Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DESPACHO DO RELATOR FUNDAMENTAÇÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/05/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | DESATENDIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO FALIMENTAR – VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS / IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS / RESPOSTA À IMPUGNAÇÃO. | ||
Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, 5.ª edição, p. 471-477; - Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, p. 618. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 688.º. CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 130.º, N.º 3 E 131.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 268/03.0TBVPA.P2.S1-A, IN WWW.DGSI.PT; - DE 07-02-2017, PROCESSO N.º 1032/10.6TBBGC.G1.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CÍVEIS, 2017, WWW.STJ.PT. | ||
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Sumário : | I. Quando as alegações de reclamação para a conferência correspondem a uma repetição das alegações iniciais ou não contêm argumentos novos, é admissível reproduzir a fundamentação da decisão singular e até fazer só uma remissão para esta. II. Através da reprodução dos argumentos usados na decisão singular a Conferência faz seus estes argumentos, não se verificando qualquer nulidade por falta de fundamentação. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Notificado do Acórdão proferido por esta Conferência em 17.10.2019, que manteve a decisão singular de inadmissibilidade de recurso para uniformização de jurisprudência, vem o recorrente dele reclamar, ao abrigo do artigo 666.º do CPC. Invoca a nulidade do Acórdão, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, do CPC – não sendo absolutamente certo, contudo, se se trata do disposto na sua al. b) ou na sua al. d), já que o reclamante se refere ora a uma (no cabeçalho da reclamação), ora a outra (na respectiva conclusão). O recorrido / ora reclamado apresentou resposta, pugnando, fundamentalmente, pela não admissibilidade da presente reclamação e, subsidiariamente, pelo seu indeferimento. Apreciando. I. A decisão contida no Acórdão da Conferência de 17.10.2019 (Acórdão ora reclamado) foi a seguinte:
“I. RELATÓRIO Recorrente: AA Recorrido: BB, S.A.
1. Em 2018, o recorrente, AA, interpôs recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou procedente o recurso interposto da sentença de verificação e graduação de créditos pelo credor BB, S.A., e, em consequência, revogou a sentença na parte em que reconheceu e graduou o crédito de AA. Pedia o recorrente a revogação deste Acórdão e a confirmação da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal de 1.ª instância. Em 23.11.2018 proferiu este Supremo Tribunal de Justiça um Acórdão em que se decidiu negar provimento à revista e confirmar o Acórdão recorrido (fls. 951 e s.).
2. Notificado deste Acórdão, veio o recorrente, AA, reclamar para a Conferência, requerendo a declaração da nulidade deste Acórdão, nos termos dos artigos 685.º, 666.º e 615.º, n.º 1, al. c), do CPC. O recorrido, BB, S.A., apresentou requerimento, sustentando a inexistência de nulidades e pugnando pelo indeferimento da reclamação. Reunidos em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal proferiam novo Acórdão, em 8.01.2019, demonstrando a inexistência de nulidades e, portanto, desatendendo a reclamação.
3. Notificado deste último Acórdão veio, novamente, o recorrente, AA, “reclamar para a Conferência”, arguindo, novamente, a nulidade do Acórdão, ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, al. c), 666.º, n.ºs 1 e 2, e 685.º, do CPC. Por seu turno, o recorrido, BB, S.A., apresentou requerimento, sustentando, novamente, a inexistência de nulidades e pugnando pelo indeferimento da reclamação. Em 12.03.2019, proferiram, os Juízes deste Tribunal, reunidos em Conferência, um Acórdão decidindo não tomar conhecimento da reclamação com fundamento no esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613.º, n.º 1, do CPC).
4. Veio ainda o recorrente, AA, nos termos do disposto nos artigos 688.º e s. do CPC, interpor recurso para uniformização de jurisprudência do primeiro Acórdão, proferido em 23.11.2018. Alega para tal que a decisão se mostra em contradição com outro acórdão, proferido em data anterior por este Supremo Tribunal, a saber, o acórdão prolatado em 20.05.2010, no âmbito do Processo n.º 1336/06.2TBBCL-G.G1.S1, tendo ambas as decisões sido proferidas no domínio da mesma legislação, o mesmo é dizer, do mesmo quadro normativo, e sobre a mesma questão fundamental de direito, inexistindo jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido decidido pelo acórdão ora recorrido e mostrando-se ambas as decisões transitadas em julgado, juntando o recorrente para prova do trânsito em julgado do Acórdão fundamento, o qual aliás se presume - cfr. n.º 2 do artigo 688.º do CPC – a respectiva certidão. O recorrido, BB, S.A., vem apresentar contra-alegações, pugnando pela inadmissibilidade do recurso (por inexistência de contradição de julgados a respeito da mesma questão de direito e de facto)) e, subsidiariamente, pela sua improcedência. Apreciando as alegações, proferiu, em 4.07.2019, a presente Relatora um despacho em que julgava inadmissível o recurso interposto, com fundamento em que “as questões tratadas por cada um dos Acórdãos são, em suma, questões de direito diferentes, pelo que, manifestamente, não se verifica a oposição de julgados exigida pela norma do artigo 688.º, n.º 1, do CPC, ficando prejudicada a análise dos restantes requisitos do recurso”.
5. Vem agora o recorrente, AA, reclamar desta decisão singular para a Conferência, ao abrigo do artigo 692.º, n.º 2, do CPC. Reitera a sua convicção em que existe contradição entre os Acórdãos e em que existe identidade da questão de direito, ao contrário do que é afirmado na decisão singular, e pedem, fundamentalmente, a revogação desta e a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência por si interposto. Por seu turno, o recorrido, BB, S.A., veio expor os seus argumentos, requerendo a manutenção do despacho reclamado e, subsidiariamente, a improcedência do recurso e a manutenção do Acórdão recorrido. A questão a decidir pelos Juízes nesta Conferência é, em síntese, a de saber se é ou não inadmissível o recurso de revista para uniformização de jurisprudência apresentado pelo recorrente.
Aprecie-se. * II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.
O DIREITO
A fundamentação do despacho reclamado é a que de seguida se reproduz:
Dispõe o artigo 688.º do CPC que “[a]s partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”. Segundo Abrantes Geraldes, o recurso (extraordinário) para uniformização de jurisprudência assenta em determinados vectores fundamentais[1]. Estes encontram-se bem sintetizados no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2014, Proc. 268/03.0TBVPA.P2.S1-A[2], onde se diz: “1. Para que exista um conflito jurisprudencial, susceptível de ser dirimido através do recurso extraordinário previsto no art. 688º do CPC, é indispensável que as soluções jurídicas, acolhidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, assentem numa mesma base normativa, correspondendo a soluções divergentes de uma mesma questão fundamental de direito. 2. O preenchimento deste requisito supõe que as soluções alegadamente em conflito: - correspondem a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental: implica isto, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas também que as soluções encontradas num e noutro acórdão se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica - não integrando contradição ou oposição de acórdãos o ter-se alcançado soluções práticas diferentes para os litígios através da respectiva subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados; - têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto; - a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto – não relevando os casos em que se traduza em mero obiter dictum ou num simples argumento lateral ou coadjuvante de uma solução já alcançada por outra via jurídica”. Sucede, porém, que, independentemente de outras diferenças, não é a mesma a questão formulada no Acórdão recorrido e a questão formulada no Acórdão fundamento. No Acórdão fundamento, a questão é, claramente, a da interpretação da norma do artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, dizendo-se, ipsis verbis, o seguinte: “Uma questão prévia se coloca quanto a estes temas controvertidos, aliás já aflorada no acórdão da Relação, concretamente a de saber se a mesma [a natureza dos créditos dos promitentes-compradores] poderá ainda ser apreciada ou se terá precludido o seu conhecimento neste momento (…). Não se nos afigura, porém, que se esteja apenas perante uma questão nova. Adjectivamente, determina o CIRE que, findo o prazo das reclamações de créditos, o administrador da insolvência apresente uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, constando da primeira lista, além da identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável, e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas –art. 129º, nºs 1 e 2. Nos dez dias seguintes ao prazo da apresentação da lista de credores, pode qualquer interessado, preconiza o nº 1 do art. 130º, impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos. Preconiza, por sua vez, o nº 3 do mesmo art. 130º que, se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (…). Toda a impugnação da lista de credores reconhecidos referente à inclusão ou exclusão de créditos, seus montantes e qualificação a eles atinentes, tem que ser obrigatoriamente deduzida no momento processual a que se reporta o nº 1 do art. 130º. Não tendo sido apresentada qualquer oposição, dentro desse prazo, aos créditos, e sua qualificação e montantes, dos credores incluídos na respectiva lista (1), têm de se ter por reconhecidos e não mais podem ser já questionados, limitando-se a sentença, então, a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações, nas palavras de Carvalho Fernandes e João Labareda (2). E o reconhecimento desses créditos (embora devesse ter sido feito logo no despacho saneador) foi feito na sentença final posteriormente proferida, aceitando-os pacificamente, sem que qualquer diligência a eles referente tivesse tido lugar. A função do juiz quase se reduz a uma mera formalidade, ainda segundo os mesmos autores, podendo não homologar a lista apenas se detectar qualquer erro manifesto, o que não foi o caso. Houve pronúncia definitiva sobre esta questão, formando-se caso julgado sobre a existência desses créditos e respectivo direito de retenção, precludido ficando o direito a impugnar posteriormente a sua existência e quantitativos”[3]. Na paráfrase que antecede é fácil perceber o contexto e os efeitos para os quais a questão é tratada no Acórdão fundamento mas, sobretudo, é fácil confirmar que a interpretação respeita à norma do artigo 130.º, n.º 3, do CIRE. Diversamente, no Acórdão recorrido a questão tem por objecto a interpretação da norma do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE. Diz-se, ipsis verbis, o seguinte: “Esclarecida esta primeira questão, é possível passar à segunda, que é a de saber se a norma do artigo 131,º, n.º 3, do CIRE consagra um efeito cominatório pleno, como alega o recorrente, ou um efeito cominatório semipleno, como entendeu o Tribunal recorrido”. Esta segunda questão obriga a concentrar a atenção na parte final da norma do artigo 131.º, n.º 3, in fine, do CIRE, determinando que “a reclamação deve ser apresentada (…) sob pena de a impugnação ser julgada procedente”. A cominação contida na parte final da norma foi introduzida pelo DL n.º 200/2004, de 18 de Agosto. Com esta alteração, quis o legislador “esclarecer que todas as impugnações das reclamações de créditos serão imediatamente consideradas procedentes quando às mesmas não seja oposta qualquer resposta, assim obviando a eventuais dúvidas que a anterior redacção pudesse suscitar” (cfr. Preâmbulo do DL n.º 200/2004, de 18 de Agosto). Apesar desta alteração, continuaram a dizer Carvalho Fernandes e João labareda que a norma não é suficientemente esclarecedora e que as dúvidas que a norma suscite quanto às consequências da falta de resposta devem ser encontradas nas regras do processo ordinário de declaração e que, designadamente, “em geral, os factos alegados na impugnação não contraditados na resposta ter-se-ão por admitidos e isso será tomado em conta na selecção da matéria de facto assente e na fixação da base instrutória, a não ser que se verifiquem as circunstâncias que excepcionam esse efeito cominatório”. Segundo os autores, o disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE não dispensa, portanto – continua a não dispensar, mesmo depois daquela alteração – o juiz de desenvolver a típica actividade jurisdicional tendente a verificar os créditos, não devendo, portanto, associar-se à falta de resposta à impugnação um efeito cominatório pleno. A mesma ideia é formulada pelos mesmos autores, ainda mais claramente, a propósito do artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, que regula os efeitos da ausência de impugnações: “deve interpretar-se em termos amplos o conceito de erro manifesto, não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, para o que pode solicitar ao administrador da insolvência os elementos de que necessite”. Quer dizer: nem mesmo na hipótese prevista no artigo 130.º, n.º 3, do CIRE (em que não há impugnações da lista de créditos), o juiz fica dispensado de desenvolver uma mínima actividade jurisdicional, devendo proceder à apreciação dos créditos antes de declarar o seu reconhecimento. Além de impor que a comissão de credores emita um parecer sobre os créditos, a lei previne os riscos do (eventual) reconhecimento “cego” assegurando que os créditos incluídos na lista de créditos (examinados e previamente reconhecidos pelo administrador da insolvência) não serão definitivamente reconhecidos em caso de erro manifesto (cfr. artigos 130.º, n.º 3, e 136.º, n.º 1, do CIRE). Isto comprova que o juiz nunca está dispensado de proceder à apreciação dos créditos antes de declarar o seu reconhecimento em definitivo. Concretamente, no caso de falta de resposta à impugnação, os factos alegados nesta devem, é certo, ser admitidos mas não pode o crédito deixar de ser objecto de apreciação judicial. É esta a interpretação adequada do artigo 131.º, n.º 1, do CIRE (…). Se não fosse aquela a interpretação do artigo 131.º, n.º 1, do CIRE, qualquer sujeito que se arrogasse a titularidade de um direito de crédito sem dispor de título válido conseguiria ver a sua pretensão acolhida por mero efeito da inércia dos contra interessados. Constituir-se-ia um crédito onde só existia um crédito fictício, o que não pode ser um resultado pretendido ou tolerado pelo Direito. Em caso algum o valor (formal) da celeridade ou outros valores do tipo podem prevalecer sobre valores de natureza diversa (substancial) como o apuramento da verdade e a justiça material (…). Uma interpretação da qual resulte do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE um efeito cominatório pleno é, além do mais, e como argumentou o Tribunal recorrido, dificilmente sustentável no plano constitucional, por implicar, justamente, um efeito cominatório pleno, que é susceptível de violar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional fixados no artigo 20.º da CRP (…). Subscrevendo a tese e os argumentos da inconstitucionalidade do efeito cominatório pleno aduzidos pela autora, recorda-se que, em face da evolução legislativa, os casos (remanescentes) de efeito cominatório pleno são excepcionais e devem ser tolerados apenas quando a lei expressamente o preveja. Ora, nem expressis verbis nem por outra via alude a norma do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE a um efeito cominatório pleno, dispondo somente, como se viu, que a impugnação seja “julgada procedente”. Existe, pois, margem para uma interpretação diversa daquela – uma interpretação (mais) conforme à Constituição – e, existindo esta, está o intérprete constituído no dever de a adoptar. Andou, pois, mais uma vez, bem o Tribunal recorrido, ao recusar-se a interpretar o n.º 3 do artigo 131.º do CIRE com o sentido de vincular o juiz a dar por reconhecido o crédito pelo mero facto de não ter sido apresentada resposta à impugnação e a desenvolver, finalmente, a actividade jurisdicional devida no que àquele crédito dizia respeito”[4]. Perante isto, não pode haver quaisquer dúvidas de que a questão formulada e decidida no Acórdão recorrido foi a da interpretação do artigo 131.º, n.º 3, do CIRE. As questões tratadas por cada um dos Acórdãos são, em suma, questões de direito diferentes, pelo que, manifestamente, não se verifica a oposição de julgados exigida pela norma do artigo 688.º, n.º 1, do CPC, ficando prejudicada a análise dos restantes requisitos do recurso Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível o presente recurso de revista.
Apreciadas as alegações do recorrente e o despacho reclamado, não vêem os Juízes desta Conferência razão para alterar, seja a decisão de inadmissibilidade do recurso, seja a fundamentação respectiva, pelo que se confirma, na íntegra, o despacho reclamado. * III. DECISÃO
Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade do recurso, por não verificação dos pressupostos da revista para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 692.º do CPC”.
* II. Como é bom de ver, além do Relatório sintetizando as múltiplas vicissitudes dos autos, foi apresentada, no Acórdão reclamado, a fundamentação, tanto de facto como de direito, da decisão da Conferência[5]. Não há – saliente-se –, ao contrário do que alega o reclamante, uma simples adesão à fundamentação de uma qualquer outra decisão, tendo sido integralmente reproduzida a fundamentação da decisão singular proferida, pouco tempo antes, pela presente Relatora. Ao reproduzir-se integralmente a fundamentação da decisão singular proferida, pouco tempo antes, pela presente Relatora, aquilo que esta Conferência fez foi fazer seus ou fazer próprios cada um dos argumentos aduzidos, de forma clara e esgotante, naquela decisão singular, obviando-se, assim, à sua indesejável e absolutamente inútil repetição. São vários os acórdãos deste Supremo Tribunal em que se afirma que,quando as alegações de reclamação para a Conferência são uma repetição das alegações iniciais ou não contêm qualquer argumento novo (como é o caso presente), é admissível fundamentar a decisão nestes termos e até por remissão para a decisão singular. Só para um exemplo, veja-se, o Acórdão de7.02.2017, Proc.1032/10.6TBBGC.G1.S1, em cujo sumário se diz “[l]imitando-se a recorrente a requerer que sobre o despacho do relator recaia um acórdão, pode a conferência remeter para os fundamentos daquele para o manter”[6]. Inexiste, por conseguinte, nulidade do Acórdão reclamado por falta de fundamentação, sendo qualquer alegação em contrário e, designadamente, a alegação de que não foi satisfeita a necessidade de as partes serem esclarecidas ou convencidas do acerto da decisão, desprovida de sentido. * Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. * Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
* LISBOA, 5 de Dezembro de 2019 Catarina Serra (Relatora) Bernardo Domingos João Bernardo _________ [1] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 471-477. |