Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
312/13.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO INEXACTA
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
QUESTIONÁRIO
BOA FÉ
FORMAÇÃO DO NEGÓCIO
PROPOSTA DE SEGURO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
FACTOS NÃO PROVADOS
RELEVÂNCIA JURÍDICA
ANULABILIDADE
EFICÁCIA
RISCO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Ao celebrar um contrato de seguro de vida o segurado tem o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a percepção do risco por parte da seguradora, sendo certo que se o não fizer, ocultando factos relevantes sobre o seu estado de saúde, perde o direito à contra-prestação da seguradora;

II – A informação relevante não é apenas o diagnóstico, sempre posterior aos sintomas da doença, mas toda a informação que à luz de um critério normal, se revele importante sobre o estado de saúde do segurado;

III – Trata-se de uma obrigação que além de resultar das condições gerais do contrato, é a única consentânea com as regras da boa fé (art. 227º do CCivil).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA, BB, CC, EE e FF intentaram contra Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S. A. (STS), ação declarativa, pedindo:

- Que se declare válido e eficaz o contrato de seguro celebrado entre a ré, de um lado, e AA e seu falecido marido GG; e

- Que se condene a Ré a pagar ao beneficiário desse contrato, o Banco Santander Totta, o valor dos empréstimos em dívida à data do falecimento de GG, acrescido de eventuais juros de mora, entretanto, vencidos e demais despesas associadas aos empréstimos, tais como cláusula penal, despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários a agente de execução;

Subsidiariamente,

- Que se condene a Ré a pagar à Autora ou aos seus legais representantes, a quantia em dívida referente aos empréstimos do Banco Santander Totta SA, acrescida de eventuais juros de mora vencidos e demais despesas, associadas aos empréstimos.

Alegaram para tanto e em síntese, que entre o Banco Santander Totta, por um lado, e GG e a A. AA, por outro, foi celebrado um contrato de mútuo garantido por hipoteca sobre um imóvel; que o seu pagamento foi ainda garantido por um seguro de vida contratado pelos mutuários com a Ré e que, tendo ocorrido entretanto o falecimento de GG, a ré recusa pagar ao banco o capital seguro.

A Ré contestou, por impugnação, e excepcionou a prescrição do direito invocado pelos Autores, nos termos do art. 498° do CC.

No saneador, a prescrição foi julgada improcedente.

Feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Banco Santander Totta,  na qualidade de beneficiário da apólice n° ...03, o montante do empréstimo em dívida à data da morte de GG até ao valor do capital máximo garantido - € 31.737,80 -, acrescido de eventuais juros de mora entretanto vencidos e demais despesas associadas, tais como cláusula penal, despesas judiciais e outros encargos de cobrança, a liquidar em execução de sentença.

A Ré interpôs recurso de apelação da sentença com sucesso, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.


///


Inconformados, os AA interpuseram recurso de revista visando a revogação do acórdão para ficar a subsistir a sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª. Face à matéria provada o contrato de seguro em causa é válido e eficaz.

2ª. O boletim de adesão, junto pela ora recorrida com a contestação, ao invés do que vem dito na decisão ora impugnada, foi objecto de impugnação quanto aos efeitos pretendidos na réplica (art.18) por parte do recorrente.

3ª. O tomador do seguro em apreço subscreveu nas instalações da recorrida, em ……, o questionário de fls. 77 e 77-A, datado de 08.04.2002, constando do mesmo uma resposta de "não" quanto à questão sobre se sofre ou sofreu de algumas enfermidades ou segue algum tratamento médico.

4ª. Ou seja, temos por demonstrada a subscrição bem como a data constante desse documento, mas não a data em que foi aposta a respectiva assinatura.

5ª. E, por outro lado, como bem reconhece o douto acórdão da RL em recurso, não ficou provado, ao arrepio do que foi alegado pela recorrida na sua contestação, que o segurado, quando da subscrição, tivesse omitido factos ou prestado declarações inexactas que alterassem a apreciação do risco.

6ª. Daí que, com o devido respeito, decidir-se, com se faz na decisão em critica, que não se pode ter por questão nova, que o contrato só veio a vigorar a partir de 22.01-2003 e que até essa data nunca o segurado veio comunicar novas circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, traduz violação do prescrito no art. 573 do CPC, o que é gerador de nulidade do douto acórdão, nessa parte, de acordo com o prescrito no 615 do mesmo código e que ora se invoca.

7ª. Estando vedado o seu conhecimento, pois que a recorrida, na sua contestação, pugna, precisamente, por fazer valer que o segurado omitiu doenças anteriores à data da entrada em vigor e não declaradas no boletim de adesão.

8ª. O que, efetivamente, como decorre da douta sentença de 1ª instância, não logrou demonstrar a recorrida.

9ª. Não sendo se percutindo, com a devida vénia, de onde se pode aferir como aduz o acórdão recorrido, que a subscrição da declaração mencionada no facto 29 traduziu por parte do segurado ocultação de doença já conhecida e a prestação de informação falsa.

10ª. O que é manifesta contradição com a factualidade também provada que o sinistrado esteve internado no Hospital de ... no período de 01.04 a 16.05.2002.

11ª. E como igualmente resulta dos factos provados, foi durante tal internamento que lhe foi diagnosticada a doença em causa.

12ª. Logo, não poderia estar nas instalações da recorrida no dia 08.04.2002, que é, precisamente, a data constante do boletim de adesão.

13ª. Tal facto, só pode levar a concluir que a subscrição do boletim de adesão apenas poderia ter ocorrido em data anterior ao internamento, sendo aí desconhecida pelo segurado a patologia que lhe veio a ser diagnosticada.

14ª. O que, claramente, se conclui face à matéria de facto não provada e que foi objecto de alegação por parte da recorrida na sua contestação.

15ª. Sendo que, incumbia a recorrida provar o por si alegado (art. 342 do CC), mormente que o segurado, de forma intencional omitiu a sua situação clínica quando preencheu o boletim de adesão, que os factos descritos no ponto 27 ocorreram antes da assinatura pelo segurado da proposta de adesão de fls. 77 e 77-A, o que não logrou fazer.

16ª. E, por isso, face ao estatuído no art. 414 do CC, a factualidade em causa, não, poderá deixar de ser valorada a favor dos recorrentes.

17ª. Dispõe o art. 429 do CComercial que: "Toda a declaração inexacta, assim como reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo."

18ª. Sendo indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato e que o segurador, perante isso, não contrataria ou fazia-o em condições diversas.

19ª. Sendo, ainda, necessário que o segurado ou tomador tenha conhecimento dos factos ou circunstâncias inexactamente declaradas ou omitidas.

20ª. E, tal conhecimento, como se retira do acórdão deste Tribunal acima referenciado, deve acontecer no momento da subscrição da proposta contratual e não em momento posterior.

21ª. No caso presente o segurado quando subscreveu a proposta não tinha conhecimento da patologia.

22ª. Não estando provado nos autos, a data em que foi subscrita a proposta, mas resultando da conjugação dos factos provados com a necessária coadunação com os não provados, que tal apenas poderia ter ocorrido antes do internamento hospitalar e necessariamente antes de ser conhecida a doença, não pode concluir-se pela prestação falsa ou inexacta declarações no momento da subscrição.

23ª. A seguradora, aqui recorrida, não logrou provar, apesar do por si alegado, que o segurado quando subscreveu a proposta de seguro tinha conhecimento da doença que lhe veio a ser diagnosticada.  

24ª. E tal consubstanciava um facto impeditivo ou extintivo da validade do contrato, cabendo-lhe, por via do preceituado no art. 342, nº 2 do CCX, a respectiva prova, o que, repete-se, não logrou fazer.

25ª. E, assim, face ao estatuído no art. 405 do CC, sempre teremos, no humilde entendimento da recorrente, de concluir pela não verificação do circunstancialismo previsto no art. 429º do CComercial.  

26ª. O acórdão recorrido violou, entre outros, os dispositivos constantes dos arts. 342 e 414 do CC; arts. 573 e 615, al.d) do CPC e 429 do CComercial.


O Recorrido contra alegou pugnando pela improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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Fundamentos.

O acórdão recorrido ateve-se ao seguinte acervo factual:

1. Em ... de Julho de 2008, na freguesia ..., concelho ..., faleceu GG, no estado de casado com a aqui Autora, AA.

2. Não fez testamento e como únicos e universais herdeiros deixou a esposa e os filhos maiores BB e CC, EE e o filho menor FF.

3. Não foi, até esta data, efetuada a partilha da herança por óbito do identificado GG.

4. Em ... de Maio de 2002 GG e a esposa AA celebraram com o Banco Santander Totta, S.A um acordo, de fls. 28 a 25, denominado "contrato de empréstimo".

5. Em cumprimento do referido acordo, o aludido Banco Santander Totta, S.A. emprestou a GG e esposa AA, a quantia global de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros)

6. Para garantia desse empréstimo foi constituída hipoteca sobre o
imóvel, inscrito na matriz sob o art. e descrito na Conservatória do Registo
Predial sob o n° …00, hipoteca que se encontra definitivamente
registada a favor do Banco Santander Totta, S.A.

7. Tal empréstimo, nos termos mencionados no acordo, deveria ser pago em 276 prestações mensais e sucessivas, vencendo juros à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,8%.

8. Além disso, na mesma data e nas instalações do Banco Santander Totta, S.A, em ..., foi exigido aos "mutuários" a subscrição de proposta de contrato de seguro de vida, que estes assinaram.

9. Tal proposta tinha como cabeçalho: o logotipo do Santander Totta e Crédito à Habitação - Seguro de Vida Grupo 2 Cabeças, e deu origem à apólice ...03 e certificado ………, de fls. 13 a 27, e 78 a 79, com as condições gerais e especiais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Como primeira pessoa segura figurava GG e segunda pessoa AA, e como beneficiário etomador: Banco Santander Totta, S.A, tendo como cobertura garantida em caso de morte o montante de capital de € 31.737,80 (trinta e um mil setecentos e trinta sete euros e oitenta cêntimos).

11. O falecido GG e esposa AA subscreveram ainda uma livrança em branco, de fls. 36, a favor do Banco Santander Totta, S.A, que a preencheu com o valor de € 15.120,82, e apôs a data de vencimento em 24.04.2009

12. Corre termos, neste momento, uma ação executiva sob o n° ..., intentada pelo referido Banco e na qual é exigido à Herança o pagamento, além dos juros e despesas, da totalidade do valor emprestado, pelo mesmo a GG e esposa AA.

13. O sinistro em apreço foi participado à STS em 11.07.2008.

14. No certificado de óbito então apresentado, de fls. 62, é indicada como não determinada a causa da morte.

15. E, no mesmo são referidos como fatores que contribuíram para o falecimento cardiopatia valvular operada e insuficiência cardíaca.

16. Por carta de 21.07.2008, (fls 63), a STS solicitou à 1ª Autora documentação adicional, nomeadamente documentação adicional, nomeadamente relatório da autópsia e atestado médico.

17. A 31.07.2008, a STS recebeu relatório médico do Hospital de ...referindo que o falecido tinha uma cardiopatia valvular a que foi operado em 2002, e também insuficiência cardíaca congestiva, conforme relatório de fls. 64.

18. Por carta de   11.08.2008,   de fls.   65, a STS   solicitou  aos  AA informação clínica complementar, nomeadamente indicação (i) da patologia; valvular que obrigou à cirurgia em 2002; (ii) do tipo de cirurgia, sua data e medicação   instituída   posteriormente,   e   (iii)   da   data   de   diagnóstico   da insuficiência cardíaca congestiva.

19.  A 13.10.2008, a STS recebeu, do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar ..., relatório clínico de fls. 67 relativo ao falecido.

20.  Esse relatório indica, quanto ao falecido, designadamente o seguinte:

- doente com antecedentes de cirurgia cardíaca e prótese mecânica da válvula aórtica pós-endocardite em 2002;

- cumprimento irregular de terapêutica médica + cuidados não medicamentosos;

- internamento em Medicina Interna por ICC (insuficiência cardíaca congestiva);

- internamento em cardiologia em 2004 por dor torácica intensa;

- seguimento em consulta externa de cardiologia;

- IC (insuficiência cardíaca) classe 2-3 da NYHA;

- prótese normofuncionante, leak paravalvular com regurgitação
moderada, disfunção VE (ventrículo esquerdo) de grau moderado.


21. Por carta de 16.10.2008, de fls. 68, a STS solicitou informação sobre a data de diagnóstico da endocardite.

22. A 03.11.2008, a STS recebeu, do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar ..., informação de fls. 69 e 70 indicando que o diagnóstico tinha sido anterior à data de internamento e avaliação no mesmo Serviço.

23. Por carta de 07.11.2008, de fls. 71 e 72, a STS voltou a solicitar, informação quanto à data exata do diagnóstico da endocardite.

24. A 14.11.2008, a STS recebeu declaração médica de fls. 73 informando que o internamento ocorreu em Abril de 2002 por endocardite.

25. A 21.11.2008, a STS solicitou novamente indicação da data exata do diagnóstico da endocardite, pois a data transmitida era no mesmo mês (Abril de 2002) em que ocorreu a subscrição do boletim de adesão ao seguro de vida grupo em causa, conforme carta de fls. 74 e 75.

26. A 24.11.2008, a STS recebeu a informação de fls. 76 de que o internamento do falecido ocorreu a 01.04.2002, tendo sido diagnosticada a endocardite no decorrer do mesmo internamento.

27. O referido internamento a 01.04.2002, e a correspondente situação clínica do segurado (designadamente a endocardite então diagnosticada), não estão indicados no boletim de adesão ao seguro em causa, assinado por GG, e datado de 08.04.2002, de fls. 77 a 77-A cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. A adesão ao seguro apenas foi confirmada em 22.01.2003, por terem sido questionadas as funções profissionais que o segurado exercia, cuja resposta levou ao agravamento do prémio em 25%.

29. O segurado, quando questionado se "Sofre ou sofreu de algumas enfermidades, ou segue algum tratamento médico", respondeu que não, nos termos do boletim de fls. 77 a 77-A.

30. Se o réu tivesse conhecimento dos factos descritos em 27., teria recusado a celebração do seguro de vida.

31. A subscrição da proposta de seguro teve lugar nas instalações do réu, em ....

Foi julgado não provado:

a) O segurado, de forma intencional, omitiu a sua situação clínica quando preencheu o boletim de adesão.

b) Os factos  descritos  no  ponto  27  ocorreram  antes  da assinatura pelo segurado da proposta de adesão de fls. 77 e 77-A.

c) Os segurados assinaram a proposta, porque lhes foi dito que era obrigatória a adesão, sem qualquer outra explicação.

d) Nada lhes foi lido ou sequer explicado relativamente às cláusulas do contrato, designadamente, quanto à eventual declaração relativa à situação clínica das pessoas seguras.


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O direito

A questão a decidir é a de saber se o contrato de “Seguro Vida Grupo Crédito à Habitação”, em que figurava como segurado o falecido GG, marido e pai dos Autores, cessou a sua eficácia, por omissão de informação relevante por parte do segurado, nos termos da cláusula 4.2 das condições gerais do contrato segundo a qual:

“A omissão de factos ou as declarações inexactas ou incompletas referentes a qualquer Pessoa Segura, que alterem a apreciação do risco, fazem cessar as garantias do contrato relativamente à pessoa segura em causa.”

Norma em consonância com o disposto no art. 429º do Código Comercial, em vigor à data da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, segundo o qual “toda a declaração inexacta, assim, como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.”

Não obstante a terminologia legal, a doutrina e a jurisprudência vêm assinalando que a natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência da sanção ligada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado susceptíveis de influírem na existência ou condições do contrato de seguro (Acórdãos do STJ de 04.03.2004, CJ, 1º, pag, 102, e de 06.11.2007, P. 07A3447, ainda Moitinho de Almeida, “O contrato de seguro”, pag. 61).

Constitui também entendimento pacífico, em face do teor literal do art. 429º do C. Comercial, que não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: como refere Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, vol.II, pag. 541, é indispensável que a inexactidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições se as conhecesse. As simples inexatidões anódinas não produzem a consequência jurídica de anular o contrato. (cf. os já citados arestos, e ainda o Acórdão do STJ de 23.02.2012, CJ AcSTJ, 1ª, p. 292).

Postos estes princípios, importa saber se o Segurado omitiu informação relevante à Ré sobre o seu estado de saúde.

A este respeito, resulta da facticidade apurada:

- O falecido GG esteve internado no Hospital ...... entre ... .04.2002 e ... de Maio de 2002, tendo-lhe então sido diagnosticada endocardite aórtica;

- O referido internamento e a correspondente situação clínica do segurado (designadamente a endocardite), não estão indicados no boletim de adesão ao seguro assinado por GG, e datado de 08.04.2002 (boletim de fls. 77 a 77-A). (ponto 27 da matéria de facto);

- O segurado quando questionado se “Sofre ou sofreu de algumas enfermidades, ou segue algum tratamento médico”, respondeu que não, nos termos do boletim de fls. 77 a 77-A. (ponto 29 da matéria de facto);

- O Segurado veio a falecer no dia ... .07.2008, constando da certidão de óbito como fatores que contribuíram para o falecimento cardiopatia valvular operada e insuficiência cardíaca.


Á questão supra colocada as instâncias deram respostas diferentes.

A sentença considerou que a Ré não provou que o Segurado prestou declarações não verdadeiras ou inexactas, por referência ao momento em que o boletim de saúde foi preenchido e assinado, por ser inverosímil a data de 08.04.2002, dia em que, segundo informação do Hospital, o segurado estava internado, como se extrai deste excerto:

Tudo indica por consequência que a declaração foi preenchida e assinada pela pessoa segura em data que não é coincidente com a constante no impresso, e que muito provavelmente terá sido em momento anterior ao desenvolvimento da patologia que originou o internamento hospitalar.

A circunstância do seguro só produzir efeitos a partir de 22.01.2003 (Certificado Individual de fls. 13) não é relevante, pois ficou a dever-se ao agravamento das condições em função da profissão de motorista de camiões, exercida pelo tomador do seguro.

Incumbia à ré demonstrar que o tomador do seguro prestou declarações não verdadeiras ou inexatas, por referência ao momento em que o boletim de saúde foi assinado e preenchido, o que não foi alcançado.

Por sua vez, ponderou a Relação:

“A apelante sustenta que o contrato só veio a vigorar a partir de 22.01.2003 e que até essa data nunca o segurado GG veio comunicar as novas circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, que eram do seu conhecimento desde, pelo menos 16.05.2002, assim incorrendo em omissão com os efeitos previstos em 4.2 das condições gerais.

É argumentação que os AA/apelados rebatem, dado que se limitam a defender a sentença, ou seja, que não está provado que por ocasião do preenchimento do boletim de adesão fosse conhecida a enfermidade que foi diagnosticada ao segurado a partir de 01.04.2002.

Mas a questão que vem debatida nas alegações da apelante não é esta, mas da omissão de informação entre 16.05.2002 e 22.01.2003.

Não estamos, saliente-se, perante uma questão nova (…), visto que a ré, já nos arts. 28º a 30º da contestação, reportara a 22.01.2003 a omissão de factos e a prestação de declarações inexactas - por parte do falecido – com relevância para alterar a apreciação do risco.

Importa, então, analisar o problema nesta perspectiva.

Como acima se disse, o art. 429º do CComercial estabelece a relevância da reticência do segurado para afectar a validade do seguro.

Também a acima transcrita condição 4.2 das condições gerais do contrato, dá relevância à reticência do segurado, fazendo atuar a omissão de factos ou a prestação de declarações inexactas ou incompletas, não na ótica da validade ou invalidade do seguro, mas na simples cessação das garantias do contrato, quando uma ou outra recaiam sobre circunstâncias que alterem a apreciação do risco.

No caso em apreciação, se soubesse da situação clínica do segurado, diagnosticada por ocasião do seu internamento, a seguradora teria recusado a celebração do contrato (facto 30).

Ou seja, celebrou o contrato por ignorar aquela situação clínica.

A obrigação de informação exacta e completa por parte do segurado ou do tomador do seguro é imposta pelo art. 429º citado, bem como pela referida cláusula 4.2.

Estas estipulações – legal e contratual – reconduzem-se ao princípio geral segundo o qual nos preliminares e na formação do contrato as partes devem agir com boa fé, expressão aqui usada num sentido vincadamente ético.

Esta actuação com boa fé no “iter” negocial implica que o segurado, vinculado ao preenchimento exacto e completo de um questionário sobre a sua situação de saúde, continue obrigado, até à conclusão do negócio, a dar conhecimento à contraparte de qualquer alteração relevante da mesma – relevância que é aferida pela virtualidade de alterar o juízo de apreciação do risco do contrato, a formular pela seguradora.

Como ficou demonstrado – facto nº 28 – apenas em 22.01.2003 o contrato foi ultimado, data em que ocorreu a sua celebração após a aceitação, pelo segurado, de um agravamento do prémio proposto pela seguradora – cf. documento de fls. 231.

Daí que, não tendo o falecido, até esta última data, dado conhecimento da sua nova e diferente situação clínica à seguradora, o mesmo incorreu em omissão de factos relevantes, o que determina a cessação das garantias do contrato, nos termos convencionados na cláusula sobredita e acima transcrita.

Aos autores não assiste, pois, o direito que pretendem fazer valer nesta ação, devendo a apelação ser julgada procedente.”


Na revista, começam os Recorrentes por sustentar que o acórdão ao valorar a omissão de informação relevante no período entre 16.05.2002 e 22.01.2002, tomou em consideração factos não alegados, estando ferido de nulidade, nos termos do art. 615º do CPC, ex vi do art. 666º, por violação do art. 573º do CPC, que prescreve ser a contestação o articulado em que deve ser “deduzida toda a defesa.”

Não têm, todavia, razão.

Na contestação, a Recorrida alegou que a omissão de informação relevante quanto ao estado de saúde do Segurado se prolongou até 22.01.2003, data do início de vigência do contrato de seguro, não tendo, pois, fundamento a imputação de nulidade feita ao acórdão.

Referiu a sentença que a data de 08.04.2002 que consta do boletim de adesão ao seguro assinado pelo GG é inverosímil por, segundo informação do Hospital ....., aquele esteve ali internado entre 01.04 e 16.05.2002.

E na verdade parece contraditório a data e local que constam como da subscrição do boletim com a informação prestada pelo Hospital. No entanto, não pode excluir-se que a inexactidão seja da informação hospitalar, nem é impossível que o Segurado tenha assinado o boletim na data que dele consta.

O dado factual que temos é que o Segurado assinou o boletim de adesão ao seguro dele constando a data de 08.04.2002, tendo respondido com um “não” à pergunta se “sofre ou sofreu de algumas enfermidades, ou segue algum tratamento médico”, quando a matéria facto revela que foi internado no Serviço de Cardiologia do Hospital …... no dia 01.04.2002.

E se é certo que foi no período de internamento do Segurado – de 01.04.2002 a 16.05.2002 – que “lhe foi diagnosticada a endocardite” (nº 26), pelo que o diagnóstico pode ter sido posterior ao dia 08.04, não é menos certo que antes desta data o Segurado sabia que sofria de problemas de natureza cardíaca, como demonstra o seu internamento desde o 01.04, facto que omitiu no boletim de adesão ao seguro, com data, repete-se, de 08.04.2002.

A isto acresce.

Concorda-se com o acórdão recorrido quando reconduz a obrigação do segurado ou tomador do seguro de prestar informações exactas e de não omitir factos relevantes, ao princípio geral de boa fé do art. 227º do CCivil, segundo o qual “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo a regra da boa fé (…).”


E uma vez que, nos termos do art. 232º do mesmo diploma, “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”, terá de concluir-se que o contrato de seguro em causa nos autos só se concluiu em 22.01.2003, data em que ocorreu a sua celebração após a aceitação, pelo segurado, de um agravamento do prémio proposto pela seguradora.


Sustentam nos entanto os Recorrentes, na conclusão 22ª do recurso que “Não estando provado nos autos, a data em que foi subscrita a proposta, mas resultando da conjugação dos factos provados com a necessária coadunação com os não provados, que tal apenas poderia ter ocorrido antes do internamento hospitalar e necessariamente antes de ser conhecida a doença, não pode concluir-se pela prestação falsa ou inexacta declarações no momento da subscrição.

Não lhes assiste razão, com o devido respeito.

 

Consta dos autos a data em que foi subscrita a proposta de adesão.


Por outro lado, os factos julgados não provados não têm relevo probatório, ao contrário do que parecem entender os Recorrentes.


Com efeito, constitui jurisprudência pacífica que quando o tribunal julga não provado um facto não significa que se provou a factualidade contrária, tudo se passando como se aquela matéria fáctica não tivesse sido articulada (cf. Acórdão do STJ de 14.06.2007, P. 07B1639).

 

Daí que não faça sentido dizer que a decisão deve ser coadunada com os factos não provados, sendo certo, como decorre do nº 3 do art. 607º do CCivil, que a interpretação e aplicação das normas jurídicas faz-se por referência aos considerados provados.


E destes é possível concluir que o Segurado, seja com referência ao dia 08.04.2002, como data da subscrição do boletim de adesão, seja por referência ao dia 22.01.2003, omitiu à Seguradora informação relevante quanto ao seu estado de saúde, o que nos termos da cláusula 4.2 determina a cessação das garantias do contrato, como decidiu a Relação.


Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.

Sumário:

I - Ao celebrar um contrato de seguro de vida o segurado tem o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a percepção do risco por parte da seguradora, sendo certo que se o não fizer, ocultando factos relevantes sobre o seu estado de saúde, perde o direito à contra-prestação da seguradora;

II – A informação relevante não é apenas o diagnóstico, sempre posterior aos sintomas da doença, mas toda a informação que à luz de um critério normal, se revele importante sobre o estado de saúde do segurado;

III – Trata-se de uma obrigação que além de resultar das condições gerais do contrato, é a única consentânea com as regras da boa fé (art. 227º do CCivil).


Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 22.04.2021


Ferreira Lopes (relator)

O Relator atesta que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Ex.mºs Adjuntos, Conselheiros Manuel Capelo e Tibério Silva que não assinam por a sessão ter decorrido em videoconferência.