Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4363
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMÕES FREIRE
Nº do Documento: SJ200301230043632
Data do Acordão: 01/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4011/02
Data: 06/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", residente no Barreiro, intentou a presente acção de divórcio litigioso contra sua mulher, B, também residente no Barreiro, pedindo que seja decretado o divórcio, com consequente dissolução do seu casamento, com base na violação dos deveres conjugais de respeito e coabitação, vedando-lhe a ré a entrada em casa e dizendo que não queria viver com ele. Apesar das diligências feitas para entrar em casa, foi-lhe a mesma vedada. O autor sentiu-se humilhado com o comportamento da ré e teve de recolher-se ao abrigo de familiares. Deve declarar-se a demandada única culpada no divórcio. Não tendo sido possível a conciliação na diligência realizada, foi a ré notificada para contestar .
Apresentou a contestação, impugnando os factos alegados pelo autor e alegando que foi este que, pelo seu comportamento, tomou a vida em comum cada vez mais impossível.
O autor há mais de quatro anos dormia sozinho no quarto do casal, motivo pelo qual a ré dormia na sala. O autor suportava as despesas domésticas com 100.000$00, quantia que se foi tornando insuficiente. Foi progressivamente fazendo mais exigências relativas à alimentação, pelo que era com dificuldade que a ré geria tal montante. Apesar das dificuldades económicas o autor não abdicava das suas férias e de passeios com amigos para vários pontos do país. O autor raramente informava a ré de que ia viajar e apenas lhe ordenava que lhe arranjasse as malas, manifestando falta de assistência e cooperação
Apesar do comportamento hostil do autor, nunca foi intenção da ré em divorciar-se. Conclui pela improcedência da acção.
Prosseguiram os autos os seus termos, vindo a ser decretado o divórcio entre ambos, com culpa exclusiva da ré.
Interposto recurso para a Relação, foi aí confirmada inteiramente a decisão recorrida. Vem agora a ré interpor recurso para este Tribunal, concluindo, em resumo:
A violação dos deveres conjugais não se demonstrou verificada no comportamento da ré, quer pela sua gravidade, quer pela sua reiteração;
Quanto à dimensão gravidade da falta da ré e às repercussões desta no autor, a mesma não se achou no seu apuramento ao grau de educação, sensibilidade moral, temperamento convicções religiosas, etc, do Autor;
A gravidade da falta da Ré não se mostra essencial ao comprometimento da vida comum, porquanto os quesitos 6º e 7º, apenas foram isoladamente dados como provados, alegando a ré a contestação, não pretender o divórcio;
A atitude da ré traduziu-se unicamente numa defesa e no repelir das agressões verbais e as ameaças físicas continuadas do autor, as quais apesar de provadas, não constituíram para o tribunal de Ia instância violação de dever conjugal, o que foi confirmado pelo Tribunal da Relação, e por tal não foram sequer consideradas impeditivas da vida em comum;
Tanto o Tribunal de 1ª instância, como o Tribunal da Relação, apenas atenderam ao comportamento da ré, que se traduziu ele, sim, na violação de dever conjugal de coabitação.
Verifica-se no entanto que, a gravidade da tal falta aos deveres conjugais, por parte da ré, não se demonstra essencial, para impossibilitar a vida em comum, quer objectiva quer objectivamente;
Consagra o artigo 1780º do CC, que o cônjuge não pode obter o divórcio, nos termos do artigo 1779º do CC, se tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido ou tiver intencionalmente criado condições propicias à sua verificação, devendo ser este direito aplicável;
Resulta como matéria provada que o Autor proferia ameaças físicas e verbais à Ré, (quesitos 13ª e 15ª), espalhando clima de autentico terror, no lar conjugal;
Com tais ameaças o Autor violou os mais elementares deveres de respeito não apenas m a Ré (artigo 177º CJO do C.C), mas também com o seu filho.
Nos termos do disposto no artigo 1874º do CC, a violação de tal dever de respeito, é também ela causa para determinar a dissolução do casamento.
O acórdão em crise viola de forma inequívoca o disposto, nos termos do artigo 1780º do Código Civil, que prevê não poder o autor vir invocar factos a que ele próprio criou condições especiais à sua verificação, que no caso sub judice veio a acontecer;
Termos em que deve ser revogada a Douta Decisão ora em crise, sendo substituída por outra que conclua pela improcedência do pedido do Autor, mantendo-se indissoluto o casamento entre autor e ré.
Contra-alegou o autor defendendo que deve manter-se a decisão recorrida, e deve ser condenada a ré como litigante de má fé em multa e indemnização ao recorrido .
Perante as conclusões da ré as questões postas consistem em saber:
Se o autor criou as condições para que a ré tivesse praticado os factos provados; se se verificam a violação dos deveres de respeito e coabitação pela ré que justifiquem o divórcio dos cônjuges;
Má fé processual da autora.
Factos.
1 - O autor A e a ré B, contraíram entre si casamento, em 06 de Dezembro de 1969, no regime imperativo da separação de bens.
2- O autor nasceu em 12 de Novembro de 1921.
3 - O casal tinha a casa de morada de família instalada na morada da ré, sita na Rua ..., nº. ....,2º Esq., Barreiro.
4 - Em 25 de Julho de 2000 a ré impediu o autor de entrar em casa.
5 - O autor havia saído de casa, nessa manhã, para fazer pequenas compras domésticas.
6 - Ao pretender regressar a casa a ré recusou-lhe o acesso, não lhe abrindo a porta.
7 - Durante a noite anterior o filho do casal apoderou-se da chave que o autor usava.
8- Aos repetidos chamamentos do autor, para que lhe abrisse a porta, a ré recusou-se a fazê-lo, dizendo-lhe que ele nunca mais lá entrava.
9 - E que não queria mais viver com ele.
10- O Autor pediu a intervenção da P.S.P., que fez deslocar ao local dois agentes, para
entrar em casa.
11 - Mesmo assim a ré continuou recusar a sua entrada no domicílio conjugal.
12- O autor é pessoa estimada e conceituada no meio e sentiu-se vexado e humilhado com aquela atitude da Ré.
13 - E teve de acolher-se à protecção e amparo de familiares.
14 - O autor sofreu e sofre um desgosto com tal atitude da ré e não pretende refazer a vida conjugal com ela.
15 - O autor chegou a dizer que matava o filho do casal com uma catana.
16- O autor, no dia 24 de Julho de 2000, tinha regressado de um passeio e após uma discussão com a ré, chamou-lhe "cabra" e "vaca".
O direito.
Criação pelo autor das condições para a prática dos actos da ré.
Os factos dados como provados reportam-se aos acontecimentos que ditaram o impedimento pela ré da entrada do autor em casa, com violação do dever de respeito e habitação.
As instâncias consideraram os factos provados como graves e violadores daqueles deveres face às circunstâncias concretas apuradas. E mais se diz na decisão de primeira instância que a ré não demonstrou que o autor haja contribuído para a génese da situação criada.
A Relação também entendeu: É, que a instigação à falta cometida ou a criação intencional das condições propícias à prática da falta, num plano ético jurídico, são circunstâncias anteriores à verificação do facto que serve de fundamento à acção e que impedem, logicamente, o nascimento do direito de separação, configurando-se, portanto, como causas impeditivas do direito à separação ou ao divórcio.
Tais quesitos, na perspectiva da ré, foram porém julgados desfavoravelmente, não logrando, por isso, provar, como lhe competia, qualquer causa impeditiva do direito ao divórcio, por banda do autor.,
E conclui, como na sentença recorrida, estarem presentes na matéria provada, os fundamentos para a decretação do divórcio com culpa exclusiva da ré.
Esta funda a sua defesa nos artigos 1779º nº. 2 e 1780º, ambos do C. Civil, cujo teor é o que se segue.
Art. 1779º nº. 2 do C. Civil:
"Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges".
Art. 1780:
"O cônjuge não pode obter o divórcio, nos termos do artigo anterior:
a) Se tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido ou tiver intencionalmente criado condições propícias à sua verificação;
.............................................................................................".
Por outro lado, não deixa de ter importância no divórcio a apreciação da culpa para efeitos do art. 1787º do C. Civil.
Tendo em conta o teor destes preceitos e o que vem alegado pela ré, tem importância para o conhecimento dos direitos em causa nos autos que se averiguem os factos alegados nos artigos art.s 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 25.º, 26.º e 33.º da contestação.
A base instrutória teve em vista os factos relacionados com os acontecimentos ocorridos em 25 de Julho de 2000, mas interessa à decisão também os factos ocorridos anteriormente e que tenham relação com a culpa dos cônjuges no desencadear daqueles que fundamentaram o pedido do divórcio nos presentes autos.
Assim, nos termos do artigo 729º nº. 3 do C PC, ordena-se a ampliação da matéria de facto aos artigos da contestação que vêm acima indicados, voltando os autos ao tribunal recorrido.
Não se ordena o sentido da decisão por não se saber a matéria que pode ser dada como provada.
Custas a cargo do vencido a final.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2003
Simões Freire
Ferreira Girão
Luís Fonseca