Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1051/16.9T9VRL-A.S2
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
SEQUESTRO
ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDA A PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / SEQUESTRO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS.
Doutrina:
-J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1ºa 107º, 4.ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 158.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA E).
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 215.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) E C) E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-05-2002, PROCESSO N.º 2090/02;
- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 4705/06.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- DE 24-09-2003, PROCESSO N.º 571/03.
Sumário :


I - Uma vez que de entre os vários ilícitos, de que se encontra acusado o arguido ora peticionante, se encontra a indiciação da prática de factos integradores de dois crimes de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 e n.º 2, al. e), do CP, com pena de prisão até dez anos, integrante de criminalidade violenta, sendo os demais ilícitos imputados punidos com pena de prisão de máximo 5 anos e tendo em conta o disposto no art. 215.º, n.º 1, al. c), ,e n.º 2 do CPP, é, assim, in casu, se não houver lugar a instrução, de um ano e seis meses o prazo de duração máxima de prisão preventiva, sem que tenha havido condenação em primeira instância, uma vez que já foi deduzida acusação em 04-04-2017. II - Atento o princípio da actualidade, em todos os casos referidos no n.º 1 do art. 215.º do CP, é patente a relevância do acto processual idóneo e delimitativo de pressuposto de “habeas corpus” com reflexos no prazo de duração máxima da privação da liberdade: a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual. III - A inexistência de acusação à data da petição de habeas corpus, e a contagem nessa fase do período máximo de duração da prisão preventiva, ficou superada com a dedução de acusação, em que o prazo da prisão relevante é o definido pelas als. b) ou c) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, sendo certo ainda que, se o requerente ou seu Exmo. Mandatário ainda não tiverem sido notificados, da acusação entretanto deduzida, é irrelevante, contudo, para efeitos de julgamento da providência de “habeas corpus”, uma vez que a notificação de acto processual, nomeadamente da acusação, não é fundamento legal de “habeas corpus”, pois que não é a notificação, ou a sua falta, que confere estatuto jurídico com as legais consequências, à privação de liberdade, e que delimita o prazo da prisão. IV - Tendo sido o requerente detido em 30-11-2016, o prazo de dedução da acusação, atento o crime indiciado de sequestro, seria de seis meses, pelo que o seu termo só ocorreria em 30 de Maio de 2017, não se encontrando ultrapassado para que merecesse tutelada providência de habeas corpus.
Decisão Texto Integral:

                       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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Nos autos de inquérito com o nº1051/16.9T9VLR que correm termos no Juizo Local Criminal de ...,  AA, advogado, no gozo dos seus direitos políticos, e na qualidade de mandatário de BB, arguido nos autos acima mencionados e nos mesmos melhor identificado, que se encontra preso preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de ..., à ordem do presente processo vem, nos termos dos artigos 27° e 31° da CRP, e do artigo 222° do CPP, apresentar petição para concessão da providência de HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL – com carimbo de entrada nos serviços do MP da comarca de Vila Real em 3 do corrente mês de Abril, - por entender que o arguido BB, se encontra preso ilegalmente,, nos termos do art.º 222°, n.º 2 a) do CPP, o que faz com os seguintes fundamentos:

“1°. o arguido prestou declarações em 1º interrogatório Judicial, em 4 de novembro de 2016, no Tribunal de ..., indiciado pela prática de um crime de maus tratos, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime sequestro, p.p. pelos artigos 152-A, nº 1 aI. a), 143, nº1 e 145°, nº1, aI. a) por referência ao artigo 132°, nº2, aI. a) e 158°, todos do CP.

2°. O arguido foi sujeito à medida de coação de obrigação de permanência em instituição de saúde nos termos do artigo 201° nº1 e 204° aI. c), ambos do CPP.

3°, Em 30 de Novembro de 2016, em substituição da medida de coação anteriormente aplicada, foi ordenada a prisão preventiva do arguido à ordem do processo acima identificado,

4°, Em 27 de Fevereiro procedeu-se ao reexame dos pressupostos que determinaram a aplicação da medida de coação de prisão preventiva;

5°, Nesse âmbito foi proferido despacho de manutenção da medida de prisão preventiva, pelo que o requerente, encontra-se actualmente em prisão preventiva há mais de 4 meses;

6°, No presente processo, distrate o lapso de tempo decorrido quer desde o início do inquérito quer do início da prisão preventiva, ainda não foi, até à presente data, deduzida acusação.

7°, Nos termos do preceituado no artigo 215°, nº 1, aI. a) do CPP, "a prisão preventiva extingue-se quando, desde seu início, tiverem decorrido quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação".

8°. Não se verificam quaisquer dos circunstancialismos que, nos termos dos números 2, 3, 5 e 6 do mencionado artigo 215°, que permitam a elevação do prazo de prisão preventiva para além dos 4 meses previstos,

9°. A fixação de prazos máximos na lei processual penal para a manutenção das medidas de coação de prisão preventiva, visa precisamente precaver eventuais violações e injustiças desproporcionadas pela manutenção da medida de coação mais gravosa, e como tal, privativa de liberdade, a arguidos que beneficiam, até trânsito em julgado da decisão, do princípio  constitucional in dúbio pro reo.

10°. o artigo 28°, nº 4 da CRP, confere aos prazos máximos de prisão preventiva a dignidade de imperativo Constitucional, prevendo-se, inclusive, que a privação de liberdade contra o disposto na Constituição e na lei, constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado.

11°. Pelo exposto, é inquestionável que se encontram cumpridos os requisitos para a concessão do Habeas Corpus ora peticionado, na medida em que, encontrando-se o arguido preso há mais de 4 meses sem que haja sido deduzida acusação, estamos perante uma situação de prisão ilegal.

12°. Nestes termos, verificam-se fundamentos bastantes, quer de direito quer de facto, para que a presente providência seja procedente.

Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente providência de habeas corpus proceder, sendo declarada a ilegalidade da prisão e, consequentemente, ordenada a imediata libertação do requerente


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            Foi prestada a informação a que alude o art.º 223º n.º 1 do C.P.P, em 4 do corrente, donde consta,, além do mais que:

“A 04.04.2017, foi deduzida acusação pública contra o Arguido, imputando-se-Ihe a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime Violência Doméstica, p. e p. pelo ar!. 152°, nº 1, aI. d) e nº 2, do CP, um crime de Maus Tratos, p. e p. pelo art. 152°- A, n° 1, al. a), do CP; e dois crimes de sequestro, p. e p. pelo ar!. 158°, nº 1 e nº 2, aI. e), do CP (crimes que integram o conceito de criminalidade violenta nos termos do ar!. 1°, aI. j), do CPPenal).

» Face à dedução da acusação pública foi ordenada, no dia de hoje - 04.04.2017-, a notificação do Arguido para, querendo, em três dias se pronunciar, quanto à revisão da medida (artº 213°, n° 3, do CPP).

» O Arguido continua sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. “


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Remetida a providência ao Supremo Tribunal de Justiça. e mostrando-se instruída com as peças pertinentes convocou-se a Secção Criminal deste Supremo Tribunal,

 Efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais, e de seguida, a Secção Criminal reuniu para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.

O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito á liberdade”.(JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira,  CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1ºa 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508)

É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

Atenta a natureza da providência, para que o exame da situação de detenção ou prisão reclame petição de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003, proc. nº 571/03)

“Este abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.” (J.J. Canotilho e V. Moreira, ibidem)

            A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (Ac. deste Supremo de 20-12-2006, proc. n.º 4705/06 - 3.ª)

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (v. Acórdão deste Supremo de 29-05-02, proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que, mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos.

Com efeito, a natureza extraordinária da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.

A petição de habeas corpus, por alegada prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, perante situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, seja por incompetência da entidade que ordenou a prisão, seja por a lei não permitir a privação da liberdade com o fundamento invocado ou sem ter sido invocado fundamento algum, seja ainda por se mostrarem excedidos os prazos legais da sua duração.

São tais razões - e só elas -que  justificam  a celeridade e premência na apreciação extraordinária da situação de privação de liberdade com vista a aquilatar se houve abuso de poder ou violação grosseira da lei, na privação da liberdade, que imponha de imediato a reposição da legalidade.

Na providência de habeas corpus, há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e decidir, segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222°, nº 2 do Código de Processo Penal.

Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (ibidem, p. 508) “(…) o habeas corpus vale em primeira linha contra o abuso do poder por parte das autoridades policiais, designadamente  das autoridades de polícia judiciária; mas não é impossível conceber a sua utilização como remédio contra o abuso de poder do próprio juiz, em substituição da via normal do recurso ou em caso de inexistência de recurso.”

E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…)(1) a providência do habeas corpus é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de acção cautelar e de recurso judicial. (…)”

Em suma:

A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação directa, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável.


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O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1, que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Contudo, nos termos do nº 2 do preceito, esta providência “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;”


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O peticionante invoca ilegalidade da sua prisão preventiva, com fundamento na alínea a), mas é evidente que pelo teor da petição, pretende acolher-se à alínea c), do citado  artº 222º do CPP.

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Dos elementos constantes dos autos, sintetizados na informação judicial prestada nos termos do art. 223º nº 1 do CPP., resulta que:

- O Arguido foi ouvido em 1 ° Interrogatório Judicial de Arguido detido, a 04.11.2016, por se encontrar indiciado na prática de um crime de maus tratos, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de sequestro, p. e p. pelos art.ºs. 152-A, n° 1, al. a), 143°, nº 1 e 145°, n° 1, aI. a) por referência ao art. 132°, nº 2, aI. a), e 158º, todos do Código Penal.

- No âmbito do Interrogatório Judicial foi submetido, ao abrigo do disposto nos arts. 191°, 192°, 1930, 195°, 196°, 201°, nº 1 e 204°, aI. c), todos do CPP, às seguintes medidas de coacção: TIR e Obrigação de Permanência em instituição de saúde.

- Em 30.11.2016, por incumprimento da medida de coacção de Obrigação de Permanência em instituição de saúde, foi ouvido novamente, em sede de Interrogatório Judicial, e em face disso e vistos os factos indiciados nos autos, admitidos em grande parte pelo Arguido, que consubstanciavam a prática dos apontados crimes de maus tratos, um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de sequestro, p. e p. pelos art. 152-A, n° 1, ai. a), 143°, nº 1 e 145º, nº 1, aI. a) por referência ao art. 132°, nº 2, al. a), e 158º, todos do Código Penal (sendo que os crimes de maus tratos e de sequestro integravam o conceito de criminalidade violenta nos termos do art. 1°, aI. j), do CPPenal), concluindo-se pela existência de perigo da continuação da actividade criminosa, bem como o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ante o alarme social que este tipo de criminalidade gera na comunidade, ao abrigo do disposto nos arts. 191º, nº 1, 192°, 193°, nºs 1 a 3, 196°, 2020, nº1, ais. b) e d), 203°, nºs 1 e 2, aI. a), e 204°, aI. c), todos os CPP, foi proferido despacho a sujeitar o Arguido, além do TIR já prestado, à medida de coacção de prisão preventiva.

- Em sede de revisão da medida de coacção, a 27.02.2017, determinou-se que o Arguido continuasse sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.       

 - Em 04.04.2017, foi deduzida acusação pública contra o Arguido, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime Violência Doméstica, p. e p. pelo ar!. 152°, nº 1, aI. d) e nº 2, do CP, um crime de Maus Tratos, p. e p. pelo art. 152°- A, n° 1, aI. a), do CP; e dois crimes de sequestro, p. e p. pelo ar!. 158°, nº 1 e nº 2, al. e), do CP

» Face à dedução da acusação pública foi ordenada, em 04.04.2017, a notificação do Arguido para, querendo, em três dias se pronunciar, quanto à revisão da medida (artº. 213°, n° 3, do CPP).

» O Arguido continua sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.


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O artigo 212º do CPP dispõe no nº 1:

As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:

a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou

b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.

Por outro lado, de harmonia com o artº 215º do mesmo diploma:

“1. A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação.

b) Oito meses, sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em primeira instância.

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado,

2. Os prazos referidos no número anterior são elevados respectivamente para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou por crime:

[…]”


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A Constituição Política da República Portuguesa, no artº 27º nº 3, permite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos ali indicados nas respectivas alíneas, em que se inclui a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponde pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, e que a lei ordinária veio burilar nos termos do artº 202º nº 1 do CPP, que dispõe:

“1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”

Por sua vez, considera o artº 1º do CPP

“[…]

j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;

l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;

m) 'Criminalidade altamente organizada' as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento           


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Uma vez que de entre os vários ilícitos, de que se encontra acusado o arguido ora peticionante, se encontra a indiciação da prática de factos integradores de dois crimes de sequestro p. e p. pelo artº 158, nº 1 e nº 2, al. e), do CP, com pena de prisão até dez anos, integrante de criminalidade violenta, sendo os demais ilícitos imputados punidos com pena de prisão de máximo 5 anos,, e tendo em conta o disposto no artº 215º nº 1, al. c), ,e nº 2 do CPP, é, assim, in casu, se não houver lugar a instrução, de um ano e seis meses o prazo de duração máxima de prisão preventiva, sem que tenha havido condenação em primeira instância, uma vez que já foi deduzida acusação em  4 de Abril de 2017.

Caso haja lugar a instrução, o prazo de duração máxima de prisão preventiva é de dez meses, sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória

Na verdade, atento o princípio da actualidade, em todos os casos referidos no nº 1 do artº 215º do CP, é patente a relevância do acto processual idóneo e delimitativo de pressuposto de habeas corpus com reflexos no prazo de duração máxima da privação da liberdade: a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual

             

A inexistência de acusação à data da petição de habeas corpus, e a contagem nessa fase do período máximo de duração da prisão preventiva, ficou superada com a dedução de acusação, em que o prazo da prisão relevante é o definido pelas alíneas b) ou c) do nº 1 do artº 215º,do CPP, sendo certo ainda que, se o requerente ou seu Exmo. Mandatário ainda não tiverem sido notificados, da acusação entretanto deduzida, é irrelevante, contudo, para efeitos de julgamento da providência de habeas corpus, uma vez que a notificação de acto processual, nomeadamente da acusação, não é fundamento legal de habeas corpus, pois que não é a notificação, ou a sua falta, que confere estatuto jurídico com as legais consequências, à privação de liberdade, e que delimita o prazo da prisão.

Diga- se, porém, que, tendo sido o requerente detido em 30-11-2016, o prazo de dedução da acusação, atento o crime indiciado de sequestro , seria  de seis meses, pelo que o seu termo só ocorreria em 30 de Maio de 2017, não se encontrando ultrapassado para que merecesse tutelada providência de habeas corpus.

Ao arguido foi aplicada a prisão preventiva em 30 de Novembro de 2016,

Deduzida que foi acusação contra o arguido peticionante, o prazo máximo de prisão preventiva aplicável aos presentes autos alcançará, o seu termo no dia 30 de Maio de 2018,  sendo pois manifesto que, o prazo de um e seis meses, aplicável in casu, como limite máximo de duração de prisão preventiva em que o arguido se encontra, sem que tenha havido condenação em 1ª instância, , ainda está longe de se encontrar esgotado,

Havendo lugar a instrução, sem que tenha sido proferida decisão instrutória, o prazo máximo de duração de prisão preventiva em que o arguido se encontra, ocorrerá em 30 de Setembro de 2017.

Pelo exposto, tendo a prisão preventiva do arguido peticionante sido ordenada pela autoridade judiciária competente, por facto pelo qual a lei permite, e, mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coacção na fase em que o processo ora se encontra, é óbvio que não se encontra o requerente em situação de prisão ilegal, não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade, abuso de poder ou inconstitucionalidade, que imponha o deferimento da providência.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os juízes deste Supremo – 3ª Secção - em indeferir a petição de habeas corpus  formulada  pelo arguido BB, através de seu Exmo. Advogado,, por falta de fundamento bastante, nos termos do artigo 223º nº 4 a) do CPP.

Tributam o requerente com 3 UC nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

            Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Maio de 2017

  Elaborado e revisto pelo relator

  Pires da Graça

  Francisco Caetano

  Helena Moniz

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