Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
118/10.1TTLMG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PREDISPOSIÇÃO PATOLÓGICA
INCAPACIDADE
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO DO PROCESSO DE TRABALHO - APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - INSTÂNCIA - RECURSOS.
Doutrina:
- Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, pp. 69, 70.
- José Augusto Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho, anotação à Base VIII da Lei nº 2127, de 03.08.1965, Livraria Petrony, 1983, p. 74 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 26.º, N.º4, 87.º, N.º 1.
DECRETO-LEI Nº 295/2009 DE 13-10: - ARTIGOS 6.º, 9.º, N.º 1.
LEI Nº 98/2009, DE 04-09 (NLAT): - ARTIGO 11.º, N.º2, 187.º, 188.º.
Sumário :
Se o sinistrado padecer de patologia/doença preexistente ao acidente e do mesmo lhe advier incapacidade permanente parcial para o trabalho e bem assim o agravamento daquela patologia que lhe determina incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, esta deverá ser avaliada como se tivesse resultado do acidente [artigo 11º, nº 2 da Lei nº 98/2009, de 04.09 (NLAT).
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


*

I. Relatório

1.

No âmbito da presente acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, AA, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, apresentou petição inicial demandando BB, Lda. e CC, SA., pedindo, em suma, o pagamento de pensão anual e vitalícia e bem assim de prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa.

Alegou, em resumo, que, por virtude do acidente de trabalho de que foi vitima, em 04.02.2010, sofreu lesões que lhe determinaram “incapacidade permanente absoluta de 62%, incapacitante para todo e qualquer tipo de trabalho” que, de acordo com o pedido formulado, pretende que lhe seja reconhecida e que determina a necessidade de assistência de terceira pessoa.

Na oportunidade, requereu ainda o autor a abertura de apenso para fixação da incapacidade para o trabalho.

As rés contestaram, impugnando, em síntese, o nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as lesões que o sinistrado apresenta e que, no seu entender, decorrem de doença degenerativa, preexistente ao acidente, de que o mesmo padece, não sendo consequência do mesmo acidente de trabalho.

A Ré Seguradora requereu ainda exame por junta médica.

Por sua vez, o Instituto de Segurança Social veio pedir o reembolso das despesas, que suportou, pagas ao sinistrado como consequência das lesões que o mesmo apresenta.

A este pedido deduzido pelo Instituto de Segurança Social contestou a ré Seguradora, pugnando pela sua improcedência.

Por despacho de 07.12.11 (fls. 336 e seguintes), rectificado por despacho de 21.12.2011, foi fixada ao autor pensão provisória que, por despacho de 30.03.2012, foi declarada cessada (confira-se folhas 349).

Determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade (confira-se folhas 343), foi proferido, posteriormente, despacho saneador, com dispensa de selecção da matéria de facto.

Após exame efectuado por junta médica foi, no respectivo apenso, proferida a decisão que consta de fls. 19 e 20 do mesmo e na qual se “declarou” que o sinistrado “sofre de uma incapacidade permanente parcial de 15%, em consequência do acidente descrito nos autos.”

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:

- Condeno as rés, CC, S.A., e BB, Lda., no pagamento ao autor:

- De uma pensão anual e vitalícia, relativa a uma IPP de 15%, com efeitos desde 17.09.2010, no valor de € 867,93, ficando a quantia de € 825,41 (95,09%) a cargo da seguradora e a quantia de € 42,62 (4,91%) a cargo da entidade patronal.

- Da indemnização a título de ITA de 120 dias no valor global de € 1928,73, cabendo à entidade empregadora pagar a percentagem de 4,91%, correspondente à quantia de € 94,73 e à seguradora a quantia de € 1834,00, correspondente à percentagem de 95,09%.

- À quantia paga pela companhia de seguros terá que ser subtraída a quantia de € 268,72, já paga pela mesma (quantia final de € 1565,28).

- Condeno ainda as rés no pagamento da quantia de € 630,63 a ser paga pela companhia de seguros e pela entidade empregadora na proporção das respectivas responsabilidades, a título de despesas obrigatórias.

- Condeno as rés no pagamento das custas da acção, com procuradoria que fixo no mínimo.

- Condeno as rés no pagamento à Segurança Social do montante € 1928,40 na proporção das respectivas responsabilidades.

- Condeno as rés a pagarem ao FAT a quantia de € 3477,05, a título de pensões provisórias que este entregou ao sinistrado, fazendo-se depois o respectivo acerto no capital de remição, também na proporção das respectivas responsabilidades.

- Absolvo as rés dos restantes pedidos formulados.

Registe e Notifique.

Valor da acção: € 14.999,21.

Nos termos dos artigos 148º, nº 3 e 4, ex vi artigo 149º, do Código de Processo de Trabalho, uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, proceda ao cálculo do capital e após remeta os autos ao Ministério Público para entrega ao sinistrado».

A Ré Seguradora, por requerimento de 13.07.12, veio solicitar a rectificação de lapso material da sentença por forma a dela ficar a constar o seguinte: “ condeno as rés no pagamento à Segurança Social de € 1928,40 a título de incapacidades temporárias que entregou ao sinistrado, fazendo-se depois o respectivo acerto no capital de remição, na proporção das respectivas responsabilidades”.

Pretensão que veio a ser satisfeita pelo tribunal de primeira instância, conforme resulta do despacho de folhas 438 a 439.

2.

Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que deliberou nos seguintes moldes:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a sentença recorrida na parte em que considerou o A. afectado, apenas, da IPP de 15% e condenou as RR. a pagarem a pensão anual e vitalícia de € 867,93, a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar as RR., CC, SA. e BB, Lda. a pagarem ao A., AA, com efeitos a partir de 17.09.2010, a pensão anual e vitalícia de € 4.585,03, actualizável nos termos legais, sendo da responsabilidade da Ré Seguradora o pagamento da quota parte da pensão anual no montante de  € 4.165,80 e da Ré empregadora a quota parte da pensão anual no montante de € 419,23, devendo a pensão ser paga mensalmente, correspondendo cada duodécimo a 1/14 da pensão anual devida por cada uma das RR, e acrescida dos subsídios de férias e de Natal, cada um correspondendo a 1/14 das mesmas, a pagar em Junho e Novembro de cada ano.

Mais se condena as RR a pagarem ao A. a quantia de € 4.120,45 a título de subsídio, por situação de elevada incapacidade permanente, sendo da responsabilidade da ré Seguradora o pagamento da quantia de € 3.743,43 e da Ré empregadora o pagamento da quantia de  € 377,02.

No mais, nega-se provimento ao recurso.

Fixa-se à acção o valor de € 111.482,52.

As custas, em 1ª instância, são a suportar pelas RR na proporção das respectivas responsabilidades [a sentença recorrida apenas condenou as RR nas custas, mas sem se reportar à responsabilidade de cada uma delas].

Custas no recurso por ambas as RR na proporção das respectivas responsabilidades».

3.

É contra esta decisão que, irresignada, a ré CC, SA. insurge-se, ora, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:

«1ª- A recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, apenas na parte em que revogou a sentença da 1ª instância e considerou que a IPATH de que o autor padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho e, consequentemente, condenou a recorrente na respectiva pensão, quando considerou, e bem, que tal IPATH não decorreu do agravamento, resultante do acidente de trabalho, da sua doença preexistente.

2ª - O Tribunal da Relação do Porto, na apreciação dos presentes autos, considerou que as questões suscitadas em apreciação (entre outra que para agora já não interessa), eram:

a. Se a IPATH de que o A. padece decorreu exclusivamente do agravamento, resultante do acidente de trabalho, da sua doença preexistente.

b. Se a IPATH de que o A. padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho e, em caso afirmativo, das respectivas consequências.

3ª - O douto acórdão recorrido julgou improcedente a 1ª questão, mas julgou procedente a 2ª questão e avaliou a IPATH do Autor como se resultasse do acidente de trabalho e, por isso, não nos conformamos, dado que, não resultando a IPATH do agravamento, resultante do acidente de trabalho, da sua doença preexistente, também não deve, nem pode, ser avaliada como se resultasse do mesmo acidente, pois não é consequência do acidente de trabalho.

4ª - Dos factos provados e do exame por junta médica efectuada no apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, que foi efectuado por um colégio de três peritos especialistas e que formularam um juízo unânime, foi proferida sentença, no Apenso para fixação de incapacidade, que determinou:

"Declaro que o sinistrado, AA sofre de uma incapacidade permanente parcial de 15%, em consequência do acidente descrito nos autos".

5ª - E do ponto 42 da douta sentença, resultou provado que: «42- Como consequência do evento descrito anteriormente o sinistrado sofre de uma IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência de doença preexistente».

6ª - Daí que, quer o M° Juiz da 1ª instância, quer os Venerandos Desembargadores, quer a Procuradora-Geral- Adjunta tenham considerado que não se pode concluir que o agravamento da doença foi a causa da IPATH.

7ª - "Com efeito, não se provou a existência de nexo de causalidade entre o acidente e a IPATH de que o recorrente padece", sofrendo de IPATH "...mas como consequência de doença preexistente”.

8ª - Pese embora tal conclusão o douto acórdão recorrido considerou que a IPATH deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho, nos termos do n° 1 e do n° 2 do art. 11° da NLAT, que refere abranger situações distintas, mas não enquadra o caso em apreço nem no n°1 nem no n°2 do citado artigo.

9ª – E, salvo o devido respeito, em nossa modesta opinião, não se enquadra em nenhuma delas, por falta de nexo de causalidade, dado que teria de haver uma causa próxima, exterior ao organismo, que desencadeasse a IPATH, o que não se verificou, pois esta resultou de doença degenerativa preexistente, não foi desencadeada pelo acidente.

10ª - O artigo 11° da NLAT, que corresponde ao anterior art. 9º da LAT, deve ser interpretado, de acordo com o seu espirito, fim e sistematização, pelo que quer o n°1 quer o n°2 da NLAT exigem, para sua aplicação, que se verifique e prove o nexo de causalidade, aliás, pressuposto sempre exigível em qualquer situação de responsabilidade civil, quer contratual quer extracontratual .

11ª - E in casu é possível fazer uma separação entre a IPP decorrente de acidente de trabalho, que apenas se fixa em 15%, sendo a IPATH decorrente de doença preexistente, pelo que uma e outra [estão] perfeitamente definidas.

12ª - Assim, o douto acórdão recorrido fez, em nossa modesta opinião, uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no art. 11° da NLAT».

Conclui a ré Seguradora pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em resultado disso, que seja revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que confirme a decisão proferida em 1ª instância, rectificando-se a quota-parte da responsabilidade de cada uma das rés, na proporção de 90,85% para a recorrente e 9,15% para a entidade empregadora.

O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção do julgado.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º, número 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitido parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão impugnada.

Parecer que não suscitou qualquer reacção às partes, que dele foram notificadas.

4.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, como decorre do estatuído nos artigos 684º, número 3 e 685º-A do Código de Processo Civil, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, número 2, alínea a) e 87º, número 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, de sorte que ao tribunal ad quem é lícito conhecer tão-só das matérias nelas abordadas, salvo as de conhecimento oficioso, constata-se que a única questão suscitada pela recorrente consiste em saber se a IPATH que afecta o autor deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho de que foi vitima.

Corridos os “vistos”, cabe decidir.

II  ̶  Dos Fundamentos

II.1  ̶  De Facto

A matéria de facto apurada pelo tribunal recorrido é a seguinte:

«1.O Sinistrado AA sofreu um evento infortunístico no dia 04.02.2010, pelas 10h00, em R..., L..., quando prestava o seu serviço de pedreiro à entidade empregadora, BB, Lda.

2. O evento (referido) supra referido ocorreu quando o sinistrado puxava uma viga de cimento com cerca de 6 metros e sentiu uma forte dor nas costas.

3. A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a CC, SA., por € 475,00 x 14 + € 5,00 x 242.

4. A companhia de seguros pagou ao sinistrado, a título de indemnização por incapacidade temporária, a quantia de € 268,72.

5. O A. foi admitido ao serviço da segunda Ré no dia 14/07/2009, para exercer as funções de “Pedreiro de 1ª”, tendo, para tal, celebrado contrato de trabalho a termo certo, por um período de seis meses, tendo-se o mesmo renovado por igual período em 13/01/2010.

6. A remuneração base auferida pelo A. era de € 531,50 – quinhentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos –, à qual acrescia o subsídio de refeição diário de € 5,00 – cinco euros.

7. No dia seguinte ao evento, o autor deslocou-se ao Hospital de L... onde foi atendido e consultado e, de imediato, foram prescritos medicamentos para a dor e indicado que nada poderia ser feito sem que o Autor fosse operado.

8. No dia 05 de Fevereiro de 2010, a Segunda Ré preencheu os documentos necessários à participação do acidente de trabalho à Seguradora.

9. A partir desse dia, o Autor foi acompanhado medicamente por via da Primeira Ré.

10. No dia 08 de Fevereiro de 2010, o Autor foi consultado pelo Exmo. Senhor Dr. DD, especialista em Clínica Geral, da Clínica C..., em L....

11. Em tal consulta, o referido médico ordenou a sujeição do Autor a um TAC.

12. O que veio a ocorrer no dia 12/02/2010.

13. No dia 22 de Fevereiro de 2010, o Autor foi novamente a consulta médica na referida clínica C..., com o Senhor Dr. DD.

14. O mesmo, após análise do relatório da TAC, informou o Autor que este deveria ser seguido por médico especialista de ortopedia.

15. No dia 24 de Fevereiro de 2010, o Autor recebeu um telefonema de alguém que se identificou com sendo representante da Primeira Ré.

16. Por via do aludido telefonema o Autor foi informado de que lhe era dada alta, ou seja, que os especialistas da Primeira Ré o achavam apto para o trabalho.

17. A 1ª ré entregou ao Autor um documento onde constava tal informação: curado sem qualquer desvalorização

18. Após uma série de telefonemas efectuados pelo Autor, nesse mesmo dia 24 de Fevereiro de 2010, para a Primeira Ré, o mesmo viu ser-lhe marcada consulta com o Senhor Dr. EE, médico perito, na cidade do Porto, para o dia 12 de Março de 2010.

19. Em 24/03/2010, o A. foi submetido a uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN) que revelou que “Em L5-S1 observa-se desidratação do disco intervertebral, com redução da distância intersomática em menos de 50%. O disco apresenta hérnia extrusa paramediana direita com migração caudal. A raiz S1 direita encontra-se empurrada contra o maciço articular posterior, podendo aqui estar comprometida.”

20. Em 30/03/2010, a primeira Ré foi notificada para remeter documentação clínica e nosológica disponível; apólice e seus adicionais em vigor; folha de salários do mês anterior ao do acidente ou informação sobre o montante relativo à responsabilidade infortunística transferida e nota discriminatória das incapacidades, internamentos e indemnizações pagas desde o acidente de trabalho.

21. A 1ª ré informou o autor de que declinava qualquer responsabilidade, uma vez que os serviços clínicos que acompanharam o A. até então consideraram que “a patologia apresentada não tem nexo causal com o ocorrido”.

22. O A., a pedido dos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Trabalho de L..., foi submetido a um exame de ortopedia, em 16/09/2010, do qual consta que “a hérnia discal compressiva terá que ser aceite como pós-traumática. Não há outra explicação.”

23. O A., igualmente a pedido dos Serviços do Ministério Público deste Tribunal, foi submetido a três exames médicos efectuados pelo GML (Gabinete Médico-Legal) de Vila Real, nas seguintes datas: (i) 28/05/2010 (Relatório nº 1), (ii) 9/11/2010 (Relatório nº 2) e (iii) 25/03/2011 (Relatório nº 3).

24. Do Relatório nº 3, que se baseou na documentação clínica anterior, consta que “os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática e o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.”

25. Ainda no Relatório de 25/03/2011, pode ler-se que existem “sinais de trombose superficial envolvendo a veia pequena safena de aspecto recente”,

26. Em 27/07/2010, houve um pedido de informação dirigido ao serviço de Hematologia do Hospital Universitário de Coimbra sobre o estado do sinistrado, tendo sido, para o efeito, remetido um relatório, do qual consta que este é um “doente com factor genético de risco trombótico”.

27. O A. não foi submetido a qualquer intervenção cirúrgica.

28. Na habitação onde o A. habita com a sua esposa e as suas duas filhas, o quarto onde dorme é no terceiro andar e as instalações sanitárias no piso térreo.

29. O A. tem também a seu cargo duas filhas menores, FF, de 13 anos, e GG, de 7 anos.

30. No dia 26/05/2011, realizou-se a tentativa de conciliação, cujo teor ora se dá por reproduzido.

31. O autor deslocou-se, para realização de exames médicos, duas vezes a Vila Real e duas vezes a Coimbra.

32. O autor gastou € 299,00 com medicamentos.

33. O autor pagou € 60,00 por uma consulta de ortopedia, datada de 14/12/2010, e € 90,00 por uma consulta de neurocirurgia, datada de 21/12/2010.

34. O autor pagou € 10,00 por uma refeição numa das deslocações obrigatórias.

35. O autor é um doente diabético e com risco trombótico,

36. O Autor sente dores fortíssimas e toma diariamente um medicamento para as poder suportar.

37. O Centro Distrital de Viseu do Instituto da Segurança Social, IP, pagou as prestações correspondentes a subsídio de doença do autor, no montante de € 5.282,54, referentes ao período de 09.02.2010 a 21.09.2011.

38. O sinistrado, à data do evento supra referido, era portador de patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar.

39. Decorrente do evento em causa nos autos houve agravamento da sua situação clínica.

40. O sinistrado apresenta actualmente como sequelas alterações neurológicas nos dois membros inferiores, com especial incidência no membro inferior direito.

41. Como consequência do evento descrito anteriormente, o sinistrado sofreu 120 dias de ITA sem período de ITP.

42. Como consequência do evento descrito anteriormente, o sinistrado sofre de uma IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência de doença pre- existente.

43. Atendendo a que se trata de uma doença preexistente e de carácter degenerativo há tendência para o agravamento.

44. O A. teve alta definitiva aos 16.09.2010 (facto aditado pela Relação).

45. O A. nasceu aos …....19… (facto aditado pela Relação)».

II.2  ̶  De Direito

2.1  ̶  Da Lei Aplicável

O acidente dos autos ocorreu no dia 4 de Fevereiro de 2010 e a instância iniciou-se em 15.03.2010 [artigo 26º, número 4 do Código de Processo do Trabalho, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº 295/2009 de 13 de Outubro que, tendo entrado em vigor em 01.01.2010, é o regime jurídico adjectivo aqui aplicável (artigos 6º e 9º, número 1 do citado diploma) e, subsidiariamente (artigo 87º, número 1 do CPT), o Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto], pelo que o regime jurídico substantivo a atender é o que decorre da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro [NLAT, que, regulamentando o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, entrou em vigor em 01.01.2010 (artigos 187º, número 1 e 188º do citado compêndio legal)].

Diplomas a que se reportarão as referências que adiante se fizerem sem menção de origem.

Posto isto…

2.2

A.

Como visto, convergindo no entendimento de que o evento infortunístico de que o autor foi vitima, no dia 4 de Fevereiro de 2010, caracteriza um acidente de trabalho, a discordância das instâncias situa-se ao nível da avaliação da IPATH que afecta o mesmo autor como resultante, ou não, do mencionado acidente de trabalho, sendo que, para concluir pela afirmativa, o Tribunal da Relação do Porto convocou a norma do artigo 11º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (NLAT).

Disposição legal que [tal qual ocorria com o artigo 9º da Lei nº 100/97, de 13.09 (LAT) que lhe corresponde], sob a epígrafe «Predisposição Patológica e Incapacidade», estabelece, no que para o caso releva,

«1. A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.

2. Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei».

Normativos que têm, efectivamente, um distinto campo de aplicação.

Assim, o número 1 ocupa-se da predisposição patológica que, como escreve José Augusto Cruz de Carvalho[1], «…embora constitua um estado mórbido do individuo, não é o mesmo que uma doença. Consiste num estado doentio do organismo humano, produzido por uma anormalidade do metabolismo ou das funções de nutrição e que torna o individuo propenso para certas doenças ou para o agravamento de outras, sob a influência de uma causa ocasional – conhecida medicamente por diátese…» ou, como diz Calos Alegre[2], «…não é, em si, uma doença ou patologia; é, antes, uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, em prazo mais ou menos largo e segundo graus de várias intensidades, poder vir a sofrer de determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente, ou causa próxima, desencadeador da doença ou lesão».

Quer isto dizer que, no âmbito de aplicação da norma do número 1 do artigo 11º, encontram cabimento todas aquelas situações em que existe uma anomalia no organismo humano que torna o individuo propenso a doenças, lesões ou perturbações funcionais, sob a influência de uma causa fortuita, ocasional, adequada a desencadear tal efeito.

Condicionalismo em que, mesmo que a predisposição patológica haja sido a única causa da lesão, a responsabilidade pela reparação integral do acidente persiste, a não ser que tenha sido ocultada, ao invés do que acontecia, de facto, no domínio da Lei nº 2127, de 03.08.1965, que excluía tal responsabilidade (Base VIII, nº 1) nos casos em que a dita predisposição patológica houvesse constituído a causa única e exclusiva da lesão ou da doença.

Por sua vez, o número 2 do referenciado artigo 11º da NLAT ocupa-se do tratamento de duas situações distintas que já nada têm a ver com a predisposição patológica da vitima mas, sim, com : i) a lesão ou a doença consecutiva ao acidente, agravada por lesão ou doença anterior ao acidente (primeiro segmento da norma); ii) o agravamento da lesão ou doença anterior ao acidente por via da lesão ou doença consecutiva a este (segundo segmento da norma).

Porém, quer numa quer noutra destas situações a incapacidade há-de avaliar-se como se tudo resultasse do acidente, salvo se, por causa da lesão ou doença anteriores, a vítima já estivesse a receber pensão vitalícia ou já tivesse recebido uma indemnização em capital (vulgo remição da pensão)[3], cabendo, em tal caso, à entidade responsável pela reparação o ónus de alegar e comprovar que, pela doença ou lesão anteriores ao acidente, o sinistrado já aufere uma pensão ou já auferiu capital de remição.

B.

Posto isto e revertendo ao caso em apreciação, constata-se que, relativamente a esta questão, a Relação do Porto aduziu a seguinte fundamentação:

«3.3. No caso em apreço, está provado que o sinistrado: no dia 04.02.2010, foi vítima de um acidente de trabalho (nºs 1 dos factos provados); à data do acidente, era portador de patologia a nível da coluna lombar que se traduzia por alterações degenerativas e canal estreito lombar (nº 38 dos factos provados); essa sua situação clínica foi agravada pelo mencionado acidente (nº 39 dos factos provados); como consequência do acidente o sinistrado “sofre de uma IPP de 15% e com incapacidade para a profissão habitual mas como consequência da doença pré-existente” (nº 42); “atendendo a que se trata de uma doença pré existente e de carácter degenerativo há tendência para o agravamento” (nº 43 dos factos provados).

Ora, considerando a referida factualidade e o que acima deixámos exposto, há que concluir que não existe fundamento para excluir a IPATH da reparação devida pelo acidente de trabalho, não procedendo o argumento, considerado na sentença e defendido pela Recorrida Seguradora, de que o “acidente serviu apenas para agravar as lesões que o sinistrado apresenta, não estando, todavia, na sua origem.”

Com efeito, a IPATH decorre de patologia/doença preexistente que foi agravada pelo acidente de trabalho em causa nos autos, sendo que não procede o argumento de que essa IPATH é imputável exclusivamente à doença preexistente.

Na verdade, e como referido, sendo a situação enquadrável no nº 1 do art.11º, a circunstância da predisposição patológica poder ser a causa única da lesão não exclui o direito à reparação integral, sendo que nem as RR alegaram, nem se provou, que o A. haja ocultado a patologia de que padecia.

Sendo a situação enquadrável no nº 2 desse preceito, verifica-se que a doença anterior, determinante da IPATH, foi agravada pelo acidente, devendo a incapacidade (seja na parte decorrente apenas da doença anterior, seja na parte decorrente do seu agravamento, determinado pelo acidente) ser avaliada como se tudo decorresse do acidente, já que nem as RR alegaram, nem se provou, que o sinistrado, por virtude dessa doença, se encontre a receber pensão ou já tivesse recebido capital de remição.

Assim sendo, impõe-se concluir que o A. se encontra afectado de IPATH, com uma IPP de 15% para o exercício de outra profissão, assim procedendo, nesta parte, as conclusões do recurso».

Não se vislumbrando razões para dissentir desta linha de orientação acolhida pelo acórdão recorrido, entende-se ser a mesma de manter.

Na realidade, ponderando a facticidade dada como assente nos mencionados pontos 39, 42 e 43 e bem assim o estatuído no artigo 11º da NLAT, também consideramos que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de que o autor padece deve ser avaliada como se resultasse do acidente de trabalho de que foi vítima no aludido dia 4 de Fevereiro de 2010.

É que, como ajuizou o tribunal recorrido, não subsistindo dúvidas, em face da matéria de facto dada como provada, que, à data do referido acidente de trabalho, o autor era portador de uma patologia ao nível da coluna lombar (caracterizada por alterações degenerativas e estreitamento do canal lombar), decorre da mesma facticidade que essa concreta situação clínica do autor, preexistente ao acidente, tendendo a agravar-se em virtude da sua natureza degenerativa, no caso em apreciação agravou-se mesmo, mas por causa do dito acidente.

 Com efeito, tendo, em resultado do mesmo acidente, o autor passado a sofrer de uma incapacidade permanente parcial de 15%, com incapacidade para a profissão habitual, não poderá dizer-se que não existe uma relação de causa e efeito entre o acidente e o agravamento da referida patologia.

De onde que, não se comprovando a verificação de qualquer uma das causas de exclusão previstas no citado artigo 11º da NLAT (aliás, não alegadas pelas rés, a quem incumbia o respectivo ónus), deva a referida incapacidade (quer na parte decorrente da doença anterior quer na parte respeitante ao seu agravamento, por causa do acidente) ser avaliada como se tudo resultasse do aludido acidente.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões da alegação da recorrente e, como assim, a sua pretensão.

III  ̶  Decisão

Termos em que se decide negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário (artigo 713º, nº 7 do Código de Processo Civil)


Lisboa, 12 de Setembro de 2013


Isabel São Marcos (Relatora)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha

______________    
[1] Acidentes de Trabalho, anotação à Base VIII da Lei nº 2127, de 03.08.1965, Livraria Petrony, 1983, p. 74 e seguintes.
[2] Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Reimpressão, Almedina, p. 69.
[3] Carlos Alegre, obra citada, p. 70.