Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 16.12.2014 | ||
Relator: | RODRIGUES DA COSTA | ||
Descritores: | OFICIAL DE JUSTIÇA RECURSO CONTENCIOSO DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA PLENÁRIO CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ERRO SOBRE ELEMENTOS DE FACTO DISCRICIONARIEDADE CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/16/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO CONTENCIOSO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | | ||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL (AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL) / CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO (CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO) - RECURSOS JURISDICIONAIS / RECURSOS ORDINÁRIOS. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS / ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS. | ||
Doutrina: | - DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Lisboa, 1989, T. 3.º, pp. 316 a 319. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), APROVADO PELA LEI N.º 41/2013, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGO 682.º, N.º3. CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA), APROVADO PELA LEI N.º 15/2002, DE 22 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 1.º, 67.º, 150.º, 151.º, 192.º. ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS (EFJ), APROVADO PELO D.L. N.º 343/99, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 111.º, N.º1, AL. A) E N.º2. ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS: - ARTIGOS 136.º, 168.º, N.º1, 178.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 08/05/2007, PROC. N.º 133/06, DE 12/02/2009, PROC. N.º 4485/07, DE 05/07/2001, PROC. N.º 69/11.2YFLSB E DE 21/03/2013, PROC. N.º 15/12.6YFLSB; -DE 11/07/2006, PROC. N.º 757/06, DE 06/03/2008, PROC. N.º 892/07, DE 10/07/2008, PROC. N.º 1520/07, DE 27/10/2009, PROC. N.º 201/09.6YFLSB E DE 05/07/2012, PROC. N.º 141/11.9YFLSB; -DE 21/04/2010, PROC. N.º 638/09.0YFLSB; -DE 26/06/2013 PROC. N.º 104/12.7YFLSB. | ||
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Sumário : | I - O CSM é um órgão administrativo ao qual competem poderes de avocação e revogação das deliberações do COJ (art. 111.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do EFJ) e a prática de actos de natureza administrativa destinados a exercitar as competências de interesse público que lhe estão atribuídas. II - Em conformidade com o disposto no art. 178.º do EMJ e no art. 192.º do CPTA, ao recurso das deliberações do CSM – que se devem ter como actos formalmente administrativos – é, em particular, regulado pelas normas contidas nos arts. 150.º a 151.º, do CPTA, que disciplinam o recurso de revista para o STA e, supletivamente, o disposto no CPC. III - Este regime processual restringe o conhecimento dos tribunais de revista – como é o STJ – à matéria de direito para a qual têm os seus poderes direccionados, só se admitindo o conhecimento da matéria de facto quando a entidade administrativa recorrida tenha dado com provado um facto sem que tenha produzido a prova tida por lei como indispensável para demonstrar a sua existência ou tenham sido desrespeitadas as normas que fixem a força probatória de meios de prova (art. 150.º, n.º 4, in fine, do CPTA), não competindo ao STJ, nesta sede, reapreciar a factualidade por aquela fixada (que, segundo a primeira parte deste preceito, não pode constituir objecto da revista), sem prejuízo de, por aplicação do disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, poder determinar a alteração da mesma, a fim de serem corrigidas contradições ou supridas insuficiências, de modo obter uma decisão rigorosa do aspecto jurídico da causa. IV - Não se vislumbrando que a decisão recorrida haja incorrido em vícios desse tipo na decisão recorrida e não tendo esta dado como provados factos sem a prova legalmente indispensável para o efeito ou sem observância das pertinentes regras legais, não se justifica a sua alteração, tanto mais que esteve subjacente à decisão recorrida a declaração médica convocada pelo recorrente. V - Não decorrendo da declaração médica referida em IV que apenas a doença de que o recorrente padece o impede, de modo absoluto, de desenvolver uma produtividade razoável e resultando do quadro factual que a doença do recorrente foi considerada ao nível das funções que lhe eram atribuídas (as quais eram menos exigentes do que aquelas que são normalmente atribuídas a um --- e eram compatíveis com essa doença), nada impede que se tenha aquela declaração como irrelevante, tanto mais que a mesma antecedeu uma outra declaração com teor idêntico que foi expressamente referida na deliberação recorrida. VI - Uma declaração médica não poderia servir para valorizar o exercício das funções referidas em V, de modo a que uma prestação mais fraca ao nível de produtividade que, entre outros motivos, justificou a atribuição da classificação de serviço de “Suficiente”, se transmutasse numa classificação de “Bom”, pelo que, tendo a decisão recorrida tido em consideração a situação patológica de que padece o recorrente e valorado o seu trabalho nas funções que decorrentemente lhe foram atribuídas nesse pressuposto, não se pode considerar que alcandorou numa realidade que não existe, que amputou a realidade de qualquer facto essencial à sua correcta percepção ou que laborou num equívoco sobre qualquer facto, i.e. que incorreu em erro sobre os pressupostos de facto. VII - No desempenho das funções de avaliação de desempenho, o CSM, enquanto órgão jurisdicional, goza da denominada discricionariedade técnica, pelo que o juízo de valor formulado sobre o mérito dos avaliados não pode ser sindicado pelo STJ, o qual pode apenas verificar a existência de eventuais vícios que invalidem a decisão proferida, detectar erros manifestos e grosseiros e apreciar os critérios de avaliação, de modo a julgar a sua adequação e razoabilidade. VIII - O recurso contencioso para o STJ é de mera anulação pelo que não é admissível o pedido de revogação, modificação ou substituição do acto impugnado alegadamente lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, de condenação da Administração a praticar determinado acto – tanto mais que, no caso, não se verifica o condicionalismo a que alude o art. 67.º do CPTA – ou a substituição desta pelo tribunal, devendo, pois, o pedido cingir-se à declaração de invalidade e inexistência do acto ou à sua anulação. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I - RELATÓRIO 1. AA, Oficial de Justiça, em efectividade de funções no Tribunal Judicial de ---, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 168.º e ss. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), interpor recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada na Sessão Plenária de 19-11-2013, que negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto da deliberação de 11-07-2013 do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) e que, em consequência, lhe manteve a classificação de serviço de “Suficiente”, relativamente ao seu desempenho profissional no período temporal compreendido entre 17-11-2008 e 26-02-2013.
O recorrente motivou o recurso, concluindo: B. O ora recorrente invocou um problema de saúde de que padece, cfr. fls. 177 e 178; G. Conforme consta da declaração médica decorrente de fls. 75; H. O que não poderia ter sido, e foi-o, ignorado pelo COJ e pela Douta Instância a quo; K. Não estando, com isso, em causa a sua qualidade de trabalho.”
Termina pedindo que seja revogada a deliberação proferida pelo CSM, substituindo-se a mesma por outra que acolha a declaração médica de 07-09-2007 (junta a fls. 75 do processo apenso) e que lhe atribua a classificação de “Bom”. * 2. Notificado nos termos do disposto no n.º 1 do art. 174.º do EMJ, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) veio responder, aduzindo, em síntese, que a referida declaração médica foi devidamente considerada, que as funções que o recorrente actualmente desempenha são adequadas às suas capacidades, que não existe erro sobre os pressupostos de facto ou qualquer outro vício que afecte a deliberação em causa do CSM e que o recorrente, mesmo com todos os invocados problemas de saúde, não merece classificação diferente da que lhe foi atribuída, concluindo no sentido de o recurso interposto dever ser julgado improcedente. * 3. Notificados nos termos do disposto no art. 176.º do EMJ, nem o recorrente nem o recorrido apresentaram alegações, vindo inclusive o CSM a prescindir do direito de alegar, conforme declaração de fls. 18. * 4. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual advoga a improcedência do recurso interposto, com base nos seguintes fundamentos: “A questão levantada pelo recorrente, em defesa de vício da deliberação recorrida, consubstanciaria um erro nos pressupostos de facto ao não ter considerado, como devia, documento médico que atestava que as condições de saúde do recorrente justificariam prestação funcional do mesmo, o que, por assim ser, não deveria dar lugar a uma classificação negativa. Não tem razão o recorrente uma vez que a deliberação recorrida ajuizou dessa matéria tendo entendido que, por um lado, a documentação médica é posterior ao período de tempo abrangido pela inspeção e que, por outro, as condições em que o recorrente prestou o serviço, e as tarefas executadas, eram compatíveis com as invocadas condições de saúde, ainda que as mesmas tivessem sido invocadas no período temporal abrangido. Não tem qualquer fundamento, assim sendo, que a deliberação recorrida padeça do vício que o recorrente invoca e, não poderá deferir-se à pretensão que manifesta de que, com a interposição deste recurso, possa a classificação que obteve ser alterada pela de BOM, certo que é esta instância de recurso de mera anulação.”
* II – FUNDAMENTAÇÃO: 5. Elenco factual com relevância para a decisão: “Transcrição do relatório da Sra. Inspectora: Número mecanográfico: – ---. Categoria: – --- Data de início de funções na profissão: – ... Data de início de funções na categoria: – ... Data de início de funções no serviço: – ... Habilitações literárias: – frequência universitária (...). Faltas e licenças: – As referidas a fls. 10 a 12 do apenso B – 1.º vol., no total de 214,5 dias • Férias – ... dias. • Exame trabalhador estudante – ... dias. • Licença trabalhador estudante – ... dia. • Doença de funcionário s/internamento – ... dias. • Consultas médicas – ... dias. • Greve – ... dia. • Art. 66.º da lei 100/99 – ... dias. • Injustificadas – ... dias. • Art. 59.º do DL 343/99 – ... dias. • Pena de suspensão – ... dias. O que perfaz um índice de absentismo de 8,270 %* Período abrangido pela inspeção: - 2008.11.17 a 2013.02.26. TAREFAS: Serviço externo (apenas nas zonas onde se possa deslocar de transportes públicos). Videoconferências solicitadas por outros tribunais. ANTECEDENTES: O seu registo biográfico encontra-se junto a fls. 3 a 6 do apenso B – 1.º volume. Donde resulta ter: • Categoria Oficial Judicial: três “Bom” e “Bom c/ Distinção”; • Categoria de ---: três “Suficiente” e cinco “Bom”. • Tem como antecedentes disciplinares: • Acórdão de 13/02/89 do STA – pena de transferência; • Proc. 498-D/94 de 13/02/95; • Proc. 389-D/93 de 13/02/95; • Em 24 Fevereiro de 2010 processo disciplinar 057DIS/10 – apenso ao 234DIS/09. B)- SUPORTE LEGAL: II – APRECIAÇÃO 3.– Desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. A. – IDONEIDADE CÍVICA B.– A QUALIDADE E A PRODUTIVIDADE C.– A PREPARAÇÃO TÉCNICA E INTELECTUAL D. – ESPÍRITO DE INICIATIVA E COLABORAÇÃO E. – SIMPLIFICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS F. – BRIO PROFISSIONAL Demonstrou algum brio profissional. G. – URBANIDADE É educado e respeitador. H. – PONTUALIDADE E ASSIDUIDADE É pontual. No período inspetivo tem --- faltas injustificadas. OUTROS ELEMENTOS Está classificado na categoria, de Bom. Tem na categoria 30 anos, 1 mês e 20 dias de serviço. Atendendo a que a classificação de: Bom com distinção equivale ao reconhecimento de um desempenho meritório; e Muito bom equivale ao reconhecimento de um desempenho elevadamente meritório. III – PROPOSTA "SUFICIENTE" “
6. Questões a decidir: - A alegada falta de ponderação, pela deliberação recorrida, da declaração médica sobre a patologia que que afecta o recorrente, o que, na interpretação que foi dada pelo CSM e pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta, poderia significar a alegação de erro nos pressupostos de facto, embora o mesmo não tivesse sido expressamente invocado pelo recorrente. - A alteração da classificação que deve ser atribuída ao recorrente.
6.1. Sem invocar de modo expresso qualquer normativo em sustentação da sua pretensão e sem efectuar o pertinente enquadramento jurídico, o recorrente entende que a decisão recorrida, proferida na sessão plenária de 19-11-2013 do Conselho Superior da Magistratura (CSM), não atendeu à declaração médica por si oferecida a fls. 75 dos autos, nem considerou que a patologia de que padece o impede de melhorar a sua produtividade. Face ao modo como se mostra configurado o presente recurso contencioso, importa averiguar, grosso modo, se a decisão da autoridade administrativa recorrida padece de algum vício de que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer, muito em particular ao nível da fixação da matéria de facto dada como provada, por alegadamente o CSM não ter valorado a declaração médica junta aos autos e, em caso afirmativo, qual a consequência desse vício. Como primeira nota, importa, desde logo, assinalar que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), como tribunal de revista, tem, por via de regra, os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, só se podendo imiscuir ou intrometer no conhecimento de matéria de facto em situações excepcionais, quando ocorram erros manifestos e grosseiros ou quando a matéria de facto fixada pela entidade recorrida, por força de vícios que a inquinem de forma patente, impossibilite ou inviabilize uma decisão correcta e rigorosa do aspecto jurídico da causa (cf., entre outros, os acórdãos de 08/05/2007. Proc. n.º 133/06, de 12/02/09, Proc. n.º 4485/07, de 05/07/201, Proc. n.º 69/11.2YFLSB e de 21/03/2013, Proc. n.º 15/12.6YFLSB). Efectivamente, como decorre do disposto no n.º 1 do art. 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), recorre-se para o STJ das deliberações proferidas pelo CSM, sendo que a tais recursos se aplicam, subsidiariamente, por força do disposto no art. 178.º do citado Estatuto, as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Em conformidade com estes dispositivos, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, estabelece no seu art. 192.º, sob a epígrafe “Extensão da aplicabilidade”, que “sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessária adaptações.”
Do acima exposto resulta que o julgamento dos recursos contenciosos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelo CSM, portanto, de actos material, formal e organicamente administrativos, é regulado, com as devidas adaptações, pelas correspondentes normas do CPTA, muito em particular pelos seus arts. 140.º a 156.º, que respeitam aos recursos jurisdicionais, incluindo o denominado recurso de revista que, nos termos da lei, deva vir a ser interposto para o STA. O CSM é um órgão administrativo, ao qual competem, em termos gerais, funções de gestão e disciplina da magistratura judicial (art. 136.º do EMJ), mas também, com relevância para o caso, poderes de avocação e revogação das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ), proferidas no âmbito de processos relativos à avaliação do mérito profissional destes funcionários (art. 111.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo DL 343/99, de 26 de Agosto), como ainda lhe compete a prática, sob o ponto de vista material e formal, de actos de natureza administrativa, que não se destinam a dirimir ou a resolver eventuais litígios existentes entre as partes de uma relação jurídica controvertida, mas a exercitar as competências de interesse público que lhe estão legalmente atribuídas. Nesses termos, bem se compreende a opção do legislador ao determinar a aplicação a estes recursos contenciosos dos normativos correspondentes do CPTA, na medida em que está em causa a apreciação e o julgamento pelo STJ, em sede de recurso, de processos de natureza administrativa. Por isso, o presente recurso deve ser apreciado tendo em consideração, com as devidas adaptações, as normas do CPTA referentes aos recursos de revista que são interpostos para o STA na jurisdição administrativa (maxime arts. 150.º e 151.º do CPTA), e, supletivamente, por força do art. 1.º do referido diploma legal, as pertinentes normas do Código de Processo Civil (CPC). Este regime processual restringe, quase em absoluto, as competências dos tribunais de revista (seja o STA, seja, como in casu, o STJ) ao conhecimento de matéria de direito, ou seja, a revista, por via de regra, só pode ter como fundamento a violação da lei substantiva ou processual (art. 150.º, n.º 2, do CPTA), ainda que se admita, a título meramente residual, o conhecimento de matéria de facto quando a autoridade administrativa recorrida tenha dado como provado um determinado facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência ou quando tenham sido desrespeitadas as normas que fixem a força probatória dos meios de prova em causa (art. 150.º, n.º 4, in fine, do CPTA). Deste modo, com excepção destas duas situações, não compete ao STJ, em sede de recurso contencioso, proceder à reapreciação da matéria de facto que se encontra fixada pela autoridade administrativa recorrida, por forma a averiguar se algum ou alguns dos factos provados foram incorrectamente julgados, se devem ser aditados ou retirados factos à matéria considerada provada ou se as provas que foram produzidas impunham decisão diversa daquela que foi deliberada. A este propósito, importa considerar a primeira parte do n.º 4 do art. 150.º do CPTA, onde se estabelece que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista (…)”), sendo, pois, inerente à natureza desta a aplicação do direito ao caso, conforme este se encontra factualmente delimitado, de modo a ponderar e a decidir sobre se foram acolhidas, na sua perspectiva, as melhores soluções jurídicas para o quadro factual fixado pela entidade recorrida. Também se admite, por aplicação subsidiária do CPC (vide art. 1.º do CPTA), que o STJ determine a alteração da matéria de facto considerada provada, quando, como resulta do disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho (ou anteriormente como dispunha, em idêntico sentido, o art. 729.º, n.º 3, do CPC de 1961), o quadro factual deva ser ampliado ou quando se imponha a correcção de contradições, de modo a conseguir-se uma decisão correcta e rigorosa do aspecto jurídico da causa. Deste modo, com excepção das situações contempladas pelo art. 150.º, n.º 4, in fine, do CPC (erro na apreciação de provas vinculadas) e do art. 682.º, n.º 3, do CPC actualmente vigente (carência ou insuficiência da matéria de facto provada ou contradições da decisão sobre a matéria de facto, que impossibilitem a decisão jurídica da causa), está vedado ao STJ, enquanto tribunal de revista, determinar a alteração da matéria de facto, na medida em que este tribunal tem os seus poderes direccionados ou, mais do que isso, vinculados, para a ponderação e para a aplicação do (melhor) direito ao caso. Serve isto para dizer que, neste campo, são limitados os poderes de intervenção e de eventual correcção do STJ, sendo certo que não se vislumbram quaisquer vícios, erros ou falhas grosseiras na deliberação de 19-11-2013 do Plenário do CSM, no que diz respeito à matéria de facto que conduziu à atribuição ao recorrente da impugnada classificação de serviço de “Suficiente”. Para além de nada ter sido alegado, de modo expresso, a este propósito no recurso, também não se constata que o CSM (ou que o Conselho dos Oficiais de Justiça na precedente deliberação de 11-07-2013) tenha dado como provados factos, sem que se tenha produzido a prova legalmente indispensável para demonstrar a sua existência ou que tenham sido desrespeitadas as normas que fixam a força probatória dos meios de prova, nem tão pouco se detecta insuficiência na matéria de facto provada, ou se surpreendem notórias contradições que impossibilitem a decisão jurídica do pleito. Vem a propósito recordar aqui, porque foi expressamente convocada no recurso, a declaração médica de fls. 75, datada de 07-09-2007, na qual se atestou, para além do mais, que o recorrente AA sofre de “(…) cardiopatia dilatada em I.C.C. (…)”, advertindo a mesma que “(…) é importante face ao quadro clínico, que este doente se movimente de forma regular e continuada, evitando, assim, passar o dia sentado a uma secretária (…)”. A tal respeito, deve dizer-se que as observações do recorrente, assacando à deliberação recorrida o não ter levado em conta a referida declaração médica, não têm fundamento, já que decorre da decisão estar a mesma subjacente ao relatório de inspecção e às subsequentes deliberações do COJ e do CSM, bem como ter este meio de prova sido considerado irrelevante para a prova de que a doença de que padece o recorrente o impede de todo de apresentar melhor produtividade. Na verdade, com a referida declaração o recorrente pretenderia demonstrar, por um lado, que sofre de problemas de saúde que o obrigam a movimentar-se constantemente de modo a facilitar a sua circulação sanguínea e, por outro lado, que esta patologia cardíaca o impediu de melhorar a sua produtividade, ou seja, que caso não sofresse desta doença a sua produtividade seria superior à verificada. Porém, tal só seria assim, se a doença o impedisse, de modo absoluto, de desenvolver uma produtividade razoável, isto é, se a sua produtividade nunca pudesse alcançar o nível considerado óptimo ou mesmo bom, fossem quais fossem as circunstâncias de trabalho que lhe fossem propiciadas, facto que não decorre do documento junto, nem poderia ser nessa dimensão que o mesmo poderia ter sido considerado na deliberação recorrida. Ora, do quadro factual apurado resultou, com particular incidência, que o recorrente iniciou funções enquanto funcionário judicial no dia 30-12-1997 e na categoria de --- no dia 15-04-1982, que no período abrangido pela inspecção sempre trabalhou na secção central do Tribunal Judicial de ---, que esta secção encontra-se instalada no r/c do edifício desse mesmo tribunal, que são boas as condições de trabalho em termos de espaço, luz natural e mobiliário, que até Setembro de 2010 desempenhava, em exclusivo, o serviço de videoconferências solicitadas por outros tribunais e que, após essa data, para além destas funções, começou também a executar tarefas de serviço externo, no entanto, restritas a notificações, citações, afixações de editais e penhoras onde se podia deslocar a pé ou de transportes públicos, nunca tendo efectuado penhoras com remoção de bens, despejos ou outros serviços mais complicados ou que pudessem originar problemas. Todos estes factos indiciam que a doença foi considerada ao nível das funções que lhe foram confiadas e que acabou por determinar a avaliação do seu desempenho, na medida em que, em vez das tarefas normalmente atribuídas e executadas pelos escrivães adjuntos, que implicam um contacto mais imediato e mais directo com os processos judiciais e que normalmente se traduzem em passar largas horas sentado a uma secretária, o recorrente, funcionário com largos anos de experiência na profissão e na categoria, acabou por beneficiar da execução, na secção central do Tribunal Judicial de ---, do serviço externo e do serviço das videoconferências, tarefas menos exigentes e mais compatíveis com a doença do foro cardíaco de que padece. Aliás, a decisão recorrida (bem como, naturalmente, a deliberação do COJ e o relatório de inspecção) não deixou de apreciar e de ponderar a doença do foro cardíaco invocada pelo recorrente, sobretudo quando afirma que “(…) também as condições de trabalho referidas no relatório de inspecção se compatibilizam, tanto quanto possível com as necessidades de saúde do Recorrente (…)” ou que “(…) a patologia que o Recorrente declara não o impedia de fazer um esforço para melhorar a qualidade e a produtividade no serviço em que está colocado porquanto as supra aludidas qualificações lhe permitiriam uma prestação de melhor nível (…).” Isto sem prejuízo de se reconhecer que a deliberação do Plenário do CSM acabou por fazer alusão a uma outra declaração médica, emitida em momento posterior (25-03-2013) e mesmo depois do termo do período de inspecção (como se viu, a inspecção estendeu-se de 17-11-2008 a 26-02-2013). Porém, a alusão a esta declaração médica e não à anterior, não invalida que a alegada situação de doença não tenha sido apreciada e ponderada pelo CSM, aquando da prolação da decisão recorrida. Na realidade, a declaração médica de fls. 77, pois foi essa que foi referida, vem na sequência da anterior de fls. 75 (emitida em 07-09-2007), e, à semelhança desta última, não deixa de apontar que o ora recorrente “sofre de patologia crónica, motivo pelo qual beneficia do exercício de funções que não obrigam a «passar todo o tempo sentado a uma secretária»” e que “deverá pois, movimentar-se de uma forma regular durante o seu horário de trabalho (…)”. Serve isto para dizer que os factos provados indiciam que a doença cardíaca do recorrente foi considerada ao nível das funções que lhe foram atribuídas, acabando por constituir factor de ponderação do seu desempenho profissional, pelo que, desta forma, não se depara com uma situação de insuficiência da matéria de facto, quer no que respeita à decisão do COJ, quer à deliberação do plenário do CSM, por força da qual fosse de ordenar uma ampliação da matéria de facto.
6.2. Por outro lado, também se não detecta erro nos pressupostos de facto. «O erro sobre os pressupostos de facto, como tem vindo a salientar a jurisprudência, traduz-se numa desconformidade entre os factos em que assentou a prolação do acto impugnado e os factos reais, de tal modo que foram considerados, para efeito dessa decisão, factos não provados ou desconformes com a realidade. Sendo assim, apura-se a ocorrência desse vício substantivo quando se prova que a decisão administrativa se alcandorou numa factualidade que não existe ou não tem a dimensão que foi suposta» (Acórdão de 26-06-2013 Proc. n.º 104/12.7YFLSB). Este vício [de violação da lei, como querem uns, ou de formação da vontade, como querem outros], verifica-se sempre que a autoridade administrativa “(…) se engana quanto aos factos com base nos quais pratica um acto administrativo e pratica um acto baseado em erro de facto (…)”- DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Lisboa, 1989, T. 3.º, págs. 316 a 319. Ora, nada disto se verifica na deliberação recorrida. Com efeito, para além desta ter considerado a situação patológica do recorrente nos termos acima explicitados, também a forma como essa apreciação foi feita não configura erro sobre os pressupostos de factos. Na verdade, como já foi dito, a declaração médica apenas salienta a doença de que padece o recorrente e as consequências daí decorrentes quanto ao seu modo de exercício e, fundamentalmente, quanto à necessidade de adaptar essas funções às limitações que a doença lhe impõe. Mas já não serve (nem poderia servir) como prova a levar em conta quanto à capacidade, produtividade e muito menos quanto ao mérito do recorrente, relativamente ao exercício das funções. Qualquer avaliação médica só poderia dar, como deu, sugestões ou indicações de adaptabilidade, e nada mais do que isso. A mesma poderia servir para fundamentar a mudança das funções que então o recorrente desempenhava (e, aparentemente, foram-lhe atribuídas funções compatíveis com a doença de que padece, as quais vieram posteriormente a constituir o objecto da inspecção), mas não poderia servir para valorizar ou para majorar o exercício dessas funções, de modo a que uma prestação mais fraca ao nível da produtividade, tendo levado, entre outros motivos, à atribuição da classificação de serviço de “Suficiente”, viesse, por simples força da referida declaração, a transformar-se numa classificação de “Bom”. Ora, a apreciação feita na deliberação recorrida sobre o mérito do recorrente, como também já foi dito, teve sempre subjacente a situação patológica de que sofre, valorando o seu trabalho nesse pressuposto e com referência às funções novas que lhe foram atribuídas, por força dessa situação. Repetindo a citação feita mais acima, diz expressamente a deliberação recorrida que “(…) também as condições de trabalho referidas no relatório de inspecção se compatibilizam, tanto quanto possível com as necessidades de saúde do Recorrente (…)” e que “(…) a patologia que o Recorrente declara não o impedia de fazer um esforço para melhorar a qualidade e a produtividade no serviço em que está colocado porquanto as supra aludidas qualificações lhe permitiriam uma prestação de melhor nível (…).” Por conseguinte, a deliberação recorrida “não se alcandorou numa realidade que não existe”, nem amputou a realidade de qualquer facto essencial à sua correcta percepção, como não deliberou em engano ou equívoco sobre qualquer facto. Arredado fica, pois, o aludido vício, pelo que será de concluir que a classificação de “Suficiente” que foi atribuída ao recorrente não parte de nenhum errado ou falso pressuposto.
6.3. Quanto a esta classificação, decisivamente, não compete a este Tribunal apreciar o mérito do funcionário ou reapreciar, em recurso, a deliberação do órgão administrativo competente que lhe atribuiu uma dada notação para classificar o seu serviço. Isto significa que, em caso algum, poderia vir a merecer procedência a pretensão formulada para que o STJ viesse a alterar a classificação de serviço que foi atribuída ao recorrente, revogando a decisão administrativa sob recurso e substituindo-a por outra que o viesse a classificar de “Bom”, quando é sabido que é de pura anulação (e não de revogação) o recurso contencioso que venha a ser interposto da deliberação respectiva. Com efeito, o CSM, na qualidade de órgão administrativo, goza da denominada discricionariedade técnica no que diz respeito à avaliação do desempenho dos magistrados ou dos funcionários judiciais, o que significa que o juízo de valor formulado sobre o mérito (ou demérito) do inspeccionado não pode ser sindicado por um órgão jurisdicional, como é o caso do STJ, cujos poderes se restringem à apreciação da mera legalidade ou, dito de uma forma mais detalhada, à verificação de eventuais vícios que invalidem a decisão proferida, à detecção de erros manifestos e grosseiros ou à apreciação dos critérios de avaliação de modo a julgar a sua adequação e razoabilidade. As funções de avaliação de desempenho, inerentes à discricionariedade técnica própria da Administração, não podem ser jurisdicionalmente sindicadas, a não ser nos seus aspectos vinculados, numa perspectiva de apreciação de pura legalidade. Conforme se sustentou, muito a este propósito, no Ac. do STJ de 21-04-2010, Proc. n.º 638/09.0YFLSB, “(…) o recurso interposto para o STJ que atribuiu determinada classificação a um magistrado judicial é um recurso de mera legalidade, razão pela qual o pedido terá de ser sempre de anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido, não cabendo ao STJ sindicar o juízo valorativo formulado pelo CSM, a menos que o mesmo enferme de erro manifesto, crasso ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na avaliação forem ostensivamente desajustados. Muito menos caberá ao STJ substituir-se ao CSM, alterando as classificações aos magistrados judiciais que impugnam as classificações que lhes foram atribuídas pelo CSM. Daqui decorre que ao Supremo Tribunal está vedado, em princípio, intrometer-se no conteúdo da decisão recorrida, apenas lhe cabendo pronunciar-se sobre a sua legalidade (…)” [entre muitos outros, também se pronunciaram neste mesmo sentido, os acórdãos de 11-07-2006, Proc. n.º 757/06, de 06-03-2008, Proc. n.º 892/07, de 10-07-2008, Proc. n.º 1520/07, de 27-10-2009, Proc. n.º 201/09.6YFLSB e de 05/07/2012, Proc. n.º 141/11.9YFLSB]. Na perspectiva focada, não é, por regra, admissível o pedido de revogação, modificação ou substituição do acto impugnado, que se diz lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos, a condenação da Administração a praticar determinado acto ou a substituição desta pelo tribunal na prática do acto administrativo, devendo o pedido cingir-se à declaração de invalidade, inexistência ou anulação desse acto, por força de vícios que o inquinem. O pedido de condenação da Administração a praticar um acto legalmente devido está contemplado no art. 67.º do CPTA, mas exige determinadas condições: a) Ter sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir e não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido; b) Ter sido recusada a prática de acto devido; c) Ter sido recusada a apreciação de requerimento dirigido à prática de acto. Ora, nenhum destes condicionalismos se verifica, pelo que o pedido do recorrente, não se cingindo à declaração de invalidade, inexistência ou nulidade da deliberação do plenário do CSM e, antes, pretendendo que « seja revogada a deliberação proferida pelo CSM, substituindo-se a mesma por outra que acolha a declaração médica de 07-09-2007 (junta a fls. 75 do processo apenso) e que lhe atribua a classificação de “Bom”», não tem qualquer cabimento legal.
III – DECISÃO: 7. Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente AA e, em consequência, decide-se confirmar a deliberação do Plenário do CSM, proferida em 19-11-2013, que, mantendo a deliberação de 11-07-2013 do COJ, lhe atribuiu a classificação de serviço de “Suficiente”, pelo seu desempenho profissional, relativamente ao período de inspecção de 17-11-2008 a 26-02-2013.
8. Custas pelo recorrente (art. 446.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs., nos termos do disposto na tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e no art. 7.º desse mesmo diploma legal.
Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Dezembro de 2014 Os Juízes Conselheiros |