| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL BANCO GESTÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS APLICAÇÃO FINANCEIRA CLÁUSULA DE RESGATE BENS APREENDIDOS CONGELAMENTO DA CONTA OMISSÃO CONFLITO DE DEVERES CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE TRIBUNAL CRIMINAL DESPACHO CONTA BANCÁRIA CUMULAÇÃO RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL | ||
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| Data do Acordão: | 05/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE COM DEFERIMENTO DO PEDIDO DE DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA | ||
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| Sumário : | Não é ilícito o comportamento do Banco-réu que não executa uma ordem de resgate de aplicações financeiras dada pelo cliente, que veio a sofrer desvalorização dos seus ativos, quando todos os movimentos das suas contas bancárias se encontravam congelados por ordem judicial, não incorrendo, portanto, o réu em responsabilidade contratual. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA propôs ação declarativa contra Banco Santander Totta, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante de € 668.123,81, a título de responsabilidade civil contratual, acrescida de juros de mora devidos a partir da citação. Alegou, em síntese, que, na sequência da sua mudança de residência do Brasil para Portugal, transferiu todo o seu património em valor mobiliário para o Réu, o qual incluía um prémio em dinheiro que o mesmo recebera no âmbito de um acordo extrajudicial alcançado com a sua antiga entidade empregadora no país de origem. Na sequência desse processo, o Ministério Público promoveu a suspensão e bloqueio das contas bancárias do Autor junto do Réu, tendo tais medidas vigorado até 14.01.2020. Entre Autor e Réu foi celebrado, em julho de 2018, um “contrato de gestão de carteiras por conta de outrem particular USD”, nos termos do qual o Réu ficou habilitado a gerir a carteira de ativos do Autor com vista à respetiva valorização, tendo, porém, a movimentação das contas sido impedida, no final desse ano, por força das medidas judiciais atrás mencionadas. Quando, em 17.01.2020, o Autor comunicou ao Réu que tais medidas já haviam cessado, solicitando o fornecimento de informações sobre as suas aplicações financeiras, nomeadamente quanto aos prazos de liquidação e de resgate, o Réu nada fez, sustentando-se na permanência das medidas de bloqueio. Apesar de o Autor ter, por diversas vezes, insistido junto do Réu, munindo-o de todas as informações necessárias no sentido de que as contas já podiam ser, pelo menos, acedidas, o Réu manteve-se irredutível, o que causou avultados prejuízos ao Autor, consequência da circunstância de não ter podido resgatar as suas aplicações sem perder rentabilidade, o que aconteceu de forma acentuada, nos meses seguintes, devido ao evento da pandemia de Covid-19. 2. Na sua contestação, a Ré impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial e invocou, em síntese, que o impedimento judicial de aceder ou movimentar as contas do Autor só cessou em maio de 2020. Pediu a improcedência total da ação e a condenação do Autor como litigante de má-fé. Houve resposta do autor a este último pedido. 3. A primeira instância, pronunciando-se sobre a alegada responsabilidade contratual do Banco réu, julgou a ação procedente. Extrata-se da sentença o seguinte dispositivo: «Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais supra citadas, o Tribunal julga a presente acção procedente e, em consequência, condena o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 668.760,81 (seiscentos e sessenta e oito mil, setecentos e sessenta euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento. Julgo improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé.» 4. Contra essa sentença, o Banco réu interpôs recurso de apelação. Fê-lo com sucesso, pois o TRL julgou o recurso procedente. Desse acórdão extrata-se o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, decidindo-se, em substituição, julgar improcedente a ação intentada pelo Autor AA contra a Ré BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.., absolvendo-a do pedido. Mais se decide condenar o Autor-Apelado no pagamento das custas da ação e recurso, dispensando-o do pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça.» 5. Contra essa decisão, o autor-apelado interpôs o presente recurso de revista. Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: «1.ª O Recorrente inicia as Alegações de Recurso com uma citação do Acórdão recorrido, que, conforme depois fundamenta, denota, de forma clara, o erro jurídico que levou à revogação da Sentença que condenou o Banco Santander. 2.ª Se o Acórdão recorrido tivesse interpretado e aplicado corretamente o regime da apreensão, tendo, naturalmente, por base o caso concreto e a factualidade julgada provada, não poderia ter concluído como concluiu: que o Réu Santander, ao executar o pedido de resgate do aqui Recorrente, “quebrava o vínculo de indisponibilidade da apreensão, ficando em risco as finalidades da apreensão decretada”. 3.ª A execução do pedido de resgate o que faria era liquidar aplicações financeiras “para as contas-correntes” - cfr., nomeadamente, factos provados 9, 12, 13 -, contas estas que estavam igualmente apreendidas, logo protegidas pelo tal vínculo de indisponibilidade. 4.ª Ao entender conforme o descrito, o Acórdão recorrido partiu de um pressuposto errado, com isso subsumindo incorretamente os factos ao direito, fazendo uma errada aplicação da lei, concretamente no que concerne ao regime da apreensão da lei penal adjetiva e ao cumprimento contratual que subsistia. 5.ª As normas têm uma teologia, não valem apenas como sucessão de letras a que se atribui significado semântico e sintático, despidas da ratio legis que determinou a sua necessidade, elaboração e vigência, sendo que a garantia da perda é, como resulta dos artigos 110.º e seguintes do Código Penal, a de entregar ao Estado os “instrumentos, produtos ou vantagens” apreendidos porque relacionados com a prática de um facto ilícito típico (neste caso, e em termos gerais, o crime de branqueamento). 6.ª Assim, a pergunta da qual se tem que partir, e recorrendo à imagem do Acórdão recorrido, é esta: caso o aqui Recorrente tivesse, efetivamente, sido acusado, quem sabe pronunciado e, por fim, condenado, com trânsito em julgado, nos crimes de burla qualificada e branqueamento de capitais, as aplicações pretendidas resgatar estariam integradas na declaração de perda a ser entregue ao Estado? 7.ª O Acórdão recorrido respondeu, de forma assertiva: “seguramente já não seria possível, se fosse caso disso, declarar tais aplicações perdidas a favor do Estado”. Uma correta aplicação do Direito leva, no entanto, à resposta contrária: sim, aquelas aplicações financeiras, mesmo que liquidadas para as contas à ordem, permaneceriam “à guarda” da apreensão, até que esta fosse judicialmente levantada, mantendo-se o vínculo de indisponibilidade provocado pela apreensão. 8.ª O que teria mudado? As aplicações financeiras, tendo sido liquidadas dentro dos prazos de duração para que foram constituídas, em cumprimento do contrato que vinculava Recorrente e Recorrido, não teriam sido desvalorizadas face à pandemia do Covid-19 (cfr. factos provados 24 e 25). 9.ª Ou seja, esta deterioração de ativos, no valor de 668.123,81 €, deve-se ao facto de o Santander não ter cumprido o contrato a que se tinha obrigado com o aqui Recorrente, o qual se manteve em paralelo à medida judicial de apreensão, não tendo sido revogado, tendo, aliás, o Santander cobrado as comissões de gestão (cfr. facto provado 3 e contrato junto à Petição Inicial como Doc. 23, nomeadamente as Cláusulas 2.ª e 5.ª). 10.ª O Acórdão recorrido, porém, viu na liquidação das aplicações uma operação de venda, que necessariamente implicaria a saída do produto do pretenso crime do âmbito da apreensão decretada. O que resulta, entre outras partes da fundamentação, do que se faz constar relativamente ao facto provado 12., momento em que o Acórdão recorrido equipara a situação dos autos “à realização de novas operações de compra ou venda de títulos”. 11.ª Porém, o resgate das aplicações financeiras apenas significava que estas, em vez de estarem nas contas das aplicações financeiras, passavam a estar, com a respetiva liquidação, nas contas à ordem. Aliás, sempre ciente da indisponibilidade que tinha sobre as suas contas no Santander, o ora Recorrente nunca requereu ao Santander a realização de novas operações objeto do contrato de gestão de carteiras. 12.ª Nesta medida, o já referido facto provado 12 revela e valida a correta solução de Direito, já constante da Sentença dos autos: “podendo, embora, realizar-se movimentos a débito e a crédito das contas do cliente, ora Autor, importaria, apenas, impedir a ocorrência de movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco”. 13.ª Não sendo esta uma construção jurídica inócua ao apuramento das responsabilidades civis do Réu, agora Recorrido, precisamente porque contende, de forma direta, com a preservação do vínculo de indisponibilidade que o regime da apreensão exigia: o da proibida ingerência do sujeito apreendido no objeto da coisa apreendida. 14.ª Por outro lado, tendo em conta que o mesmo despacho que decretou a apreensão das contas, decretou igualmente a apreensão de um imóvel e que este foi arrendado, pergunta-se: como é que um imóvel apreendido foi arrendado, sendo usado, mexido, utilizado, desgastado, se, afinal de contas, estava absolutamente “congelado”? Naturalmente, porque não colocava em causa a finalidade da apreensão, pois caso fosse preciso declarar tal bem imóvel perdido a favor do Estado, o seu valor, o produto apreendido, não estaria posto em causa; bem pelo contrário, tendo em conta que as rendas acumulavam valor à apreensão. 15.ª Constitui, pois, erro de Direito o que a seguir consta da fundamentação do Acórdão recorrido, precisamente a citação com que se iniciaram as presentes Alegações de Recurso: “Com a liquidação das aplicações financeiras quebrava-se o vínculo de indisponibilidade, ficando em risco as finalidades da apreensão decretada. Basta ver que se a Ré tivesse, de imediato, procedido conforme solicitado, depositando o produto da alienação das aplicações financeiras (que não sabemos quais eram, mas admitimos fossem, por exemplo, atinentes a fundos de investimento) e o referido processo penal tivesse seguido os seus ulteriores trâmites, com a condenação, a final, do ora Autor pela prática dos crimes de burla qualificada e de branqueamento de capitais, seguramente já não seria possível, se fosse caso disso, declarar tais aplicações perdidas a favor do Estado”. 16.ª O que resulta dos factos provados, da compreensão da realidade e da respetiva interpretação das normas legais em causa é que, efetivamente, em caso de condenação, seria seguramente possível declarar perdidas as aplicações financeiras apreendidas e cujo cumprimento do resgate pelo Santander teria apenas determinado que jazessem já nas contas à ordem igualmente apreendidas. Tais aplicações permaneceriam no objeto apreendido, no tal universo patrimonial do agora Recorrente, e aí ficariam a servir as finalidades da referida perda. 17.ª O Acórdão recorrido entendeu, no entanto, que a tal liquidação das aplicações em janeiro de 2020 iria fazer com que o ora Recorrente ficasse a dispor imediatamente das mesmas, pois só isso explica que tenha discorrido sobre a intenção do Recorrente em pedir o resgate das aplicações, afirmando que não era a de evitar a desvalorização patrimonial, mas sim a de obter fundos monetários para o acordo extrajudicial, de modo a evitar o julgamento no processo que corria termos no Brasil. 18.ª Porém, conforme resulta da factualidade provada e de ambos os Pareceres Jurídicos juntos aos autos, o Autor não poderia ficar com as aplicações nas mãos - e nem o Santander equacionou isso, só mesmo o Tribunal a quo - sem que fosse proferido em Despacho a revogação das medidas face ao acordo extrajudicial, ficando estas a “jazer” no tal património apreendido, ainda que já nas contas à ordem. 19.ª Aqui chegados, o que se pode concluir é que a ordem de liquidação das aplicações não punha em causa a indisponibilidade que o aqui Recorrente tinha face ao objeto apreendido. Nem se “quebrava o vínculo de indisponibilidade”, nem “ficavam em risco as finalidades da apreensão decretada”, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo. 20.ª Nessa medida, não havendo qualquer impedimento legal ao cumprimento contratual, não há qualquer motivo para afirmar que o Réu e agora Recorrido incorreria num ilícito se liquidasse as aplicações. Essa é apenas a perspetiva apresentada por quem decidiu ignorar um cliente ao qual continuava contratualmente vinculado, sem sobreposição e / ou incumprimento da medida judicial, cobrando as comissões de gestão que resultavam do contrato de gestão de carteiras. 21.ª Verifica-se, isso sim, um incumprimento contratual, tendo decidido bem a Sentença que condenou o Santander ao pagamento da indemnização civil pedida pelo Autor, ora Recorrente, havendo fundamento pleno para recorrer à prova dos autos em que se baseou, nomeadamente aquela que revela que o Santander geria as contas do Autor com plena consciência de que o que a lei lhe ordenava era que não deixasse escapar para fora do Banco o tal “universo patrimonial das contas do Cliente”. 22.ª Mantém-se, pois, plenamente válida a fundamentação desta Sentença proferida nos autos em Primeira Instância (cfr. págs. 13 a 18), que identificou, de forma incontornável, a questão jurídica determinante para a resolução da matéria que subsiste nos presentes autos. 23.ª Na verdade, a apreensão dos saldos bancários e aplicações financeiras não tinha abrangência legal para fazer cessar ou sequer suspender o contrato celebrado entre o ora Recorrente e o Santander, Recorrido. 24.ª Ou seja, naturalmente não se questionando o cumprimento que o Banco tinha que dar aos despachos judiciários - e o Autor, agora Recorrente, nunca o fez -, tal não implica concluir, sem mais, que a relação contratual Banco/Cliente, simples e imediatamente, deixou de existir. 25.ª Sendo ainda relevante relembrar que quem se arrogou na posição de depositário foi o próprio Santander, nas Alegações de Recurso que apresentou junto do Tribunal a quo. Pelo que também por esta via acresciam ao Santander obrigações legais face àquela apreensão que não permitiam que, simplesmente, ignorasse aquelas contas e aquele património. A este propósito afirma João Conde Coreia: “A imposição estadual de um vínculo de indisponibilidade sobre a coisa arrasta a necessidade da criteriosa administração dos bens apreendidos, com vista à sua conservação e, se possível, o seu incremento patrimonial. O Estado não pode apreender os bens e, depois, deixá-los ao abandono”. 26.ª Perante o pedido de resgate do Recorrente e a iminência da depreciação dos ativos - que se veio, efetivamente, a verificar - o Recorrido, na sua veste de parte contratual vinculada à “prática de todos os actos necessários à prossecução dos aludidos fins [valorização da carteira]” (cfr. Cláusula 2.ª), bem como de depositário perante o Tribunal, ainda que entendesse que não devia liquidar as aplicações, tinha que ter exposto tal divergência ao Tribunal, conforme pugna o n.º 2 do artigo 760.º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal). 27.ª O que nunca poderia ter feito foi, afinal, a única coisa que fez, ou seja, nada! Como muito bem decidiu a Sentença condenatória, o facto de ter existido uma apreensão não terminou o contrato de gestão de carteiras, ao abrigo do qual o agora Recorrido continuou a financiar-se através da comissão de gestão. Nem seria nunca isso que as próprias autoridades judiciais pretenderiam. 28.ª Era ao abrigo deste contrato que o Banco Santander tinha a obrigação de passar as aplicações para as contas à ordem, conforme instruções do ora Recorrente, no âmbito do contrato já identificado e que não estava, nesta parte, afetado pela medida judicial de apreensão. 29.ª O que não fez, sem justificação legal, com isso provocando danos e incorrendo em responsabilidade civil contratual, nos termos e com os fundamentos alegados pelo Autor, aqui Recorrente, desde a propositura desta ação. 30.ª Em suma, deverá julgar-se a fundamentação levada a cabo pelo Tribunal a quo como manifestamente avessa ao julgamento de Direito que se impunha, caso tivesse sido corretamente aplicada a lei. 31.ª Face à interpretação defendida quanto a todas as normas supra identificadas no presente Recurso, o que se alega e pede é, claro, que seja tal Acórdão aqui recorrido revogado, mantendo-se os exatos termos da Sentença que condenou o Santander nos termos peticionados pelo agora Recorrente. 32.ª Por fim, o Tribunal a quo decidiu (...) ao abrigo do disposto no art. 6.º, nº 7, do RCP, dispensar o ora Recorrente do “pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça”. 33.ª O Tribunal a quo teve em boa conta os critérios desta disposição legal, expondo que o objeto do litígio e do recurso “não suscitaram[ndo] questões de complexidade assinalável, mais afirmando que as partes expuseram “de forma clara a sua posição em peças de dimensão média”. 34.ª Assim sendo, não se compreende - nem se encontra fundamentado - a decisão de o Tribunal a quo, com fundamento nesta norma e nestes critérios, de não ter dispensado o remanescente da taxa de justiça, mas apenas em metade do seu valor. 35.ª Pelo que se requer igualmente que também nesta parte, relativa às custas judiciais, possa o Acórdão recorrido ser revogado, decidindo-se pela dispensa total do remanescente da taxa de justiça. Face ao exposto, deverá o presente Recurso de Revista ser julgado totalmente procedente, revogando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com isso sendo o Réu Santander condenado nos termos decididos pela Sentença de 9 de fevereiro de 2024.» 6. O recorrido apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões: «A) A ação em apreço assenta no pretenso incumprimento pelo BST de ordens de resgate das aplicações que o A. detinha no Banco, ordens essas que foram transmitidas ao Banco pelo A. em 21.01.2020. B) Alegando, para o efeito, o A. que as medidas judiciais restritivas que foram decretadas relativamente aos seus ativos no BST apenas não permitiam a realização de movimentos a débito. C) A questão essencial a decidir neste processo (e, por conseguinte, no presente recurso) é, pois, a de saber se, ao não concretizar as referidas ordens de resgate das aplicações do A., datadas, como se referiu, de 21.01.2020, o BST incorreu em incumprimento contractual. D) Como resulta inequívoco dos Factos Provados, o BST, em 21.01.2020 (dia dos pedidos de resgate) estava impedido, por ordem judicial, de autorizar/efetuar qualquer movimentação nas contas do A. – vd. pontos 27 a 29 dos Factos Provados. E) Impedimento esse que - como também ficou provado - apenas cessou em 8 de maio de 2020 – vd. ponto 29 dos Factos Provados. F) Assim, consoante está igualmente provado nos autos, por despacho judicial de 17.10.2019, proferido no processo nº 21359/19.0..., do Juízo de Instrução Criminal de.../ Juiz..., notificado ao BST a 18.10.2019, foi determinado o seguinte: “… ao abrigo do disposto nos artºs 178º, 181º e 268º al. c) todos do CPP, determino a apreensão dos saldos das contas bancárias, do Banco Santander Totta, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título, AA, congelando assim todos os movimentos das mesmas: - Conta do Banco Santander Totta nº ..............24; - Conta do Banco Santander Totta nº ..............24; - Conta do Banco Santander Totta nº ..............20; - Conta do Banco Santander Totta nº ............20, e - Conta do Banco Santander Totta nº ..............20”. vd. ponto 27 dos Factos Provados. G)Face ao referido despacho judicial de 17.10.2019, ficaram, pois, apreendidos e congelados todos os saldos das contas bancárias do A. no BST, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que fosse interveniente, a qualquer título, o A. H) Ou seja, por força da dita ordem judicial, ficaram “congelados” (ou seja, impedidos) todos os movimentos (seja de que tipo fossem) nas ditas contas bancárias, seguros e aplicações financeiras. I) Isto é, com a descrita ordem de congelamento dos ativos do A. no BST, o Banco deixou de poder movimentar os mesmos por ordem do A., e passou a poder fazê-lo apenas por ordem do Mmo. Juiz, nos termos do disposto nos nºs 7 e 8 do artº 178º do CPP. J) Ordem essa que, como está provado, apenas surgiu em 08.05.2020. K) Relembrando-se, a propósito, que existiram, relativamente aos ativos do A. no BST, duas decisões judiciais distintas de cariz restritivo, proferidas em dois processos também distintos, e em dois momentos temporais igualmente diversos, a saber: - UMA PRIMEIRA, pela qual foi determinada a suspensão temporária de operações a débito, proferida, no âmbito do processo nº 963/18.0..., do Juízo de Instrução Criminal de .../ Juiz ..., e que vigorou de 13.11.3018 até 15.01.2020, e - UMA SEGUNDA, de cariz mais amplo, pela qual foi determinado o congelamento de todos os movimentos, proferida no âmbito do processo nº 21359/19.0..., do Juízo de Instrução Criminal de .../ Juiz ..., e que vigorou de 17.10.2019 até 08.05.2020. L) Ora, como refere o Professor Germano Marques da Silva, em parecer que o BST juntou aos autos com o seu recurso de apelação: “Importa deixar claro que é diverso o fundamento e alcance jurídico dos dois despachos acima identificados. O primeiro (al. a), a suspensão de movimentos das contas bancárias, foi proferido ao abrigo dos artigos 48º e 49º da Lei n.º 83/2017, de 18/08 (Medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo) e o segundo, a medida de apreensão e congelamento, no Proc. 21359/19.O..., foi proferido ao abrigo do disposto nos artigos 178º, 181º e 268º do Código de Processo Penal, tendo por fundamento a indiciação da prática de factos suscetíveis de integrar a prática do crime de burla qualificada e de branqueamento de capitais” – vd. pág. 5 do parecer. M)Mas veja-se novamente o entendimento do Professor Germano Marques da Silva, expresso no referido parecer, quanto à natureza e extensão da medida de apreensão e congelamento aqui em causa: “Como esclarecemos oportunamente, a apreensão prevista no artigo 178º do Código de Processo Penal «não é apenas um meio de obtenção e conservação de provas, mas também de segurança de bens para garantir a execução» A circunstância da apreensão ser efetuada em estabelecimento bancário (art. 181º do CPP) não colide com a sua natureza, sendo apenas condicionada na sua execução em razão das imposições do segredo bancário. De referir a propósito que «a apreensão não significa, necessariamente, que o objeto sobre o qual incide tenha de ser removido, podendo, se nada o impedir, por exemplo, uma determinada quantia apreendida, ficar à ordem do processo e continuar depositada na instituição de crédito». É o que resulta do artigo 178º, nº 2, do Código de Processo Penal ao dispor que o objeto da apreensão é junto ao processo ou confiado à guarda de um depositário. O depositário só pode movimentar o objeto do depósito mediante decisão do “depositante”, melhor, do juiz do processo, conforme resulta dos nºs 7 e 8 do artigo 178º do Código de Processo Penal. O Código de Processo Penal não define expressa ou diretamente o conteúdo da medida processual de apreensão, mas o seu teor resulta de modo indireto dos nºs 7 e 8 do artigo 178º ao dispor que «7 - Os titulares de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos apreendidos podem requerer ao juiz a modificação ou a revogação da medida», e «8 - O requerimento a que se refere o número anterior é autuado por apenso, notificando-se o Ministério Público para, em 10 dias, deduzir oposição». Resulta destes normativos que a partir da apreensão qualquer “modificação” do seu objeto depende sempre e exclusivamente de decisão judicial. O que está em causa na medida processual de apreensão, prevista no artigo 178º do Código de Processo Penal, é «a imposição de um vínculo de indisponibilidade sobre a coisa, com carácter provisório, com vista à sua futura utilização processual» A medida de congelamento de valores está prevista no artigo 412º, nº 1, alínea c) do Código de Valores Mobiliários - «Apreensão e congelamento de valores, independentemente do local ou instituição em que os mesmos se encontrem» e a sua definição consta expressamente do artigo 1º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 06/09; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 06/09, e publicada no Diário da República I-A, n.º 205, de 06/09/1991 (Resolução da Assembleia da República n.º 29/91), que dispõe: «l) Os termos “congelamento” ou “apreensão” designam a proibição provisória de transferir, converter, dispor de ou movimentar bens ou o facto de assumir provisoriamente a guarda ou fiscalização de bens por decisão de um tribunal ou de uma autoridade competente». O conceito de congelamento ou apreensão é perfilhado na doutrina nacional e internacional conforme ao conceito que resulta da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, recebida na legislação interna, ou seja, constituindo a indisponibilidade pelo titular dos bens apreendidos quando sejam objeto de medida legal de apreensão ou congelamento. O próprio despacho que determinou a apreensão é muito claro no seu âmbito, quer quanto ao objeto da apreensão, quer quanto aos seus efeitos, quanto à modificabilidade pelo depositário quer pelo titular do objeto apreendido, ao determinar que são objeto da apreensão os «saldos da conta bancária, do Banco Santander Totta, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título», LMM (objeto) e quanto aos efeitos «congelando assim todos os movimentos das mesmas» (efeitos). Ao determinar o congelamento de todos os movimentos das referidas contas, fica claro que só por ordem do juiz as referidas contas podiam ser movimentadas” – vd. págs. 5 a 8 do parecer. N) O BST deu, obvia e necessariamente, cumprimento à descrita ordem judicial proferida no âmbito do processo nº 21359/19.0..., a qual, como vimos, ao impedir todo o tipo de movimentos, impedia, como é óbvio, também os resgates. O) Ora, reitera-se, como ficou provado nos autos, tal ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do A. no BST apenas foi levantada por despacho judicial de 06.05.2020, notificado ao BST com data de 08.05.2020 - vd. ponto 29 dos Factos Provados. Aqui chegados, P) Como resulta cristalino do relatado, entre 17.10.2019 e 08.05.2020, por força de ordem judicial emitida no referido processo nº 21359/19.0..., estiveram apreendidos e congelados todos os ativos do A. no BST. Q) Pelo que, obviamente, o BST não podia executar a ordem de resgate das aplicações do A., pelo mesmo apresentada em 21.01.2020. R) Isto é, o BST, em 21.01.2020 (dia dos pedidos de resgate), estava impedido, por ordem judicial, de autorizar/efetuar qualquer movimentação nas contas do A. S) Situação que se manteve até 08.05.2020. T) Pelo que, ao não executar os pedidos de resgate em causa, o BST não incorreu em qualquer tipo de incumprimento contratual. U) Veja-se, a propósito do tema agora em causa, novamente a opinião do Professor Germano Marques da Silva, constante do citado parecer: “Com a medida processual da apreensão altera-se o título pelo qual o Banco é depositário dos bens apreendidos que constituíam os ativos das contas. Até à apreensão o Banco respondia nos termos contratuais perante o titular das contas bancárias em causa, mas a partir da apreensão judiciária dos ativos dessas contas, confiados ao depositário Banco Santander Totta, nos termos do disposto no artigo 178º, nº 2, o Banco passou a ser depositário desses ativos à ordem do tribunal pelo que responde pelos seus deveres de depositário perante o tribunal, agora na veste de depositante, e não perante o titular das contas”. O congelamento das contas de que era titular LMM significou que o Banco não podia movimentar nem os saldos, nem os seguros, nem as aplicações financeiras e bancárias no âmbito das contas em causa por sua iniciativa ou por ordem do titular das referidas contas, mas tão só por ordem do juiz, nos termos do disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 178º do Código de Processo Penal. Só a partir da notificação ao Banco do despacho de 08.05.2020, que levantou a apreensão, o titular das contas, LMM, recuperou a sua capacidade para o exercício dos seus direitos relativos àquelas contas, podendo desde então, e só desde então, movimentá-las nos termos contratuais com o Banco. O Despacho de 18.10.2019, proferido no Proc. 21359/19.O..., ao determinar a apreensão e congelamento de todos os movimentos das referidas contas, impediu o depositário, o BST, de executar quaisquer ordens do titular das contas, nomeadamente a ordem de resgate das aplicações que foi dada por LMM ao BST em 21.01.2020 Por isso que, em 21.01.2020 e até 08.05.2020 as contas em causa mantinham-se apreendidas e congeladas não podendo o BST movimentá-las senão por ordem do juiz do processo, conforme o disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 178º. O titular das contas, o Sr. LMM, mantinha-se juridicamente impedido de movimentar as contas sem autorização do juiz para a sua movimentação. Por isso que, se o BST tivesse cumprido a ordem que lhe foi dada pelo titular das contas, LMM, sem autorização do juiz do processo, teria praticado um facto ilícito, incorrendo eventualmente na prática de ilícitos criminais e civis. O artigo 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa dispõe que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades». A violação dos deveres de depositário impostas ao Banco pelo Despacho de 18.10.2019 podia eventualmente implicar responsabilidade criminal pelo crime de descaminho, p.p. pelo artigo 355º do Código Penal. O cumprimento da ordem de resgate dada pelo titular das contas, LMM, implicaria alteração do objeto da apreensão das aplicações financeiras que tinham sido expressamente aprendidas e congeladas pelo Despacho judicial, modificando o conteúdo do objeto da apreensão o que, como se disse já, só poderia ser modificado por decisão do juiz, nos termos do disposto no nº 7 do artigo 178º do Código de Processo Penal. Esta modificação do objeto da apreensão constituiria violação do bem jurídico tutelado pelo artigo 355º do Código Penal, ou seja, a autonomia intencional do Estado, aqui concretizada através da ideia de inviolabilidade do objeto da apreensão que ficou sob custódia pública.” Diversamente, no que respeita a eventual responsabilidade civil. Se o BST tivesse cumprido a ordem de LMM de 20.01.2020 poderia vir a ser responsabilizado civilmente caso se viesse a verificar que o resgate das aplicações tinha implicado desvalorização dos ativos apreendidos ((art. 129º do CP e 483 ss do CCivil), lesando o Estado ou o terceiro beneficiário desses ativos, conforme os ativos viessem a reverter para o Estado (arts 110º do CP e 7º da Lei nº 52002) ou para o ofendido pelo crime pressuposto da apreensão (110º, nº 6, do CP)”. Não podendo o BST movimentar as contas senão por determinação do juiz do processo evidentemente que não incorreu em incumprimento contratual ao não executar os pedidos de resgate apresentados pelo titular das contas em 21.01.2020. Insiste-se. Enquanto os ativos das contas se encontrassem apreendidas e congeladas à ordem do juiz do processo o seu titular estava inibido de dar sobre elas quaisquer ordens pelo que as relações do BST com o seu cliente estavam também congeladas e o Banco este não tinha quaisquer deveres de obediência a ordem que lhe fossem dadas por LMM, donde que não cumprindo essa ordem não incorreu em incumprimento dos deveres contratuais. Se LMM pretendesse alguma modificação dos ativos congelados deveria requere-lo ao juiz que se decidisse a modificação determiná-la-ia ao Banco depositário” – vd. pags. 9 a 14 do parecer. V) A tese exposta quanto à inexistência de incumprimento contratual por parte do BST foi acolhida pelo acórdão recorrido, que se tem por impecavelmente fundado e acertado. Assim, como, designadamente, referiu o dito acórdão: “Em conclusão, não acompanhamos a interpretação que o Tribunal recorrido fez do aludido despacho, ora propugnada pelo Apelado e no parecer jurídico que juntou, segundo a qual a Ré não estava impedida - pela decisão judicial proferida no proc. n.º 21359/19.0... - de dar execução às ordens de resgate das aplicações financeiras (associadas às referidas contas bancárias) dadas pelo Autor (a primeira em 21-01-2020), pois não estava impedido de realizar movimentos dentro do universo patrimonial do cliente. Pelo contrário, entendemos que a Ré estava (temporariamente) impedida de cumprir a prestação contratual que seria devida, nos termos solicitados pelo Autor, já que este não tinha a disponibilidade sobre as suas aplicações financeiras, uma vez que estavam apreendidas, conforme determinado por decisão judicial à qual a Ré não podia deixar de obedecer, sob pena de incorrer na prática de facto ilícito”. – vd. págs. 63 e 64 do acórdão. Posto isto, W) Como ressalta límpido do exposto, o BST, ao não cumprir em 21.01.2020, as ordens de resgate que em tal data lhe foram transmitidas pelo A., não incorreu em qualquer incumprimento contratual. X) Com efeito, reitera-se, em 21.02.2020, os ativos do A. no BST estavam apreendidos e congelados por ordem judicial, ordem essa à qual o Banco não podia, sob pena de incorrer em ilegalidade, deixar de cumprir. Y) Tal circunstância implica o total soçobro da presente ação (e do recurso de revista em apreço). Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido, como é de justiça.» Cabe apreciar. * II. FUNDAMENTOS 1. Admissibilidade e objeto do recurso O acórdão recorrido revogou a decisão da primeira instância, pronunciando-se em sentido desfavorável ao recorrente, pelo que o recurso, por este interposto, é admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC. O objeto do recurso (delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente) é o de saber se o Banco réu incorreu em responsabilidade contratual. 2. Factos provados As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: «1. Em meados de 2018, o Autor, cidadão brasileiro, veio viver com a sua família para Portugal. 2. Aquando dessa mudança, o Autor transferiu todo o património do Brasil, traduzido em poupanças e ativos financeiros, para Portugal, nomeadamente para o Réu. 3. Para esse efeito, foi celebrado, em 10 de Julho de 2018, entre Autor e Réu, entre outros, um “contrato de gestão de carteiras por conta de outrem particular USD”, nos termos do qual o Réu ficou encarregado de «gerir, por conta do primeiro, a carteira de activos identificada na cláusula anterior, tendo em vista a valorização da mesma, mandatando o SANTANDER TOTTA, no âmbito dos poderes e instruções definidos no presente, para a prática de todos os actos necessários à prossecução dos aludidos fins (...)» - cf. doc. 23 com a p.i. [estando aí previsto, além do mais, na cláusula 6.ª, n.º 2, que “O Cliente tem a faculdade de, mediante pré-aviso de 10 dias dado por escrito ao SANTANDER TOTTA, com total respeito pelas normas de liquidação e compensação das operações efectuadas, bem como a eventual maturidade deferida de alguns títulos, caso em que a liquidação não é imediata, e relativamente à carteira de activos sob gestão, atendendo designadamente aos prazos aplicáveis (…) solicitar levantamentos em numerário e/ou títulos, desde que o valor global da carteira não fique inferior ao montante mínimo referido em 6º/1 a) (…)” (750.000 Dólares Americanos) e na cláusula 16.ª, n.º 2, que “No âmbito da denúncia do contrato por iniciativa do Cliente, poderá este solicitar o encerramento da carteira de activos mediante o levantamento de títulos ou liquidação em meios líquidos, tendo presente as regras definidas na clª 6ª nº 2”.]. 4. Porém, logo no final desse ano, a movimentação das contas passou a estar impedida face à medida de suspensão de operações bancárias decretada no âmbito do processo-crime n.º 963/18.0..., bem como em processo homólogo das justiças do Brasil. 5. Em 19-11-2018, o Autor enviou uma carta ao Réu a solicitar, com carácter de urgência, informações quanto ao bloqueio da movimentação das contas, tendo este respondido nos seguintes termos, conforme doc. 25 junto com a p.i., que ora se dá por reproduzido: «vimos por este meio transmitir que o bloqueio das contas n.º .............24, .............24, .............20, ............20 e .............20, decorre destas contas terem sido objeto de suspensão dos movimentos a débito, recaindo sobre o Banco Santander Totta, S.A. a obrigação legal de obstar à movimentação das referidas contas a débito, decorrente do cumprimento dos deveres legais que não pode deixar de observar, não sendo possível, nos termos da legislação aplicável, prestar qualquer outro esclarecimento sobre a matéria». 6. Ao longo do ano de 2019, as contas do Autor permaneceram bloqueadas, tendo sido autorizados pelo Ministério Público alguns pagamentos pontuais. 7. Em novembro de 2019, o Autor dirigiu ao Réu email com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 26 com a p.i.: «Caro João, Espero que estejas bem. Preciso que me envie o prazo de resgate de todas as minhas aplicações financeiras. (...)»; ao qual o Réu nunca respondeu. 8. O Autor dirigiu idênticas interpelações via “Whatsapp”, plataforma através da qual anteriormente mantinha comunicação com o seu gestor de conta BB, sem resposta concreta. 9. O Autor dirigiu ao Réu um email datado de 21-01-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 30 com a p.i.: «Caro BB, Como é já do seu conhecimento, já recebi autorização das autoridades para a liberação das minhas contas no Santander Totta. Tal liberação decorre de acordo extrajudicial celebrado com a minha ex-empregadora, a qual foi primariamente responsável pelo bloqueio de tais contas, ao por em causa um bónus de mais de US$13 milhões que recebi em 2017. Por força desse acordo, aceitei restituir à minha ex-empregadora o montante de US$10.361.000,00, cuja transferência deve ser feita assim que o banco receber oficialmente a ordem de liberação pelas autoridades competentes, o que deve acontecer nos próximos dias. Desta forma, solicito que inicie imediatamente a liquidação de todas as minhas aplicações, buscando sempre maximizar os resultados. Lembro que a atual ordem de bloqueio não impede que sejam feitos resgates para as contas-correntes. Por último, reforço que jamais pratiquei qualquer ilícito (...)» 10. O Réu respondeu por email de 22-01-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 31 com a p.i.: «(...) Fomos informados que até este momento não recebemos qualquer nova notificação (Ofício do Tribunal); A última notificação recebida pelo B.Santander data ainda de 2019. Só podemos comercialmente atuar sobre os ativos financeiros após receber instruções por essa via, e informarei quando acontecer. Nota: caso já detenha, com o apoio do seu Advogado, algum documento emitido em 2020 se desejar poderá facultar uma cópia por e-mail. (...)» 11. O Autor dirigiu ao Réu um email, datado de 03-02-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 32 com a p.i.: «(...) Realmente não tenho como controlar quando o banco irá receber a comunicação das autoridades que autorizou o desbloqueio das contas, entretanto, a minha solicitação feita abaixo foi no sentido se proceder ao resgate dos meus investimentos. Procedimento o qual o banco não está impedido pela ordem de bloqueio em vigor. Isto tanto é verdade que eu mesmo fiz alguns resgates através do aplicativo do banco na internet em dezembro passado. Meu receio era exatamente que os meus ativos se desvalorizassem antes de ser possível ser feito o pagamento. Sinto que fui prejudicado por não ter sido atendido e precisaremos falar sobre isso no momento que achares oportuno (...)» 12. [Em 15-11-2018] O Réu havia remetido uma comunicação ao processo-crime referido em 4., expondo o seguinte, cf. doc. 34 junto com a pi: «(...) Antes da determinação da suspensão dos movimentos a débito nas contas estavam em curso operações de compra de títulos no âmbito daquele contrato e que estão por liquidar por débito da conta ...............24, no valor de 47.349.56 €, Est Etf Amundi, e 110.257.69 € Est AcISHARESBARCL. Os títulos vão ser depositados na carteira de títulos do cliente. Isto é, embora se realizem movimentos a débito e a crédito nas contas dos clientes, não existe movimentações fora do universo patrimonial do cliente no Banco. Deste modo face a esta circunstância o Banco procederá à liquidação dos títulos (...)», tendo recebido resposta do Ministério Público no sentido de que nada obstaria a tal operação (doc. 35 com a p.i.) 13. Em novembro de 2019 [trata-se de lapso material, deverá ler-se dezembro de 2019 – facto plenamente provado por documento e confissão – cf. artigos 73.º e 74.º da PI e docs. 33 e 37 e art. 97.º da Contestação], o Autor conseguiu efetuar alguns resgates das suas aplicações na aplicação online do Banco, conforme transmitiu ao Réu. 14. Por despacho de 14-01-2020 proferido pelo Ministério Público no âmbito do processo aludido em 4. [n.º 963/18.0...], notificado ao Mandatário do Autor por ofício do DCIAP de 15-01-2020, foi consignado o seguinte, cf. doc. 21 com a p.i.: «Quanto à suspensão das operações bancárias cujo prazo tem o seu terminus [considerando ainda que as quantias, ora suspensas mostram-se já apreendidas à ordem da CR remetida pelas autoridades brasileiras, em concreto pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – FORO CENTRAL CRIMINAL ..., uma Carta Rogatória, por referência ao processo que ali corre os seus termos no Grupo Especial de Repressão aos Delitos Económicos do Ministério Público do Estado de São Paulo, com Procedimento Investigatório Criminal (…), onde se investiga e apura a responsabilidade penal do arguido pelos factos destes autos e em que igualmente são denunciantes os mesmos destes autos] Desta feita não se vislumbra qualquer pertinência na prorrogação da suspensão da operação bancária subjacente nestes autos, uma vez que, tais valores mostram-se já acautelados naquela CR (...), pelo que não irei determinar a sua prorrogação.» 15. O Autor enviou ao Réu um email datado de 05-02-2020 [trata-se de lapso material, pelo que se deverá ler 02-05-2020, isto é, 2 de maio de 2020 – facto plenamente provado por documento e por acordo das partes – cf. art. 124.º da PI e doc. 38], com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 38 com a p.i.: «Caro BB (...) estou a acompanhar o desempenho das minhas aplicações e notei no extrato deste mês que a parte dos fundos de investimento simplesmente “sumiu” do extrato. Veja que elas constavam no extrato de março mas não aparecem em abril. Podes esclarecer, por favor? (...)». 16. O Réu não respondeu ao email, tendo apenas o gestor do Autor informado, via “whatsapp”, que «logo que seja possível eu responder aviso». 17. O Autor dirigiu email ao Réu, datado de 19-05-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 40 com a p.i.: «Caro BB, Gostaria de manifestar a minha mais profunda indignação sobre a forma que estou sendo tratado pelo Santander. Além de não terem cumprido a ordem de resgate das minhas aplicações enviada em Dezembro de 2019, me causando um prejuízo que pode superar €1 milhão, recusa esta sem qualquer respaldo jurídico (...), o banco agora se recusa a me dar acesso aos meus extractos e enviar as informações sobre as minhas contas e investimentos. Hoje estou completamente no escuro pois grande parte dos meus investimentos e contas não aparecem na aplicação de internet. Por isso, vou pela última vez solicitar amigavelmente estes documentos. Se o BB não pode atender-me, por favor encaminhe para quem possa (...)». 18. O Autor voltou a insistir pelo envio dos elementos anteriormente solicitados em 25-05-2020, nos termos que constam do email cuja cópia constitui doc. 41 com a p.i. 19. Em 28-05-2020, o Réu enviou um email ao Autor, com o seguinte teor, cf. doc. 42 com a p.i.: «Caro AA, boa tarde, Conforme solicitado, junto enviamos todos os extractos das suas contas à data de 30 de Abril de 2020, incluindo agora os relativos às contas de encerramento, que não haviam sido remetidos. Mais informamos que, neste momento, todos os activos foram liquidados, à exceção dos seguros financeiros, os quais entretanto já foram solicitados à Seguradora, mas ainda não disponibilizados. Assim, por hora, apenas será possível dar seguimento parcial à S/ordem de instrução irrevogável. (...)» 20. Após troca de outra correspondência, o Autor enviou ao Réu um email datado de 15-06-2020, com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 44 com a p.i.: «Prezado BB, Volto a indaga-los sobre os resgates e transferência do valor remanescente em minhas contas. Como sabe, existe uma procuração irrevogável com instruções precisas e claras da minha parte e que não está a ser cumprida. A cada dia que passa estou a ter prejuízos financeiros decorrentes directamente da conduta do Banco, sendo que o atraso injustificado na execução de uma instrução expressa e clara da minha parte causará igualmente prejuízos sérios. Desta forma, informo se os valores não forem transferidos até à próxima quarta-feira, dia 17/06 irei reportar esta situação às autoridades competentes (...)». 21. No Brasil, o Autor trabalhou como alto quadro executivo de um dos maiores grupos empresariais daquele país. 22. Em 31 de Dezembro de 2019, o Autor tinha um total de 9.745.650,88 €, no âmbito das suas cinco contas no Réu, a que estavam associadas aplicações financeiras várias: conta n.º ..............24; conta n.º ..............24; conta n.º ..............20; conta n.º ...........20, e conta n.º ..............20. 23. Em 31 de Janeiro de 2020 (após pedido de resgate de todas as aplicações financeiras), o saldo global dessas mesmas cinco contas era de 9.845.091,25 €. 24. Devido à eclosão da pandemia pela doença Covid-19, os mercados sofreram fortes quedas, o que provocou uma crise financeira, com depreciação dos ativos de investimento por todo o mundo. 25. Em consequência, as aplicações financeiras do Autor desvalorizaram significativamente, embora em montante não concretamente apurado. 26. Quando foi liquidado o saldo bancário do Autor, para realização da transferência objeto do acordo extrajudicial mencionada no doc. 30 com a p.i. (cf. ponto 9. dos presentes factos provados), este tinha o valor de 9.144.889,90 €, resultante da conversão em euros de $10.282.985,72, por sua vez resultante da soma dos valores constantes das mensagens SWIFT constantes do doc. 58 com a p.i., cujo teor ora se dá por reproduzido. 27. Por despacho judicial de 17-10-2019, proferido no proc. n.º 21359/19.0..., do Juízo de Instrução Criminal de ..., Juiz ..., notificado ao Réu em 18-10-2019, foi determinado o seguinte: «(...) ao abrigo do disposto nos artºs 178º, 181º e 268º al. c) todos do CPP, determino a apreensão dos saldos das contas bancárias, do Banco Santander Totta, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título, AA, congelando assim todos os movimentos das mesmas: - Conta do Banco Santander Totta nº ..............24; - Conta do Banco Santander Totta nº ..............24; - Conta do Banco Santander Totta nº ..............20; - Conta do Banco Santander Totta nº ............20, e - Conta do Banco Santander Totta nº ..............20”. – cf. doc. 1 junto com a contestação, cujo teor ora se dá por reproduzido. 28. Do mesmo despacho, como fundamento para a medida aí decretada, consta o seguinte: «(...) Indicia-se fortemente nos autos a prática de factos suscetíveis de integrar a prática do crime de burla qualificada e de branqueamento de capitais. Tendo em conta os elementos que constam dos autos (...) indicia-se fortemente que as quantias monetárias e quaisquer outros valores depositados nas contas bancárias indicadas a fls. 201, bem como todas os seguros e aplicações financeiras, existentes no Banco Santander Totta que sejam titulados por AA ou em que o mesmo seja interveniente, tem proveniência ilícita, constituindo produto dos ilícitos em investigação nos presentes autos (...)». 29. Tal ordem judicial de apreensão e congelamento de todos os ativos do Autor no Réu apenas foi levantada por despacho judicial datado de 06-05-2020, notificado ao Banco por ofício de 08-05-2020. 30. Essa ordem de levantamento foi emitida na sequência de promoção do Ministério Público da qual consta, além do mais, o seguinte, conforme doc. 2 junto com a contestação: «(...) veem agora as autoridades brasileiras ... invocar que por acordo celebrado entre os intervenientes processuais nos autos que decorrem junto daquelas autoridades brasileiras, AA concordou em restituir a quantia objeto da ação penal, e que se encontram apreendidas por via destes autos, pelo que solicitam o desbloqueio e subsequente levantamento das apreensões das referidas contas bancárias, seguros e aplicações bancárias e financeiras, a fim de as mesmas poderem ser restituídas conforme acordado à entidade lesada (...)». 31. O Réu procedeu ao resgate das aplicações do Autor e à disponibilização do respetivo produto ao mesmo em maio de 2020, tendo o resgate de algumas aplicações ocorrido apenas durante o mês de junho de 2020. 32. O Autor abriu conta bancária no Réu em 29-05-2018, para a qual foi transferida a quantia de US$13.650.868,00, mediante ordens da sociedade “S..., Lda.” 33. Em 06-11-2018, o Réu recebeu uma comunicação do escritório de advogados C..., LLP, em representação da sociedade P..., Inc., a informar que o Autor havia desviado fraudulentamente da referida empresa a quantia de USD 13.037.500,00, e que esta quantia tinha sido transferida para o BST. 34. Em cumprimento do dever de comunicação imposto pela Lei n.º 83/2017, de 08-08, o Réu comunicou essa transferência ao DCIAP e à Polícia Judiciária, na sequência do que aquele DCIAP, por ofício de 13-11-2018, determinou, nos termos do artigo 48.º, n.º 1 da mesma Lei, «(...) a suspensão temporária de execução de quaisquer operações a débito sobre todos os ativos depositados ou que venham a ser creditados no Banco Santander Totta, bem como seguros e outras aplicações financeiras tituladas ou em que sejam intervenientes, a qualquer título, AA, CC e DD (...)» - cf. docs. 1 e 2 juntos com a p.i.. 35. Tal iniciativa do DCIAP foi confirmada por despacho judicial de 15-11-2018, que considerou indiciada a factualidade referida pelo DCIAP, tendo a ordem de suspensão sido determinada até 14-02-2019, no âmbito do processo aludido em 4. [n.º 963/18.0...], que correu termos no mesmo Juízo de Instrução Criminal de ..., Juiz ... – cf. doc. n.º 3 com a p.i.. 36. A ordem de suspensão proferida no âmbito do processo aludido em 4. foi sucessivamente prorrogada por despachos judiciais, assentes em promoções do Ministério Público, até à última, que vigorou até 15-01-2020. 37. Porém, o Réu não foi notificado do despacho do Ministério Público aludido em 14., nem de qualquer ordem de cessação da medida de apreensão no âmbito desse processo. 38. O Autor sempre teve acesso integral, e a todo o tempo, aos extratos consolidados e integrais referentes aos seus ativos no BST através da plataforma eletrónica (“NetBanco”) do Réu. 39. O Autor só logrou efetuar resgates parciais num seguro financeiro, subscrito junto da Santander Totta Seguros, S.A., que estava congelado, em dezembro de 2019, devido a um lapso operacional do sistema informático do Réu.» * 3. O DIREITO APLICÁVEL 3.1. Como consta da factualidade provada, o autor tornou-se cliente do Banco réu, em julho de 2018, tendo sido celebrado um contrato de gestão de ativos que o autor transferira para esse Banco (descrito no ponto 2 dos factos provados), por meio do qual o réu assumiu a obrigação de gerir tais ativos, tendo em vista a sua valorização e seguindo instruções dadas pelo autor, nos termos vertidos nesse contrato. Em novembro de 2018, foi judicialmente ordenada (nos termos descritos nos pontos 34 e 35 da factualidade provada) ao Banco réu a suspensão temporária de execução de quaisquer operações a débito sobre os ativos depositados ou futuramente creditados nas contas do autor. Como consta do facto provado 27, por despacho judicial de 17.10.2019 (proferido no proc. n.º 21359/19.0..., do Juízo de Instrução Criminal de ..., Juiz ...), notificado ao Réu em 18.10.2019, foi decidido: «(...) ao abrigo do disposto nos artºs 178º, 181º e 268º al. c) todos do CPP, determino a apreensão dos saldos das contas bancárias, do Banco Santander Totta, bem como todos os seguros e todas as aplicações financeiras e bancárias, tituladas ou em que seja interveniente, a qualquer título, AA, congelando assim todos os movimentos das mesmas (…)» Como resulta dos factos provados 9 e 10, em janeiro de 2020, o autor deu instruções ao réu para proceder à liquidação imediata de todas as suas aplicações financeiras, as quais não foram executadas, tendo o réu invocado a ordem judicial recebida em 2019 e a ausência de ordem judicial em contrário até esse momento. Como consta do facto provado 29, a ordem judicial de apreensão e congelamento dos ativos do autor no Banco réu só foi levantada por despacho judicial de 06.05.2020, (notificado ao Banco em 08.05.2020). De seguida, o réu procedeu ao resgate das aplicações do autor e à disponibilização do respetivo produto. Como decorre dos factos provados 23 a 26, o saldo bancário do autor tinha o valor de 9.144.889,90 € quando foi liquidado, enquanto que, em janeiro de 2020, aquando do pedido de resgate de todas as aplicações financeiras, o saldo das contas do autor era de 9.845.091,25 €. Como, entretanto, eclodiu a pandemia da doença Covid-19, com consequências financeiras a nível geral, as aplicações financeiras do autor desvalorizaram significativamente. 3.2. Entende o autor que se o réu tivesse cumprido as suas ordens de resgate, em janeiro de 2020, as aplicações financeiras não teriam sofrido a desvalorização que vieram a sofrer, sustentando, por isso, existir responsabilidade contratual do Banco réu. Efetivamente, sustenta o autor que a execução do pedido de resgate teria consistido apenas em liquidar aplicações financeiras para as contas-correntes, que também estavam apreendidas e, por isso, fora da disponibilidade do autor. Por sua vez, o Banco réu sustenta que estava impedido de movimentar as contas do autor por força do despacho judicial de 17.10.2019, que havia congelado todos os movimentos dessas contas. 3.3. É inequívoco que o património financeiro do autor sofreu uma significativa depreciação entre o momento em que este ordenou ao banco réu que procedesse à liquidação das suas aplicações (janeiro de 2020) e o momento em que essa liquidação efetivamente foi executada (maio de 2020). Ao não executar as ordens que o autor lhe deu, o réu incumpriu o contrato que havia estabelecido com o autor. Numa primeira abordagem pareceria estar preenchido um quadro de responsabilidade contratual; ou também extracontratual, dada a afetação da propriedade dos valores investidos. Como é sabido, o mesmo facto pode gerar os dois tipos de responsabilidade, porque os respetivos pressupostos normativos são, em grande medida, coincidentes e ambas têm como consequência comum a obrigação de indemnizar (regulada no artigo 562.º e seguintes do CC). Como afirma Antunes Varela: «(…) é bem possível que o mesmo acto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual (por violação de uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente) …», in Das Obrigações em Geral, Vol. I (10.ª ed.), página 522. Os requisitos, de verificação cumulativa, que conduzem à responsabilização do agente são aqueles que se enunciam (conjugadamente) nos artigos 798.º e 799.º do CC, no plano da responsabilidade contratual, e os que emergem do artigo 483.º no que respeita à responsabilidade extracontratual ou por factos ilícitos. Como afirma Antunes Varela: «Para que recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor, é necessário que o não cumprimento (a falta de cumprimento) lhe seja imputável. Significa isto, como de depreende da simples leitura do artigo 798.º, que vários pressupostos se devem reunir para o efeito: o facto objetivo do não cumprimento, que tanto pode ser uma omissão como uma acção (nos casos de prestação negativa); a ilicitude; a culpa; o prejuízo sofrido pelo credor; o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo. A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado. (…) Tal, porém, como no ilícito extracontratual, também aqui o não cumprimento da obrigação pode, excecionalmente, constituir um acto lícito, sempre que proceda do exercício de um direito ou do cumprimento de um dever.», in Das Obrigações em Geral, Vol. II (7.ª ed.), página 94. Neste quadro, cabe apreciar se o recorrente terá razão quando afirma que: se o réu tivesse cumprido o contrato que os vinculava, procedendo atempadamente ao resgate das aplicações financeiras do autor, estas não teriam desvalorizado em consequência da pandemia do Covid-19. O réu justifica o seu comportamento omissivo com o despacho judicial, de 17.10.2019, que ordenou o congelamento de todos os movimentos das contas do autor. Entende o recorrente que, se o réu tinha dúvidas, deveria ter contactado o tribunal, com base no artigo 760.º, n.º 2 do CPC (aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP), até porque, como consta do facto provado n.º 12, o réu já se havia dirigido ao tribunal, em 15.11.2018, informando que realizaria movimentos a débito e a crédito para completar operações financeiras em curso e que o MP a tal não se havia oposto. Deve notar-se que, a essa data (15.11.2018), estava em vigor a decisão que havia determinado apenas a suspensão temporária de operações a débito (no âmbito do processo nº 963/18.0..., do Juízo de Instrução Criminal de ...). Porém, com a decisão de 17.10.2019 (que vigorou até 08.05.2020) os poderes do Banco réu sofreram uma maior compressão, dado que foi determinado o congelamento de todos os movimentos das contas do réu (por decisão proferida no processo nº 21359/19.0..., do Juízo de Instrução Criminal de ...). Após esta decisão, encontrando-se o réu inibido de operar quaisquer movimentos nas contas do autor quando (em janeiro de 2020) recebeu a ordem para proceder ao resgate das aplicações financeiras deste, ficou colocado numa situação de conflito de deveres, tendo optado por não cumprir a ordem que lhe era dada no âmbito da relação contratual. Deste modo, deve concluir-se que se encontra excluída a ilicitude do seu comportamento. E, dada a clareza do teor literal da decisão de 17.10.2019 (congelando todos os movimentos das contas do réu) também não lhe seria absolutamente exigível que se dirigisse ao tribunal para saber se poderia cumprir as instruções que lhe haviam sido dadas pelo autor. Como afirma Mário Júlio de Almeida Costa: «(…) não se verifica, em princípio, responsabilidade dos que actuam no cumprimento de um dever jurídico. Existindo colisão de deveres que recaiam sobre a mesma pessoa, caberá ao agente dar prevalência ao mais importante. Essa supremacia é determinada, naturalmente, pelo valor do bem ou interesse que se visa prosseguir ou proteger.», in Direito das Obrigações (9ª ed.), página 520. Como é doutrinal e jurisprudencialmente pacífico, um comportamento (ação ou omissão) aparentemente ilícito (porque objetivamente violador de direitos ou interesses alheios) poderá estar coberto por uma causa justificativa que exclua a responsabilidade (contratual ou extracontratual) do agente. Sobre esta matéria, afirma Antunes Varela: «(…) pode dizer-se que o facto, embora prejudicial aos interesses de outrem, se considera justificado, e por consequência lícito, sempre que é praticado no exercício regular de um direito (…) ou no cumprimento de um dever. Essencial é que o dever aparentemente infringido pelo agente seja afastado ou neutralizado, definitiva ou temporariamente, por um outro dever ou que a violação (real ou aparente) tenha sido cometida no exercício de um direito.», in Das Obrigações em Geral, Vol. I (10.ª ed.), página 552. Deve ter-se presente que, nos termos do artigo 205.º, n.º 2, da CRP: “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”. Conclui-se, assim, que a omissão do dever contratual do réu se encontrava coberta pela necessidade de cumprir um dever de natureza judicial que impôs o congelamento de todos os movimentos das contas do autor. Logo, esse comportamento omissivo não foi ilícito. Assim, falhando a ilicitude do comportamento do réu, deixa de ter relevo decisório apurar os demais pressupostos da responsabilidade contratual ou extracontratual (nomeadamente a culpa ou o nexo de causalidade), porquanto, tratando-se de requisitos de verificação cumulativa, a falta de um deles determina, no caso concreto, o afastamento da responsabilidade do réu. 3.4. Sendo o objeto do presente recurso o de apurar a existência, ou não, de responsabilidade, nomeadamente contratual, do réu para com o autor, não apresentam particular relevo decisório os excursos encetados pelo direito criminal que se colhem no acórdão recorrido. Tal como as argumentações que as partes mobilizaram a partir do direito criminal, densificadas em doutos pareceres de ilustres criminalistas por elas apresentados, também acabam por não relevar centralmente no conhecimento do objeto do presente recurso. * 4. Dispensa do remanescente da taxa de justiça Decidiu-se no acórdão recorrido: «(…) condenar o Autor-Apelado no pagamento das custas da ação e recurso, dispensando-o do pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça.» Esta decisão apresentou a seguinte fundamentação: «Vencido o Autor-Apelado, é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC). Face ao valor da causa e do presente recurso, considerando o objeto do litígio e do recurso, tendo as partes Apelante exposto de forma clara a sua posição em peças de dimensão média, não suscitando questões de complexidade assinalável, mostra-se adequado determinar, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento de metade do valor remanescente da taxa de justiça.» O recorrente pede a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, entendendo que os critérios decisórios enunciados no acórdão recorrido não deviam ter conduzido apenas à dispensa do pagamento de metade do valor daquela taxa, mas sim à dispensa do pagamento integral. Vejamos. Dado que a lei não é absolutamente clara sobre esta matéria, a jurisprudência do STJ tem apresentado, ao longo do tempo, alguma diversidade de pensamento sobre a questão de saber qual o tribunal competente para decidir o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça (nomeadamente quando esse pedido é, pela primeira vez, formulado junto do STJ), havendo decisões no sentido de que a questão deverá ser decidida pela primeira instância (a final) ou separadamente por cada uma das instâncias, ou conhecida integralmente pelo STJ relativamente a todas as instâncias (sendo esta última a tendência mais recente). No caso concreto, a segunda instância já se pronunciou sobre a matéria, pelo que cabe ao STJ pronunciar-se sobre a questão de saber se essa dispensa deve ser concedida, e em que montante, em todas as instâncias. Determina o Regulamento das Custas Processuais, no seu artigo 6º, o seguinte: Sendo o valor da presente causa de 668.123,81 Euros, há que concluir se o pagamento daquele remanescente deve ser dispensado apenas parcialmente ou na sua totalidade. A causa não apresenta particular complexidade, dado que o seu objeto se concentra, essencialmente, em volta de uma única questão jurídica (e não de uma multiplicidade de problemas). A conduta processual do recorrente não merece reparo, não se identificando o uso de qualquer expediente de sentido dilatório ao longo das instâncias. As peças por si apresentadas encontram-se escritas de forma objetiva e clara, facilitando a tarefa de compreensão dos seus argumentos. Pode, assim, concluir-se que a tramitação processual decorreu de modo fluído, pelo que a especificidade da situação justifica a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Nesta matéria, revoga-se, portanto, o decidido no acórdão recorrido, que havia concedido apenas a dispensa do pagamento de metade daquela taxa. * DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido (embora com fundamentação parcialmente distinta). Custas pelo recorrente. Nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, revogando-se, nesta matéria o acórdão recorrido (que havia dispensado apenas o pagamento de metade dessa taxa). Lisboa, 27.05.2025 Maria Olinda Garcia (Relatora) Cristina Coelho Teresa Albuquerque |