nulidade da sentença”, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, especifica os motivos de nulidade da sentença em processo penal. Dado o teor do requerimento do arguido há que apreciar e decidir se o acórdão reclamado, de 02.04.2025, se encontra ferido da nulidade de omissão de pronúncia cominada na al. c) do n.º 1, deste preceito, segundo a qual «é nula a sentença» «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». Conforme jurisprudência pacífica e reiterada, a omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de tomada de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias relativamente às quais a lei imponha que o juiz tome posição expressa; a pronúncia incide sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais (assim, entre outros, os acórdãos de 13.9.2023, Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, e de 09.01.2021, Proc. 111/09, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 4.ª ed., p. 1171). 4. Apreciando a motivação de recurso e circunscrevendo os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça pelo seu âmbito – delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão recorrida (acórdão de 28.04.2024 do Juízo Central Criminal do Porto) a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro) – o acórdão agora reclamado identificou as seguintes questões que este tribunal deveria apreciar, as quais se traduziam em saber (transcrição – ponto 11): «a) Se a decisão recorrida «enferma de vários vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP» (conclusão 3, concretizados nas conclusões seguintes); b) Se a pena de prisão aplicada no processo n.º 7656/15.8..., suspensa na sua execução, deve ser «removida do cúmulo» por, alega o recorrente, ter sido declarada extinta por despacho posterior ao anterior acórdão do tribunal recorrido, de 30.11.2022 (conclusões 12 a 20, 74 e 89); c) Se ocorreu a prescrição das penas aplicadas aos crimes dos processos n.º 494/10.6... e n.º 796/08.I..., que integraram a pena única aplicada no processo n.º 9492/05.0..., devendo, por esse motivo, ser excluídas do conjunto das penas que contribuem para a formação da pena única (conclusões 21 a 27); d) Se deve ser aplicado o perdão concedido pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (conclusões 28 a 33); e) Se o acórdão recorrido sofre de nulidade por não se ter pronunciado sobre estas questões suscitadas em requerimento que apresentou no dia 28.03.2024 (conclusões 34 a 41); f) Se o acórdão recorrido continua ferido de nulidade por falta de fundamentação da determinação da pena conjunta em virtude de deficiente e incompleto cumprimento do decidido no anterior acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2024 (conclusões 42 a 58); g) Se a pena única, retirada a pena aplicada no processo n.º 7656/15.8... e aplicado o instituto do desconto sobre as demais penas, tendo em consideração os fatores de determinação da pena, deve ser reduzida para medida inferior a 5 anos de prisão e suspensa na sua execução (conclusões 59 a 66 e 89); h) Se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no processo n.º 2537/10.4... deveria ser excluída do conjunto das penas englobadas no cúmulo jurídico (conclusões 75 e 76); i) Se deve ser efetuado o desconto das penas de substituição e da pena de prisão parcialmente cumprida (conclusões 67 a 73 e 77 a 88).» 5. Na delimitação do objeto do recurso e das questões a decidir no acórdão agora reclamado considerou-se que deveria ter-se presente que o recurso em apreciação tinha por objeto o referido acórdão de 28.02.2024, o qual, «suprindo a nulidade» que afetava o anterior acórdão do mesmo tribunal de 30.11.2022, «em cumprimento do anteriormente decidido por este [Supremo] Tribunal [de Justiça] no acórdão de 13.03.2024, procedeu à reforma [desse] acórdão de 30.11.2022, que realizou o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, em conhecimento superveniente, nos termos dos artigos 78.º do Código Penal («CP») e 471.º e 472.º do Código de Processo Penal («CPP») (ponto 12). 6. Consignou-se no acórdão agora reclamado (ponto 14): - Que o acórdão recorrido se havia limitado «como se impunha, a dar cumprimento ao decidido no acórdão deste Tribunal de 13.03.2024, suprindo a nulidade da decisão anterior de 30.11.2022 por falta de fundamentação quanto aos factos do processo n.º 2537/10.4... que deram origem à condenação nas penas aplicadas nesse processo englobadas na pena única»; - Que, «assim delimitados os poderes do tribunal a quo, mantendo-se o procedimento, [lhe] estava vedada a possibilidade de conhecer de outros factos para além dos que constituíam o objeto da decisão de 30.11.2022»; e - Que, «do mesmo modo, não sendo o recurso um novo julgamento dos factos levado a efeito no tribunal recorrido, mas apenas um meio processual tendo por objeto a verificação da regularidade e legalidade da decisão recorrida e a correção de erros in procedendo ou in judicando, delimitado pela pretensão do recorrente e pelos poderes de cognição do tribunal ad quem, não pod[ia] este tribunal conhecer de questões que não [tivessem] sido ou que não devessem ser apreciadas na decisão recorrida», Pelo que se clarificou que a apreciação do recurso deveria limitar-se, como se limitou, «às questões de direito suscitadas com base na situação de facto existente à data da audiência para a realização do cúmulo jurídico no acórdão de 30.11.2022, descrita no acórdão reformado, desconsiderando-se os factos posteriores alegados pelo recorrente e não constantes do acórdão recorrido, que, na sua pretensão, seriam relevantes para efeitos de não consideração das penas de prisão suspensas na sua execução, por extinção ou decurso do prazo de suspensão, ou para efeitos de prescrição das penas.» 7. Assim (ponto 15), foi o recurso julgado improcedente «quanto às questões identificadas em 11.b) (exclusão da pena aplicada no processo n.º 7656/15.8...), 11.c) (prescrição das penas em data posterior por mero decurso do tempo), 11.e) (alegada nulidade por não apreciação do requerimento de 28.03.2024) e 11.h) (exclusão da pena aplicada o processo n.º 2537/10.4...).» Nesta conformidade, havia apenas que conhecer, como se conheceu, das restantes questões enunciadas no ponto 11 (supra, 4): - Quanto à (não) inclusão das penas de prisão suspensas no cúmulo jurídico [11.b) e 11.h)] – pontos 16 a 20, decidindo-se pela improcedência do recurso «quanto à pretensão de não consideração das penas de prisão substituídas (penas de prisão suspensas na sua execução) aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e n.º 2537/10.4....» (ponto 20); - Quanto à prescrição das penas aplicadas nos processos n.º 494/10.6... e n.º 796/08.I... [11.c)] – pontos 21 a 24, decidindo-se pela improcedência do recurso (ponto 24); - Quanto à alegada nulidade por falta de fundamentação e à medida da pena única [11.f) e 11.g)] – pontos 25 a 32, decidindo-se pela improcedência do recurso (ponto 32); - Quanto à (não) aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto [11.d)] – pontos 33 a 35, decidindo-se pela improcedência do recurso (ponto 35); - Quanto ao desconto das penas de substituição e do tempo da pena de prisão parcialmente cumprida [11.i)] – pontos 36 a 39, decidindo-se pela improcedência do recurso (ponto 39). 8. A arguição da nulidade do acórdão suporta-se, assim, numa divergência quanto ao decidido. Diz o recorrente que o acórdão reclamado decidiu «erradamente» por ter considerado a situação existente à data do primeiro acórdão (de 30.11.2022), pois que, no seu entender, deveria ter considerado a situação existente à data do segundo acórdão (de 13.03.2024). Nesta ordem de ideias, conclui o recorrente, deveria ter considerado que a pena de prisão, suspensa na sua execução, aplicada no processo 7656/15.8... havia sido declarada extinta «por decurso do respetivo prazo de suspensão e ausência de revogação» (em data posterior a 30.11.2022 e em data anterior a 13.03.2024) e que a pena de prisão aplicada no processo 2537/10.4... se encontrava, «por força da lei, automaticamente extinta» (também em data posterior a 30.11.2022 e em data anterior a 13.03.2024), por se ter verificado «o decurso do prazo de suspensão da execução da pena, igualmente sem que tenha sido proferida qualquer decisão de revogação». Daí que (conferindo precisão à motivação da arguição da nulidade, afirma o recorrente), o tribunal a quo e o Supremo Tribunal de Justiça se devessem pronunciar sobre os «factos supervenientes», «expressamente invocados» – «leia-se», diz o recorrente, «a extinção das penas de substituição aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... (assim declarada por sentença transitada em julgado) e 2537/10.4... (pelo decurso do tempo e na ausência de sentença que tenha procedido à revogação ou prorrogação da pena de substituição aplicada)» – a «omissão decorrente da desconsideração de tais factos […] constitui nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, uma vez que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que devia conhecer.» É esta a omissão de pronúncia que o recorrente invoca, esclarecendo mais adiante: «A omissão de pronúncia que ora se invoca e que fere de nulidade o Acórdão proferido afigura-se materialmente relevante, porquanto a realização de cúmulo jurídico com inclusão de penas já extintas viola, desde logo, os princípios do favor rei (artigo 29.º, n.º 4 da CRP), da legalidade das penas (artigo 1.º do CP); e da proibição de reformatio in pejus (artigo 32.º, n.º 1 da CRP e 409.º, n.º 1 do CPP).» Em síntese, na alegação do recorrente, a dita «omissão de pronúncia» resultaria de um erro de julgamento consistente na não exclusão das penas aplicadas nos processos 7656/15.8... e 2537/10.4..., incluídas na elaboração do cúmulo jurídico – o acórdão recorrido, confirmado em recurso, incluiu na pena única de 9 anos de prisão as penas de prisão substituídas aplicadas nestes processos –, pelo facto de não ter descontado na pena única as penas de prisão suspensas e posteriormente «extintas» aplicadas nesses processos. 9. Ora, como se vê acórdão sob reclamação, diferente foi a posição nele assumida: não havia que considerar os ditos «factos supervenientes» – isto é, a alegada «extinção» das penas de substituição aplicadas nos processos 7656/15.8... e 2537/10.4... –, pelo que não haveria que descontar as penas de prisão substituídas; mas havia que ponderar o desconto das penas de substituição parcialmente cumpridas à data da elaboração do acórdão que aplicou a pena única (caso de interrupção do cumprimento das penas de substituição por virtude da inclusão das penas substituídas na pena única do cúmulo e não por virtude da exclusão das penas de prisão parcelares do cúmulo). Foi assim que, a este propósito, se decidiu no acórdão sob reclamação. Recordando o aí decidido: 9.1. «Quanto à (não) inclusão das penas de prisão suspensas no cúmulo jurídico [11.b) e 11.h)] 16. Como se viu, o acórdão de 30.11.2022 e o acórdão que o reformou, de 28.04.2024, incluíram no cúmulo jurídico a pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de burla agravada, e a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, que deram origem à pena única de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, aplicada por sentença transitada em julgado em 6.1.2020, no processo n.º 7656/15.8... [supra, 10.1.A).1]. Incluiu também duas penas de 2 anos de prisão pela prática de dois crimes de falsificação que, cumuladas, originaram a pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período mediante sujeição a regime de prova, aplicada por sentença transitada em julgado em 7.9.2020, no processo n.º 2537/10.4... [supra, 10.1.A).3]. 17. Em síntese, defende o recorrente que a pena do processo n.º 7656/15.8... não podia ser incluída no cúmulo porque fora declarada extinta por despacho transitado em julgado em 29.11.2023, ou seja, já depois do acórdão de 30.11.2022, que a havia incluído no cúmulo realizado nestes autos, e que também não podia ser incluída nesse cúmulo a pena aplicada no processo n.º 2537/10.4..., porque, à data do acórdão de 28.04.2024 já havia decorrido o tempo de suspensão da pena aplicada no processo n.º 2537/10.4..., embora não tivesse sido proferida decisão de extinção ou de revogação dessa pena. 18. Como já anteriormente se afirmou, a data que releva para definição do conjunto das penas correspondentes aos crimes em concurso é a data em que o tribunal recorrido tomou conhecimento superveniente do concurso de crimes, nos termos dos artigos 78.º do CP e 471.º e 472.º do CPP, isto é, a data de 30.11.2022, que é a data do acórdão que conheceu do concurso, na qual se esgotou o poder jurisdicional do juiz, que apenas o readquiriu, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nos limites estritamente necessários ao suprimento da nulidade parcial de falta de fundamentação. 19. Como se consignou no acórdão de 13.03.2024, é jurisprudência consensual deste Supremo Tribunal de Justiça que, estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, à data do conhecimento superveniente do concurso, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal (cfr. acórdão de 13.2.2019, proc. 1205/15.5T9VIS.S1, em www.dgsi.pt, citando anterior jurisprudência). Se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, como sucede nos casos em que a pena de prisão é suspensa na sua execução, a pena única conjunta há de formar-se a partir da pena de prisão substituída e não a partir da pena de substituição. Diferente deve ser a solução no caso de a pena (principal) se encontrar extinta (por declaração do tribunal, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal), se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à revogação da suspensão; sendo declarada extinta, não pode esta pena integrar o cúmulo [cfr., entre outros, o acórdão de 12.7.2018, Proc. 281/14.2PBBJA.S1, e o acórdão de 7.3.2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt, com exaustiva indicação de jurisprudência]. Também como se considerou no anterior acórdão de 13.03.2024, se, à data da elaboração do cúmulo jurídico (conhecimento superveniente do concurso), se mostrar decorrido o tempo de suspensão – contado a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal) – não deverá a pena ser considerada sem previamente ser esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (artigos 57.º, 56.º e 55.º, al. d), do Código Penal), sob pena de nulidade da sentença [artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; assim, o acórdão de 13.2.2019, proc. 1205/15.5T9VIS.S1 e jurisprudência nele citada]. De notar ainda que, como se observou naquele acórdão, se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta (pena única) há que proceder à sua “anulação”, desfazendo-se esse cúmulo, e que determinar uma nova pena conjunta em função das penas parcelares aplicadas a todos os crimes em concurso, as quais readquirem, assim, a sua autonomia para determinação da moldura da pena do concurso e da fixação da pena concreta, em consideração das circunstâncias relevantes para a construção do respetivo substrato [sobre este ponto, com exaustiva indicação de jurisprudência e de doutrina, cfr. o acórdão de 25.10.2017, Proc. 163/10.7GALNH.S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt]. 20. Ora, como se vê da matéria de facto provada, à data do conhecimento superveniente do concurso encontravam-se ainda a decorrer os períodos de suspensão de execução das penas de prisão aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e 2537/10.4.... Assim sendo, deverão as penas de prisão substituídas integrar a pena única correspondente aos crimes em concurso. Não havendo cúmulos de cúmulos, deverão os cúmulos realizados nesses processos que originaram as penas únicas de 3 anos e 6 meses e de 2 anos e 9 meses, respetivamente, ser desfeitos e, em consequência, as penas parcelares que concorreram para esses cúmulos ser, enquanto tal, consideradas no novo cúmulo. O mesmo sucedendo com o cúmulo realizado no processo n.º 9492/05.0... e com as penas parcelares e com a pena única aí aplicadas. Termos em que improcede o recurso quanto à pretensão de não consideração das penas de prisão substituídas (penas de prisão suspensas na sua execução) aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e n.º 2537/10.4....» 9.2. «Quanto ao desconto das penas de substituição e do tempo da pena de prisão parcialmente cumprida [11.i)] 36. Depois de observar que as penas de substituição e as penas de prisão não são cumuláveis e que estas não deveriam ser incluídas na pena única, conclui o recorrente que «tendo o tribunal a quo considerado as penas parcelares de prisão suspensas na sua execução e tendo-as integrado no cúmulo, teria de, consequentemente, ter considerado o período já cumprido pelo Recorrente nesse regime à luz do disposto no artigo 81.º, n.º 1 e n.º 2 do CP», que «o tribunal a quo entendeu não aplicar o desconto por considerar que a sujeição a regime de prova não impunha ao arguido qualquer dever ou regra de atuação punitiva mas apenas formativa e preventiva» e que «não se pronunciou quanto à pena principal parcialmente cumprida pelo Recorrente, incorrendo numa omissão de pronúncia que fere de nulidade o acórdão recorrido». Pelo que, alega, traduzindo-se o instituto do desconto «num caso especial de determinação da pena», «deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória». 37. A propósito do desconto das penas de substituição, que recusou, considerou-se e decidiu-se no acórdão recorrido, convocando o anterior acórdão deste Tribunal: «Assim, no(s) cúmulo(s) jurídico(s) a efectuar, tais penas serão valoradas enquanto penas principais (sendo ponderada, mostrando-se possível, a substituição da(s) pena(s) única(s) que vier(em) a ser aplicada(s)). Conforme refere o Acórdão do STJ proferido nestes autos e na génese da reformulação desta decisão “A lei, porém, nada diz quanto a descontos a efetuar em caso de revogação da suspensão de execução da pena de prisão ou em caso de o cumprimento da pena de substituição ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso. A questão foi analisada no acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em www.dgsi.pt), com convocação de jurisprudência recente relevante, em que se concluiu no sentido de se proceder ao desconto da pena parcelar de suspensão de execução da pena de prisão em função de um critério normativo de “equitatividade” (FIGUEIREDO DIAS) definido por um conjunto de tópicos estruturantes de analogia para suprimento de reconhecida lacuna de regulamentação nesta matéria. Aí se afirmou que: «(a) não sendo a suspensão de execução da pena de prisão uma forma de execução da pena de prisão, o mero decurso do tempo de duração da suspensão não pode ser considerado; (b) o desconto apenas será admissível se o condenado cumprir deveres e regras de conduta que lhe tenham sido impostos (artigo 50.º, n,º 2, e 51.º a 54.º do CP) e que, representando um sacrifício para o condenado, ou, dito de outro modo, uma restrição ou privação de direitos, neles se possa identificar um sentido sancionatório (presente nas regras de conduta a que se refere o artigo 52.º do CP), devendo excluir-se as prestações efetuadas (artigo 51.º do CP, em particular) cuja restituição não pode ser exigida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do CP; (c) por razões de coerência sistemática não podem deixar de ser levados em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 46.º, n.º 5, e 59.º, n.º 4, do CP para desconto das penas cumpridas de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que a analogia o justifique». São restritivas ou privativas de direitos para este efeito as seguintes regras de conduta: a) Residir em determinado lugar; b) Frequentar certos programas ou actividades; c) Cumprir determinadas obrigações. d) Não exercer determinadas profissões; e) Não frequentar certos meios ou lugares; f) Não residir em certos lugares ou regiões; g) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas; h) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões; i) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes. 1.3. O caso dos autos Relativamente à questão das penas de prisão suspensas na sua execução incluídas no cúmulo (pelos motivos oportunamente expostos), cumpre ponderar se deve operar o desconto das mesmas, agora que o seu cumprimento vai ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso. Neste particular, refira-se que, de acordo com os critérios orientadores acima explanados e que brotam do entendimento do STJ na matéria, a pena de prisão suspensa na sua execução que foi irrogada ao arguido no âmbito do P. 7656/15.8... não pode ser descontada, na justa medida em que isso equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição. No que toca à pena aplicada ao arguido nestes autos, e convocando a matéria de facto pertinente à ponderação a efectuar, temos que a suspensão foi sujeita a regime de prova com elaboração de um plano de reinserção social, não tendo, além disso, sido aplicadas quaisquer regras de conduta dentre as elencadas no artigo 52 do C.Penal. Concomitantemente, do plano elaborado (que estabeleceu como necessidades de intervenção a) a justificação e relativização do envolvimento na conduta criminal com o objectivo de desenvolver o sentido crítico face à ilicitude e desvalor da conduta criminal e reforçar a compreensão das finalidades da condenação, envolvendo as seguintes actividades- comparecer e colaborar proactivamente nas entrevistas com a técnica de reinserção social, refletindo sobre as consequências da conduta criminal para a sociedade e para as vítimas e desenvolvendo a capacidade de empatia; b) a reincidência criminal com os objectivos de prevenir a incursão em padrões de comportamento que potenciem o risco de reincidência , devendo o arguido -comparecer às entrevistas com a técnica de reinserção social, onde deverá colaborar de forma proactiva na reflexão sobre as consequências do comportamento criminal nas vítimas e na sociedade, bem como sobre os fatores de risco e de proteção relativamente à conduta criminal; planear ações concretas que o próprio possa encetar para reduzir esses fatores de risco e potenciar os fatores de proteção; dar conhecimento à técnica do contacto voluntário ou involuntário com situações de risco e ser proactivo no reforço de medidas preventivas) não se retira a imposição ao arguido de qualquer dever ou regra de actuação punitiva mas apenas e só formativa e preventiva, razão pela qual, também aqui, s.m.o., o desconto equivaleria a prémio pelo simples decurso do tempo, razão pela qual não terá lugar.» 38. A este propósito considerou-se no citado acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em www.dgsi.pt), convocado no anterior acórdão deste Tribunal e na decisão recorrida: «[…] Em síntese e em conformidade com o que vem de se expor, entram na formação da pena única todas as penas de prisão parcelares substituídas não declaradas extintas em virtude da revogação das penas aplicadas em sua substituição; revogadas as penas de substituição (artigos 46.º, n.º 3, 56.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, do CP), há lugar ao cumprimento das penas de prisão substituídas, devendo proceder-se aos descontos que a lei impõe (artigo 78.º, n.º 1, e 81.º do CP). Para além da pena de multa de substituição, cujo não pagamento determina o cumprimento da pena de prisão (artigo 45.º, n.º 2, e 49.º, n.º 3, do CP), são penas de substituição em sentido próprio, que respondem ao duplo requisito de serem cumpridas em liberdade e pressuporem a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta – eliminadas que foram as penas de substituição detentivas pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto –, a proibição do exercício de do exercício de profissão, função ou atividade pública ou privada (artigo 46.º do CP), a suspensão da execução da pena de prisão (artigos 50.º a 57.º do CP), nas suas diversas modalidades (suspensão “simples”, com imposição de deveres ou regras de conduta ou acompanhamento de regime de prova), e a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigos 58.º e 59.º do CP). Assim, e não importando, agora, considerar o regime da multa de substituição (artigos 45.º e 49.º, n.º 3, do CP): (a) revogada a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido (artigos 46.º, n.ºs 3 e 5); (b) revogada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o tribunal ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença e desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados (artigos 59.º, n.º 2 e 4, e 58.º, n.º 3, do CP). A lei, porém, nada diz quanto a descontos a efetuar em caso de revogação da suspensão de execução da pena de prisão. O n.º 1 do artigo 56.º estabelece as condições em que a suspensão é revogada – infração grosseira ou repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social e cometimento de crime durante o período de suspensão, imputáveis ao condenado – e o n.º 2 do mesmo preceito determina que “A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado”. 17. É, todavia, diferente a situação, como a dos autos, em que o cumprimento da pena de substituição é interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso. Havendo lugar a desconto da pena cumprida, como impõe a parte final do n.º 1 do artigo 78.º do CP, o seu pressuposto é diverso, pois não ocorreu revogação da pena pelo tribunal que a aplicou. Porém, na falta de norma expressa, a unidade e coerência do sistema e as exigências decorrentes do princípio da legalidade das penas impõem que o critério de desconto só possa ser o mesmo que o previsto para a revogação da pena de substituição em causa. Ora, se não se suscitam dúvidas quanto às demais penas de substituição, por quanto a elas haver lei precisa, o mesmo não se poderá afirmar quanto ao desconto da pena de suspensão de execução da pena de prisão “cumprida” até à decisão de formação do cúmulo em que entra a pena de prisão substituída. Se é certo que, neste caso, o cumprimento da pena de suspensão (pena de substituição) não se confunde nem reconduz a um cumprimento da pena de prisão em liberdade – sob pena de contradição nos próprios termos e de negação da natureza da pena de suspensão como pena autónoma –, que o cumprimento da pena de prisão não resulta de comportamento ou de razão imputável ao condenado – o que pode ser tido como motivo de justificação da não previsão de desconto na pena de prisão substituída – e se também é certo que, em caso de revogação, o condenado não pode “exigir a restituição de prestações que haja efetuado” (artigo 56.º, n.º 2, do CP), abre-se, neste ponto, um espaço de dúvida, a que a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a dar resposta com base num critério de “equitatividade” adiantado, noutro contexto (em 1993, como se viu – supra, 15), por Figueiredo Dias.» […] concluiu-se no acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em que foi relator o relator do presente acórdão): «Os elementos recenseados, de ordem legislativa e jurisprudencial, permitem, assim, numa breve síntese, identificar um conjunto de tópicos estruturantes de analogia para, em suprimento da reconhecida lacuna de regulamentação, se fixar um critério jurídico (normativo) de “equitatividade” do desconto da pena parcelar de suspensão de execução da pena de prisão na determinação da pena única de prisão (artigo 78.º, n.º 1, parte final). Pode pois justificadamente afirmar-se que: (a) não sendo a suspensão de execução da pena de prisão uma forma de execução da pena de prisão, o mero decurso do tempo de duração da suspensão não pode ser considerado; (b) o desconto apenas será admissível se o condenado cumprir deveres e regras de conduta que lhe tenham sido impostos (artigo 50.º, n,º 2, e 51.º a 54.º do CP) e que, representando um sacrifício para o condenado, ou, dito de outro modo, uma restrição ou privação de direitos, neles se possa identificar um sentido sancionatório (presente nas regras de conduta a que se refere o artigo 52.º do CP), devendo excluir-se as prestações efetuadas (artigo 51.º do CP, em particular) cuja restituição não pode ser exigida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do CP; (c) por razões de coerência sistemática não podem deixar de ser levados em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 46.º, n.º 5, e 59.º, n.º 4, do CP para desconto das penas cumpridas de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que a analogia o justifique.» Nessa conformidade, não tendo, nesse caso, o condenado «cumprido deveres ou regras de conduta, para além do dever de comparecer a convocatórias, que, em si mesmo, sendo um dever de ordem geral respeitante às relações com serviços públicos, não representa um sacrifício de relevo inerente e com componente de punição», se concluiu que «não se encontra fundamento que justifique que seja efetuado qualquer desconto no cumprimento da pena única, nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º, ou, como decidido no acórdão recorrido, nos termos do artigo 81.º do Código Penal.». Pelo que se revogou o acórdão recorrido na parte em que determinou o desconto de dois anos de prisão na pena única aplicada ao arguido. 39. Como se vê do acórdão recorrido, que seguiu esta jurisprudência, o tribunal a quo não determinou a efetivação do desconto quanto às penas de prisão suspensas na sua execução, por, num caso, não terem sido impostas obrigações ou regras de conduta (suspensão simples) e por, noutro caso, a suspensão com regime de prova não comportar a imposição de regras de conduta restritivas da liberdade, pelo que o desconto «equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição» ou « a prémio pelo simples decurso do tempo». Assim sendo, em conformidade com a jurisprudência citada, não se identifica fundamento que justifique a alteração do decidido. Pelo que é o recurso também improcedente nesta parte.» 10. Sublinha-se, mais uma vez, a este propósito, que o motivo da nulidade que o recorrente invoca diz respeito ao desconto das penas aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e n.º 2537/10.4... (supra, 8), não estando aqui em causa a questão do desconto, que o recorrente refere, da pena de prisão que vem cumprindo à ordem de outro processo, em que foi aplicada pena de prisão (efetiva), e não nestes processos, em que foram aplicadas penas de substituição das penas de prisão. Como é óbvio – e não carece de decisão no recurso na fase de aplicação da pena – a pena de prisão que o arguido cumpre e já cumpriu em execução de pena ou penas parcelares de prisão terá de ser oportunamente descontada «no cumprimento da pena única», nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do CP, ou seja, na fase de execução da pena única, que se inicia com o trânsito em julgado da decisão que a aplica e com as “liquidações” das penas a que houver lugar, em decisões autónomas, também elas passíveis de recurso (artigos 467.º e 477.º do CPP e 138.º e 141.º do CEPMPL). 11. Do exposto resulta, em conclusão, que, tendo decidido pela improcedência do recurso quanto à pretendida exclusão do cúmulo das penas aplicadas nos processos 7656/15.8... e 2537/10.4..., e não tendo, em consequência, considerado o desconto na pena única das penas de prisão aplicadas nesses processos, o acórdão sob reclamação não se encontra ferido da arguida nulidade por omissão de pronúncia. Devendo, assim, ser indeferida a arguição. 12. Consequentemente, não ocorrendo esta nulidade, não se mostra violado qualquer princípio ou preceito constitucional, nada havendo que conhecer nesta matéria. Em particular, não se vislumbra em que medida a interpretação adotada no acórdão sob reclamação no sentido de que – pelo «esgotamento do poder jurisdicional», o tribunal recorrido apenas poderia reassumir poderes de decisão já utilizados no acórdão recorrido só e na medida do permitido pelo acórdão reclamado para suprir a nulidade declarada (neste caso, a especificação, na fundamentação, da matéria de facto que conduziu à aplicação da pena num dos processos em que foi aplicada uma das penas parcelares do concurso) – poderia configurar «uma interpretação normativa inconstitucional, por violar frontalmente os artigos 29.º e 32.º da CRP». 13. Para além disso, também não há que conhecer do alegado «erro notório na apreciação da prova» em que o recorrente diz o tribunal incorrer, «por presumir a existência de penas que, legalmente, já não subsistem na ordem jurídica». Como resulta do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, o erro notório na apreciação da prova constitui um, vício da decisão em matéria de facto, que pode servir de fundamento do recurso, desde que tal vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, mas não motivo que, por via de arguição de nulidade (artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) ou outro, possa constituir base para alteração do acórdão proferido. 14. Finalmente, não há que conhecer da pretensão do recorrente de subsidiariamente admitir o requerimento como de «recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade da interpretação aplicada por este Tribunal nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e à luz da fundamentação supra exposta», pois que se trata de pretensão que, devendo ser apresentada depois de proferida a decisão, em 10 dias e em requerimento próprio, que, não devendo ser conhecida em acórdão, deve ser apreciada em decisão singular do relator (artigos 70.º, n.º 1, al. b), 72.º, 75.º e 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro). III. Decisão 15. Pelo exposto, decide-se em conferência: a) Declarar que o acórdão de 2 de abril de 2025 não sofre de nulidade resultante da omissão de pronúncia sobre questão que devesse conhecer, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma; e b) Em consequência, indeferir o requerimento apresentado pelo recorrente AA quanto à arguição de nulidade e demais questões nele suscitadas. Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais. Supremo Tribunal de Justiça, 14 de maio de 2025. José Luís Lopes da Mota (relator) Jorge Raposo António Augusto Manso |