Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
107/09.9YXLSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILIDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
PROCESSO ESPECIAL
CABEÇA DE CASAL
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO E DE APRESENTAÇÃO DE COISAS OU DOCUMENTOS – DIREITO DAS SUCESSÕES / ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA / CABEÇA-DE-CASAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSOS ESPECIAIS / PRESTAÇÃO DE CONTAS.
Doutrina:
- Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. III, 3.ª ed., p.52.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 573.º E 2079.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 663.º N.º 2, 608.º N.º 2, 635.º N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 941.º.
Sumário :
I - A obrigação de prestação de contas é uma obrigação de informação, a qual existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias – artigo 573º do Código Civil.

II - Sendo estruturalmente uma obrigação de informação, o seu fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


AA, intentou a presente acção de prestação de contas contra BB, pedindo que este, na qualidade de cabeça-de-casal do inventário em anexo, no período de 2011 a 2015, prestasse contas aos interessados da sua administração dos bens da herança.


O requerido não contestou a obrigação de prestar contas e apresentou as contas solicitadas, discriminadas por conta corrente e acompanhadas dos documentos justificativos.


A requerente deduziu contestação às contas apresentadas e o requerido respondeu.


Foi proferida sentença do seguinte teor:

"Pelo exposto e decidindo, o tribunal a presente procedente por provada, e em consequência:

A) Julga prestadas as contas pelo cabeça-de-casal, nos anos apresentados na conta-corrente; e

B) Condena o interessado CC, a restituir à herança a quantia de € 36.732,24 (trinta e seis mil setecentos e trinta e dois euros e vinte e quatro cêntimos), sem prejuízo dos aditamentos ou abatimentos que possam resultam da prestação de contas de anos posteriores”.


A requerente apelou e a Relação, por acórdão de 05.02.2019, na procedência da apelação e com alteração da matéria de facto, decidiu:

A) Condenar o interessado CC, a restituir à herança a quantia de € 44.830.44, sem prejuízo dos aditamentos ou abatimentos que possam resultar da prestação de contas de anos posteriores.

B) Manter, no mais a decisão recorrida.


Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a requerente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Tal como o próprio acórdão afirma e reconhece (1.3) «o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando, assim, decidir as questões nelas colocadas».

2ª - No recurso interposto e nas suas conclusões a apelante claramente coloca dois tipos de questões: Um primeiro sustentado na factualidade provada e não provada, tendo em vista a correcção das despesas; e um segundo sustentado nas certidões das finanças juntas aos autos, tendo em vista a correcção das receitas.

3ª - O acórdão pronuncia-se sobre o primeiro tipo de questões, em sentido até favorável à apelante, mas omite o segundo, ignorando as certidões e pedido formulado no recurso, julgando de acordo com as receitas já erroneamente consideradas na sentença recorrida.

4ª - Consolida o acórdão o montante global das despesas dadas como provadas para os anos de 2011 a 2015 em 56.746,07 euros;

5ª - Enquanto o valor global das receitas para o mesmo período inequivocamente resultante da soma das certidões das finanças dos efectivos rendimentos da herança, e não da soma dos valores declarados no IRS do interessado CC, é de 72.251,97 euros.

6ª - O saldo entre receitas e despesas da herança destes anos de 2011 a 2015, não é pois negativo em 20.733,14 euros, como indevidamente considerava a sentença recorrida e o acórdão mantém por omissão, ao assumir que as receitas apenas se cifravam em 36.012,93 euros, mas sim positivo em 15.505,90 euros.

7ª - Portanto, dado que o interessado CC foi condenado a restituir no período em que foi cabeça de casal o valor de 65.563,58 euros, que de resto o novo cabeça de casal deu como regularizado, a este valor se deve adicionar o valor positivo de 15.505,90 euros, totalizando 81.069,48 euros.

Termina, pedindo que o acórdão da Relação seja alterada em conformidade, condenando-se o interessado e cabeça de casal BB a restituir à herança a quantia de 81.069,48 euros, sem prejuízo dos aditamentos ou abatimentos que possam resultar da prestação de contas de anos posteriores.


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:


Do ano de 2011;

1. As receitas anuais de 2011 foram de € 18.531,72.

2. As despesas anuais de 2011 foram de € 13.227,33.

3. O interessado CC englobou as receitas da herança, rendimentos prediais, na sua declaração de IRS de 2011.

 

Do ano de 2012;

4. As receitas anuais de 2012 foram de € 6.604,54.

5. As despesas anuais de 2012 foram de € 10.650,28.

6. O interessado CC englobou as receitas da herança, rendimentos prediais na sua declaração de IRS de 2012.


Do ano de 2013:

7. As receitas anuais de 2013 foram de € 5.932,72.

8. As despesas anuais de 2013 foram de € 11.186,55.

9. O interessado CC englobou as receitas da herança, rendimentos prediais, na sua declaração de IRS de 2013.


Do ano de 2014:

10. As receitas anuais de 2014 foram de € 4.943,95.

11. As despesas anuais de 2014 foram de € 9.648,62.

12. O interessado CC englobou as receitas da herança, rendimentos prediais, na sua declaração de IRS de 2014.


Do ano de 2015:

13. Não existiram receitas por a DD estar em processo de insolvência.

14. As despesas anuais de 2015 foram de € 13.225,45.


B) Fundamentação de direito


A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber, face ao saldo positivo das contas, qual o montante que o actual cabeça-de-casal deve devolver à herança.


O acórdão da Relação de 05.02.2019 condenou o interessado CC, a restituir à herança a quantia de € 44.830.44, sem prejuízo dos aditamentos ou abatimentos que possam resultar da prestação de contas de anos posteriores.


A recorrente e requerente AA, argumenta que o interessado e cabeça de casal BB deve ser condenado a restituir à herança a quantia de 81.069,48 euros, sem prejuízo dos aditamentos ou abatimentos que possam resultar da prestação de contas de anos posteriores.


Cumpre decidir.


A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se – artigo 941º do Código de Processo Civil.


Do disposto neste artigo pode-se formular o princípio geral de que, quem administrou bens ou interesses alheios, está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses.


O Código Civil oferece-nos exemplos da aplicação deste princípio, designadamente no artigo 2093º (prestação de contas):

1. O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente.

2. Nas contas entram como despesas os rendimentos entregues pelo cabeça-de-casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua custa na satisfação de encargos da administração.

3. Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano.


Essa obrigação de prestar contas deriva da administração da herança que incumbe ao cabeça-de-casal (artigo 2079º, do Código Civil), sendo uma garantia de que essa administração será exercida com diligência, competência e honestidade, e que o administrador não se afastará das regras que a prudência indica e a probidade impõe[1].


Assim, o cabeça-de-casal arrecada receitas e efectua despesas, tanto podendo resultar daí um saldo positivo como negativo.

Havendo saldo positivo, o mesmo é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, nos termos do disposto no nº 3 do citado artigo 2093º.

Havendo saldo negativo, deverá ser satisfeito ao cabeça-de-casal o que se lhe mostrar devido.


A obrigação de prestação de contas é uma obrigação de informação, a qual existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias – artigo 573º do Código Civil.


Sendo estruturalmente uma obrigação de informação, o seu fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito


As contas do cabeça-de-casal são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita (artigo 947º do CPC).


As contas devem ser prestadas aos interessados na partilha dos bens administrados.


Vejamos o caso concreto, agora na vertente mais detalhada das receitas e das despesas relativamente aos anos de 2011 a 2015.


Em matéria de receitas

O seu montante global é de € 36.012,93, assim discriminado:

Ano 2011 - € 18.531,72 (facto provado nº 1);

Ano 2012 – € 6.604,54 (facto provado nº 4);

Ano 2013 - € 5.932,72 (facto provado nº 7);

Ano 2014 - € 4.943,95 (facto provado nº 10);

Ano 2015 – não existiram receitas (facto provado nº 13).


Em matéria de despesas

O seu montante global é de € 56.746,07, assim discriminado:

Ano 2011 - € 13.227,33 (facto provado nº 2);

Ano 2012 – € 10.650,28 (facto provado nº 5);

Ano 2013 - € 11.186,55 (facto provado nº 8);

Ano 2014 - € 9.648,62 (facto provado nº 11);

Ano 2015 - € 12.033,29 (facto provado nº 14).


Daqui e conclui que existe um saldo negativo de € 20.733,14 (€ 56.746,07 - € 36.012,93).


Finalmente, o valor negativo apurado (€ 20.733,14), subtraído ao valor de € 65.563,58 que o interessado CC foi condenado a restituir no período em que foi cabeça-de-casal[2], perfaz o valor final de € 44.830,44.


Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações da revista.


III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 24 de Outubro de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

________

[1] Cfr. Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, vol. III, 3ª ed., pág.52
[2] Cfr pág. 12 do acórdão da Relação (fls 1622 dos autos) e Conclusão 7ª das alegações de revista.