Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO CONHECIMENTO SUPERVENIENTE NOVO CÚMULO JURÍDICO RECURSO INDEPENDENTE TRIBUNAL COMPETENTE DECISÃO SUMÁRIA NULIDADE INSANÁVEL TRÂNSITO EM JULGADO INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA PENA SUSPENSA EXTINÇÃO DA PENA OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONHECIMENTO OFICIOSO SANAÇÃO PENA ÚNICA BEM JURÍDICO PROTEGIDO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 03/14/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / PRESSUPOSTOS E DURAÇÃO – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO. | ||
Doutrina: | - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, 2007, Volume I, p. 516. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º E 152º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEA E), 414.º, N.º 2 E 420.º, N.º 1, ALÍNEA C). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/95, IN DR-I, DE 28.12.1995. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 64/2006; - ACÓRDÃO N.º 659/2011; - ACÓRDÃO N.º 290/2014. | ||
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Sumário : | 1. Condenado como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa lhe concedeu provimento parcial, reduzindo a pena aplicada para 2 anos e 2 meses de prisão. 2. Desta decisão do Tribunal da Relação recorre o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que a execução da pena de prisão seja suspensa, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, ou que lhe “seja aplicável utilização da vigilância electrónica ou prisão domiciliária”, em substituição da pena de prisão efectiva. 3. Tendo o Tribunal da Relação aplicado uma pena de prisão inferior a cinco anos, o acórdão que aplicou esta pena não é susceptível de impugnação por via de recurso para o STJ, por se incluir no âmbito de previsão da norma n.º 1, alínea e), do artigo 400.º do Código de Processo Penal. 4. Este regime efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal. 5. Como tem sido repetido pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição”, isto é, de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias” (cfr., por todos, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014). 6. Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. c), do CPP que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível. Assim, deve o recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido nos autos acima identificados, não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, na procedência parcial do recurso da decisão de 1.ª instância, lhe aplicou a pena de 2 anos e 2 meses de prisão, dele vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 2. Motiva o recurso apresentando as seguintes conclusões: 1.º - O Recorrente veio a ser condenado na pena de 2 anos e 2 meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152., n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 2.° - Não foram devidamente tidos em conta os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação da pena, sendo aplicável uma pena demasiado punitiva à situação em apreço. 3.° - Pela leitura do processo em questão, considera-se que foi única e exclusivamente tido em conta o passado do Recorrente, ignorando tudo quanto foi dito relativamente a esses mesmos factos, como pertencentes a um passado. 4. ° - Embora o Arguido tenha consciência que tal condenação advém do facto do o arguido ser reincidente, é certo que hoje, ao contrário do que resulta da douta decisão, o mesmo foi capaz de interiorizar os erros por si cometidos, as consequências dos seus atos - não só por si mas também para terceiros, quer vítimas dos seus crimes, quer familiares e entes queridos - e a necessidade e dever de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, aproveitando todas as oportunidades para reconstruir a sua vida junto de quem mais gosta. 5.° - Nunca é de mais lembrar esse facto porque o aqui arguido, apesar de querer construir um "novo" futuro, não pretende esquecer o passado, porque este deve e tem de servir de lição a recordar em todos os momentos - nos momentos fáceis e nos momentos difíceis que naturalmente existirão. 6.° - É também verdade que no passado podia e deveria ter aproveitado outras oportunidades que lhe foram dadas, mas infelizmente, e por diversos fatores, não aproveitou as mesmas. Assume a sua responsabilidade por esse facto - é naturalmente o principal e único responsável - e compromete-se futuramente a assumir uma conduta diferente, uma conduta conforme ao direito e socialmente responsável. Conduta esta que já foi por si assumida aos longo de todo o processo e mesmo depois de ser ver privado da sua liberdade, será de manter, uma vez que é seu objetivo reiniciar a sua vida de acordo com as normas vigentes num estado de direito; 7.° - O arguido, na atualidade dispõe do apoio da família, tendo sido aí que decidiu cumprir a medida de coação que lhe foi aplicada, mostrando total disponibilidade para o acolher em sua casa em qualquer medida de flexibilização da pena. 8.° - Acresce que, o seu comportamento ou conduta disciplinar atualmente, durante o tempo que esteve privado da sua liberdade, é boa, retomando uma atividade profissional, encontrando-se inserido no mercado de trabalho, e privilegiando o contacto com a sua família, e que por diversas amarguras da sua vida tinham ditado o afastamento, tendo de forma conscienciosa e voluntária, respeitado sempre as normas e regras impostas, o que fez não só por dever mas, também, por sentir que era essa a sua obrigação e vontade íntima, uma vez que interiorizou as mesmas; 9.° Acresce que, sem querer se desresponsabilizar-se - pois é o único e principal culpado, 10.° No caso vertente, - sem prescindir ter desperdiçado oportunidades anteriormente concedidas - interiorizou, até por força da atual reclusão, a necessidade de ter um comportamento conforme o direito, tem um claro juízo de prognose favorável, pelo que não pode, ou não deve, ser-lhe negada a possibilidade de a pena a que foi condenado ser ainda, e numa derradeira oportunidade de "fio da navalha" ser-lhe negada. 11.° Ora, conforme já referimos supra o arguido interiorizou e os erros por si cometidos, as consequências dos seus atos - não só por si mas também para terceiros, quer vítimas dos seus crimes, quer familiares, e a necessidade e dever de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, aproveitando todas as futuras oportunidades para reconstruir a sua vida junto de quem mais gosta, particularmente da sua filha menor, sendo a vigilância electrónica ou pulseira electrónica a medida punitiva mais adequada; 12°. Neste momento, o arguido tem revelado um padrão de comportamento tendencialmente adaptado ao normativo institucional - porque essa é sua vontade e não meramente porque a isso está obrigado. O que demonstra uma vontade férrea de mudar de vida e abandonar os seus anteriores e errados comportamentos, 13° - Assim e tendo em conta o supra referido entendemos que o Tribunal a quo deveria ter dado mais uma oportunidade ao arguido, optando, pela vigilância electrónica ou pulseira electrónica, promovendo o afastamento do arguido da prática de novos crimes, que não passa pela reclusão, mas sim, pela suspensão da pena de prisão sujeita a regime de prova. 14. ° Acresce que a ameaça de obrigou o recorrente a olhar para o mundo com outros olhos, e fê-lo "sentir na pele" as consequências da prática de actos ilícitos, nomeadamente dos maus tratos infligidos na ofendida, e interiorizar que deve mudar, e que deve dar um novo rumo à sua vida, respeitando as regras e princípios de um Estado de Direito sem cometer novos crimes. Compromisso já por si assumido, e que será de manter; 15.° - Consideram-se assim violadas as seguintes normas e princípios: -Artigo 40.° do C.P. uma vez que o tribunal "ad quo" não considerou a necessidade de recuperação e inserção social do arguido, atentando somente uma perspectiva punitiva do delinquente enquanto homem e cidadão. -Artigo 72.º alínea b) por quanto não teve em conta todo o comportamento da ofendida no desenrolar dos factos, porquanto a mesma nunca deixou de procurar e contactar com o arguido. -Artigo 50.° do CPP e 32.° da Constituição da República Portuguesa. Princípio da proporcionalidade e adequação, tendo em conta a personalidade do arguido e a necessidade da sua inserção. 16. ° - Não foi também sequer equacionado a possibilidade da (com grande sacrifício do Recorrente, mas mesmo assim menor do que a pena de prisão efectiva) utilização de Vigilância Electrónica, vulgo pulseira electrónica, ou prisão domici1iária. Foi o arguido condenado como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152°, n.º 1, alínea b) e nº 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão efectiva.); O Tribunal da Relação de Lisboa efetivou a pena a 2 anos e 2 meses de prisão efetiva, e ainda, a pagar à demandada/assistente, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de €850, acrescida de juros de mora, desde o trânsito da sentença até integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido; a pagar as custas criminais, fixando a taxa de justiça em 2 Ucs (art° 513º e 514º do Cód. de Processo Penal) Pelo exposto, e nos mais de direito que Vexas mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser declarado procedente e seja a douta sentença recorrida substituída por outra que suspenda a execução da pena de prisão nos termos do artigo 50.º do CPP e, ou, se assim não se entender: - ser aplicável a utilização da Vigilância Electrónica ou prisão domiciliária, substituindo-se assim, à pena de prisão efetiva, pugnando pela ressocialização do arguido tendo em atenção a recuperação do arguido como pessoa útil à sociedade. 3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, dizendo: Nos autos à margem referenciados foi o arguido condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. no art. 152 nº 1 al. b) e nº 2 do C.P. na pena de 2 anos e 5 meses de prisão efectiva. Interposto recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa veio este tribunal a julgar parcialmente procedente o recurso tendo a pena citada sido substituída pela pena de 2 anos e 2 meses de prisão, confirmando-se no mais a sentença. De novo veio o arguido recorrer, agora para o S.T.J., invocando os artigos 399, 401 nº 1 b), 427, 407 nº 1 a), 408, 411 e 432 al. d), todos do C.P.P. Por douto despacho constante a fls. 350 e citando-se estes mesmos artigos foi o recurso admitido, despacho do qual o Ministério Público foi notificado. Questão Prévia: Nos termos do art. 400 nº 1 al. e) do C.P.P., não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos. Tal é o caso dos presentes autos pois que foi aplicada pena de 2 anos e 2 meses de prisão. Nesses termos o recurso não deverá ser admitido. 4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitido parecer nos seguintes termos: 1. Do recurso: 1.1 – O arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Local Criminal de Loures – J2, tendo, por sentença de 18 de maio de 2017, sido para além do mais, condenado “como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão efectiva”. 1.2 – Desta decisão foi pelo arguido interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 27 de setembro 2017 (fls. 288 e ss.), decidiu dar-lhe provimento parcial, condenando o arguido na pena de 2 (dois)anos e 2 (dois) meses de prisão. 1.3 – É esta última decisão que o arguido ora recorrente pretende trazer a reexame deste Supremo Tribunal, pedindo que a execução da pena seja suspensa nos termos do art.º 50.º do C. Penal ou a utilização da Vigilância Electrónica ou prisão domiciliária em substituição da pena de prisão efetiva. 2 – Cumpre emitir parecer. 3 – QUESTÃO PRÉVIA: Da rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal: 3.1 – Tendo o arguido sido condenado em pena de prisão inferior a cinco anos de prisão, acrescendo ainda que o acórdão da Relação reformulou in mellius a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, segue-se necessariamente que a decisão impugnada é insuscetível de recurso para o STJ, como aliás é salientado pelo magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação. Trata-se, com efeito, de uma daquelas decisões que se enquadra no regime da irrecorribilidade consagrado no n.º 1, alínea e), do art. 400.º do C. P. Penal: aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos. 3.2 – O despacho que admitiu o recurso, exarado a fls. 350, como é sabido e resulta do disposto o art. 414.º, n.º 3 do CPP, não vincula o tribunal superior. 4 – PELO EXPOSTO, e em conclusão, é o seguinte o nosso parecer: 4.1 – O Acórdão ora recorrido cabe no âmbito do disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP vigente, não sendo por isso passível de recurso para o STJ; 4.2 – Pelo que, por inadmissibilidade legal, nos termos dos arts. 400.º, n.º 1, al. e) e 420.º, n.º 1, alínea b), com referência ao art. 414.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPP – [e tendo ainda em conta que, como decorre do n.º 3 deste último preceito (art. 414.º do CPP), a decisão que o admitiu não vincula o tribunal superior] –, deve o recurso interposto ser agora liminarmente rejeitado, por mera decisão sumária do relator [art. 417.º, n.º 6, alínea b) do CPP]. 5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre decidir. II. Fundamentação 7. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). Nos termos do disposto no artigo 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º. 8. O tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos provados no acórdão de 1.ª instância, que assim se mostram fixados: Factos provados 1. A assistente e o arguido conheceram-se através da internet em Março de 2015. 2. Em 4 de Julho de 2015, após ser convidada pelo arguido a assistente deixou a ilha de São Miguel e viajou até Lisboa, tendo o arguido ido buscar a mesma ao aeroporto de Lisboa e de seguida levado a mesma para a residência sita no nº 71, da Rua .... 3. Desde essa data a assistente e o arguido passaram a partilhar cama, mesa e habitação. 4. No dia 5 de Julho de 2015, pelo período da manhã, no decurso de uma discussão, o arguido dirigiu-se à assistente com as expressões “tu és uma puta, uma cabra, vaca, não prestas”. 5. Ainda nesse mesmo dia o arguido pressionou a ofendida deslocar-se com este à “Rádio Popular”, local onde foi adquirido uma televisão, um esquentador, uma máquina de lavar e um ferro de engomar, no valor aproximado de 1000 euros, por meio de contrato de crédito em nome da própria. 6. A assistente contraiu o referido crédito para compra daqueles aparelhos por recear a reacção do arguido. 7. Desde essa data as discussões entre o casal passaram a ser frequentes, ocorrendo tanto na residência do casal, como no interior do tractor que o mesmo conduzia. 8. Na vivência do casal o arguido obrigava a assistente a acompanhá-lo durante o seu horário de trabalho, sendo que a mesma tinha que sair com este de casa pelas 6:30 horas e regressar pelas 19:00 ou 20:00 horas. 9. BB não podia sair da casa de morada de família sozinha. 10. Em datas não concretamente apuradas, mas durante a vivência conjugal o arguido pese embora a ofendida dizer que não obrigava a mesma a manter consigo relações sexuais. Num domingo de manhã, que não é possível apurar concretamente, o arguido em frente a BB telefonou para um seu amigo e pediu ao mesmo o contacto de uma prostituta. 11. Perante o comportamento deste, a assistente disse ao arguido que no momento em que saiu do aeroporto devia ter ido com o seu amigo CC e não com este. 12. De imediato o arguido disse à assistente para ir para a rua. 13. BB arrumou os seus bens pessoais e efectuou uma chamada telefónica. Quando a ofendida disse que ia embora o arguido dirigiu-se a esta e com uma das mãos desferiu uma pancada no pescoço da mesma, tendo esta sentido dores. 14. No dia 29 de Julho de 2015, a assistente regressou aos Açores. 15. Quando a ofendida se encontrava em São Miguel acabou por manter contacto com o arguido através de skype e sms, tendo o arguido aproveitado o momento para afirmar que a mesma era amante de CC e que não prestava. 16. No dia 7 de Agosto de 2015, e perante as promessas do arguido de que não voltaria a agredi-la, a assistente regressou a Lisboa e voltou à casa de morada de família. 17. Porém, o arguido voltou a insinuar que a assistente tinha amantes. 18. No dia 12 de Agosto de 2015, estando a assistente com o arguido no veículo de serviço deste, como era habitual, e quando se encontravam à espera das 14 horas para que o cliente abrisse ( e o arguido pudesse descarregar o veículo), o arguido, de forma inusitada, expulsou a assistente do veículo, dizendo à mesma para ir embora. 19. Quando a assistente já se encontrava na via pública o arguido foi no seu encalço e com uma das mãos agarrou-a pelos cabelos, tendo ainda desferido diversos arranhões que a atingiram, pelo menos, no pescoço. 20. O arguido com a mão aberta desferiu ainda uma chapada no rosto de BB, enquanto a empurrava para o interior do veículo. 21. Em resultado da conduta do arguido, a assistente ficou com marcas, pelo menos, no pescoço. 22. Perante o comportamento do arguido, a assistente, afirmou que caso encontrasse a polícia iria fazer queixa, o que fez com que este tenha travado de forma brusca o veículo o que fez com que o cinto de segurança utilizado pela assistente a apertasse no pescoço. 23. Durante a vivência conjugal o arguido por diversas vezes e sem qualquer motivo aparente dirigiu-se à assistente dizendo “eu mato-te e ninguém sabe”. 24. No dia 18 de Agosto de 2015, a assistente, não acompanhou o arguido ao trabalho, tendo o mesmo tentado desferir um pontapé na mesma quando esta se encontrava na cama. 25. Nesse momento iniciou-se uma discussão, sendo que o arguido disse à assistente que esta não o acompanhava para ir ter com os amantes. 26. O arguido saiu de casa para se deslocar para o trabalho porem retirou à assistente contra a vontade desta a quantia de 120 euros, em notas do banco central europeu e o cartão de débito, tendo a mesma conseguido recuperar tal cartão. 27. Quando a assistente já se encontrava no veículo da GNR, ainda recebeu uma sms na qual o arguido dizia que a filha da assistente que se encontrava nos Açores iria ficar cega. 28. A assistente nunca recebeu tratamento hospitalar em virtude de não se poder ausentar de casa sem a presença do arguido. 29. Como resultado das agressões sofridas a assistente ficou com hematomas. 30. Ao actuar do modo acima descrito, o arguido sujeitou a assistente a vexames, humilhações e a um ambiente de constante sobressalto, atentatórios da honra e consideração pessoal, da integridade física e da dignidade da mesma, e que lhe eram devidas enquanto sua companheira. 31. O arguido pretendeu provocar na assistente medo e amedrontar e intimidar a mesma com o anúncio da prática, no futuro, de actos atentatórios da sua vida e integridade física, o que conseguiu, e se revelou adequado a provocar-lhe sentimentos de insegurança, intranquilidade e medo, prejudicando a sua liberdade individual de decisão e de acção. 32. O arguido, com o descrito comportamento, previu e quis atingir a dignidade pessoal, autoestima e saúde psíquica da assistente, sabendo que, enquanto sua companheira, devia tratá-la com respeito e consideração. 33. O arguido agiu de forma livre e consciente, sabendo que todas as suas condutas são proibidas por lei. Mais se provou: 34. O arguido, motorista, encontra-se de baixa por doença. 35. Vive em união de facto. 36. Do certificado de registo criminal consta: - Processo n° 85/11.4GBLMG, condenação transitada em 18/10/2011, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, como autor de um crime de violência doméstica, previsto e punido no art.° 152°, n° 1 al. a) e n°2 do Código Penal, por factos praticados em 17/4/2011. - Processo n° 60/10.6GAAMM, condenação transitada em 25/11/2011, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, como autor de um crime de maus, previsto e punido no art.° 152° A, n°1, al a), e um crime de violência doméstica, previsto e punido no art.° 152°, n° 1 al. b) e n°2, ambos do Código Penal, por factos praticados em 29/6/2010. - Processo n° 3/12.2GBLMG, condenação transitada em 30/10/12, na pena de 30 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, como autor de um crime de violência doméstica, previsto e punido no art.° 152° do Código Penal, por factos praticados em 5/1/2012. 9. A metodologia da decisão requer que, por razões de precedência lógica (artigo 608.º do CPC), esta se inicie pela apreciação das questões suscitadas pelos sujeitos processuais, ou que o tribunal deva conhecer oficiosamente, susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito. Na resposta aos recursos, suscita o Ministério Público no tribunal recorrido, no que é acompanhado pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste tribunal, a questão da irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação, por este ter aplicado pena de prisão inferior a 5 anos. 10. Nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, sobre “princípios gerais” dos “recursos ordinários”, que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos. É o caso dos autos. 11. O arguido, agora recorrente, foi submetido a julgamento pelo Juízo Local Criminal de Loures, Juiz J2, da Comarca de Lisboa Norte, tendo, por sentença de 18 de Maio de 2017, sido condenado como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão efectiva. Interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 27 de Setembro 2017, lhe concedeu provimento parcial, reduzindo a pena aplicada e condenando-o na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão. É desta decisão do Tribunal da Relação que o arguido agora recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que a execução da pena de prisão seja suspensa, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, ou que lhe “seja aplicável utilização da vigilância electrónica ou prisão domiciliária”, em substituição da pena de prisão efectiva. Tendo o Tribunal da Relação, em conhecimento do recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, aplicado uma pena de prisão inferior a cinco anos, o acórdão que aplicou esta pena não é susceptível de impugnação por via de recurso para o STJ, por se incluir no âmbito de previsão da norma n.º 1, alínea e), do artigo 400.º do Código de Processo Penal, como salientam os Exmos. Procuradores-Gerais Adjuntos no Tribunal da Relação e neste Tribunal. 12. Este regime efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (cfr. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, 2007, Vol. I, p. 516), enquanto componente do direito de defesa em processo penal. Como tem sido repetido pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição”, isto é, de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias” (cfr., por todos, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014). 13. Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, al. c), do CPP que o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º, segundo o qual o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível. Apesar de admitido, a decisão de admissão não vincula o tribunal superior (artigo 414.º, n.º 3, do CPP). Assim sendo, também em conhecimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, deve o recurso ser rejeitado, por inadmissibilidade legal. O que, obstando ao conhecimento do recurso, impede este tribunal de conhecer das questões suscitadas. III. Decisão 14. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido AA. b) Condenar o recorrente no pagamento da importância de 3 UC, nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 3, do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Março de 2018. Lopes da Mota (Relator) Vinício Ribeiro
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