Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PENA DE PRISÃO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA BURLA INFORMÁTICA TENTATIVA BEM JURÍDICO PROTEGIDO ROUBO AGRAVADO SEQUESTRO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA IMAGEM GLOBAL DO FACTO PLURIOCASIONALIDADE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REGIME DE PROVA APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES COMPARTICIPAÇÃO CASO JULGADO CONDICIONAL | ||
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Data do Acordão: | 03/02/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL –ACTOS PROCESSUAIS / FORMA DOS ACTOS E DOCUMENTAÇÃO – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO. | ||
Doutrina: | -Alfredo Gaspar, anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, Tribuna da Justiça, n.º 7, p. 11 e 13; -Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 322; -Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, p. 147 e ss.; -André Lamas Leite, A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal, Stvdia Jurídica, 99, Ad Honorem-5, BFDC, Coimbra Editora, 2009, p. 629; -Carmona da Mota, Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, p. 8/9; -Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, p. 94 -113; -Conceição Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 160; -Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, n.º 1, p. 151 a 166; -Fernanda Palma, As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 1998, AAFDL; -Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, p. 210/211, § 420, p. 290/1, 196/7, § 255 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001; -Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, p. 1194 ; Tratado, Parte Geral, versão espanhola, Volume II, p. 1152 e 1153; -José António Barreiros, Crimes contra o património, Universidade Lusíada, 1996, p. 85; -M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina, 2014, p. 653; -Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, p. 19 e 20; -Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, p. 218 ; 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, p. 620. . | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPC): - ARTIGOS 97.º, N.º 5, 371.º, N.º 1 E 432.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N.ºS 1, 2 E 3, 77.º, N.º 1 E 221.º, N.ºS 1 E 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO N.º 8/2012, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, PROCESSO N.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1, 12 DE SETEMBRO DE 2012, IN DR 1.ª SÉRIE, N.º 206, DE 24 DE OUTUBRO; - DE 14-03-2007, ACÓRDÃO N.º 8/2007, PROCESSO N.º 2792/06, IN DR, I SÉRIE, N.º 107, DE 4 DE JUNHO DE 2007; - DE 19-12-2007, PROCESSO N.º 4088/07, IN CJSTJ 2007, TOMO III, P. 261; - DE 20-02-2008, PROCESSO N.º4733/07; - DE 08-10-2008, PROCESSO N.º 2858/08, DESTA 3.ª SECÇÃO; - DE 05-11-2008, PROCESSO N.º 2871/08, CJSTJ 2008, TOMO III, P. 215; - DE 10-09-2009, PROCESSO N.º 585/05.3PBBRR.S1; - DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 947/09, IN CJSTJ 2009, TOMO 3, P. 228; - DE 04-03-2010, PROCESSO N.º 1757/08.6JDLSB.S1; - DE 28-04-2010, PROCESSO N.º 260/07.6GEGMR.S1; - DE 10-11-2010, PROCESSO N.º 23/08.1GAPTM; - DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 373/11.0JELSB.S1; - DE 14-03- 2013, PROCESSO N.º 991/08.3PRPRT.P1.S; - DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1; - DE 08-01-2014, PROCESSO N.º 154/12.3GASSB.L1.S1; - DE 29-01-2014, PROCESSO N.º 629/12.4JACBR.C1.S1; - DE 26-03-2014, PROCESSO N.º 316/09.0PGOER.S1; - DE 04-06-2014, PROCESSO N.º 186/13.4GBETR.P1.S1; - DE 10-09-2014, PROCESSO N.º 455/08; - DE 24-09-2014, PROCESSO N.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; - DE 01-10-2014, PROCESSO N.º 344/11.6PCBRG.G1.S2; - DE 12-11-2014, PROCESSO N.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; - DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 512/13.3PGLRS.L1.S1; - DE 21-01-2015, PROCESSO N.º 12/09.9GDODM.S1; - DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 591/12.3GBTMR.E1.S1; - DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; - DE 17-06-2015, PROCESSO N.º 161/12.6PBFAR.S1; - DE 30-09-2015, PROCESSO N.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1. - DE 28-10-2015, PROCESSO N.º 10/13.8GAAMT.P1-S1; - DE 28-10-2015, PROCESSO N.º 735/14.0JAPRT.S1; - DE 25-11-2015, PROCESSO N.º 24/14.0PCSRQ.S1; - DE 24-02-2016, PROCESSO N.º 60/13.4PBVLG.P1.S1. | ||
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Sumário : | I - Cabe ao STJ, e não ao tribunal da relação - tratando-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – seja pena única, ou pena única e alguma pena parcelar – apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a 5 anos de prisão. II - No crime de burla informática do art. 221.º, do CP o bem jurídico protegido é o património – mais concretamente, a integridade patrimonial – mas também os programas informáticos, o respectivo processamento, e os dados, na sua fiabilidade e segurança. A utilização de dados sem autorização implica a violação de regras de acesso aos dados, sem que a integridade desses dados seja efectada. O exemplo típico consiste na utilização de um cartão de débito e do respectivo código em caixas automáticas por pessoa não autorizada pelo titular, com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo. III - Mesmo apurando-se quem tentou levantar dinheiro na caixa automática com o cartão de débito retirado ao ofendido, tal conduta não preenche o crime de burla informática, na forma tentada, se não há utilização de dados não autorizados nem manipulação do sistema de informação, por desconhecimento do código de acesso. IV - O crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, do CP, em função do fim do agente, é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo. Da caracterização específica do crime de roubo deriva que há que ter em conta, em cada caso concreto, a extensão da lesão, o grau de lesividade, das duas componentes presentes no preenchimento do tipo legal. O valor patrimonial da coisa móvel alheia apropriada em sede de crime de roubo, não pode deixar de ser tomado em atenção. V - Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente. Quanto ao crime de roubo, na vertente da colisão do vector pessoal com violação de direitos de personalidade, como o direito à saúde e integridade física da vítima, há que ter em atenção o modo como o elemento violência se concretizou - os recorrentes e acompanhantes desferiram pancadas na cabeça, apertaram o pescoço e desferiram vários socos e pontapés no ofendido, que produziram 4 cicatrizes. VI - Na vertente da lesão patrimonial, atento os valores apropriados (ultrapassam em pouco o conceito de valor diminuto), a conduta dos recorrentes assumiu uma dimensão económica sem grande relevo. Daí entende-se ser de reduzir a pena do crime de roubo agravado para 3 anos e 6 meses (em vez da pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada no acórdão da 1.ª instância). VII - No crime de sequestro, o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de movimento de outra pessoa, no sentido mais amplo da liberdade de deslocação actual ou potencial e de auto e heterolocomoção. O sequestro em causa nestes autos, foi executado antes da apropriação de bens, tendo o ofendido sido levado para outro lugar, tendo conseguido libertar-se e depois assustar e pôr em fuga os sequestradores. A pena de 1 ano e 3 meses aplicada pela 1.ª instância, respeitou os parâmetros legais, pelo que não se justifica intervenção correctiva do STJ. VIII - A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever-ser jurídico penal. Na consideração dos factos está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso. Na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso. IX - A moldura penal do concurso relativamente ao arguido situa-se entre 3 anos e 6 meses a 5 anos e 1 mês de prisão e relativamente à arguida situa-se entre 3 anos e 6 meses a 4 anos e 9 meses de prisão. A factualidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade dos recorrentes que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que respondem, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa dos agentes, restando a expressão de um facto episódico, isolado, nas suas vidas. X - Há que ter em consideração que a actuação delitual desenvolveu-se em apenas uma noite, não havendo notícia de outros factos cometidos pelos recorrentes, nem antes, nem depois. Afiguram-se adequadas e proporcionais as penas conjuntas, de 4 anos e 6 meses de prisão para o arguido e de 4 anos de prisão para a arguida. XI - A aplicação da suspensão da execução da pena (pena de substituição) trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito. XII - A imposição de cumprimento de uma pena de prisão efectiva, volvidos mais de 8 anos sobre a data da prática dos factos, apresenta-se, no quadro actual, como facto perturbador do caminho escolhido pelos arguidos. Um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento dos arguidos não se mostra demasiado arriscado, sendo certo que todo o juízo desse tipo comporta inevitavelmente algum risco. Esse risco será mitigado com a imposição de sujeição a regime de prova, nos termos do art. 53.º, n.º 3, do CP. XIII - Atendendo a que os recorrentes A e P foram absolvidos da prática do crime de burla informática, na forma tentada, não sendo os recursos fundados em motivos estritamente pessoais, estando-se perante caso julgado sob condição resolutiva, e tendo os 3 arguidos sido condenados em comparticipação, fazendo aplicação do disposto no art. 402.º, n.º 2, al. a), do CP, é de absolver a arguida Q não recorrente, da prática de tal crime e reformula-se a pena única que lhe foi aplicada. | ||
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Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 8/08.8GALNH, do então Tribunal Judicial da Comarca da ..., actual Comarca de Lisboa Norte – ... – Inst. Central – Secção Criminal – ..., foram submetidos a julgamento os arguidos: 1. - AA, [...]; 2. - BB, [...]; 3. - CC, também conhecido pela alcunha de “[...]; e 4. - DD, conhecida pela alcunha de “[...]
O julgamento foi realizado (com sessões em 11 e 25 de Fevereiro e em 25 de Março de 2015), na ausência do arguido AA, que por se encontrar a trabalhar em Moçambique, declarou autorizar que o julgamento se realizasse na sua ausência, conforme consta da declaração junta a fls. 1422 e da acta de fls. 1426, onde foi apresentado o documento, e em que foi determinado o julgamento in absentia, nos termos do artigo 334.º, n.º 2, do CPP. Como manifestação do novo modo de prestação de Justiça fora dos grandes centros urbanos, retira-se de fls. 1429 e 1516, que as arguidas BB e DD e o arguido CC, no final da primeira sessão requereram a dispensa de estar presentes nas sessões seguintes que viessem a ser agendadas, atendendo a dificuldades económicas e de acesso ao Tribunal de Loures, tendo sido deferido o pedido de dispensa, sendo que mais tarde a arguida BB viria a autorizar que o julgamento se realizasse na sua ausência - fls. 1464, 1469 e 1470.
Por acórdão do Tribunal Colectivo da Unidade 1 da Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (leia-se, antiga Comarca de Loures, genuína nomenclatura regional proscrita/postergada), datado de 13 de Maio de 2015, constante de fls. 1564 a 1609, depositado na mesma data, conforme declaração de fls. 1613, foi deliberado, por maioria: I. - Arguido AA 1. - Absolvido da prática, como autor material, de: a) Um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal; b) Um crime de ofensas à física qualificadas, p. e p. pelo disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal; c) Um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (SIC); 2. - Condenado, como co-autor material, de: a) Um crime de sequestro, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; b) Um crime de roubo agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Um crime burla informática, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; d) Um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, em conjugação com os artigos 121.º e 123.º do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão Operando o cúmulo jurídico das penas referidas, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; II. - Arguida BB 1. - Absolvida da prática, como autora material, de: a) Um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal; b) Um crime de ofensas à integridade física qualificadas, p. e p. pelo disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal; c) Um crime de furto na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (SIC). 2. - Condenada, como co-autora material, de: a) Um crime de sequestro, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; b) Um crime de roubo agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Um crime burla informática, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; Operando o cúmulo jurídico das penas referidas foi a arguida condenada na pena única de 5 (cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão; III. - Arguido CC Absolvido da prática dos crimes que lhe eram imputados; IV. - Arguida DD 1.- Absolvida da prática, como autora material, de: a) Um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal; b) Um crime de ofensas à integridade física qualificadas, p. e p. pelo disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), todos do Código Penal; c) Um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. 2. - Condenada, como co-autora material, de: a) Um crime de sequestro, p. e p. pelo disposto no artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal, pena esta especialmente atenuada, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; b) Um crime de roubo agravado, p. e p. pelo disposto no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Penal, pena esta especialmente atenuada, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; c) Um crime burla informática, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 221.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, pena esta especialmente atenuada, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; Operando o cúmulo jurídico destas penas, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, foi a arguida condenada na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova a elaborar pela DGRSP, o qual passará, necessariamente, por apoio em termos sociais que contribua para a sua integração social e profissional, evitando que seja sujeita a influências externas negativas que a levem a voltar a cometer actos ilícitos semelhantes aos descritos nos autos. ****** A deliberação judicial teve um voto de vencida, expresso a fls. 1650, no que respeita ao segmento da condenação pelo crime de burla informática, na forma tentada, ao considerar que a factualidade provada relacionada com as três tentativas de levantamento no terminal ATM das quantias monetárias pertencentes ao ofendido, através da utilização do cartão de débito da ..., obtido mediante recurso à violência, consubstancia em termos de objectivo a concretização da intenção de apropriação do dinheiro pertencente ao ofendido, integrando em termos de unidade de acção a tipicidade do crime de roubo, não sendo por conseguinte autonomizável e punido em concurso real. Citando acórdão do STJ de 10-09-2009, considera que a actuação não é susceptível de integrar a tipicidade do crime de burla informática, constituindo a consumação da apropriação violenta, ou seja, a consumação do crime de roubo. No final considera adequada num juízo de ponderação a aplicação aos arguidos das penas únicas aplicadas. ****** Anote-se que, como consta da acusação deduzida a fls. 793 a 805 e assim recebida por despacho de fls. 894/7, apenas o arguido AA fora acusado de um crime de furto na forma tentada (relacionada com a tentativa de levantamento de dinheiro na caixa multibanco), mas todos os arguidos foram absolvidos de furto tentado, quando o único acusado a quem foi imputado o crime foi o arguido AA, o único, aliás, relativamente ao qual foi descrita a conduta correspondente; os demais não têm de ser absolvidos do que não foram acusados.
****** Inconformados com a deliberação judicial, os arguidos AA e BB interpuseram recurso, em separado, em ambos os casos dirigidos ao Supremo Tribunal de Justiça, apresentando o arguido AA a motivação de fls. 1622 a 1628 e a arguida BB, a motivação de fls. 1630 a 1633, repetida a fls. 1635 a 1638 e, em original, de fls. 1639 a 1645.
O arguido AA rematou a motivação apresentada com as seguintes conclusões: 1. Não se encontram preenchidos os pressupostos de verificação do crime de Burla Informática 2. Não foi apresentada queixa pelo referido crime; 3. A perseguição pelo crime de Burla Informática depende de queixa; 4. Pelo que o Arguido recorrente não pode ser condenado por tal crime; 5. Não resulta dos autos que tivesse ocorrido extrema violência, ou lesão grave do ofendido, sendo que a forma como foi “manietado” permitiu que este se soltasse durante o trajeto, e ainda saltasse de carro, ameaçando os sequestradores e pondo-os em fuga! 6. Nos crimes de sequestro, e de roubo, a decisão colegial recorrida considera, erradamente, que o grau de ilicitude foi elevado, quando deveria ter sido considerado médio. 7. Os factos ocorreram em Janeiro de 2008 (o NUIPC é o 08/08.8GALNH) 8. O arguido nunca esteve preso, nem respondeu em tribunal. 9. Trabalha, ultimamente junto de uma empresa de construção em Moçambique, e 10. Tem família, composta pela sua companheira (a arguida BB) 11. E por dois filhos menores, sendo que a sua companheira, com quem vive há mais de dez anos, está grávida de termo. 12. Tendo os factos ocorrido há sete anos e meio, não é lógico penalizar o recorrente com uma pena de prisão efetiva. 13.Uma pena suspensa satisfará a Sociedade face a o tempo decorrido. 14. Urge, assim revogar a douta decisão e substituí-la por outra que o absolva do crime de Burla Informática, e que, embora condenando o arguido, pelos restantes crimes, lhe aplique, em cúmulo jurídico uma pena não superior a cinco anos de prisão e a suspenda por igual período. 15.Foram violados os artigos 221, n,° 1 e 4 do Código Penal, ao condenar pelo crime de Burla Informática; 16. O tribunal a quo violou também o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “elevado” com referencia aos crimes de sequestro e de roubo. Pelo que: Termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolva o arguido do crime de burla informática, e que, embora condenando o arguido, pelos restantes crimes, lhe aplique, em cúmulo jurídico, uma pena não superior a cinco anos de prisão e a suspenda por igual período. ***** A arguida BB rematou a motivação apresentada com as seguintes conclusões: 1. Não se encontram preenchidos os pressupostos de verificação do crime de burla informática; 2. Não foi apresentada queixa-crime pelo referido tipo de ilícito; 3. A perseguição pelo crime de burla informática depende de queixa; 4. Pelo que a Arguida, ora Recorrente, não pode ser condem da por tal crime; 5. Não resulta dos autos que tivesse ocorrido extrema violência, ou lesão (física ou moral) grave do ofendido, sendo que a forma como foi "manietado" permitiu que este se soltasse durante o trajecto, e ainda saltasse do carro, ameaçando os sequestradores e pondo-se em fuga, e 6. nos crimes de sequestro, e de roubo, a decisão colegial recorrida considera, erradamente, que o grau de ilicitude foi elevado, quando deveria ter sido considerado médio. 7. Os factos ocorreram em Janeiro de 2008 (o NUIPC é o 08/08.8GALNH). 8. A Arguido nunca esteve presa, nem respondeu em Tribunal, 9. Trabalha como empregada de limpezas. 10.Tem família, composta pelo seu companheiro (o Arguido, AA), e 11. por dois filhos menores, sendo que a Arguida está grávida de termo. 12.Tendo os factos ocorridos há mais de sete anos e meio, não é lógico penalizara a Recorrente com uma pena de prisão efectiva. 13.Uma pena suspensa satisfará a Sociedade face ao tempo decorrido. 14.Urge, assim, revogar a douta decisão e substituí-la por outra que o absolva do crime de burla informática, e que, embora condenando a Arguida pelos restantes crimes, lhe aplique em cúmulo jurídico uma pena não superior a cinco anos de prisão e a suspenda por igual período. 15.a douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 211°., n.º 1 e 4 do Código Penal, ao condenar pelo crime de burla informática, na forma tentada; 16.O Tribunal “a quo” violou também o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “elevado” com referência aos crimes de sequestro e de roubo. *** Por despacho de fls. 1651 foram admitidos os recursos, mas entendendo-se que deveriam seguir para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da recorrente BB, conforme fls. 1666 a 1679, dirigindo-a ao Tribunal da Relação de Lisboa, rematando com as seguintes conclusões: 1. A arguida BB foi condenada como co-autora material de um crime de sequestro, previsto e punível pelo disposto no artigo 158°, n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; como co-autora material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210º, n.° 1 e 2, alínea b) com referência ao artigo 204º, n.° 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis meses de prisão; como co-autora material de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 221º, n.° 1 e 3 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; 2. Operando o cúmulo jurídico entre as penas a arguida BB foi condenada na pena única de 5 (cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão; 3. Perante os factos dados como provados e da fundamentação da matéria de facto fixada pelo douto Tribunal, entendemos que a factualidade provada relacionada com as três tentativas de levantamento no terminal multibanco das quantias monetárias pertencentes ao ofendido, 4. por ter sido obtido com recurso à violência, consubstancia em termos de objectivo a concretização da intenção de apropriação do dinheiro pertencente ao ofendido, integrando em termos de unidade de acção a tipicidade do crime de roubo, não sendo autonomizável nem punido em concurso real; 5. No caso dos autos, não se verificou nenhuma utilização abusiva do sistema informático, ou seja, a (tentativa) de apropriação pela recorrente das quantias não se deveu a nenhum dos procedimentos descritos no preceito, nomeadamente ao da utilização de dados não autorizados, porque o acesso ao cartão de multibanco resultou do recurso à violência sobre o ofendido; 6. Não houve, pois, nenhuma manipulação do sistema de informação; 7. Estando integrados os elementos do crime de roubo, perdendo qualquer autonomia, ou estando mesmo tipicamente excluída, a integração do crime de burla informática, deverá quanto a este crime a arguida ser absolvida; 8. Contudo, relativamente à determinação da medida concreta da pena a ponderação realizada pelo Tribunal a quo na aplicação da pena única foi adequada; 9. O douto acórdão fixou a pena única em 5 anos e 7 meses 5 de prisão; 11. Assim decidindo se fará a habitual JUSTIÇA.
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do recorrente AA, conforme fls. 1681 a 1695, igualmente a dirigindo ao Tribunal da Relação de Lisboa, rematando com as seguintes conclusões: 1. O arguido AA foi condenado como co-autor material de um crime de sequestro, previsto e punível pelo disposto no artigo 158º, n.° 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; como co-autor material de um crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210º, n.° 1 e 2, alínea b) com referência ao artigo 204º, n.( 1, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; como co-autora material de um crime de burla informática, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 221º, n.° 1 e 3 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; na pena de 6 (seis) meses de prisão e como c o-autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.° 1 e do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03.01, sm conjugação com os artigos 121º e 123º do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; 2. Operando o cúmulo jurídico entre as penas o arguido AA foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; 3. Perante os factos dados como provados e da fundamentação da matéria de facto fixada pelo douto Tribunal, entendemos que a factualidade provada relacionada com as três tentativas de levantamento no terminal multibanco das quantias monetárias pertencentes ao ofendido, 4. por ter sido obtido com recurso à violência, consubstancia em termos de objectivo a concretização da intenção de apropriação do dinheiro pertencente ao ofendido, integrando em termos de unidade de acção a tipicidade do crime de roubo, não sendo autonomizavel nem punido em concurso real; 5. No caso dos autos, não se verificou nenhuma utilizarão abusiva do sistema informático, ou seja, a (tentativa) de apropriação pelo recorrente das quantias não se deveu a nenhum dos procedimentos descritos no preceito, nomeadamente ao da utilização de dados não autorizados, porque o acesso ao cartão de multibanco resultou do recurso à violência sobre o ofendido; 6. Não houve, pois, nenhuma manipulação do sistema de informação; 7. Estando integrados os elementos do crime de roubo, perdendo qualquer autonomia, ou estando mesmo tipicamente excluída, a integração do crime de burla informática, deverá quanto a este crime o arguido ser absolvido; 8. Contudo, relativamente à determinação da medida concreta da pena a ponderação realizada pelo Tribunal a quo na aplicação da pena única foi adequada; 9. O douto acórdão fixou a pena única em 5 anos e 9 meses de prisão; 10. Ponderando todas as circunstâncias referidas no acórdão recorrido, e considerando as molduras penais abstractas, afigura-se-nos adequada às finalidades das penas e proporcional à gravidade dos factos as penas parcelares impostas, bem como a medida da pena única, que se deverá manter; 11. Assim decidindo se fará a habitual JUSTIÇA. ****** O processo foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a Exma. PGA, a fls. 1701/2, suscitado a questão prévia da incompetência material do mesmo Tribunal, para conhecer os recursos, que visam apenas matéria de direito, promovendo declaração nesse sentido e remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça. A fls. 1703, foi proferido despacho a declarar a incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa, ordenando, nos termos do artigo 432.º, alínea c), do CPP, a remessa dos autos para o Supremo Tribunal de Justiça. ***** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, de fls. 1707 a 1713, emitiu douto e bem fundamentado parecer, defendendo a existência de concurso aparente entre os crimes de roubo e de burla informática, para tanto citando os acórdãos de 5-11-2008 e de 24-05-2012, processo n.º 836/10.4JACBR.C1.S1, da 5.ª Secção, e a redução das penas únicas, que devem ser suspensas na execução e concluindo como segue: “Afigura-se-nos pois, pelo acima exposto, que os arguidos devem apenas ser punidos, para além dos demais crimes, por um só crime, consumado, de “roubo agravado”, da previsão dos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2/b), com referência ao art. 204.º, n.º 1/f), do Código Penal, e não também por um crime de burla informática, crime que com aquele concorre apenas em concurso aparente. 3.2 – Quanto à medida das penas do concurso: Os arguidos pugnam, como vimos, pela redução das respetivas penas únicas co concurso para medida não superior a 5 anos de prisão e sua substituição pela pena de suspensão da execução. Convocam para tanto o tempo entretanto decorrido, a ausência de antecedentes criminais, a sua atual situação económica e inserção social e laboral, bem como ainda o facto de terem filhos menores a seu cargo e de a arguida se encontrar em adiantado estado de gravidez. Reequacionando a medida concreta das sobreditas penas, exercício que, note-se, sempre se imporia desde logo perante a nova qualificação jurídica dos factos que vem de ser proposta, dir-se-á que nos inclinamos pela defesa da tese dos recorrentes. Tendo na verdade em conta, por um lado os parâmetros da moldura penal abstrata do concurso aplicável a cada um deles [de 4 anos e 6 meses a 6 anos e 1 mês; e 4 anos e 6 meses a 5 anos e 9 meses, respetivamente]; e por outro lado (i)o período de tempo entretanto decorrido [cerca de 7 anos e 9 meses], sendo que, como concluiu o acórdão recorrido, por deficiências do sistema de justiça, que não por culpa dos recorrentes; (ii)a total ausência de antecedentes criminais de qualquer dos arguidos, quer antes quer depois da prática dos crimes dos autos; e (iii)a sua reconhecida, e provada, atual estabilização económica, social e laboral; tal como ainda (iv)as demais considerações sobre a dimensão do ilícito global pertinentemente aduzidas na decisão sob censura, tudo ponderado, não podemos deixar de reconhecer, com os recorrentes, que, ao menos pela relativa mitigação das necessidades da punição decorrentes do tempo entretanto decorrido e, apesar de tudo, do seu bom comportamento, anterior e posterior – o que permite um juízo de prognose no sentido de concluir que, ainda assim, os crimes em equação não deixaram de se traduzir numa conduta, muito censurável é certo, mas meramente episódico nas suas vidas. Nessa medida, e ainda à luz dos demais critérios legais a convocar, normativamente enunciados nos arts. 77.º e 78.º do Código Penal, diga-se que não nos repugnaria, de todo, que fosse equacionada a possibilidade de fixação de uma pena única em medida que proporíamos de 5 anos de prisão para o arguido AA, e próximo dos 4 anos e 10 meses de prisão para a arguida BB, com subsequente substituição pela suspensão da execução da prisão por igual período, posto que, bem entendido, acompanhadas, em relação a ambos, do regime de prova, nos termos do art. 53.º do Código Penal”. ******* Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os recorrentes silenciaram. ******* Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. ******* Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. ******* Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). *******
Questões propostas a reapreciação e decisão
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido. As questões a apreciar colocadas por ambos os recorrentes, que são comuns, apenas variando as referências ao género e condições pessoais de cada um, são as seguintes:
Questão I – (In)verificação do crime de burla informática – Conclusões 1.ª a 4.ª, 14.ª e 15.ª; Questão II – Medida das penas aplicadas pelos crimes de roubo e sequestro – Conclusões 5.ª, 6.ª e 16.ª; Questão III – Medida da pena única – Conclusão 14.ª; Questão IV – Suspensão da execução da pena – Conclusões 7.ª a 14.ª.
Para além destas questões, oficiosamente, atendendo a que se está perante um recurso directo, haverá que colocar a questão prévia da admissibilidade dos recursos, ou da sua cognoscibilidade pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente às penas parcelares, inferiores a cinco anos de prisão e questões suscitadas a propósito de cada um dos crimes, com particular relevo para o crime de burla informática, na forma tentada (sendo as penas de prisão de 4 anos e 6 meses pelo crime de roubo agravado, de 1 ano e 3 meses pelo crime de sequestro e de 6 meses de prisão pelo crime de burla informática, na forma tentada), revelando-se todas inferiores ao patamar de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em causa, pois:
Definição da competência para cognição dos recursos. Recorribilidade – Recurso directo
E porque estão em causa, por um lado, a indagação do preenchimento do crime de burla informática, na forma tentada - conclusões 1.ª a 4.ª, 14.ª e 15.ª - e, por outro, as medidas das penas aplicadas pelos crimes de roubo agravado e de sequestro - conclusões 5.ª, 6.ª, e, maxime, 16.ª - sendo todas estas penas parcelares inferiores a cinco anos de prisão, colocar-se-á a questão dos Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão (suposta pena única fixada em medida superior).
Há que assumir posição sobre tal questão, uma vez que a mesma é controvertida neste Supremo Tribunal de Justiça, aguardando fixação de jurisprudência, em caso em que já foi declarada a oposição de julgados.
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Apreciando. Fundamentação de facto.
Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, que interfira de forma relevante com a facticidade dada por assente.
NOTA
Não obstante o que acaba de ser afirmado, certo é que na enumeração dos factos dados como provados há pontos que merecem anotação. Deu-se por provado que o ofendido EE, então com 63 anos de idade, e a menor FF, então com 15 anos de idade (nasceu em 30 de Junho de 1992), se encontravam a jantar, a pedido desta, quando a menor terá entrado em casa do ofendido já depois da combinação entre todos os arguidos, a qual teve lugar pelas 00,20 horas do dia 9 de Janeiro de 2008. Eram decorridos, no mínimo, mais de 20 minutos depois da meia-noite, já o Astro Rei declinara na linha do horizonte há mais de seis horas, pois que se estava no Inverno, em Janeiro, pelo que mais apropriado seria cear em vez de jantar. Por outro lado, a presença de GG, junto da irmã BB, surge na narrativa de forma inopinada, aparecendo ali “de pára-quedas”, sem se perceber porquê, pois que é a primeira referência que é feita a este arguido, único que prestou declarações em julgamento, e que veio a ser absolvido. De acordo com a narrativa do acórdão recorrido, após EE ter conseguido por AA em fuga apeada, volta para trás, para junto do veículo, altura em que “viu junto ao veículo CC e BB”, que também se assustaram e colocaram-se em fuga apeada, sendo que os arguidos que sequestraram o ofendido terão parado o veículo em ...., desconhecendo-se se o encapuzado que, sem dúvida, fizera a viagem, ao lado do condutor, fugiu ou não. Fica por saber o que faria CC, já noite avançada, naquele local, sabido que o ofendido EE foi socorrido numa casa em ..., pelas 03,30 horas, como consta da fundamentação, a fls. 1581. A presença de CC naquele local, àquela hora, está em contradição com o levado ao primeiro facto não provado, do seguinte teor: “O arguido CC [não] tomou qualquer parte nos factos ocorridos a 09 de Janeiro de 2008, cerca das 00h20m, na Rua ..., e naqueles outros que se lhes sucederam”. E na motivação, a fls. 17 do acórdão recorrido e fls. 1580 dos autos, consignou-se: “Ora, o arguido CC, único arguido que prestou declarações, negou haver praticado os factos e dado que o ofendido não o reconhece não se pode dar como provado, à míngua de qualquer outra prova, que o mesmo haja de qualquer forma praticado os factos que lhe eram apontados”. (Sublinhados nossos). Se o ofendido não o reconheceu, como dar por provado que o viu junto ao veículo? (Os factos ocorreram na noite de 9 de Janeiro de 2008 e o julgamento/reconhecimento teve lugar em 11 de Fevereiro de 2015, conforme fls. 1429). A contradição apontada não releva, não interfere no julgado, uma vez que o arguido CC foi absolvido. Anota-se ainda uma incongruência a fls. 10 do acórdão e 1573 dos autos, quanto à idade do arguido, pois aí consta: “ (…) Aos 16 anos passou a viver maritalmente com uma jovem de 13 anos na zona da Lourinhã, terminando a relação 10 anos depois com dois filhos – a ... e o ... – e aos 17 anos de idade juntou-se com a co-arguida BB de quem tem 3 filhos, com 12, 8 e 5 anos, os quais lhe foram retirados por ordem do tribunal por os progenitores se dedicarem à prostituição e lenocínio, e por maus-tratos e negligência”. Como a diferença de idades entre AA e BB é de 9 anos e 8 meses (ele nasceu em 9-07-1972 e ela em 24-03-1982), BB teria 8 anos, o que manifestamente não pode ser. Trata-se de lapso, como se alcança mais à frente, no segmento das condições pessoais relativas à arguida BB, onde consta: “Aos 17 anos de idade iniciou relacionamento marital com o actual companheiro, co-arguido nos presentes autos”. Então o arguido teria 27 anos de idade.
Factos Provados
O arguido AA é pai de ... e de .... No dia 09 de Janeiro de 2008, cerca das 00h20m, na Rua ..., os arguidos AA, BB e DD, juntamente um individuo do sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar e com FF (à data dos factos com 15 anos de idade), HH (à data dos factos com 13 anos de idade) e II (à data dos factos com 14 anos de idade), mediante plano previamente traçado e acordado entre todos, em comunhão de esforços e de vontades, decidiram tirar e fazer seus, além do mais, dinheiro pertencente a EE. Para o efeito, FF, no dia e hora acima mencionados, deslocou-se à residência de EE, sita na Rua ..., que já conhecia, e, dizendo-lhe ter fome, pediu para ali jantar e pernoitar, ao que EE acedeu. Na sequência do plano previamente traçado com os arguidos, FF, aproveitando um momento de distracção de EE, foi abrir a porta da cozinha - que se encontrava fechada à chave - e deixou aquela porta fechada apenas no trinco, sendo possível abrir a mesma do exterior através de um manípulo, possibilitando, deste modo, que os arguidos AA, BB e DD, acompanhados pelo individuo cuja identidade não foi possível apurar, por HH e II entrassem na residência de EE. Assim, quando EE e FF se encontravam a jantar, na sala da residência daquele, e estando EE de costas para a porta daquela sala, entraram os arguidos AA, BB e DD, acompanhados pelo individuo cuja identidade não foi possível apurar, por HH e II. Acto contínuo, e ainda antes de EE se aperceber da presença dos arguidos, AA, indo por detrás de EE e fazendo uso de uma fruteira em barro, desferiu uma pancada na cabeça de EE. Então, EE olhou para trás, sendo que, quando olhou para trás o individuo cuja identidade não foi possível apurar e que estava encapuzado colocou um pano em volta do pescoço de EE e puxou na sua própria direcção, fazendo força, apertando-lhe o pescoço com o uso daquele pano. EE, perante o que estava a suceder, debatia-se, esbracejando, de modo a procurar soltar-se e defender-se. Então e ao aperceber-se do supra, FF desferiu, fazendo uso de um prato em porcelana, outra pancada na cabeça de EE. De seguida, todos os arguidos, AA, BB e CC, acompanhados pelo individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar, por FF, HH e II, desferiram indiscriminadamente, diversos socos e pontapés em zonas indiscriminadas do corpo de EE. Durante aquele período de tempo, e como EE tentava refugiar-se das agressões de que estava a ser alvo, EE abandonou a sala, percorreu a cozinha e chegou ao hall da sua residência, sempre acompanhado pelos indivíduos acima referidos, que continuavam a desferir em EE murros, socos e pontapés. Já no hall daquela residência, EE viu o arguido AA com um rolo de fita adesiva nas mãos, rolo esse que AA tinha levado consigo, com a anuência de todos os demais arguido, de modo a assegurar a execução do plano traçado entre todos. Então, AA disse “(…) Oh Sr. EE, deixe-se ligar que é para o levar para o hospital, porque temos medo que você grite. Combalido dos murros, socos e pontapés, e dada a vantagem numérica dos arguidos AA, BB e CC e acompanhantes FF, HH e II e individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar, o ofendido EE não ofereceu qualquer resistência. Assim, e enquanto AA lhe colocava a fita adesiva circundando o pescoço, o rosto e a cabeça e amarrava, com a fita adesiva, as mãos de EE pela frente, uma à outra, os demais arguidos BB e DD, juntamente com o individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar , com FF, HH e II agarravam EE para que este não fugisse. De seguida, EE foi encaminhado para a garagem da sua residência pelos arguidos e acompanhantes acima referidos, sendo que EE pouco conseguia ver uma vez que tinha a sua cara tapada com fita adesiva. Já na garagem da sua residência, os arguidos abriram a porta traseira esquerda do veículo automóvel de marca “Opel Astra”, 1.9 CDTI, de cor cinzenta e com a matrícula 5680ZP93, propriedade de EE e rebaixaram o respectivo encosto da extremidade esquerda do automóvel, ficando, deste modo, aquela zona do habitáculo traseiro com acesso à bagageira. Então, os arguidos AA, BB e CC, juntamente com o individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar, com FF, HH e II encaminharam EE pela porta esquerda do veículo, forçando-o, fazendo uso da força física, a entrar para o interior daquele veículo automóvel, passando EE a ocupar com a cabeça e tronco a bagageira, enquanto que os seus membros inferiores assentavam no banco traseiro do lado esquerdo do veículo. De seguida, entraram para o interior daquele veículo automóvel AA (que assumiu a posição de condutor), o individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar (que se sentou no banco ao lado do condutor) e BB (que se sentou no banco traseiro daquele veículo, ao lado de EE). O arguido AA iniciou então a condução daquele veículo automóvel, levando EE para um local que, posteriormente, EE veio a identificar como sendo .... Durante o percurso efectuado, sem que os arguidos percebessem, EE conseguiu soltar as suas mãos (que estavam presas com a fita adesiva), retirando, de seguida, a fita adesiva que se encontrava em redor da sua cabeça e rosto, retirando também parcialmente a fita adesiva que estava em redor do seu pescoço. Ainda na bagageira, e sem que os arguidos se apercebessem, EE agarrou numa rosca do pneu sobressalente, peça de liga metálica cromada. Então, quando o veículo tripulado por AA, terminou a sua marcha, os seus ocupantes – AA e BB e o individuo encapuzado cuja identidade não foi possível apurar – abriram as portas do veículo e saíram para o exterior. De seguida, AA abriu a porta traseira do lado esquerdo do veículo. Acto contínuo EE - que já estava liberto da fita adesiva que o prendia - saiu pelos seus próprios meios do veículo, exibindo a rosca metálica. AA, apanhado de surpresa com o facto de o arguido se ter conseguido libertar e vendo o arguido empunhar um objecto em metal (que não sabia o que era dada a escuridão que se fazia sentir), assustou-se e colocou-se de imediato em fuga apeada, sendo seguido por EE durante alguns metros. Então, pensando ter assustado AA, EE voltou para trás, para junto do veículo e viu junto ao veículo CC e BB. Chegado junto ao veículo automóvel, CC e BB colocaram-se igualmente em fuga, de forma apeada. Quando viu ter assustado AA, CC e BB, EE colocou-se também em fuga, procurando encontrar alguém que o pudesse socorrer, como veio a suceder. Enquanto EE era levado para a localidade de ..., a arguida DD, FF, HH e II, ficaram na residência de EE, com o intuito expresso e previamente acordado entre todos os arguidos, de retirar e fazer seus dinheiro e bens que lá se encontrassem e pertencentes a EE. Assim, retiraram e fizeram seus: 1) Uma carteira de cor vermelha, pertencente a EE; 2) Um cartão de débito do Banco da Caixa Agrícola, pertencente a EE; 3) Um cartão de débito do Banco Millennium, pertencente a EE; 4) Um cartão de carregamento de telemóvel, pertencente a EE; 5) Três notas de Euros 20,00 do BCE, pertencente a EE; 6) Uma bolsa de “tira-colo”, de cor preta, em tecido; 7) O cartão de crédito do Banco Nacional de Paris, pertencente a EE; 8) O Bilhete de Identidade, pertencente a EE; 9) O cartão de contribuinte, pertencente a EE; 10) O cartão de segurança social, pertencente a EE; 11) O cartão de eleitor, pertencente a EE; 12) Vários cartões de identificação e serviços, emitidos por organismos franceses, pertencente a EE; 13) Seis cheques da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, pertencentes a EE; 14) Um porta-chaves com os dizeres “Je suis perdu – Glissez moi dans une boite aux lettres de la poste - Merci”, com várias chaves, pertencente a EE, tudo num valor superior a 96 €. Após terem retirado os objectos supra referidos, a arguida DD, FF, HH e II, abandonaram a residência de EE, regressando para as suas residências pelos seus próprios pés. Como resultado das pancadas desferidas na zona da cabeça bem como dos murros, pontapés e socos desferidos, resultou para EE: 1) uma cicatriz na linha média da região frontal, logo abaixo da linha de inserção capilar, arciforme de concavidade inferior a 3,5cm; 2) cicatriz no couro-cabeludo da região parietal esquerda, sagital com 5 cm; 3) cicatriz no couro-cabeludo da região parieto-occipital, coronal com 4,5cm; 4) cicatriz no couro cabeludo da região parieto-occipital direita, sensivelmente sagital com 6,5cm; 5) aparente solução de continuidade cartilagínea (com integridade cutânea) da face superior do hélix do pavilhão auricular esquerdo; 6) cicatriz vestigial no couro-cabeludo da região fronto-parietal esquerda, linear, sagital, com 1,2cm, o que determinaram um período de 10 dias de doença, sendo 8 com afectação para o trabalho em geral. Ainda no dia 09 de Janeiro de 2008, cerca das 03h36m, na sequência do plano previamente delineado e por todos aceite, pelo menos um dos arguidos, com excepção do CC, o individuo encapuzado cuja identidade se desconhece ou um dos menores, dirigiu-se à caixa multibanco nas instalações do Montepio Geral, na Avenida António José de Almeida, sita na Lourinhã e, fazendo uso do cartão de débito da Caixa de Crédito Agrícola pertencente a EE e que lhe roubaram, tentou levantar dinheiro da conta bancária a que o cartão se encontrava associado, e pertencente também a EE. Tal individuo ou indivíduos não lograram atingir os seus intentos, não tendo conseguido levantar qualquer quantia monetária, porque após terem errado por três vezes consecutivas o respectivo código pessoal, aquele cartão de débito ficou retido na caixa ATM. O individuo ou indivíduos em questão, ao utilizarem o cartão de débito de EE na ATM supra referida, fê-lo com intenção de levantar e fazerem seu ou seus o dinheiro da conta bancária que estivesse associada àquele cartão, o que só não conseguiu por facto alheio à sua vontade – porque, como não sabia o código daquele cartão e errou as três tentativas possíveis, o cartão ficou retido naquela ATM -, bem sabendo que aquele dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário. EE tinha, à data dos factos, 63 anos de idade, o que os arguidos bem sabiam. Os arguidos sabiam igualmente que, em virtude da idade já avançada de EE relativamente às idades dos próprios arguidos e da vantagem numérica que detinham sobre este, tratava-se de uma pessoa indefesa, que não conseguiria resistir e fazer frente aos arguidos e que ficava à mercê do que fizessem com ele. Os arguidos AA, BB e CC quiseram, conforme conseguiram, privar EE da sua liberdade de movimentos, como efectivamente o fizeram, levando-o contra a sua vontade para o interior do veículo automóvel supra referido, mantendo-o retido no interior daquele veículo e transportando-o para a localidade de ... contra a sua vontade, até que, finalmente, este se conseguiu libertar. Os arguidos quiseram fazer seus os objectos acima referidos, conforme o fizeram, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono. Para tanto a arguida Paula Quaresma, juntamente com FF, HH e II – e enquanto EE era levado contra a sua vontade para a localidade supra referida -, e conforme o acordado entre todos, retiraram da residência de EE os objectos supra identificados. Finalmente quiseram ainda os arguidos, com a conduta supra descrita, molestar EE na sua integridade física, o que conseguiram, bem sabendo que, em função da idade deste último comparativamente com as idades dos arguidos bem como da vantagem numérica que os arguidos tinham sobre EE, que este se encontrava particularmente indefeso. O arguido AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ... desde a residência de EE, sita na Rua ... e até à localidade de ..., sem ser titular de licença de condução e nem outro documento válido que o habilite a conduzir tais veículos e bem sabendo que, para que o possa validamente fazer, necessita de tal documento que é obrigatório. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Das condições pessoais dos arguidos O arguido AA é o mais velho de 5 irmãos. Oriundo de família disfuncional e de fracos recursos económicos, o arguido abandonou a escola aos 10 anos de idade para começar a trabalhar, tendo vivido no agregado materno. Aos 15 anos fugiu de casa da mãe e não mis regressou. Aos 16 anos passou a viver maritalmente com uma jovem de 13 anos na zona da Lourinhã, terminando a relação 10 anos depois com dois filhos - a FF e HH – e aos 17 anos de idade juntou-se com a co-arguida BB de quem tem 3 filhos, com 12, 8 e 5 anos, os quais lhe foram retirados por ordem do tribunal por os progenitores se dedicarem á prostituição e lenocínio, e por maus-tratos e negligência. À data dos factos era este o quadro de vida potenciado pelo consumo de bebidas alcoólicas, consumo este que levou ao internamento em unidade psiquiátrica em Abril de 2009. Após saída manteve-se abstinente e sob medicação. Antes de abandonar o país em Janeiro de 2015 viveu com a esposa numa quinta como caseiro e o casal teve mais uma filha em 14.05.2011. Aparenta dispor de juízo crítico e capacidade antever as consequências da prática dos seus actos mas atribuir a causalidade das acções a factores externos e a agir de forma reactiva na resolução de situações constrangedoras. A arguida BB é oriunda de agregado numeroso e de características disfuncionais, residente na Região Autónoma da ..., migrou para o território continental na companhia da avó materna com cerca de seis anos de idade, tendo o agregado fixada residência na zona de .... Ocorreu a ruptura relacional dos progenitores e a própria acompanhou a progenitora a qual fixou residência na zona da.... Com cerca de 11 anos ficou aos cuidados do progenitor, pessoa com hábitos de consumo exagerado de bebidas alcoólicas, na sequência da saída da mãe do agregado familiar. Em termos escolares concluiu o 8º ano de escolaridade e aos 15 anos de idade autonomizou-se do agregado. Em termos laborais integrou o mercado de trabalho aos 15 anos de idade revelando a esse nível descontinuidades e períodos significativos de inactividade. Aos 17 anos de idade iniciou relacionamento marital com o actual companheiro, co-arguido nos presentes autos. O casal teve três filhos os quais foram institucionalizados, alegadamente por se encontrarem integrados num agregado desestruturado, com comportamentos desajustados dos progenitores (prostituição e lenocínio) e por serem vítimas de maus-tratos e negligência. Esta situação não terá sido aceite pela arguida, cujas acusações rejeita, surgindo a retirada dos menores como fonte de angústia por parte da arguida. À data dos factos que lhe são imputados – 9 de Janeiro de 2008- a arguida integrava o seu agregado constituído, residente na zona geográfica da .... Do agregado fazia parte o seu companheiro e um filho deste de anterior relacionamento. O agregado apresentava características de instabilidade, potenciadas pelas rotinas desestruturantes do companheiro que mantinha consumos abusivos de álcool. A arguida e o seu companheiro trabalhavam, sem carácter de regularidade, num aviário. Nos seus tempos livres a arguida refere privilegiar os trabalhos domésticos bem como a visualização de programas televisionados. Na sequência dos factos que deram origem aos presentes autos a arguido e o seu agregado familiar alteraram de zona de residência por diversas ocasiões, designadamente para ..., não tendo, todavia, conseguido estabilizar do ponto de vista socioeconómico. No início do corrente ano o agregado familiar, da qual faz parte o companheiro e uma filha menor de idade, fixou residência na cidade de Torres Vedras, tendo tomado de arrendamento um apartamento pelo qual assume o pagamento mensal de 200,00 € a título de renda de casa. A arguida encontra-se grávida e desempregada e companheiro migrou para ... no passado mês de Janeiro desempenhando funções de manobrador de máquinas em firam dedicada à construção de estradas (Norte Sul - Estradas de Moçambique SA). A arguida dispõe do apoio do seu companheiro e da progenitora deste, residente em localidade próxima. Em termos pessoais a arguida afigura-se-nos uma pessoa limitada ao nível discursivo, revelando reserva e cautela, algo passiva e permeável à influência de terceiros, em especial do seu companheiro, perante o qual assume uma postura de submissão, a qual percepciona como a adequada. Na zona da..., onde alegadamente terão ocorrido os factos que lhe são imputados a arguida dispõe de uma imagem social que a conota com práticas censuráveis, falta de hábitos regulares de trabalho e desorganização vivencial, sendo globalmente negativa. Na actual zona de residência, ..., a arguida é praticamente desconhecida atento aqui residir há cerca de dois meses. Apresenta intimidação face a uma reacção penal desfavorável equacionando o impacto que a mesma poderia ter junto do seu agregado familiar temendo vir a ver institucionalizados a filha de cinco anos e o filho de que se encontra grávida. Quando confrontada com situações semelhantes às que lhe são imputadas, em abstracto consideradas, revelou algum sentido critico verbalizando mesmo reconhecer a existência de vítimas. Contudo, manteve-se auto centrada remetendo responsabilidades para terceiros seus co-arguidos e referindo um papel secundário e não interventivo. Em suma: Oriunda de agregado familiar disfuncional cujo ambiente era condicionado pela existência de hábitos de consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do progenitor, o seu processo de socialização decorreu em ambiente pouco favorável à interiorização de regras e limites. Concluiu o 8º ano de escolaridade e integrou precocemente o mercado de trabalho. O seu percurso revela descontinuidade, não aparentando ter interiorizado hábitos regulares de trabalho. Autonomizou-se do seu agregado familiar de origem com 15 anos de idade, aos 17 estabeleceu relacionamento afectivo com o seu companheiro, o casal teve quatro filhos, três dos quais se encontram institucionalizados. Encontra-se grávida do quinto filho. Na análise do caso destacam-se como factores de protecção o apoio familiar, a motivação expressa de manter um modo de vida normativo, e não ter antecedentes criminais. Como áreas de maior vulnerabilidade sinalizam-se algumas das suas características pessoais designadamente a dificuldade de descentração e a permeabilidade face à influência de terceiros. DD é uma dos oito filhos de um casal de baixa condição social, radicado no norte do país. A primeira infância decorreu no meio familiar de origem, até à separação dos progenitores. Foi então acolhida numa instituição de apoio a menores em situação de carência sócio-familiar, onde permaneceu até atingir a maioridade. Posteriormente manteve uma vivência de rua, num quadro de extrema precaridade social e económica, com frequente mobilidade residencial. Menciona o nascimento de três filhos, um dos quais falecido precocemente, fruto de relacionamentos pouco consistentes. Não tem contacto regular com os menores, entregues ao cuidado de familiares. Completou o terceiro ciclo do ensino básico durante o período em que esteve institucionalizada. Subsequentemente, há a registar uma inserção laboral precária e frequentemente descontinuada, associada a situações de precaridade económica e dependência da solidariedade de terceiros para satisfação de necessidades básicas. A ocupação do tempo livre tem-se processado de forma não estruturada. O círculo de relacionamentos da arguida tem incluído pessoas conotadas com condutas anti-sociais e situações de precaridade sócio-económica. À data dos factos em causa, DD mantinha um relacionamento marital. Este processava-se num quadro de violência, imputada pela arguida ao companheiro, conotado com hábitos de consumo excessivo de álcool e antecedentes criminais. Na sequência da condenação do companheiro numa pena de prisão efectiva a arguida transitou para uma situação de relativo isolamento familiar, tendo protagonizado alguma mobilidade residencial, sem fixação prolongada de domicílio Manteve durante algum tempo uma situação de desemprego e de precaridade económica, dependente de terceiros para satisfação das necessidades básicas de subsistência. Em data subsequente foi-lhe atribuída uma pensão de reforma por invalidez, quantificada pela arguida em 230 euros mensais, a qual constitui a sua única fonte de rendimento na actualidade. Refere ter alterado, entretanto, a sua residência para o concelho de ..., onde passou alegadamente a coabitar com uma irmã e sobrinha. A partir de Janeiro de 2015, por motivos relacionados com o presente processo, mudou-se para a cidade de ..., partilhando com um idoso com 79 anos de idade e problemas de saúde, um anexo do cemitério localizado na periferia da cidade de .... A arguida sustenta a expectativa de retorno a ... e coabitação com familiares aí residentes logo que a presente situação jurídico-penal o permita. Contudo não foi confirmada no local indicado pela arguida - ... - a existência dos familiares em causa. Sem rotinas estruturadas de ocupação do tempo livre, a arguida descreve relacionamentos sociais superficiais e contingentes na actual área de residência em .... A arguida refere ser portadora de diversos problemas de saúde, designadamente epilepsia e diabetes, estando sujeita a medicação específica e recorrendo a apoio médico em situações de urgência. A susceptibilidade à influência de terceiros a par de alguma imaturidade constituem caracteristicas a destacar em termos pessoais. DD manifesta uma atitude expectante em relação à sua situação jurídica em que se encontra envolvida e às consequências pessoais que dela venham a decorrer. Não refere impactos negativos do presente processo a nível social. Evidencia reduzida capacidade de racionalização crítica em relação aos tipos criminais que consubstanciam a acusação, nomeadamente no que se refere à sua gravidade e danosidade. Em suma: A arguida apresenta um percurso de vida onde a separação precoce das figuras parentais, a sujeição a experiências de violência marital e a precaridade das condições de existência surgem como factores perturbadores do seu processo de socialização e autonomização pessoal. Características pessoais de imaturidade e fraca assertividade em contexto de sociabilidade e uma capacidade de racionalização critica pouco aprofundada em relação ao tipos de conduta delituosa imputada são vulnerabilidades a destacar. A situação de precaridade económica, recentemente compensada pela atribuição de uma prestação social, o isolamento familiar e a frequente mobilidade associada a suportes sócio-residenciais frágeis e contingentes são também aspectos a ponderar. Em termos de avaliação cognitiva a arguida apresenta um quadro de debilidade ligeira com dificuldades de processamento da informação. Apesar do empobrecimento descrito parece manter capacidade de contacto com a realidade. Para os factos relatados a arguida apresenta capacidade de avaliar a ilicitude dos seus comportamentos ligeiramente diminuída pelo atraso mental ligeiro. Também a sua capacidade de agir de acordo com a sua avaliação está ligeiramente diminuída devido a ser uma pessoa muito influenciável e permeável ás resoluções de terceiros. Em termos médico-legais apresenta a sua imputabilidade diminuída em grau ligeiro a moderado. Dos CRC´s dos arguidos AA, BB e CC nada consta. ******
Questão Prévia Da definição da competência para cognição dos recursos. Recorribilidade – Recurso directo Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior na pena única.
Como vimos, os recursos foram dirigidos pelos recorrentes ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido admitidos para subir ao Tribunal da Relação de Lisboa, que excepcionou a sua incompetência material para conhecer dos recursos, ordenando a remessa dos autos a este Supremo Tribunal.
Estamos no caso presente face a dois recursos directos, interpostos de um acórdão final proferido por um Tribunal Colectivo, visando apenas reexame de matéria de direito, endereçados pelos arguidos recorrentes a este Supremo Tribunal de Justiça, sem passar (pretender passar) pelo crivo cognoscitivo da Relação, como se alcança de fls. 1622 e final do pedido, a fls. 1628, do recurso do arguido, e fls. 1635 e verso, no que tange ao recurso da arguida.
Estamos face a uma deliberação final proferida por um tribunal colectivo – mais concretamente, um acórdão condenatório, que fixou a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão ao ora recorrente AA e de 5 anos e 7 meses de prisão à recorrente BB – visando ambos os recursos exclusivamente o reexame da matéria de direito, estando em causa discordância dos arguidos quanto ao preenchimento do crime de burla informática, na forma tentada, medida das penas aplicadas pelos crimes de roubo agravado e de sequestro e da pena única, pretendendo a sua fixação em 5 anos de prisão, suspensa na execução, sendo este Supremo Tribunal competente para conhecer do recurso – artigos 427.º (este é caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça) e 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do Código de Processo Penal.
No caso em apreciação a pena conjunta aplicada ao recorrente AA é de 5 anos e 9 meses de prisão e de 5 anos e 7 meses de prisão à recorrente BB, sendo as penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão: concretamente, uma de 4 anos e 6 meses pelo roubo agravado, outra de 1 ano e 3 meses de prisão, pelo crime de sequestro, e uma pena de 6 meses de prisão pela tentativa de burla informática, em ambos os casos, para além de uma pena de 4 meses de prisão aplicada ao recorrente por condução ilegal, mas não questionada por este. Nestes casos o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer das questões relativas aos crimes punidos com penas inferiores a cinco anos de prisão, sendo tal posição correspondente ao que é assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais.
Como é sabido, muitas vezes, estando em causa a impugnação de deliberações de primeira instância, não sendo esse o objectivo dos próprios recorrentes (mas também haverá que reconhecer que existem casos de erro de casting do tribunal ad quem por parte dos recorrentes, formulando endereços incorrectos), os processos passam em escusado, indevido e perfeitamente evitável trânsito, por mera desatenção, pelo Tribunal da Relação, ganhando o processo na composição da identificação, a referência a letras identificativas das Relações, que nada têm a ver com efectiva cognição, mas antes resultando de despropositada, inconsequente e efémera passagem de um recurso directo pelo Tribunal da Relação, com perdas de tempo e não só.
A questão coloca-se relativamente às penas parcelares aplicadas aos recorrentes, todas inferiores a 5 anos de prisão, sendo controvertida a solução, já que neste Supremo Tribunal se perfilam duas posições sobre a matéria, estando em marcha fixação de jurisprudência sobre o ponto.
Recurso directo Recurso prévio para Relação
Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando o impugnante apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação. Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, que se recorria para o Supremo Tribunal de Justiça «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência: «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça». Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco). Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186. Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, nota 4, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”. Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração ao CPP).
O artigo 432.º do Código de Processo Penal passou a estabelecer: «1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito». Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007: «2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».
Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007. A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito. O n.º 8 do artigo 414.º (que sucede ao n.º 7 da versão anterior, incorporando no final a definição do tribunal competente), previne a hipótese de haver vários recursos da mesma decisão, versando alguns matéria de facto e outros exclusivamente matéria de direito, caso em que são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto. Como acentua Pereira Madeira, ob. cit., pág. 1413, “razões de operacionalidade ditam a disposição do n.º 8. Não faria sentido que havendo recurso da matéria de facto, este fosse julgado em separado na relação, para só depois seguir para o Supremo a decisão de direito”. A nova redacção é mais precisa ao definir e clarificar que é competente para o julgamento conjunto o tribunal que o for para conhecer da matéria de facto. Como referimos no acórdão de 14 de Março de 2013, proferido no processo n.º 991/08.3PRPRT.P1.S1: “Como decorre do n.º 8 do artigo 414.º do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, quando coexistam diversos recursos da mesma decisão, abordando uns matéria de facto e outros matéria de direito, ou de, num mesmo recurso, se ventilarem ambas aquelas matérias, cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer desses recursos. Como só os poderes de cognição do Tribunal da Relação abrangem a matéria de facto – art. 428.º do CPP –, esse tribunal será o único com competência para os recursos que versem sobre tal matéria, aconteça isso no mesmo recurso ou em recursos autónomos. Nestes casos há um desvio à competência que existiria não fora o caso de haver outros recursos de co-arguidos, versando matéria de facto. O recurso da matéria de facto faz agregar uma competência, que fora do quadro da comparticipação, seria atribuída ao STJ”. Do mesmo modo se concluíra no acórdão de 14 de Setembro de 2011, proferido no processo 9/10.6PACTX.E1.S1, não ser possível o desmembramento do processo, acrescentando “O STJ é, assim, incompetente hierárquica e funcionalmente, para conhecimento do recurso do co-arguido, muito embora este vise exclusivamente matéria de direito, face ao disposto no art. 414.º, n.º 8, do CPP”. (A este propósito, veja-se o acórdão de 5-06-2013, proferido no processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, publicado na CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213).
Feita esta introdução, voltemos à questão concreta.
A questão que se coloca é a de saber se dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo ou do júri apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame de direito, desde que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos. O que se discute aqui e agora é a questão de saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta com tal conformação, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de recorribilidade/cognoscibilidade em sede de recurso. Numa orientação que colheu numa fase inicial defensores em ambas as Secções Criminais, foi defendido que, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, condenado o arguido por vários crimes, o recurso para o STJ ficava limitado aos crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos, ou então, cingir-se-ia à pena única, caso esta ultrapassasse o referido limite de 5 anos de prisão. De acordo com tal orientação as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podiam ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que aplicadas em medida superior a 5 anos de prisão. Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 26-03-2008, proferido no processo n.º 444/08 (defendendo que face à redacção do artigo 432.º, alínea c), do CPP, dada pela reforma de 2007, apenas a pena conjunta seria susceptível de apreciação pelo STJ, procedendo, no entanto, à sindicância das penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, por a redacção anterior do art. 432.º permitir objecto de recurso mais amplo); de 02-04-2008, proferido no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183 (conhecendo apenas do tráfico de estupefacientes, por que foi aplicada pena de 6 anos de prisão e da pena única de 7 anos, mas não do crime de detenção de arma proibida, por que foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão) e de 19-11-2008, no processo n.º 3776/08 (as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podem ser objecto de recurso para este STJ desde que superiores a 5 anos de prisão), todos da 3.ª Secção e do mesmo relator (mas, cfr. infra – acórdão de 4-11-2009); de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08, da 5.ª Secção (as relações, com a nova reforma, conhecem também de recursos de decisões do tribunal colectivo ou de júri que visem exclusivamente matéria de direito, se as penas aplicadas em concreto não foram superiores a 5 anos de prisão, citando os acórdãos de 2-04-2008 e de 19-11-2008; da mesma forma, no acórdão de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª, do mesmo relator, mas com concreta aplicação da lei antiga), do mesmo relator, o acórdão de 7-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª (citando o acórdão de 2-04-2008, processo n.º 415/08 da 3.ª Secção) e ainda do mesmo relator, o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 548/06.3PTLSB.L1.S1-5.ª (Não sendo embora jurisprudência dominante, mas constituindo uma corrente significativa, tem-se entendido que, quando se impugnam as penas parcelares aplicadas pelo tribunal colectivo em 1.ª instância, o recurso é para a Relação, se tais penas não estiverem, elas próprias, nas condições exigidas pelo art. 432.º, al. c), do CPP, nomeadamente no que se refere ao seu quantum, ou seja, não tiverem sido fixadas em medida superior a 5 anos de prisão). Ainda neste sentido se pronunciou o acórdão de 14-01-2010, com outro relator no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 189, com o entendimento, então predominante na 5.ª Secção de que “tendo o recurso como objecto um concurso de crimes punidos com penas de prisão não superiores a 5 anos, mas cuja pena única seja de duração superior, se o recorrente puser em causa as penas parcelares a competência para conhecer do recurso em matéria de direito é da relação, podendo vir a ser interposto recurso para o Supremo do acórdão da 2.ª instância se a pena única for superior a 8 anos de prisão, ou a 5 anos e não se verificar situação de dupla conforme”. Neste mesmo sentido da atribuição de competência ao Tribunal da Relação, pronunciaram-se os acórdãos da 5.ª Secção e da mesma Exma. Relatora: de 12-11-2009, no processo n.º 19/06.8JAFAR.S1, onde se pode ler: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação, segundo a regra geral contida no art. 427.º do CPP. Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito. A questão tem sido decidida uniformemente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”; de 26-11-2009, proferido no processo n.º 1387/08.8JDLSB.L1.S1, este com voto de vencido do Exmo. Adjunto do anterior; de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 206, citando o acórdão de 2-04-2008, proferido no processo n.º 415/08-3.ª “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”.(Com discordância do Exmo. Adjunto quanto a este específico ponto); de 14-07-2010, proferido no processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, da mesma relatora e com voto de vencido, pode ler-se: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal de júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação. Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito. E repristinando texto do acórdão de 27-01-2010 “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”; de 21-09-2011, proferido no processo n.º 7406/04.4TDPRT.P1.S1, sendo aqui relatora por vencimento, com voto de vencido de outro Adjunto, publicado na CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 183, constando do sumário: “É ao tribunal da Relação que compete conhecer o recurso da decisão que aplica penas de prisão inferiores a cinco anos, ainda que, no cúmulo, a pena única seja superior a cinco anos”, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela relatora, de 25-03-2010, processo n.º 70/09.6JAPRT.P1.S1 (aqui repetindo o constante do acórdão de 27-01-2010, com voto de vencido), de 14-07-2010, processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, já citado, de 16-09-2010, processo n.º 971/06.3GBLLE.S1 (neste repetindo o constante dos acórdãos de 27-01-2010 e de 14-07-2010, com voto de vencido do mesmo Adjunto), e de 21-10-2010, processo n.º 39/09.0PJSNT.S1 (nas mesmas condições e com o mesmo voto de vencido), bem como das decisões sumárias da mesma relatora de 11-11-2010, de 17-11-2010 e de 15-04-2011, processos n.º 415/05.8GTCSC.S1, 367/09.5GFVFX.S1 e 33/10.9GDSNT.S1. Consta da declaração de desempate: “O STJ só seria hierarquicamente competente para julgar o recurso se este se tivesse limitado à pena única - superior a 5 anos de prisão - decorrente das penas parcelares emergentes da 1.ª instância”. de 10-05-2012, proferido no processo n.º 356/10.7PBEVR.E1.S1, - igualmente relatora por vencimento, com voto de vencido do Adjunto do anterior, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 191, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela relatora, já mencionados no acórdão de 21-09-2011, que não é citado, mas aditando o acórdão de 5-01-2012, proferido no processo n.º 62/11.5JACBR.S1, onde se pode ler: “O STJ não é competente para conhecer do recurso interposto, na medida em que uma das questões postas no recurso se reporta a uma das penas parcelares, em que o recorrente foi condenado, de medida inferior a 5 anos de prisão”. Tal aconteceu num recurso em que estavam em causa dois homicídios, punidos com as penas parcelares de 15 e 18 anos de prisão e um crime de detenção de arma proibida, punido com a pena de 2 anos de prisão.
Nesta orientação entende-se que se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação.
Em sentido oposto, pronunciaram-se vários acórdãos.
Referir-se-á, desde logo, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção [com um voto de vencido, considerando competente o Tribunal da Relação (cfr. infra – acórdão de 4-11-2009)], em que o arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, e um de condução sem habilitação legal, e em que se diz “… não exigindo o legislador que as penas parcelares, por não distinguir, sejam superiores a 5 anos, o que reduziria de forma drástica o acesso ao STJ, bastando que no caso de pena conjunta, tida como referência na lei nova, como pressuposto de recorribilidade, se alcance tal patamar”. E acrescenta: “Sempre que o arguido queira recorrer de forma directa, de acórdão condenatório de 1.ª instância, a pena concretamente aplicada em cúmulo exceda 5 anos - como é o caso vertente - e intente rediscutir a matéria de direito aplicada, só lhe resta interpor recurso para o STJ, face à clareza do texto legal, obediente à vontade do legislador da Proposta, não sendo visível qualquer imperfeição linguística de corrigir, passando a conhecer-se do recurso”. No acórdão de 07-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, defende-se que o “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta. Interpreta-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas. Na mesma linha e do mesmo relator, o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1, onde se pode ler: “Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas; a competência abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais”. Ainda do mesmo relator, o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª, onde se refere que “sendo a pena única aplicada ao arguido superior a 5 anos de prisão, e visando o recurso apenas matéria de direito, o STJ tem exclusiva competência para apreciar essa pena e, por arrastamento, para conhecer as penas parcelares, se elas forem impugnadas, ainda que estas sejam inferiores a 5 anos”. No acórdão de 04-11-2009, proferido no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção, o respectivo relator, “revendo posição assumida em relação à questão prévia”, maxime, nos três acórdãos de 2008 supra referidos, de 26 de Março, de 2 de Abril e de 19 de Novembro (processos n.º 444/08; 415/08 e 3776/08) e no voto de vencido no acórdão de 17-09-2009, no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1 (cfr. supra), afirma que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para o conhecimento das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão), na medida em que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral de fixação de pena conjunta, pronunciando-se no mesmo preciso sentido no subsequente acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228 (em causa crimes de roubo e burla informática). Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1-3.ª (debitando sobre penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão) e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1-3.ª (reduzindo penas parcelares).
Fora deste quadro, há que assinalar os vários casos de ampla apreciação, à luz da redacção da alínea d) do artigo 432.º do CPP na versão de 1998, por força do artigo 5.º do mesmo CPP, atendendo ao facto de a decisão recorrida ter sido proferida em data anterior a 15-09-2007, e fazendo aplicação da doutrina do AUJ n.º 8/2007, como ocorreu nos acórdãos de 12-09-2007, nos processos n.º 2587/07, n.º 2601/07, n.º 2583/07 (após passagem pelo TRL que se declarou incompetente e com invocação do AUJ n.º 8/2007) e ainda n.º 2702/07 (com invocação no tribunal recorrido do AUJ n.º 8/2007), de 19-09-2007, processo n.º 2806/07, de 3-10-2007, processo n.º 2576/07 (CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198), de 24-10-2007, processo n.º 3238/07, de 7-11-2007, processo n.º 3225/07, de 28-11-2007, processos n.º 3294/07 e n.º 3253/07, de 13-12-2007, processo n.º 3210/07 (com invocação do AUJ n.º 8/2007), de 19-12-2007, processo n.º 4275/07, com voto de vencido, de 9-01-2008, processo n.º 3485/07, de 6-02-2008, processo n.º 3991/07, de 20-02-2008, processo n.º 4639/07 (aqui convocando o AUJ n.º 8/2007) e de 10-07-2008, processo n.º 3490/07.
Como exemplos de concretizações da tese da ampla recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, atento já o disposto no actual artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, podem ver-se os seguintes acórdãos igualmente relatados pelo ora relator, em que foram apreciadas, para além do mais, as medidas das penas parcelares, iguais e inferiores a 5 anos de prisão, e questões conexas, conhecendo-se do recurso na sua globalidade.
No acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 4833/07, estando em causa as penas de 6 anos de prisão por homicídio qualificado tentado, três penas de 18 meses, duas por coacção grave e outra por detenção de arma proibida e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, foi declarada a nulidade por falta de fundamentação quanto a reincidência. No acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08, em caso de assaltos a táxis, estavam em causa penas aplicadas por roubo agravado e por roubo simples - penas de prisão de 5 anos por aquele, de 2 anos e 6 meses por este, e pena única de 6 anos, sendo conhecidas todas. No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM, em causa, a prática pelo arguido, como reincidente, de dois crimes de furto qualificado, por que foram aplicadas as penas de 3 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, e de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, com as penas de 10 e de 20 meses de prisão, e sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única. No acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD, estando em causa a prática de três crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses, 4 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, e pena única de 7 anos de prisão, foram conhecidas as questões de unificação como único crime continuado de dois crimes praticados na mesma vítima, bem como atenuação especial e a medida das penas parcelares e única. No acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB, em que estavam em causa a prática por cada um dos dois arguidos de um crime de roubo qualificado e um outro de sequestro, pelos quais haviam sido condenados, cada um, nas penas de 5 anos e de 10 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, foram apreciadas a medida da pena do roubo (5 anos de prisão), única impugnada pelos recorrentes, e a pena única. No acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT - em causa estando um crime de roubo agravado, pelo qual um dos arguidos foi condenado na pena de 6 anos e o outro de 5 anos de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, por que aquele foi condenado na pena de 18 meses e este de 15 meses de prisão, e nas penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo-se conhecido da questão de eventual opção por pena de multa quanto ao segundo crime, conheceu-se ainda da medida da pena aplicada ao segundo arguido pelo crime de roubo. No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, estando em causa as penas aplicadas por um crime de furto simples e seis crimes de roubo simples, sendo dois tentados, em medidas que variavam entre o mínimo de 10 meses de prisão pelo crime de furto e o máximo de 2 anos e 3 meses, por um dos roubos, e a pena única de 7 anos de prisão, conheceu-se da questão de opção por pena de multa ou prisão quanto ao furto, reduzindo-se as penas parcelares dos dois roubos tentados e de um dos roubos consumados. No acórdão de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.S1, estando em causa quatro roubos qualificados, sancionados cada um com 3 anos e 6 meses de prisão e três roubos simples, punidos com 1 ano e 6 meses de prisão, cada um deles, e pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, foi apreciada a pretensão de atenuação especial por aplicação do regime especial penal para jovens adultos. No acórdão de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, em caso de recurso directo, pese a referência “P2”, a questão colocava-se relativamente às cinco penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas inferiores a 5 anos de prisão, em medidas concretas que variam entre a mais baixa de 6 meses, pelo crime de furto simples, e a mais elevada de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação de documento. No acórdão de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6 PAPTM.E1.S1, em caso de recurso directo, pese embora a sigla “E1”, arguido condenado por roubo qualificado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e por extorsão, na pena de 2 anos, e pena única de oito anos, são apreciadas todas as penas, aí podendo ler-se: «Antes do mais, porém, dir-se-á que se considera que o presente recurso é admissível, mesmo em relação à pena aplicada pelo crime de extorsão, muito embora a aplicada medida concreta seja inferior a cinco anos, que constitui o patamar de recorribilidade definido no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que se faz pelas razões expostas nos acórdãos de 23-02-2011, no processo n.º 250/10.1PDAMD.S1 e de 15-12-2011, no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, por nós relatados. Aí se concluiu que em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação. Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição». No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 – em concurso real, crime de homicídio qualificado, punido com 18 anos de prisão, e crime de ameaça agravada, conhecendo quanto a este, o preenchimento do tipo, a escolha da espécie da pena prevista em alternativa e respectiva medida da pena de prisão – 10 meses. No acórdão de 17-04-2013, processo n.º 237/11.7JASTB.S1, em caso de concurso de homicídio com profanação de cadáver, punidos com penas de 7 anos e 6 meses e de 10 meses de prisão e pena única de 8 anos, conhecendo de ambos os crimes, incluindo a afastada atenuação especial por força de aplicação do regime dos jovens adultos. No acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1, estando em causa treze crimes sancionados com penas parcelares entre os 3 meses e 3 anos de prisão apenas vinha impugnada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, o que não impediu se conhecesse da questão prévia colocada pelo Exmo. PGA, tendo sido declarado extinto o procedimento criminal pelo crime de desobediência simples, entretanto descriminalizado, desconsiderando-se no cúmulo a pena de 3 meses de prisão. No acórdão de 17-12-2014, processo n.º 1055/13.3PBFAR.S1, em caso de concurso de roubo qualificado (7 anos de prisão), receptação (2 meses) e dois crimes de condução ilegal (1 ano e 8 meses) conhecidas as penas parcelares e única, tendo sido reduzida a pena aplicada por um dos dois últimos, por não se verificar reincidência. Não se tratando de recurso directo, no acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0DLSB.L1.S1, estavam em causa treze penas de 1 ano e 6 meses de prisão, por tantos outros crimes de abuso sexual de criança, e pena única de seis anos de prisão, aplicadas em primeira via pela Relação, que revogara a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada por um crime único e suspensa na execução, tendo sido mantida a qualificação jurídica operada pela Relação, reduzindo-se o número de crimes para 12, mantendo-se as penas parcelares e única. Não foram apreciadas as penas parcelares, por vir impugnada apenas a pena única superior a 5 anos de prisão, no caso do acórdão de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, com pena única de 6 anos de prisão, estando em causa dois crimes de roubo, punidos com 3 anos e 6 meses de prisão cada, e dois crimes de coacção grave, sancionados, cada um, com 2 anos de prisão.
Podem ver-se ainda no mesmo sentido os seguintes acórdãos mais recentes:
de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 193, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada; de 21-09-2011, processo n.º 95/10.9PGAMD.L1.S1-3.ª - Face ao actual sistema dos recursos penais, o conflito suscitado tem de ser decidido a favor da competência do STJ; o alargamento da competência do STJ nada tem de incongruente, uma vez que se trata de uma questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta; de 12-07-2012, processo n.º 2/09.1PAETZ.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 238 (O STJ ao ter competência para conhecer da pena única tem também competência para conhecer das penas parcelares que a integram, ainda que estas não sejam superiores a 5 anos de prisão); de 6-02-2013, processo n.º 94/12.6GAVGS.S1-3.ª – em presença de três penas parcelares de 3 anos e 6 meses, por furto qualificado, de outras duas, por furto qualificado tentado, de 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 4 meses de prisão, pugnando o recorrente pela redução à unidade da pluralidade de crimes por que foi condenado e da pena única, fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, afirma mostrar-se verificado o pressuposto específico de recorribilidade para este STJ determinado na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, abrangendo o recurso, também, a impugnação das penas parcelares, ainda que com penas inferiores a 5 anos, porquanto a pena única resulta do englobamento de tais penas, devendo ser concedido ao arguido um grau de recurso; de 20-02-2013, processo n.º 29/11.3GALLE.S1-5.ª - “A al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que uma pena (conjunta) aplicada e que o arguido vai ter de cumprir, de acordo com a decisão recorrida, seja superior a 5 anos de prisão (com voto de vencida, relativamente à questão prévia da competência para o conhecimento do recurso, que caberá ao Tribunal da Relação); no mesmo sentido, do mesmo relator, e com idêntico voto, o acórdão de 28-02-2013, processo n.º 293/11.8JAFUN.L1.S1, acrescentando “Opta-se por atribuir a competência ao STJ por ser o tribunal vocacionado para o conhecimento das penas mais graves, podendo obviamente conhecer das menos graves, aplicadas por crimes em concurso”; de 14-03-2013, do mesmo relator e com voto de vencida, proferido no processo n.º 149/10.1TAFND.C1.S1-5.ª (pondo enfoque na aferição da gravidade da situação pela pena que o condenado vai ter efectivamente de cumprir e não por questões técnicas de direito); de 21-03-2013, processo n.º 267/11.9JELSB.L1.S1-3.ª, negando redução das penas parcelares fixadas na 1.ª instância: 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de falsificação; de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1-5.ª, com voto de vencida - O STJ cobra competência para apreciar o recurso que incida sobre acórdão de tribunal de júri ou tribunal colectivo que tenha condenado o arguido em pena única superior a 5 anos, resultante de cúmulo jurídico de penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; de 8-01-2014, processo n.º 1096/12.8GCVIS.C1.S1-5.ª - “Interposto recurso que verse exclusivamente matéria de direito, designadamente a medida das penas (parcelar e única), face ao disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. c) e 2, e 400.º n.º 1, al. f), do CPP, o STJ é competente para conhecer da pena única superior a 5 anos de prisão e das respectivas penas parcelares, que vão de 4 meses de prisão a 2 anos e 8 meses de prisão”; de 6-02-2014, processo n.º 1805/12.5PCCBR.S1-3.ª - O STJ é o único competente para apreciar a pena conjunta, cabendo-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do n.º 8 do art. 414.º (a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto); de 26-02-2014, processo n.º 29/03.3GACNF.S1-3.ª – no caso de condenação em pena conjunta o STJ conhece de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito, a elo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne; de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª, a apreciação do recurso abrange penas aplicadas por crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, furto, ameaças, homicídio tentado, detenção de arma proibida; de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª, com voto de vencida; de 10-09-2014, proferido no processo n.º 440/13.5POLSB.L1.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 169 (O STJ tem competência para conhecer da condenação de todas as penas parcelares se a subsequente pena única for superior a cinco anos de prisão), com declaração de voto no sentido de a competência pertencer à Relação; de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 180, com voto de vencido, que teria decidido pela competência da Relação. Neste sentido pode ver-se o acórdão de 21 de Janeiro de 2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1, que seguimos aqui de perto, com admissibilidade de recurso directo para o STJ, onde referindo-se variadíssimos acórdãos assumindo a mesma posição, se concluiu no sentido de optar pela solução de ampla recorribilidade, cabendo ao STJ, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de colectivo ou tribunal de júri e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – pena única ou única e parcelar(es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Assim, no concreto caso, em que a arguida fora condenada pela prática de crime de peculato na forma continuada na pena de 4 anos e 4 meses de prisão e de crime de falsificação de documento continuado, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, foram reduzidas as penas parcelares, fixando-se a pena única em 5 anos de prisão suspensa com sujeição a regime de prova e pagamento de quantia. Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer de todas as questões suscitadas, incluindo as referentes aos crimes a que couberam penas inferiores a cinco anos de prisão. Mais recentemente, o acórdão de 30 de Setembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1, estando em causa 6 crimes de abuso sexual de criança, sendo um sancionado com 8 anos de prisão, outro com a pena de 5 anos e 2 meses de prisão e os restantes com penas entre 1 ano e 6 meses e 4 anos de prisão e ainda um crime de actos sexuais com adolescente, sancionado com 2 anos de prisão, sendo a pena única de 14 anos de prisão. Foi apreciada a questão da alegada ilegitimidade do Ministério Público em relação aos dois tipos de crime, que foi afastada, a questão da determinação do número de crimes (concurso real ou crime único de trato sucessivo), que foi mantido, e a medida das penas parcelares, sendo fixada pena única de 12 anos de prisão. E ainda o acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, sendo que no caso em apreciação a pena conjunta aplicada ao recorrente era de 9 anos e 6 meses de prisão. O recorrente cingia o pedido de reapreciação aos dois crimes de abuso sexual de criança, agravado, de trato sucessivo, pretendendo a unificação, tendo sido aplicada a pena de 6 anos de prisão pela prática de um deles e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do outro, defendendo haver uma ligação inextricável entre eles. Na sequência defendia abaixamento da medida da pena única. Concluiu-se no caso então em apreciação: “Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer das questões suscitadas a propósito dos dois crimes de abuso sexual de crianças, agravado, de trato sucessivo, incluindo as referentes ao crime a que coube pena inferior a cinco anos de prisão, acrescendo a requalificação jurídica do crime de violação, agravada, na forma tentada, em que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão”. Foi julgado improcedente o recurso no que toca à pretendida unificação dos dois crimes de abuso sexual de criança, mas revogada a condenação pelo crime de violação, agravada, na forma tentada, convolado para crime de actos sexuais com adolescente agravado, na forma tentada, sendo o recorrente condenado na pena de 1 ano de prisão, com reflexo na pena única.
Concluindo.
Optamos pela solução de ampla recorribilidade, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos (tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – seja pena única, ou pena única/e alguma (s) pena (s) parcelar (es) –, apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Tal posição corresponde, como resulta do exposto, ao que é assumido em termos largamente maioritários, em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal.
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Apreciando as questões propostas.
Assente a ampla recorribilidade do acórdão do Tribunal Colectivo de Loures, de 13 de Maio de 2015, englobando a cognição quanto às penas parcelares aplicadas aos recorrentes, passemos às questões a decidir, propostas pelos condenados recorrentes.
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Questão I – (In)verificação do crime de burla informática, na forma tentada
A questão é colocada nas conclusões 1.ª a 4.ª, 14.ª e 15.ª, defendendo ambos os recorrentes que não se verifica o crime e que, a existir, não haveria queixa. O Ministério Público na 1.ª instância, de certo modo, na peugada (até pela similitude argumentativa) do voto de vencida de um dos elementos componentes do Colectivo julgador, defendeu a absolvição de ambos os recorrentes, por não verificação dos elementos constitutivos do crime em questão. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça entende que o crime existe, mas está em concurso aparente com o roubo agravado.
Abordemos, pois, o tema da condenação dos arguidos pelo crime de burla informática, na forma tentada.
Lendo-se o dispositivo do acórdão recorrido fica-se com a ideia de que os arguidos condenados por tal crime teriam sido acusados da autoria de um crime de furto na forma tentada, convolado para o de burla informática. Na verdade, não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu foi que vinha imputada, para além do mais, como já referido supra, a prática de um crime de furto simples, na forma tentada, ao arguido AA e só a ele, o qual se transmutou em três crimes de burla informática na forma tentada dados por praticados pelos três arguidos condenados. Como ocorreu a metamorfose é algo que convém analisar. Como pano de fundo no mundo fáctico está a circunstância de um cartão de débito do Banco da Caixa de Crédito Agrícola, pertencente a EE, de que os arguidos se apropriaram, ter sido usado em três tentativas de levantamento de dinheiro, o que não foi conseguido.
Começando pelo princípio.
Quem tentou levantar o dinheiro?
Após narrar os factos consubstanciadores dos imputados crimes de roubo agravado e de sequestro, a acusação deduzida pelo Ministério Público em 5-05-2010, a fls. 799, dizia: “Ainda no dia 09 de Janeiro de 2008, cerca das 03h36m, o arguido AA, acompanhado por FF, dirigiu-se à caixa multibanco nas instalações do Montepio Geral, na Avenida António José de Almeida, sita na Lourinhã e, fazendo uso do cartão de débito da Caixa de Crédito Agrícola pertencente a EE e que lhe roubaram, tentaram levantar dinheiro da conta bancária a que o cartão se encontrava associado, e pertencente também a EE. AA e FF não lograram atingir os seus intentos, não tendo conseguido levantar qualquer quantia monetária, porque após terem errado por três vezes consecutivas o respectivo código pessoal, aquele cartão de débito ficou retido na caixa ATM”. Mais à frente, a fls. 801, § 1.º, dizia ainda o libelo acusatório: “O arguido AA, ao utilizar o cartão de débito de EE na ATM supra referida, fê-lo com intenção de levantar e fazer seu dinheiro da conta bancária que estivesse associada àquele cartão, o que só não conseguiu por facto alheio à sua vontade - porque, como não sabia o código daquele cartão e errou as três tentativas possíveis, o cartão ficou retido naquela ATM - , bem sabendo que aquele dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário”.
Retira-se da peça acusatória que o Ministério Público subsumiu a descrita conduta imputada ao arguido AA, e apenas a ele, num crime de furto simples na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 2, 22.º e 23.º, do Código Penal. Segundo a acusação, quem se dirigiu à caixa multibanco foi o arguido AA e filha FF.
Os desenvolvimentos – A projectada alteração
Na quarta sessão do julgamento, em 15 de Abril de 205, consta da acta respectiva, a fls. 1538, o seguinte: “Despacho Reunido o Tribunal Colectivo constatou-se que nunca foi dada resposta ao ofício de fls. 684 dos autos. A resposta a tal ofício permitiria determinar se o cartão multibanco da CCAM subtraído à vítima entrou ou não no ATM de molde a aceder ao sistema informático multibanco. Nenhuma outra prova levada a cabo nos autos permite suprir tal falta de resposta, havendo, pois, que reabrir a audiência no sentido de tentar obter o elemento em falta. Mais se consigna que, por se tratar de alteração não substancial de factos, que a tentativa de acesso à conta bancária da vítima, por via do sistema multibanco poderá constituir a comissão de um crime de burla informática na forma tentada, previsto e punido pelo art. 221.º n.º 1 e 3 do C. Penal e que tal tentativa por via do art. 26.º do C. Penal é imputável a todos os arguidos, sem excepção. Nesta conformidade e ao abrigo do disposto no art. 358.º n.º 1 e 3 do C. Processo Penal concede-se à defesa prazo para se pronunciar sobre a mesma até à próxima data de audiência”. Por despacho de 30-04-2015, a fls. 1553, foi dito: “Para continuação da audiência - a qual se destinará, caso a defesa o deseje para se pronunciar sobre alteração da qualificação jurídica dos factos e qualquer questão relativa aos documentos juntos - e leitura de decisão caso nada mais haja a tratar, designa-se o dia 13 de Maio de 2015, pelas 13,30 horas”. Da acta de leitura de acórdão não consta qualquer declaração antes, apenas que se procedeu à leitura (acta de fls. 1611/2).
Vejamos, face ao que constava da acusação, o que ficou e não ficou provado.
No elenco dos factos dados por provados o primeiro parágrafo da acusação supra transcrita, foi substituído por este texto, a fls. 1571: “Ainda no dia 09 de Janeiro de 2008, cerca das 03h36m, na sequência do plano previamente delineado e por todos aceite, pelo menos um dos arguidos, com excepção do CC, o indivíduo encapuzado cuja identidade se desconhece ou um dos menores, dirigiu-se à caixa multibanco nas instalações do Montepio Geral, na Avenida António José de Almeida, sita na Lourinhã e, fazendo uso do cartão de débito da Caixa de Crédito Agrícola pertencente a EE e que lhe roubaram, tentou levantar dinheiro da conta bancária a que o cartão se encontrava associado, e pertencente também a EE. Tal indivíduo ou indivíduos não lograram atingir os seus intentos, não tendo conseguido levantar qualquer quantia monetária, porque após terem errado por três vezes consecutivas o respectivo código pessoal, aquele cartão de débito ficou retido na caixa ATM”. “O indivíduo ou indivíduos em questão, ao utilizarem o cartão de débito de EE na ATM supra referida, fê-lo com intenção de levantar e fazerem seu ou seus o dinheiro da conta bancária que estivesse associada àquele cartão, o que só não conseguiu por facto alheio à sua vontade - porque, como não sabia o código daquele cartão e errou as três tentativas possíveis, o cartão ficou retido naquela ATM - , bem sabendo que aquele dinheiro não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário”. * Na enumeração dos Factos não provados, a fls. 1579/1580, foi dado por não provado o texto do primeiro parágrafo da acusação supra transcrito, com um aditamento. Assim: “Ainda no dia 09 de Janeiro de 2008, cerca das 03h36m, o arguido AA, acompanhado por FF, dirigiu-se à caixa multibanco nas instalações do Montepio Geral, na Avenida António José de Almeida, sita na Lourinhã e, fazendo uso do cartão de débito da Caixa de Crédito Agrícola pertencente a EE e que lhe roubaram, tentaram levantar dinheiro da conta bancária a que o cartão se encontrava associado, e pertencente também a EE (neste particular não se apurou qual ou quais dos intervenientes se dirigiu à caixa multibanco). [Realces nossos]. * Na fundamentação da matéria de facto, a fls. 1581, sobre o ponto diz o acórdão recorrido: “No que tange ao levantamento – tentativa de levantamento – dos fundos da conta da vítima por via do multibanco, a própria vítima nada pode adiantar (já que nada presenciou). Contudo, sabemos de antemão que o cartão foi roubado da casa do arguido. Sabemos que no próprio dia dos factos, pelas 3h 36m. – cfr. informação da Caixa de Crédito Agrícola (entrada de registo 1521844 de 27.04.2015) - alguém tentou levantar o dinheiro sendo certo que o ofendido não foi pois por essa altura estaria no hospital (cfr. auto de notícia de fls. 3 e segs). Ora, sabendo-se que foram os arguidos António, Paula Rubina ou Paula Quaresma, o encapuzado ou os menores, aqueles que ficaram com os cartões e não existindo razão para acreditar que perderam o domínio do mesmo, segue-se que um ou mais deles foi quem fisicamente se deslocou ao multibanco sendo que essa ida o foi no âmbito do plano delineado que era, nem mais nem menos, do que apropriar-se dos bens de valor da vítima, ainda que para tal tivessem de aceder ao sistema informático da rede multibanco.
No segmento Enquadramento jurídico-penal diz o acórdão, a fls. 1586/7: “O arguido vem também acusado da prática de um crime de furto na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Neste particular é nosso entendimento que não estamos perante um crime de furto mas sim perante um crime de burla informática na forma tentada. Na verdade, dispõe o artº 221º nº 1 e 3 do Código Penal que “1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. (…) 3 - A tentativa é punível.” Nos termos do n° 1 do artigo 22° do Código Penal: “há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, devendo considera-se como tal, de harmonia com o n.° 2 do art. 22.°: os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime os que são idóneos a produzir o resultado típico e os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores. Ora, tal foi precisamente o que aconteceu. Embora aqui estejamos a falar do arguido AA, estas considerações valem para as arguidas BB e DD. Não se sabe qual dos arguidos colocou o cartão no ATM. Sabe-se que o plano incluía obter dinheiro da vítima mesmo que tal implicasse interferir com o sistema informático do multibanco. Sabemos que alguns dos arguidos e seus comparsas retiraram o cartão e que este entrou no multibanco. É pois, indiferente, determinar quem, em concreto, tentou aceder à conta bancária da vítima pois que todos são co-autores nesta tentativa”.
Este tratamento de dados feito pelo acórdão recorrido suscita algumas reflexões. O que está em causa é, independentemente do nomem juris, no plano dos factos, uma tentativa de levantar dinheiro numa caixa multibanco, com um cartão do ofendido, desconhecendo-se o código que permitiria a obtenção de quantia monetária. De acordo com a acusação pública, as arguidas BB e DD nada tinham a ver com tal conduta, posterior ao roubo e sequestro, a qual era imputada apenas ao arguido AA. O primeiro despacho em acta refere uma alteração não substancial de factos, mas certo é que não foi adiantada a exposição de qualquer enumeração de novos factos, quer então nessa acta, nem na acta de leitura. Logo, não houve factos novos de que os arguidos se pudessem defender, em relação aos quais pudessem exercer o contraditório e o seu direito de defesa. Relativamente a eventual alteração não substancial de factos, a ter existido, a questão colocava-se de modo diferente em relação ao arguido AA e às arguidas BB e DD. Uma alteração de factos ainda faria sentido em relação ao arguido, porque concretamente lhe vinha imputada uma conduta relativa a tentativa de levantamento do dinheiro em caixa multibanco. Outrotanto, não seria plausível já em relação às arguidas. Tudo o que constasse a respeito de tal conduta para elas não era alteração; pura e simplesmente algo completamente novo, fora do campo da vinculação temática que a acusação traçara. Uma qualquer extrapolação, sem fundamento, inexoravelmente condenada ao naufrágio. Dar como provado que as arguidas acordaram no levantamento é algo que altera de forma substancial o que lhes era imputado, pois nem lhes vinha imputado o crime de furto na forma tentada. De acordo com o artigo 1.º, alínea f), do CPP «Alteração substancial dos factos» é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Esta nova factualidade não foi proposta em relação às arguidas nem ao arguido, que tinham à sua frente, na ausência de qualquer outro facto, uma mera alteração de qualificação jurídica. Mas também sem factos, como alterar a qualificação jurídica? Neste conspecto a decisão seria nula, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP. Por outro lado, as condenações dos ora recorrentes e de BB pelo crime de burla informática, na forma tentada, surgem na sequência da afirmação de incertezas e dúvidas sobre a autêntica autoria do crime. A decisão afirma sucessivamente: 1 - pelo menos um dos arguidos, com excepção do CC, o indivíduo encapuzado cuja identidade se desconhece ou um dos menores; 2 - Tal indivíduo ou indivíduos não lograram atingir os seus intentos; 3 - O indivíduo ou indivíduos em questão, ao utilizarem o cartão de débito; 4 - (Neste particular não se apurou qual ou quais dos intervenientes se dirigiu à caixa multibanco); 5 - alguém tentou levantar o dinheiro; 6 - um ou mais deles foi quem fisicamente se deslocou ao multibanco; 7 - Não se sabe qual dos arguidos colocou o cartão no ATM.
Quando se afirma que foi pelo menos um dos arguidos, ou que um ou mais deles foi quem se dirigiu à caixa multibanco, está-se a dizer que pode ter sido apenas um deles. Mas se foi apenas um deles, como explicar a condenação de três? Se não se sabe quem tentou levantar o dinheiro, como condenar os três arguidos? E porque não o encapuzado, como consta a fls. 1571: “pelo menos um dos arguidos, com excepção do CC, o indivíduo encapuzado cuja identidade se desconhece ou um dos menores. E como consta a fls. 1581: “Ora, sabendo-se que foram os arguidos AA, BB e CC, o encapuzado ou os menores, aqueles que ficaram com os cartões e não existindo razão para acreditar que perderam o domínio do mesmo, segue-se que um ou mais deles foi quem fisicamente se deslocou ao multibanco”. Por outro lado, se se dá por não provado que AA se tivesse dirigido à caixa multibanco na companhia da filha ... às 3,36 horas, exactamente o momento em que terá sido accionada de uma das três vezes, como dar por provado que tentou proceder a levantamento. É nítida e patente a contradição. Estamos no domínio de uma imputação genérica, a qual não tem cobertura no processo penal, violadora do princípio in dubio pro reo. Mas mesmo que assim não fosse, caso se tivesse apurado quem verdadeiramente tentou levantar o dinheiro, certo é que a conduta não preencheria o tipo legal de crime em causa, pela simples razão de que não houve utilização de dados não autorizados, nem manipulação do sistema de informação, pois que tal tarefa era impossível, no desconhecimento do código de acesso. Na verdade, a utilização de dados sem autorização implica a violação de regras de acesso aos dados, sem que a integridade desses dados seja afectada. O exemplo típico consiste na utilização de um cartão de débito e do respectivo código em caixas automáticas por pessoa não autorizada pelo titular, com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo. Segundo o acórdão deste STJ de 6-10-2005, proferido no processo n.º 2253/05-5.ª, no crime de burla informática do artigo 221.º do Código Penal o bem jurídico protegido é não só o património – mais concretamente, a integridade patrimonial – mas também os programas informáticos, o respectivo processamento, e os dados, na sua fiabilidade e segurança. Para o acórdão de 20-09-2006, processo n.º 1842/06, da 3.ª Secção, a burla informática, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla – art. 217.º), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados. E de acordo com o acórdão de 5-12-2007, processo n.º 3864/07-3.ª “O crime de burla informática é um delito contra o património; só secundariamente visa proteger o correcto funcionamento e a inviolabilidade dos sistemas informáticos com aptidão para o desempenho das funções em vista da satisfação do utente”. Extrai-se do acórdão de 5-11-2008, proferido no processo n.º 2871/08, da 3.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 215: “O crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do Código Penal, é de execução vinculada, pois exige que a lesão do património se produza através da intromissão nos sistemas e de utilização, em certos termos, de meios informáticos. Além disso, a consumação desse crime pressupõe um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa, mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados. Não comete esse crime aquele que por via da prática de um crime de roubo acede a um cartão de débito da vítima e ao respectivo código, efectuando em seguida levantamentos em caixas ATM com utilização deles”. Para o acórdão de 10-09-2009, processo n.º 585/05.3PBBRR.S1, da 3.ª Secção, o levantamento de quantias em dinheiro através da utilização dos cartões, obtidos com os respectivos códigos, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, a consumação do crime de roubo. Na burla informática está em causa a protecção dos dados e seu processamento. Sem utilização de código, não se preenche o tipo – cfr. acórdão do STJ de 10-12-2009, processo n.º 947/09-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228. Sem conhecer o código as possibilidades de obtenção de alguma quantia estariam ao nível de ganho no Totoloto. Ainda que o levantamento tivesse sucesso o concurso seria aparente. Concluindo: os recorrentes serão absolvidos da prática deste crime.
Questão II – Medida das penas aplicadas pelos crimes de roubo e sequestro
Ultrapassada a questão de verificação do crime de burla informática, na forma tentada, que foi afastado, restam os crimes de roubo agravado e de sequestro, cometidos pelos recorrentes e ainda o crime de condução intitulada cometido pelo arguido AA, cuja pena não impugna. O acórdão recorrido aplicou a ambos os arguidos ora recorrentes, a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo agravado e a de 1 ano e 3 meses de prisão pelo sequestro e ainda ao arguido AA a de 4 meses pela condução ilegal. O arguido não impugna a pena de 4 meses de prisão aplicada pela condução intitulada. Os recorrentes impugnam as medidas das penas de roubo agravado e de sequestro, o que fazem em ambos os recursos, nas conclusões 5.ª, 6.ª e 16.ª, cujo teor ora se relembra: 5. Não resulta dos autos que tivesse ocorrido extrema violência, ou lesão grave do ofendido, sendo que a forma como foi “manietado” permitiu que este se soltasse durante o trajeto, e ainda saltasse de carro, ameaçando os sequestradores e pondo-os em fuga! 6. Nos crimes de sequestro, e de roubo, a decisão colegial recorrida considera, erradamente, que o grau de ilicitude foi elevado, quando deveria ter sido considerado médio. 16. O tribunal “a quo” violou também o disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “elevado” com referência aos crimes de sequestro e de roubo.
Analisando.
A moldura abstracta penal cabível ao crime de roubo agravado é a de prisão de 3 a 15 anos. E ao sequestro é de um mês a 3 anos de prisão, ou pena de multa. Está fora de questão a hipótese de opção por pena de multa quanto ao segundo crime, o que nem é colocado pelos recorrentes. Dentro destas molduras funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente: - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. ******* No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42. Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211. A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73. Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar. Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.
Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).
A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena. A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado. Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa». Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).
Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção. Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.
Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.
Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»). As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”. Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”. E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”. Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.
A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.
Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido. O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes. Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”. Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento. O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição. O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».
Revertendo ao caso concreto.
Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar, bem como o contexto de actuação dos arguidos no concreto caso. Sobre a questão da determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, a fls. 1595 a 1597 e 1600, nos termos que seguem, e começando pelo recorrente AA: “Assim, na fixação das penas do arguido AA consideraremos: Para o crime de sequestro (o qual na forma simples é punido com pena de prisão até 3 anos) atenderemos: Tudo visto e ponderado entendemos como correcta a pena de 1 ano e 3 meses de prisão. No que respeita ao crime de roubo consideraremos; Tudo visto e ponderado julgamos adequada a pena de 5 anos de prisão. (…) Quanto ao crime de condução de veículo sem habilitação legal consideraremos: Tudo visto e ponderado julgamos adequada a pena de 4 meses de prisão. (…) A fls. 1600, versando a situação da recorrente BB: “No que respeita à arguida BB não encontramos na sua conduta nada que nos faça distinguir a sua actuação daquela que foi a actuação do arguido AA no que respeita aos crimes que em conjunto praticaram – sequestro, roubo e burla informática tentada. Assim, os factores a considerar na fixação da pena são os mesmos tanto mais que as suas condições sociais, antecedentes e inserção social, são idênticos. Nesta conformidade condenaremos a arguida nas penas de 1 ano e 3 meses de prisão pela comissão de um crime de sequestro e 5 anos de prisão pela comissão de um crime de roubo e 6 meses de prisão pela comissão de um crime de burla informática na forma tentada”. **** Vejamos se no caso em reapreciação são de reduzir as penas aplicadas pelos crimes de roubo agravado e sequestro. **** Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa. E vários documentos de identificação, como um cartão de débito do Banco da Caixa Agrícola, um cartão de débito do Banco Millennium, cartão de crédito do Banco Nacional de Paris, bilhete de Identidade, cartão de contribuinte, cartão de segurança social, cartão de eleitor e vários cartões de identificação e serviços, emitidos por organismos franceses, todos pertencentes a EE. Do primeiro conjunto, vem especificado apenas o valor dos € 60,00 das notas, sendo que dos restantes não foi declarado um valor em concreto, tendo o acórdão recorrido chegado a um valor superior a 96,00 €. A explicação vem dada na fundamentação de facto, a fls. 18 do acórdão e 1581 dos autos, referindo-se a furto, mas querendo reportar-se ao roubo. “Diga-se ainda, quanto ao montante do furto que à data dos factos a U.C. era de 96 €. Ora, em numerário foram retirados 60 €. Os demais bens, designadamente os documentos têm um valor de substituição (aquisição) superior a 36 €. Tal decorre das regras da experiência comum e é como tal afirmado”.
Analisando as condutas dos arguidos.
No caso presente é elevado o grau de ilicitude dos factos. Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”. Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.
Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.
Antes, porém, há que ter em conta que o acórdão recorrido apresenta uma contradição entre o que consta da fundamentação e o dispositivo, no que respeita à medida da pena aplicada pelo crime de roubo agravado. Assim, com referência ao arguido AA, a fls. 1596, ao versar a medida da pena a aplicar pelo crime de roubo agravado, o acórdão recorrido julga adequada a pena de 5 anos de prisão. Do mesmo modo e quanto ao mesmo crime, a fls. 1600, no que respeita à arguida Paula Martins, o acórdão recorrido julga adequada a pena de 5 anos de prisão.
Atente-se que o limite mínimo para efeitos de moldura do concurso é indicado como sendo 5 anos de prisão, no caso do arguido, a fls. 1597 e a fls.1600, no caso da arguida.
Acontece, que no dispositivo, como se alcança de fls. 1604 - alínea c), e a fls. 1605/6 – alínea m), o arguido e a arguida foram condenados na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Face ao exposto será de considerar como ponto de partida o que efectivamente consta do dispositivo e não da fundamentação. Na motivação, a fls. 1580, é referido ter EE recuperado os cartões todos que lhe foram tirados, o que deveria ser levado aos factos provados, pois que foi tido na medida da pena com restituição parcial. Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, tendo sido respeitados os parâmetros legais, cremos que se não justificará no caso intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, no que toca à impugnada pena aplicada pelo crime de sequestro cometido pelos arguidos. Já no que concerne ao crime de roubo agravado, se bem que a vertente pessoal assuma relevo em face das lesões causadas e suas consequências, com as cicatrizes assinaladas, a verdade é que o que qualifica o crime é a vertente patrimonial, que logo triplica o limite mínimo do tipo base, sendo que o valor global em causa em pouco descola do valor diminuto. Daí entender-se ser de reduzir a pena aplicada pelo crime de roubo agravado, fixando-se a mesma em 3 anos e 6 meses de prisão, para cada um dos arguidos, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa dos arguidos. Concluindo: Improcedem os recursos interpostos pelos arguidos no que toca à medida da pena aplicada pelo crime de sequestro de EE, sendo reduzida para 3 anos e 6 meses de prisão a pena aplicada pelo crime de roubo agravado.
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Questão III – Medida da pena única
A pretensão de redução das penas únicas é exposta na conclusão 14.ª de cada um dos recursos. O acórdão recorrido pronunciou-se nestes termos a fls.1599 quanto ao recorrente: Assim, considerando estes factores, bem como a proximidade temporal dos factos, entendemos ser de aplicar ao arguido AA a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão”. Relativamente à arguida BB a fls. 1600: “Diferente é já a medida do cúmulo, embora as considerações que lhe subjazem sejam idênticas. Assim, este cúmulo tem um mínimo de 5 anos de prisão e um máximo de 6 anos e 9 meses de prisão. Tudo visto, considerando a unidade temporal dos factos e a personalidade da arguida, bem como as forte necessidades de prevenção geral e especial julgamos adequada a pena de 5 anos e 7 meses de prisão”.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e duas modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 2 de Setembro, n.º 40/2010, de 3 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro, n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, n.º 60/2013, de 23 de Agosto, n.º 2/2014, de 6 de Agosto, n.º 59/2014, de 26 de Agosto, n.º 69/2014, de 29 de Agosto, n.º 82/2014, de 30 de Dezembro, n.º 30/2015, de 12 de Abril, n.º 81/2015, de 3 de Agosto, n.º 83/2015, de 5 de Agosto, n.º 103/2015, de 24 de Agosto e n.º 130/2015, de 4 de Setembro), que: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O que significa que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 3 anos e 6 meses de prisão a 5 anos e 1 mês de prisão, no caso do recorrente e entre 3 anos e 6 meses a 4 anos e 9 meses de prisão no caso da recorrente BB.
A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal. Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”. A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal. Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”. ******* No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª. Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade. ******* Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.s1-3.ª.
Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. ******* Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 e de 17 de Dezembro de 2014, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1: “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.
******* Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso. Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta. Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª. Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias. Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas. Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-09, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª). A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras. Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1 e de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2 “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena. Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes ”. Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa. Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª. Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”. Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”. Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos). Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.
Revertendo ao caso concreto.
A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos ora recorrentes, em todas as suas facetas. Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou. Importa ter em conta a natureza e diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global dos arguidos. Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, a pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração. No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª, de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção. No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2). E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.
Concretizando.
A não verificação do crime de burla informática, na forma tentada, bem como a redução da pena aplicada pelo roubo agravado terão reflexos na medida da pena única, desde logo na respectiva moldura, que, como vimos, é de 3 anos e 6 meses a 5 anos e 1 mês de prisão no caso do recorrente e de 3 anos e 6 meses a 4 anos e 9 meses quanto à recorrente.
Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção o bem jurídico tutelado nos tipos legais em causa. No caso em apreciação, concretamente, temos um crime de roubo agravado e de sequestro, para além da condução ilegal cometido pelo arguido.
Procurando estabelecer conexão entre os crimes cometidos, a mesma está presente no modo de actuação dos arguidos, tendo sequestrado o ofendido a fim de facilitar a actuação dos restantes elementos que ficaram em casa a praticar o roubo, sendo a condução instrumental em relação ao sequestro. O arguido e arguida tinham à data dos factos, respectivamente, 35 e 25 anos de idade, e actualmente, 43 e 33 anos de idade, sendo de atender às condições pessoais narradas nos factos provados supra referidos. No que respeita a antecedentes criminais, nada há a registar. Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no presente processo permite formular um juízo específico sobre a personalidade de ambos os recorrentes que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados no mesmo momento, em acto seguido, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelos arguidos. Haverá que ter em consideração que a actuação delitual em apreciação desenvolveu-se em apenas uma noite, em 9 de Janeiro de 2008, não havendo notícia de outros factos cometidos pelos recorrentes, nem antes, nem depois. Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade de cada um dos arguidos, afigurando-se-nos equilibrada e adequada a aplicação da pena conjunta de 4 anos e 6 meses de prisão ao arguido AA e de 4 anos de prisão à arguida BB, as quais não afrontam os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes são adequadas e proporcionais à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassam a medida da culpa dos recorrentes.
Questão IV – Suspensão da execução da pena
Os recorrentes pretendem a suspensão da execução da pena única, o que, suposta a necessária redução, expressam nas conclusões 7.ª a 14.ª. Ao abordar a matéria da “Medida concreta da pena” o acórdão recorrido, de fls. 25 a 30 e fls. 1588 a 1593 dos autos, cita Doutrina e jurisprudência, como aparente resultado de labor próprio, quando se trata de transcrição, não assinalada, do que se contém, passo a passo, em vários acórdãos, por nós relatados, num registo que se tem mantido ao longo dos últimos anos e que pode ser visto, inter altera, nos acórdãos de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1, de 28-10-2015, processo n.º 10/13.8GAAMT.P1-S1 e de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1. |