Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. No âmbito da execução instaurada por AA, exequente, BB e CC, executados, deduziram oposição, invocando a inexigibilidade da obrigação exequenda.
Segundo alegam, não se verificou a condição de que depende o início do prazo de trinta dias para o pagamento da parte do preço em falta (€ 65.000,00), respeitante à fracção autónoma (GQ) que compraram aos exequentes, pela escritura pública que serve de título executivo: a “conversão em definitivo da propriedade horizontal do prédio referente à fracção autónoma”. Observam ainda que essa condição não poderia referir-se à fracção, porque, à data da escritura, o registo correspondente à fracção já tinha sido convertido em definitivo.
O exequente contestou, sustentando que “o facto cuja verificação as partes fizeram depender o pagamento dos restantes € 65.000,00 era, inequivocamente, a conversão, em definitivo, do registo de propriedade horizontal, em relação à fracção GQ”. Disse ainda que, quando se realizou a escritura, em 21/3/2009, as partes estavam convencidas de que essa conversão ainda não tinha ocorrido, o que não era exacto; que o prédio existe desde 1994, que a Câmara Municipal de Portimão, em 2009, ainda não tinha emitido as licenças de utilização nem de metade das fracções do prédio; que era, pois, inverosímil que tivesse sido convencionado que a segunda parte do preço fosse paga só a partir de um facto que o colocasse à mercê de uma eventual inércia de terceiros, que inviabilizasse a conversão em definitivo do registo da constituição da propriedade horizontal do prédio.
A oposição foi julgada improcedente pela sentença de fls. 65. Em síntese, o tribunal considerou: ser prática, na Conservatória do Registo Predial de Portimão, que a conversão dos registos em definitivos se realize por fracções autónomas; que, a ter-se por referência a conversão do registo da propriedade horizontal do prédio, “será, se não impossível, pelo menos remota, a verificação da condição suspensiva em momento razoável”; que se afigura, “no caso, que o exequente, enquanto declarante, não pretenderia, em prol do seu próprio interesse, atribuir à cláusula que faz depender a execução do contrato do registo definitivo da propriedade horizontal, o sentido de registo "de todas as fracções", atendendo à praxis da Conservatória do Registo Predial de Portimão e ao demais já referido”. Disse ainda a sentença que “o princípio de boa-fé negocial que sempre deve reger a vontade dos contraentes, colide com uma interpretação dessa mesma vontade que pretenda fazer depender a execução do negócio jurídico de um facto de verificação irrazoavelmente remota. Por isto, afigura-se-nos que assiste razão ao exequente quando pretende que se encontra verificado o evento a que as partes subordinaram a produção de efeitos do negócio, pelo que a oposição deverá improceder.”
Esta sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de fls. 181, que entendeu que o registo que as partes tiveram em vista ao contratar foi o registo da constituição da propriedade horizontal do prédio – ou seja, a conversão em definitivo do correspondente registo provisório.
Transcreve-se a parte relevante do acórdão:
«O que está em causa nesta acção é saber qual o sentido e alcance da expressão “conversão do registo de constituição da propriedade horizontal em definitivo”, constante da escritura pública e que determinava o momento a partir do qual se iniciaria o prazo de trinta dias estabelecido para o vencimento do remanescente do preço devido pela compra da fracção por parte dos recorrentes.
Determina o art. 236.º do Código Civil que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Por seu turno o art. 238.º estabelece que, nos negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Estamos em presença de um negócio formal, constante de escritura pública e independentemente dos factos acima descritos, não pode olvidar-se o que decorre dos documentos autênticos juntos aos autos (certidão do registo predial e escritura pública de compra e venda). Ora destas decorre que:
– a conversão do registo de propriedade horizontal em definitivo, respeitante à fracção vendida pelo exequente e adquirida pelos executados (fracção “GQ”,), ocorreu no dia 20/01/2009;
– a escritura de compra e venda realizou-se no dia 21/03/2009.
– nessa escritura as partes acordaram que nesse acto o comprador «paga a quantia de oitenta e cinco mil euros, de que os primeiros outorgantes dão quitação e os restantes sessenta e cinco mil euros serão pagos trinta dias após a conversão do registo da propriedade horizontal em definitivo»
Com base na praxis, de legalidade duvidosa, da conservatória do registo predial de Portimão, de converter em definitivo o registo provisório da propriedade horizontal de fracção determinada de prédio, mantendo-se as restantes com registo provisório e na circunstância de a certidão exibida a quando da celebração da escritura ser anterior à conversão do registo relativo à fracção GQ, o Tribunal entendeu que a condição estabelecida pelas partes para determinar o vencimento da última prestação do preço, se reportava à conversão do registo respeitante à fracção adquirida e não à conversão do registo da propriedade horizontal relativo à totalidade do prédio. Salvo o devido respeito não nos parece que tenha razão. Como se disse a praxis da conservatória é de legalidade duvidosa e sem pretender analisar a questão em profundidade, sempre se dirá que, embora a lei permita o registo provisório por natureza da constituição da propriedade horizontal relativa a prédio em construção (art.º 92 nº 1 al. b) do CRPr.), não se vê como possa, legalmente, converter-se em definitivo tal registo apenas quanto a uma ou várias fracções do mesmo prédio. Na verdade o disposto no art.º 82 nº 1 al. c) e no nº 2 al. b) do mesmo diploma legal, parecem apontar no sentido inverso. E bem se compreende que assim seja porquanto admitir tal praxis é estar a contribuir para criar uma fonte inesgotável de problemas jurídicos e de conflitos. Basta pensar como se vai processar a administração de tal prédio e segundo que regime, o da compropriedade ou o da propriedade horizontal?
Assim a referência à conversão do registo da propriedade horizontal constante da escritura, porque se trata de um negócio formal e porque se trata de uma condição determinante do vencimento da obrigação, só pode ser interpretada como referência à conversão do registo relativo a todo o prédio e não apenas à fracção. Na verdade sendo a condição um evento futuro e incerto, não fazia sentido estabelecer a “condição”, quando no momento da celebração do negócio ela já se tinha verificado. Nunca seria uma condição. Mas mais do que isso, a ter-se por boa tal interpretação no momento em que foi estabelecida “ a condição” a obrigação já estaria vencida, pois já tinham decorrido trinta dias após a conversão do registo relativo à fracção GQ! Temo pois que a expressão em causa apenas pode ser interpretada como referindo-se à conversão do registo da propriedade horizontal, relativo a todo o prédio e não apenas à fracção adquirida pelos executados. Assim não se tendo verificado a condição determinante do vencimento da obrigação e não estando esta vencida não pode ser exigível o seu cumprimento.
Consequentemente procede a oposição, revoga-se a sentença e julga-se extinta a execução.»
2. O exequente recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:
“I. A Relação de Évora considerou que a condição determinante do vencimento da obrigação só pode ser interpretada com referência à conversão do registo relativo a todo o prédio e não apenas à fracção, como sempre defendeu o ora Recorrente.
II. A convicção deste douto Tribunal funda-se no argumento de que a praxis da Conservatória do Registo Predial de Portimão de converter em definitivo o registo provisório da propriedade horizontal de fracção de um prédio, mantendo-se as restantes com registo provisório é de duvidosa legalidade pelo que porque se trata de um negócio formal e de uma condição determinante do vencimento da obrigação, só pode ser interpretada como referência à conversão do registo relativo a todo o prédio e não apenas à fracção.
III. Este entendimento não é de aceitar porque a legalidade da praxis da Conservatória nunca foi objecto dos autos, nem sequer foi o objecto do recurso da sentença,
IV. E o que é relevante é a interpretação da vontade das partes quando clausularam a condição de pagamento do remanescente do preço.
V. Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
VI. Aquilo que as partes sabiam, e a partir do qual construíram a sua vontade negocial, era que a propriedade horizontal do prédio em questão encontrava-se a ser registada parcialmente, fracção a fracção.
VII. A dúvida da legalidade da praxis da Conservatória Predial obviamente que em nada afectou a formação da vontade negociai, e também em nada interfere na interpretação dessa vontade negocial por se estar perante um negócio formal, ao contrário do que se afirma no douto Acórdão.
VIII. Mesmo aplicando o art° 236 do C. Civil não chegamos à interpretação de que a referência à conversão do registo da propriedade horizontal em definitivo é relativo a todo o prédio.
IX. A interpretação da condição feita pelo Recorrente tem mais do que uma correspondência mínima com o texto da escritura de compra e venda, porquanto a referida cláusula não diz expressamente que a conversão em definitivo do registo da propriedade horizontal é referente ao prédio, não excluindo que fosse em relação à fracção.
X. Mesmo a aplicação do n° 2 do art° 238 do C. Civil em nada contraria a posição do Recorrente, pois, condicionar o pagamento do remanescente do preço da compra da fracção à conversão em definitivo do registo da propriedade horizontal relativo apenas àquela fracção em causa – e não o prédio todo – em nada contrariam as razões de forma exigidas para aquele negócio de compra e venda.
XI. Considerar como considerou o Tribunal da Relação de Évora que, por se estar perante um negócio formal, aquela condição só podia ser interpretada como referência à conversão do registo relativo a todo o prédio, constitui uma violação do n° l e 2 do art° 236° e do n° l e 2 do art° 238, todos do C. Civil.
XII. Dos vários factos dados como provados resulta evidente que a condição foi aposta porque as partes queriam celebrar o contrato de compra e venda mas os Recorridos não dispunham, na data da escritura, da totalidade do valor acordado, e, por outro lado, era convicção de ambas as partes, à data da escritura, que o registo da propriedade horizontal ainda não se tinha convertido em definitivo quanto à fracção objecto do contrato.
XIII. Mais resulta da conjugação dos vários factos dados como provado nos autos, e respectiva fundamentação da resposta à matéria de facto que, efectivamente, a conversão em definitivo do registo quanto à propriedade horizontal relativamente ao prédio no seu todo, é algo quase impossível.
XIV. Assim, as partes apuseram uma condição suspensiva do pagamento do restante valor do preço do imóvel à verificação da conversão em definitivo do registo da propriedade horizontal quanto à fracção, que, de forma equilibrada, satisfazia os interesses e preocupações de ambas as partes.
XV. Mais argumentou o Acórdão Recorrido para revogar a sentença recorrida que a interpretação com referência ao registo da fracção levaria à conclusão de que no momento da celebração da escritura pública esse evento, que tinha de ser futuro e incerto, já se teria verificado, pelo que nunca poderia ser uma condição.
XVI. Labora a Relação de Évora em erro de raciocínio quando afirma que no momento da celebração da escritura esse evento já se teria verificado, pois está dado como assente nos autos que, «na certidão predial exibida no acto da escritura pelas partes, datada de 16.01.2009, o registo de propriedade horizontal ainda não estava convertido em definitivo quanto à fracção “GQ"».
XVII. Resulta até da própria certidão do registo predial que essa informação relativa à conversão em definitivo desse registo só passou a constar no sistema a partir de 31.08.2009, por averbamento oficioso de rectificação da Conservatória nesse mesmo dia, conforme resulta da certidão do registo predial da fracção "GQ" (Doc.2 do Requerimento Executivo).
XVIII. Tal implica que esta afirmação no Acórdão referente a matéria de facto ofende o valor probatório formal e material da certidão do registo predial da fracção em causa, nos termos do n° l do art° 371 do C. Civil.
XIX. O regime da condição pretende alcançar o equilíbrio entre o respeito pelo negócio jurídico celebrado pelas partes e a não paralisação do comércio jurídico, na expectativa de que ocorra.
XX. No auxílio desse objectivo presidem, entre outros, um vector de distribuição de riscos e a boa fé, dos quais necessariamente decorre que a condição aposta a um negócio jurídico não pode ser, nem se transformar, em proposições vazias de concretização, antes devendo ser e exprimir a real vontade condicional das partes que, na prática, verdadeiramente se traduza na sua subordinação a um evento futuro e incerto e cuja verificação seja, no contexto dado pelas partes, expectável que se venha a realizar dentro de determinado período de tempo.
XXI. É, assim, que interpretar a condição em causa com referência à conversão do registo em definitivo quanto ao prédio todo é fazer uma interpretação contra as normas do art° 236° e 238° do C, Civil, o princípio da boa-fé negocial que deve reger as relações negociais entre as partes, e o regime da condição, em concreto.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Revista e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão da Relação (…)”.
Os executados contra-alegaram, concluindo desta forma:
“I. Consideram os contra-alegantes que o acórdão recorrido não merece reparo.
II. A condição futura e incerta – "os restantes sessenta e cinco mil euros serão pagos no prazo de 30 dias após a conversão da propriedade horizontal em definitivo.”— a que as partes subordinaram o remanescente do pagamento do preço de € 65.000,00, ainda não ocorreu.
III. O prédio em apreço, conforme resulta dos factos provados, ainda não se encontra registado em definitivo, somente, parcialmente, quanto a algumas fracções autónomas que o compõem, entre elas, a fração "GQ" adquirida pelos executados.
IV. Os contra-alegantes obtiveram certidão permanente com o código de acesso PP-0604-20707-081103-005394, in www.predialonline.mi.Pt onde está preclaro que a conversão em definitivo da propriedade horizontal no que fracção autónoma "GQ" concerne, ocorreu em 20.1.2009, contrariamente ao que alegam os recorrentes.
V. Entendem os contra-alegantes, salvo melhor opinião, que a interpretação dos negócios jurídicos formais tem que ser interpretada, atento o disposto no art. 238.° n° 1 do Código Civil, logo, com um mínimo de sentido correspondente ao texto exarado, não podendo pois considerar-se uma vontade dos exequentes/recorrentes que, de facto, não corresponde à sua vontade expressa em documento formal, in casu, a escritura pública que serve de título executivo.
VI. Não tem qualquer razoabilidade jurídica a interpretação da condição em escopo dada pelos recorrentes e melhor descrita no teor da conclusão EX apresentada com o seu recurso de revista.
VII. A consideração da verificação da condição pelo tribunal ad quem significaria, para os executados, também, um futuro incerto de problemas.
VIII Entre eles a impossibilidade futura da propriedade horizontal vir a ser registada em definitivo, entre elas, com a sua eventual declaração de nulidade, vindo o prédio a padecer de um qualquer regime que não aquele querido pelas partes.
IX. Bem como, entre outros pontos, conforme expressa o douto Ac. recorrido, o de, não operando a propriedade horizontal em definitivo, ocorrerem de facto de uma série infindável de problemas jurídicos e conflitos.
X. Aliás dispõe o art. 2º al. b) do Código de Registo Predial (CRPr) que está sujeito a registo a propriedade horizontal.
XI. Define-se como propriedade horizontal, nos termos do art. 1414° e 1415° do CC, "as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal" e "só podem ser objecto de Prop. Horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública".
XII. O pedido e o registo da propriedade horizontal é feito no todo e assim aceite ou recusado. Devendo o facto sujeito a registo se cumprir os requisitos legais ser registado no todo, porém, Conservatórias há que tendem, in casu, a fazer "aos poucos" o registo das fracções que compõem o presente prédio.
XIII. Facto este que padece de ilegalidade das próprias Conservatórias na feitura dos registos prediais.
XIV. Assim sendo, conforme resulta dos autos, várias são as fracções que nem de licença de utilização gozam, logo, portanto podem vir a não constituir unidades independentes entre si e que garantam a efectiva propriedade horizontal ao edifício.
XV. O mesmo se diga que apesar da praxe de uma Conservatória afrontar a lei Portuguesa, isso não pode beneficiar a situação ora em apreço.
XVI. Pelo que a ocorrência da condição nunca poderia ocorrer, atento que a propriedade horizontal é sempre realizada no seu todo e não meramente fraccionada, que no nosso entender, tem como decorrência a nulidade da mesma, com as legais consequência daí decorrentes.
XVII. E, posto isto, entende-se, Colendos Conselheiros, que o evento futuro e incerto que as partes fizeram depender o pagamento da quantia de € 65.000,00, para pagamento do remanescente do preço da fracção "GQ", ainda não ocorreu.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exas., devem as contra-alegações apresentadas proceder, por provadas, e, consequentemente, improceder o recurso apresentado pelos recorrentes, mantendo-se a final o acórdão recorrido.”
3. Vem provado o seguinte:
“1- As partes celebraram o contrato de folhas 7 e seguintes da execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- Da certidão permanente com o Cód. de Acesso PP-0187-33220-081103-005394, in www.predialonline.pt, decorre que o prédio, na sua composição, descrito na parte genérica, ainda se encontra como edifício em construção, o que motiva que a propriedade horizontal ainda não está definitiva.
3- A propriedade horizontal encontra-se a ser registada parcialmente, fracção a fracção, sendo que na propriedade horizontal em questão são já várias as fracções autónomas convertidas em definitivo, incluindo a pertença dos executados.
4- A propriedade horizontal quanto ao prédio não se encontra definitivamente registada, porquanto ainda faltam várias fracções para serem convertidas em definitivo.
5- A propriedade horizontal em 09/04/2009 foi convertida em definitivo no que respeita às fracções consignadas nas págs. 15 e 16 do doc. 3 junto com o r.i. de execução (fls. 29 e 30 dos autos).
6- Ao que se seguem várias recusas quanto a outras fracções e, ainda, falta de inscrição ou conversão em definitivo de outras tantas.
7- Ainda não existe licença de utilização quanto a todas as fracções.
8- A constituição da propriedade horizontal foi inscrita a 19/08/1994, tendo sido esta inscrição provisória por natureza, para efeitos de registo, por alegadamente o prédio ainda se encontrar em fase de construção, nos termos do art.º 92º, n.º 1, al. b) do C. Registo Predial.
9- À medida que a Câmara Municipal de Portimão foi emitindo licenças de utilização às fracções autónomas, o registo da propriedade horizontal foi sendo, em relação a estas, convertido em definitivo.
10- A fracção “GQ” da propriedade dos executados já constitui uma dessas fracções em relação às quais o registo da propriedade horizontal está convertido em definitivo.
11- Poucos dias antes de as partes celebrarem a escritura de compra e venda, os executados souberam que o pedido de crédito que estes tinham solicitado ao banco, para financiar a compra da fracção em questão, fora recusado.
12- Razão pela qual, em curto espaço de tempo, os mesmos não poderiam pagar a totalidade do preço acordado.
13- Assim, ajudando os executados a fazer face à falta de dinheiro à data da escritura, o exequente acedeu ao pagamento do preço em duas tranches.
14- Tendo sido a primeira paga no acto da celebração da escritura.
15- A certidão predial exibida no acto da escritura pelas partes data de 16/01/2009, na qual o registo de propriedade horizontal ainda não estava convertido em definitivo quanto à fracção “GQ”.
16- O exequente estava a tentar registar definitivamente a propriedade da sua fracção.
17- Apesar de ter logrado obter junto da C. M. de Portimão a Licença de utilização da fracção, não conseguira logo o registo definitivo da propriedade horizontal relativo à sua fracção.
18- O exequente, efectivamente, apresentou no dia 20/01/2009 um pedido de conversão definitivo do registo da propriedade horizontal quanto à fracção da qual, à data, era proprietário, tendo até pago a título de emolumentos €: 100,00.
19- No entanto, fora-lhe dito pela ajudante da Conservadora da Conservatória Predial de Portimão que, apesar do pedido apresentado por este, o registo não ficaria convertido em definitivo.
20- Indignado por ter pago por um pedido de registo que alegadamente lhe fora recusado, reclamou, inclusive, da não devolução do montante pago a esse título.
21- A esta reclamação coube uma resposta da Conservatória Predial de Portimão onde se diz:
“V. Exª apresentou o registo de conversão em definitivo após a Conservatória lhe ter explicado qual a qualificação que iria recair sobre o pedido de registo, nomeadamente que o registo seria apenas convertido parcialmente (…)”
22- Às dúvidas do exequente sobre se o registo da propriedade horizontal quanto à fracção “GQ”, estaria ou não convertido em definitivo, respondeu a Conservatória com informações sobre o registo da propriedade horizontal respeitante ao prédio na sua globalidade.
21- O prédio existe desde 1994 e ainda há diversas licenças de utilização por emitir.”
4. Está pois apenas em causa saber se, ao convencionarem que a parte do preço que ficou em dívida com a assinatura da escritura de compra e venda, cuja certidão se encontra a fls. 151, € 65.000,00, “serão pagos trinta dias após a conversão do registo de constituição da propriedade horizontal em definitivo”, as partes tiveram em vista a conversão em definitivo do registo de constituição da propriedade horizontal relativo ao prédio a que pertence a fracção ou, diferentemente, a conversão em definitivo do registo relativo à fracção vendida aos executados/oponentes.
Trata-se, portanto, de interpretar uma declaração negocial. Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça tem repetidamente observado, não cabe nos seus poderes de cognição e, logo, no âmbito do recurso de revista, a fixação do sentido real das declarações negociais emitidas pelas partes, no que se refere à determinação da sua vontade real, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos; apenas lhe é permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação (assim, e apenas como exemplo, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2008, 18 de Novembro de 2008, 16 de Abril de 2009, de 11 de Março de 2010, de 10 de Março de 2011 ou de 1 de Março de 2012, www.dgsi.pt, procs. nºs 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1, 5961/09.1TVLSB.L1.S1 e 353/2000.E1.S1).
Está em causa um negócio formal (compra e venda de imóveis, artigo 875º do Código Civil: “só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado”), feito por escritura pública.
Para a interpretação das suas cláusulas valem as regras definidas pelos artigos 236º e segs. do Código Civil, em particular pelo seu artigo 238º: a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante (nº 1 do artigo 236º), ou seja, com o sentido nela objectivado, apreensível por um destinatário medianamente sagaz e diligente, mas dotado das informações de que o destinatário real efectivamente tivesse. Tal sentido há-de ter “um mínimo de correspondência no texto” (nº 1 do artigo 238º), excepto se “corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem, a essa validade” (nº 2), em harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 236º.
No caso, não se apurou qual a vontade real dos contraentes, no que toca à cláusula a que respeita a controvérsia.
5. Ambas as interpretações encontradas nas instâncias têm “o mínimo de correspondência” com o texto da escritura, que a lei exige. Cumpre, portanto, ter em conta os factos que ficaram provados, de forma a determinar que sentido um intérprete mediano, nas condições atrás indicadas, atribuiria à expressão “conversão do registo de constituição da propriedade horizontal em definitivo”
Não releva, para este efeito, ser ou não “de legalidade duvidosa” a prática seguida na Conservatória do Registo Predial de Portimão, cujo conhecimento – quer da prática, quer da dúvida quanto a sua legalidade – se não pode esperar que o declaratário mediano a que se refere o nº 1 do artigo 236º do Código Civil conheça.
Também não se deve considerar a circunstância de, à data da escritura, já ter sido convertido em definitivo o registo, no que toca à fracção transaccionada. Nada no texto da escritura, ou nos factos provados, sugere que alguma das partes o soubesse e, portanto, pudesse ter formado a sua vontade com base nessa informação: não pode, assim, ser tida em conta para o apuramento do sentido da declaração.
Poder-se-á eventualmente questionar a validade de uma cláusula que subordina um determinado efeito contratual à verificação de um facto futuro e incerto (condição) que, afinal, se teria verificado já à data do contrato; mas essa é uma questão diferente e subsequente ao apuramento do sentido da cláusula.
6. Consta da escritura que foi exibida “certidão emitida pela (…) Conservatória em 16.01.2009”, “na qual o registo de propriedade horizontal ainda não estava convertido em definitivo quanto à fracção ‘GQ’” (ponto 15 dos factos provados). E vem provado, ainda, que “o exequente estava a tentar registar definitivamente a propriedade da sua fracção” (ponto 16), que não tinha conseguido “o registo definitivo da propriedade horizontal quanto à sua fracção” quando obteve a licença de utilização (ponto 17), que requereu a conversão em 20 de Janeiro de 2009 (antes, portanto, da escritura, realizada em Março seguinte), mas que ficou convencido de que tinha sido recusada (o que afinal não era exacto – cfr. pontos18 a 22).
Vem ainda provado que o motivo pelo qual o exequente aceitou dividir o pagamento em duas partes, ficando a segunda dependente da conversão do registo, foi o da falta de disponibilidade da totalidade do preço pelos executados/oponentes (pontos 11 a 14).
Igualmente se sabe que a escritura foi celebrada em Março de 2009 e que o registo provisório da constituição da propriedade horizontal relativo ao prédio foi efectuado em 1994, e ainda que “há diversas licenças de utilização por emitir” (ponto 21).
De todos estes elementos resulta que um vendedor medianamente avisado, com os conhecimentos de que o exequente dispunha, não entenderia a cláusula como referindo-se à conversão em definitivo de um registo efectuado como provisório quase 15 anos antes e para cuja realização faltava ainda obter “diversas licenças de utilização”, tanto mais que, como vem provado, foi no interesse do comprador que ficou por pagar parte do preço.
Do ponto de vista do comprador, também se não pode entender que um comprador mediano, colocado na sua posição, entendesse estar em causa o prédio, e não a fracção, e que a obrigação de pagar a segunda parte do preço pudesse ficar dependente de uma facto cuja concretização temporal era tão manifestamente incerta, sem que essa incerteza se justificasse por uma especial vantagem da contraparte. Ora os executados/oponentes nada alegam nesse sentido.
Recorde-se que, no requerimento de oposição, os executados/oponentes afirmam que “à data do negócio, ambas as partes sabiam, porque público, que a fracção ‘GQ’ (pertencente aos executados) já se encontrava convertida em definitivo”; ora sabe-se que, como frisou o acórdão recorrido, “a conversão do registo de propriedade horizontal em definitivo, respeitante à fracção vendida pelo exequente e adquirida pelos executados (fracção “GQ”,), ocorreu no dia 20/01/2009”; mas não há prova e que as partes dispusessem dessa informação quando contrataram; nem os executados o afirmam (“sabiam, porque público…”).
Conclui-se, assim, que o texto do contrato, interpretado de acordo com as circunstâncias em que as pares contrataram e com os elementos que conheciam, vale com o sentido de que a condição tida em vista pelos contraentes foi a da conversão em definitivo do registo provisório relativo à fracção vendida (GQ). Aliás, é este, sem dúvida, o sentido que conduz ao equilíbrio a que o artigo 237º do Código Civil se refere, no que respeita à interpretação de declarações proferidas em contratos onerosos, pelas razões já apontadas.
Os recorridos observam que esta interpretação os deixa desprotegidos, quando “pensaram proteger-se com tal cláusula” (interpretada como referindo-se ao prédio e não à fracção). Mas a verdade é que as partes não subordinaram a produção dos efeitos da compra e venda à conversão do registo em definitivo, mas apenas a obrigação de pagar o resto do preço; e, recorde-se, está provado que o fraccionamento do preço foi acordado em benefício dos compradores. Ou seja: os executados/oponentes não consideraram impeditivo da aquisição do direito de propriedade de uma fracção de um prédio relativamente ao qual a constituição de propriedade horizontal apenas está registada provisoriamente, correndo os riscos que referem nas suas alegações.
7. Sustentam ainda que “a transformação da propriedade horizontal, parcialmente, e somente quanto à fracção adquirida pelos executados é nula, por força do art. 16º al .c) do Código do Registo Predial”. Trata-se de questão que não releva no âmbito deste recurso, no qual se discute a interpretação de uma cláusula contratual.
Em último caso, a ter fundamento esta nulidade, teria que ser ponderado o efeito da aposição a um negócio de uma condição legalmente impossível, que todavia apenas respeita à exigibilidade do pagamento de parte do preço; mas tal problema extravasa manifestamente o objecto do recurso.
8. Subsiste, no entanto, o problema que resulta de o registo ter sido convertido em definitivo por referência a uma data anterior à da celebração da escritura, contrariamente ao que objectivamente significa a cláusula sob interpretação.
No entanto, o problema está ultrapassado pela atitude adoptada pelo exequente, que, segundo se dá nota na sentença, notificou extra-judicialmente os executados “para proceder ao pagamento do montante em dívida a 09-10-2009, data a partir da qual a exequente fixa os juros moratórios”.
9. Nestes termos, concede-se provimento à revista, revoga-se o acórdão recorrido e julga-se improcedente a oposição à execução, que deve prosseguir.
Custas pelos recorridos.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Orlando Afonso