Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A337
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
CULPA IN CONTRAHENDO
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: SJ20080401003376
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Apesar de constar do contrato-promessa de compra e venda uma cláusula segundo a qual a promitente-vendedora promete vender ao outro outorgante, promitente-comprador, ou “a quem este indicasse” a fracção prometida, não é de sindicar o resultado interpretativo das
instâncias, que consideraram não resultar dessa estipulação que a promitente-vendedora ficasse obrigada para com o próprio promitente-comprador a vender a esse terceiro.
II - Logo, não é qualificar o tal contrato-promessa como contrato para pessoa a nomear, ao abrigo do disposto nos arts. 452.º e ss. do CC
III - Tendo o promitente-comprador cedido aos sucessores do réu a sua posição contratual pelo preço de 4.200.000$00 e não tendo o negócio de venda chegado a ser concluído, uma vez que a falta de perfeição do contrato de cessão derivou apenas da não concessão de consentimento pela promitente-vendedora, inexiste fundamento para se concluir que o cessionário actuou de má fé na fase pré-contratual ou com abuso do direito, pelo facto de entretanto ter prometido comprar a mesma fracção à promitente-vendedora.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 25/11/02, AA e esposa, BB, instauraram acção com processo ordinário contra CC e DD, este menor e representado pela primeira R., sua mãe, invocando, em síntese, que o A. marido, junto da agência imobiliária EE, Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª, e no âmbito da mediação desenvolvida por esta empresa, celebrou um contrato promessa de compra e venda relativo a uma fracção autónoma identificada pela letra “O”, destinada a habitação, integrante do Edifício Nova Cidade, cuja promitente vendedora era a empresa construtora, FF
Mais alegam que, posteriormente, o mesmo A. cedeu a sua posição contratual assumida no aludido contrato à R., que ficou na posição de vir a contratar aquela mesma fracção, mediante a outorga da escritura pública de compra e venda, a realizar-se com a promitente vendedora.
Todavia, a R., não cumprindo esse contrato consigo celebrado, acabou por celebrar directamente o contrato de compra e venda prometido com a promitente vendedora, não tendo pago ao A. o valor global de 4.200.000$00 a que se tinha comprometido como contrapartida da cessão da posição contratual por parte deste mas apenas o montante de 500.000$00.
Com estes fundamentos, concluem pedindo a condenação da R. a pagar-lhe o montante de € 18.455,52, correspondente ao valor por que cedeu a sua posição contratual diminuído do correspondente ao montante já pago de 500.000$00, acrescido de juros de mora à taxa legal, que na altura da instauração da acção perfaziam o valor global de € 215.31.
Os RR. contestaram invocando a ilegitimidade da autora e alegando, em súmula, que a ré nunca negociou absolutamente nada com o A. e nunca com ele quis celebrar qualquer contrato, nem sequer o conhecendo.
E a ré só assinou um contrato por intermédio da EE convencida de que se tratava do contrato – promessa respeitante à aludida fracção e por ter confiado no sócio daquela empresa, GG, sendo ainda que a empresa vendedora da mesma fracção resolvera o contrato – promessa que celebrara com o autor.
Para assegurar a aquisição da fracção, acabou a ré por celebrar com a FF, um contrato promessa de compra e venda da mesma, e, posteriormente, o respectivo contrato de compra e venda.
Com estes fundamentos concluem pela procedência da excepção invocada, ou, caso assim se não entenda, pela total improcedência da acção.
Em réplica, os AA. rebateram a matéria de excepção.
Na sequência de uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias, - salvo a de ilegitimidade da autora, que em consequência absolveu da instância (!) -, nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto desde logo dada por assente e a elaboração da base instrutória.
Após rejeição de um articulado superveniente apresentado pelo autor por despacho que também o condenou como litigante de má fé e de que este agravou, teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido, com base nos seguintes factos que considerou provados:
1 - Entre o A. marido, como promitente-comprador, e a firma FF, como promitente-vendedora, foi celebrado um contrato, denominado “promessa de compra e venda”, em 28/08/2000, através do qual a segunda declarou prometer vender ao primeiro, ou a quem este indicasse, a fracção autónoma correspondente a uma habitação, designada pela letra “O”, tipo T2, da qual fazia parte integrante uma garagem fechada, identificada pelo º 53, no rés-do-chão do edifício Nova ....., Lote ...-...., sito na Av. H..............., Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende.
2 - O preço acordado para a venda definitiva foi de 16.800.000$00, tendo o A., como sinal e princípio de pagamento, pago a quantia de 1.500.000$00, sendo o remanescente, de valor igual a 15.300.000$00, pago na data da escritura definitiva.
3 - Na sequência do referido em 1), o A., cerca de um ano depois, procurou proceder à venda da sua posição contratual, tendo, para tanto, solicitado junto da imobiliária EE que caso aparecesse alguém interessado na fracção prometida o contactassem pois era sua intenção negociar a dita posição.
4 - A empresa EE redigiu o contrato referido em 1), sendo que o A., que é pessoa das relações do sócio gerente da imobiliária, não tinha a intenção de adquirir a fracção aí mencionada, mas sim de fazer um investimento.
5 - O A. não tem possibilidades económicas que lhe permitissem comprar, num espaço de cerca de dois anos, 3 ou 4 apartamentos, tendo contudo assinado diversos contratos na qualidade de promitente-comprador todos eles realizados pela EE.
6 - Em 13/07/2001, a R. subscreveu uma proposta de aquisição daquela fracção “O”, pelo valor de 19.500.000$00, tendo nesse mesmo dia entregue a quantia de 500.000$00 nas instalações da “EE”.
7 - Em 08/04/2002, foi subscrito um contrato escrito, junto a fls. 12 a 14 dos autos, através do qual, se declarou que a segunda outorgante, aqui primeira R., comprava ao primeiro outorgante, aqui A., a posição contratual de promitente-comprador que lhe advinha do contrato referido em 1), pelo preço de 4.200.000$00.
8 - Por esse contrato, assinado pelas partes, ficou estabelecido que a R. havia já entregue ao A. a quantia de 500.000$00, comprometendo-se a pagar o remanescente, no valor de 3.700.000$00, no dia da outorga da escritura pública de compra e venda da dita fracção (facto este posteriormente alterado pela Relação).
9 - Aquando da realização desse contrato, a R. entregou à EE, como nele vem estipulado, a quantia de 500.000$00.
10 - Em 8/04/02, a EE apresentou à R., que o assinou, o contrato referido em 7), sendo sua intenção ao fazê-lo a de vir a adquirir, por intermédio da EE, a fracção “O”.
11 - A. R. confiava no sócio gerente da EE, tendo, também por isso, assinado os documentos que lhe foram entregues.
12 - A R. não conhece o A., nunca com ele falou, e a sua intenção ao celebrar o contrato aludido em 7) era a de vir adquirir, por intermédio da EE, a mencionada fracção “O”.
13 - Mais tarde, o A. enviou uma carta à R., solicitando o pagamento do preço acordado em 7).
14 - A firma FF notificou o autor para comparecer no dia 16/07/2002 no Cartório Notarial da Póvoa, pelas 10 horas, a fim de outorgar na escritura de compra e venda relativa à fracção identificada em 1).
15 - O A. não compareceu naquele cartório na data aprazada.
16 - Em 23/07/2002, entre a firma FF, como promitente-vendedora, e a R., como promitente-compradora, foi celebrado um contrato promessa, através do qual a primeira prometeu vender à segunda, a fracção autónoma correspondente a uma habitação, designada pela letra “O”, tipo T2, da qual fazia parte integrante uma garagem fechada, identificada pelo n.º 53, no rés-do-chão do edifício Nova ...... ......, sito na Av. ........, Esposende, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende.
17 - O preço acordado para a venda foi de 19.500.000$00, tendo a R. pago na data da assinatura daquele contrato a quantia de 500.000$00, como sinal e princípio de pagamento do referido preço, ficando acordado que o restante preço, no valor de 19.000.000$00, seria pago na data da realização da escritura pública.
18 - Por escritura pública realizada em 24/09/2002, no Cartório Notarial de Esposende, a firma FF vendeu aos RR. CC e ao seu filho menor HH a fracção supra referida em A), pelo preço de 78560,07 euros, de que logo foi dada quitação.
19 - Em 08/04/2002, o A. enviou uma carta registada com aviso de recepção para a empresa construtora, carta essa que foi recepcionada pela dita empresa.
20 - Nessa carta o A. enviou a nomeação e instrumento de ratificação, indicando a ré como pessoa nomeada com quem a construtora iria outorgar a escritura pública de compra e venda (facto este posteriormente eliminado pela Relação, que, porém, após anterior acórdão deste Supremo, o voltou a incluir).
21 - A empresa construtora que outorgou o contrato referido em 1), disse à R. (facto este posteriormente completado pela Relação).
22 - Entre a sociedade de mediação imobiliária “EE Lda.” e a firma “FF” foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, nos termos do qual esta firma se obrigou a pagar àquela sociedade uma comissão de 5% do valor de cada imóvel mediado.

Apelou o autor, sem êxito, uma vez que a Relação, no mesmo acórdão em que se pronunciou sobre o agravo considerando improcedentes todas as conclusões das alegações do autor na parte respeitante à rejeição do articulado superveniente mas procedentes no que respeitava à sua condenação como litigante de má fé, negou provimento à apelação e confirmou a sentença ali recorrida, embora alterando em parte a matéria de facto que a 1ª instância declarara assente, eliminando aquele n.º 20 e dando aos n.ºs 8 e 21 a seguinte redacção:
8 – Por esse contrato, assinado pelas partes, ficou estabelecido que a ré havia já entregue a quantia de 500.000$00, comprometendo-se a pagar o remanescente, no valor de 3.700.000$00, no dia da outorga da escritura pública de compra e venda da dita fracção.
21 – A empresa construtora que outorgou o contrato referido em 1 disse à ré que nunca autorizou o autor a fazer o acordo referido em 7 e que não aceitou a sua nomeação por este último para celebrar a escritura de venda, uma vez que apenas se celebrariam estas últimas com aqueles que constassem dos contratos – promessa.
Desse acórdão interpôs o autor revista, tendo neste Supremo sido proferido acórdão que determinou a devolução dos autos à Relação a fim de ser decidida uma ambiguidade ou contradição relacionada com a falta de consideração, como provada, da matéria do n.º 20 dos factos assentes, que fora eliminado pela Relação, pelo que os autos voltaram a esse Tribunal, que proferiu acórdão repondo o dito n.º 20 na descrição dos factos provados mas que manteve a sua anterior decisão sobre o objecto do recurso de apelação e determinou a remessa dos autos de novo a este Supremo Tribunal.
O autor, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1) O A. celebrou um contrato promessa de compra e venda, com a empresa vendedora/construtora, onde estava consagrada a possibilidade daquele nomear um terceiro com quem seria outorgada a respectiva escritura pública de compra e venda, nos termos do disposto no art. 452º do C.C. e segs.,
2) E não um mero contrato promessa de compra e venda sujeito apenas à possibilidade da cessão da posição contratual por parte do promitente-comprador, em conformidade com o disposto nos art. 424º e segs do C.C.,
3) Tanto mais que, é o próprio contrato que, expressamente, consagra tal possibilidade, cfr. doc. 1 da P.I.
4) Por conseguinte, o Tribunal a quo, ao qualificar juridicamente, o dito contrato, nestes termos, fez má interpretação do contrato e afastou indevidamente a norma do artigo 452º do C.C., que no caso presente, nestes autos, tem cabal aplicação.
5) Da instrução e julgamento da causa resultaram factos que devem ser considerados instrumentais,
6) Tais factos consistiram no seguinte:
a) A R., Recorrida passou a visitar a dita fracção desde Julho de 2001 (muito tempo antes da assinatura do contrato particular com o A., Recorrente),
b) E nela realizou obras com a anuência da vendedora/construtora.
7) Estes factos visam impedir a produção dos efeitos, senão em toda a sua extensão, pelo menos, em parte, à matéria quesitada no art. 13º da B.I.,
8) Pois, traduzem o consentimento tácito e prévio, por parte da empresa vendedora/construtora.
9) Pelo que, ao contrário do que mencionou o Tribunal a quo, estes factos não têm de estar presentes necessariamente na B.I., até porque sobre eles não cai o ónus de alegação, e a prova produzida em audiência de julgamento pode ir além da matéria alegada, conforme o disposto no art. 513º C.P.C..
10) Por outro lado, se assim fosse, cabia ao próprio Tribunal de 1ª Instância, mesmo oficiosamente, fazer uso dos seus poderes legalmente consagrados nos arts. 650º n.º 2 alínea f) e 265º n.º 3, ambos do C.P.C. e, consequentemente, inseri-los na B.I..
11) Nesta conformidade, quer o Tribunal de 1ª Instância quer o Tribunal a quo, não actuaram convenientemente de modo a obter-se a melhor solução jurídica que o caso impõe.
12) Assim, se o Tribunal a quo, entendia que se tratava de factos essenciais,
13) Então, podia e devia ter feito uso dos poderes que lhe são, também, atribuídos e estão consagrados no art. 712º n.º 4 do C.P.C.
14) E, consequentemente, ter anulado a decisão e ordenado a indispensável ampliação da matéria de facto que reputasse indispensável para a boa decisão da causa, remetendo o processo à 1ª Instância.
15) Acresce ainda que o Tribunal de 1ª Instância, ao aceitar a produção de prova daqueles factos, capazes de conduzir à verificação do consentimento tácito, prévio,
16) Sempre teve de os considerar como factos instrumentais,
17) Sem que, todavia, os tivesse considerado, aquando a decisão, uma vez que proferiu o seguinte: “ …. Não houve consentimento prévio …”.
18) Para além de, NÃO TER FUNDAMENTADO AS RAZÕES DA SUA NEGAÇÃO.
19) DONDE, DEVERÁ CONCLUIR-SE QUE, OU O TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, CONSIDERAVA ESSENCIAIS OS FACTOS QUE RESULTARAM DA INSTRUÇÃO E JULGAMENTO E, NESSA MEDIDA PODIA E DEVIDA TER APLICADO AS NORMAS QUE ESTAVAM AO SEU ALCANCE PARA AMPLIAR A B.I., APLICANDO O DISPOSTO NOS ART. 650º N.º 2 ALÍNEA F) E 265º N.º 3 AMBOS DO C.P.C., - O QUE NÃO FEZ,
20) Ou, AO TER ADMITIDO A PRODUÇÃO DA SUA PROVA, TINHA PORÉM, FORÇOSAMENTE, QUE OS CONSIDERAR COMO FACTOS INSTRUMENTAIS,
21) AQUANDO A DECISÃO E CONSIDERÁ-LOS COMO CONSTITUINDO O CONSENTIMENTO TÁCITO À CESSÃO REALIZADA, AINDA QUE POSTERIORMENTE FORMALIZADA.
22) O QUE NÃO ACONTECEU.
23) O TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, NÃO OS CONSIDEROU, OFICIOSAMENTE, NA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO, PORQUANTO NÃO APLICOU AO CASO SUB JUDICE, O DISPOSTO NO ART. 264º N.º 2 2ª PARTE DO C.P.C.,
24) DO MESMO MODO, O TRIBUNAL A QUO QUE OS CLASSIFICOU DE ESSENCIAIS, AO INVÉS DE TER APLICADO, SEM MAIS, O ART. 264º N.º 3 DO C.P.C., DEVIA E PODIA, ENTÃO, TER ACTUADO NESSA CONFORMIDADE,
25) E TER USADO OS PODERES QUE LHE SÃO ATRIBUIDOS EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ARTIGO 712º N.º 4 DO C.P.C.,
26) ESGOTANDO ASSIM TODOS OS MEIOS DE QUE DISPUNHA COM VISTA À MELHOR SOLUÇÃO JURÍDICA DA CAUSA.
Acresce que, há uma razão para o Tribunal a quo ter assim decidido,
27) É que, o Tribunal a quo, só considerou aqueles factos como essenciais ou principais, porque partiu da premissa errada de que o art. 12º da B.I. não tinha sido provado,
28) O QUE, NA VERDADE, NÃO ACONTECEU.
O A. FEZ PROVA BASTANTE DESSE FACTO – cfr. despachos judiciais de fls. 537 e 554 dos autos.
29) Aliás, a fls. 18 do Acórdão, o Tribunal a quo considerou que os factos alegados pelo A. nos arts. 16º da P.I. e 9º da Réplica, seriam factos capazes de inferir a existência de consentimento tácito que, no entanto, não puderam ser considerados porque “ … LEVADOS À BASE INSTRUTÓRIA SOB O ART. 12º FORAM DADOS COMO NÃO PROVADOS”.
30) O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo enferma de um erro manifesto e grosseiro, que impõe a sua reforma, nos termos do disposto no art. 669º n.º 2 alínea b) do C.P.C.,
31) Impondo-se, desde logo a sua reformulação em grande parte da sua extensão, atentas as alegadas ilações que, de quando em vez, surgem no Acórdão proferido,
32) Concretamente, quer no que respeita à classificação dos factos como essenciais, que conduziu à não consideração da existência do consentimento tácito, prévio da cessão,
33) Afastando, deste modo a aplicação do art. 264º n.º 2 2ª parte do C.P.C., ao invés da aplicação do seu n.º 3,
34) Quer, no que concerne à não aplicação dos arts. 227º e 334º, ambos do C.C. relativamente à conduta da 1ª R..
35) A conduta da R. é violadora do princípio da boa fé contratual, pois enganou o A. ao actuar em conluio com a empresa vendedora/construtora, prejudicando patrimonialmente o A., aqui Recorrente,
36) E, a fundamentação da S/ defesa comporta uma situação de abuso de direito, já que estava na sua disponibilidade desistir do negócio antes da assinatura do contrato particular com o A.,
37) Ao invés de o ter assinado, QUANDO JÁ SABIA PELA EMPRESA VENDEDORA QUE NÃO A ACEITAVA COMO COMPRADORA ATRAVÉS DO A., RECORRENTE,
38) Pelo que, a invocação desta falta de consentimento posterior à cessão para fundamentar a falta de pagamento do remanescente em dívida ao A., constituiu inteiramente um abuso de direito, pois dele deu causa.
39) Nesta conformidade, o Tribunal a quo, fez má interpretação à conduta da R. que, na verdade, violou, efectivamente, 2 princípios básicos do direito – a boa fé contratual e excedeu, manifestamente, segundo os limites da boa fé, o exercício do seu direito, respectivamente, consagrados nos art. 227º e 334º do C.C.,
40) Para além de que a R., Recorrida, fez “tábua rasa” à confissão judicial que efectuou ao juntar nos autos do processo de inventário em que era parte, todos os documentos que compunham o negócio com o A. e a nomeação junto da empresa vendedora.
41) Pelo exposto, a considerar-se legítimo o conhecimento oficioso, por parte do Tribunal da 1ª Instância, que decidiu, sem qualquer alegação da R., que a Sua Nomeação à vendedora, foi extemporânea por ultrapassar o prazo legal dos cinco dias, em conformidade com o disposto no art. 453º n.º 1 do C.C., inviabilizando, deste modo, a produção dos seus efeitos,
42) Então, deverá, por todo o demais aqui descrito, considerar-se juridicamente relevante o consentimento tácito por parte da vendedora/construtora à cessão e, consequentemente
43) Seja a R., Recorrida condenada a pagar o remanescente em dívida para com o A. Recorrente, em conformidade com o pedido, considerando-se indiferente a existência de um negócio realizado, posteriormente, entre aquelas, nas circunstâncias descritas.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.
Não houve contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os acima referidos.
Como se disse, o que o autor pretende é a condenação dos réus a pagarem-lhe a parte não paga do preço acordado de uma cessão da posição contratual de promitente comprador num contrato – promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, cessão essa celebrada entre ele e a ré.
Começa o recorrente por sustentar ter celebrado com a empresa construtora um contrato – promessa de compra e venda com a consagração da possibilidade de nomear um terceiro com quem a posterior escritura seria outorgada, nos termos dos art.ºs 452º e segs. do Cód. Civil, e não um mero contrato – promessa de compra e venda sujeito apenas à possibilidade da cessão da posição contratual por parte do promitente comprador nos termos dos art.ºs 424º e segs. do mesmo Código.
Como se vê pela análise dos factos assentes, o autor celebrou efectivamente com a sociedade FF. - ele como promitente comprador e ela como promitente vendedora -, um contrato promessa de compra e venda tendo por objecto mediato a fracção autónoma designada pela Letra “O” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado “Nova ......”, sito em Esposende, contrato esse de cuja cláusula segunda consta, além do mais, que aquela sociedade prometia vender ao ora autor ou a quem este indicasse a aludida fracção.
Tal contrato-promessa, datado de 28 de Agosto de 2000, apesar de incluir a possibilidade de indicação, pelo contraente aqui autor, de um terceiro comprador em seu lugar, não é de qualificar como contrato para pessoa a nomear, uma vez que da mencionada cláusula segunda, - interpretada da forma como o fez a Relação e que este Supremo não pode sindicar por se prender com matéria de facto resultante da interpretação das declarações de vontade dos contratantes, feita de harmonia com as normas legais, visto ser um resultado interpretativo que tem correspondência, embora imperfeita, no texto da cláusula inscrita no documento que titula o contrato (art.º 236º e 238º do Cód. Civil), e por isso da exclusiva competência das instâncias -, não resulta que a indicação a fazer pelo ora autor se destinasse a colocar um terceiro na sua posição jurídica no contrato – promessa em causa para ficar titular dos seus direitos e obrigações do mesmo contrato-promessa resultantes, como seria necessário para se verificar a situação prevista nos art.ºs 452º e segs. do Cód. Civil, mas apenas na posição que em princípio lhe era destinada no próprio contrato prometido. Quer dizer, a cláusula segunda referida não implica que a promitente vendedora ficasse obrigada para com o terceiro que viesse a ser nomeado, apenas ficando obrigada para com o próprio autor a vender a esse terceiro, pelo que, não o fazendo, só teria de responder para com o autor, que, porém, neste processo, nada pede contra aquela com base em eventual incumprimento, por ela, do contrato - promessa.
Mesmo que, porém, fosse de qualificar o dito contrato-promessa como contrato para pessoa a nomear, haveria que atender ao disposto no n.º 1 do art.º 453º do mesmo diploma, que estipula expressamente que a nomeação deve ser feita mediante declaração por escrito ao outro contraente, dentro do prazo convencionado, ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato. Ou seja, resulta desse dispositivo, e do n.º 2 do mesmo artigo, quais os termos e prazo que a lei exige para ser feita uma nomeação eficaz, nomeação essa que, na hipótese dos autos, constitui elemento constitutivo do direito que o autor se arroga, e portanto a alegar e provar por ele.
Lendo o contrato, porém, constata-se não conter ele convenção de prazo para proceder à declaração de nomeação de terceiro como promitente comprador no lugar do ora autor, pelo que se aplicaria o mencionado prazo legal de cinco dias.
Esse prazo, porém, não foi satisfeito, antes tendo sido largamente ultrapassado, uma vez que apenas em 8 de Abril de 2002 celebrou o autor com a ré – e apenas com esta, pelo que o réu a nada se obrigou para com aquele, não se entendendo por isso o motivo, que o autor não esclarece, de ser accionado juntamente com a mãe, não sendo suficiente para tal o facto de ter intervindo como comprador ao lado desta pois com base na versão do autor nada se vê que de tal o impedisse sem ter sequer de lhe dar qualquer satisfação -, contrato de cessão da sua posição contratual de promitente comprador no dito contrato – promessa nos termos do art.º 424º do Cód. Civil, pelo preço de 4.200.000$00 a pagar pela ora ré, só nessa data tendo comunicado à promitente vendedora a nomeação daquela.
Acresce que esse excesso de prazo foi conhecido desde logo na sentença da 1ª instância, mas não oficiosamente: constitui mera conclusão de factos articulados pelo próprio autor na petição inicial (art.ºs 4º a 11º), bem como pela ré, ao aludir esta ao contrato – promessa celebrado entre o autor e a FF (art.º 29º) da contestação e ao contrato de cessão, muito posterior (art.º 20º da mesma peça), embora sustentando não ser contrato de cessão mas semelhante.
Daí que essa nomeação não pudesse produzir o efeito de colocar a ora ré na posição de promitente compradora em lugar do aqui autor com base no disposto no mencionado art.º 453º, sem embargo de a própria cessão da posição contratual celebrada poder produzir esse efeito, mas agora à luz do disposto naquele art.º 424º.
Nesse artigo (n.º 1) se dispõe que no contrato com prestações recíprocas qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.
Exige, pois, a lei, como elemento essencial, constitutivo do direito de transmissão da posição contratual, - portanto a provar pelo autor nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil -, o consentimento do contraente firme, manifestado antes ou depois da celebração do contrato inicial ou contrato-base, seja neste caso antes ou depois da cessão, uma vez que ao cedido não pode ser imposto um contraente diverso do originário.
Ora, esse consentimento não foi articulado oportunamente pelo autor e não se pode considerar que existe.
Com efeito, não foi concedido, pelo menos de forma expressa, antes do contrato – promessa celebrado entre o aqui autor e a promitente vendedora, nem integrado neste, não podendo ser qualificada como tal a aceitação por esta da dita cláusula segunda, pois essa cláusula, como se disse, não traduz assentimento da promitente vendedora a colocar algum terceiro na posição de promitente comprador em lugar do autor, como seria a consequência da cessão da posição contratual deste.
E também não consta dos factos assentes o consentimento posterior, quer prestado antes ainda da cessão, quer depois desta.
Nas suas alegações sustenta o autor ter existido consentimento tácito e prévio por parte da promitente vendedora, baseando-se para tanto em factos que entende deverem ser qualificados como instrumentais, resultantes da discussão da causa, e que consistiriam em que a ré passou a visitar a fracção desde Julho de 2001 e nela realizou obras com a anuência da promitente vendedora/construtora.
Tais factos não foram articulados por qualquer das partes, pelo que este Supremo não tem fundamento para determinar a ampliação da matéria de facto, que só poderia ter lugar em relação a factos articulados não integrados na matéria de facto assente nem na base instrutória, como poderia fazer com base no disposto no n.º 3 do art.º 729º do Cód. Proc. Civil.
Por outro lado, mesmo que tais factos pudessem ser considerados instrumentais para o efeito de a partir deles se concluir pela existência de consentimento tácito, é manifesto que teriam de se encontrar incluídos na descrição dos factos provados para agora poderem ser atendidos, o que não se verifica; e não pode este Supremo determinar o seu aditamento, se é que os mesmos ocorreram, uma vez que está obrigado a aceitar os factos fixados pelas instâncias sem os poder alterar (n.ºs 2 do citado art.º 729º e do art.º 722º do mesmo Código), nomeadamente à luz do disposto em qualquer dos números 1 a 5 do art.º 712º do Cód. Proc. Civil por das decisões da Relação neles previstas não caber recurso para este Supremo (n.º 6 do mesmo artigo), do que deriva, como é sabido, que o próprio não uso pela Relação dos poderes de modificação da matéria de facto não é passível de recurso, a menos que o Supremo entenda dever a decisão ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito ou existirem contradições na matéria de facto apurada, contradições estas que na hipótese dos autos não existem e ampliação que não se justifica pelos motivos acima indicados.
Acresce que, sendo factos instrumentais aqueles que não pertencem à norma fundamentadora do direito ou da excepção, sendo-lhe em si indiferentes, e apenas servindo para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores ou constitutivos do direito ou da excepção, têm somente a função possível de factos-base da presunção de existência daqueles factos fundamentadores, o que não dispensa a oportuna articulação destes para serem tidos em conta (art.º 664º do Cód. Proc. Civil). Podem, assim, esses factos ditos instrumentais ser oficiosamente tomados em conta nas instâncias, à luz do disposto no art.º 264º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, quando apesar de não articulados resultem da instrução e discussão da causa, mas para efeito de fundar a decisão sobre os factos constitutivos do direito ou da excepção que tenham sido invocados e que, por hipótese, não tenham obtido prova directa. Ora, não tendo o autor invocado o consentimento da promitente vendedora em parte alguma dos seus articulados, os factos referidos pelo autor como instrumentais, mesmo que tivessem sido provados, não levariam a concluir pela concessão de um consentimento atendível, precisamente por este não ter sido articulado.
De todo o modo, não se vê necessidade nem utilidade de aditamento à matéria de facto assente de tais factos referidos como instrumentais pelo recorrente, pois, mesmo que provados, não implicariam que tivesse sido concedido o necessário consentimento de forma tácita: por um lado, não se mostra que terão sido celebrados com intervenção da promitente vendedora, nem de qualquer encarregado da obra, que não vem indicado nomeadamente no documento de fls. 283, podendo tê-lo sido apenas com intervenção da mediadora, que não é representante daquela, incumbindo-lhe apenas as funções que lhe foram contratualmente atribuídas pela promitente vendedora à luz do disposto no art.º 3º do Dec. – Lei n.º 77/99, de 16/3 e não 16/6 (fls. 156), e por outro sempre teriam de ser conjugados com outros factos provados (n.ºs 16 e 21), podendo simplesmente traduzir, a terem sido praticados com intervenção da construtora, a intenção desta, como promitente vendedora, de contratar directamente com a ré recusando o cumprimento do contrato que celebrara com o autor. Só assim se compreende ter a promitente vendedora informado a ré de que não autorizara a cessão, coisa que a celebração do contrato – promessa entre ambas, com outro preço e sem ser sequer tomada em conta a prestação de sinal pelo autor, igualmente indicia, pois, se a cessão tivesse sido autorizada, não haveria lugar a novo contrato – promessa agora celebrado com a ré por subsistir o celebrado entre a promitente vendedora e o autor com a ré no lugar deste, com um pagamento de sinal de montante superior ao que do novo contrato-promessa consta.
Quanto aos factos referidos nos art.ºs 16º da petição inicial e 9º da réplica, integrados no ponto 12º da base instrutória, que obteve inicialmente resposta de “não provado” mas que ainda na 1ª instância foi alterada para “provado” por ter havido lapso manifesto naquela primeira resposta, foram eliminados pela Relação no seu primeiro acórdão por esta não se ter apercebido da mencionada alteração, mas já foram por esta repostos na sequência do anterior acórdão deste Supremo, sendo os constantes do n.º 20 da descrição dos factos assentes. Tais factos, porém, apenas revelam actuação do próprio autor e não da promitente vendedora, pelo que são insusceptíveis de indiciar a prestação, por esta, do consentimento tácito em causa.
Assim, embora o consentimento possa efectivamente ser manifestado de forma tácita, sempre terá de resultar de factos que, com toda a probabilidade, o revelem (art.º 217º, n.º 1, do Cód. Civil), mas que inexistem na hipótese dos autos, em que, pelo contrário, os factos provados apontam no sentido da inexistência de consentimento, como resulta do facto assente sob n.º 16 – de que deriva pretender a promitente vendedora vender por melhor preço para ela e, portanto, não aceitar a cessão, que conduziria a que a ré lhe tivesse de pagar apenas o preço, inferior, acordado com o autor -, e do facto assente sob n.º 21.
Restam as questões consistentes em saber se a ré actuou violando a boa fé contratual ou com abuso de direito, nada havendo a referir quanto a uma eventual confissão judicial da ré resultante da junção de documentos que terá efectuado em processo de inventário de que ninguém falou nos articulados destes autos, junção essa de documentos que não se mostra respeitarem ao consentimento da promitente vendedora e agora vendedora mas apenas, ao que parece, à ratificação pela ré efectuada e que já se mostra provada sem que dela possa resultar o aludido consentimento.
Dispõe o art.º 227º, n.º 1, do Cód. Civil, que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
Consagra este dispositivo um dever de agir de boa fé, revelador de uma clara intenção de protecção do comércio jurídico, que assenta necessariamente num princípio de confiança, dever esse que se traduz na proibição de toda e qualquer conduta censurável ou reprovável que, na fase de negociações conducentes à celebração de um contrato, traduza uma apreciável falta de consideração pelos interesses da contraparte.
Ora, não se mostra provada qualquer conduta da ré, na fase das negociações conducentes ao contrato de cessão, que revista tais características, tanto mais que ela nem sequer teve quaisquer negociações com o autor, tendo-se limitado a assinar os documentos integrantes desse contrato por via da confiança que depositava no gerente da mediadora.
Se esse contrato acabou por não ser eficazmente concluído, não se mostra que tal tenha ocorrido em consequência de conduta da ré, uma vez que a falta de perfeição do contrato de cessão derivou apenas da não concessão de consentimento pela promitente vendedora. Aliás, a única actuação provada da ré antes do contrato de cessão traduz-se na assinatura da proposta de aquisição (da fracção, e não da posição contratual do autor) de 13/7/01, numa altura em que não ficou provado, nem sequer tendo sido articulado, que ela tivesse conhecimento da existência do mencionado contrato – promessa celebrado entre a promitente vendedora e o autor, sendo que nessa proposta, constante de impresso da mediadora (fls. 11), não consta sequer a mínima alusão a este, que a ré nem conhecia, sendo que não se mostra também assente qualquer conluio entre ela e a promitente vendedora, agora invocado pelo recorrente, e sendo o próprio contrato-promessa celebrado entre a ré e a vendedora posterior à cessão, pois data de 23 de Julho de 2002 (fls. 80/81).
Assim, não há fundamento para se poder concluir que a ré tenha actuado de má fé na fase pré-contratual.
E também não o há para se poder entender que tenha actuado com abuso de direito nos termos previstos no art.º 334º do Cód. Civil.
Com efeito, não há motivo algum para se concluir pela existência de qualquer manifesto excesso, pela sua parte, dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico do seu direito, uma vez que actuou com intuito exclusivo de adquirir a fracção em causa através dos serviços da mediadora, não lhe sendo exigível que deixasse de adquirir a fracção pelo facto de o autor não ter obtido o consentimento da cessão pela promitente vendedora. Se tivesse sido obtido esse consentimento pelo autor, vindo a ré a celebrar o contrato de compra e venda graças à cessão, o que se poderia dizer é que haveria, da parte dela, incumprimento desse contrato de cessão ao não pagar o preço desta ao autor; mas, não provado o consentimento, e imperfeito em consequência tal contrato, deste não resultou para a ré a obrigação de pagamento do preço da cessão, não se podendo justificadamente impedir a ré de adquirir a fracção que pretendia, nem obrigá-la ao cumprimento de um contrato incompleto e por isso ineficaz.
Por todo o exposto, não se pode reconhecer razão ao recorrente.

Nestes termos, acorda-se em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 01 de Abril de 2008

Silva Salazar (Relator)
Nuno Cameira
Sousa Leite