Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1164/09.3JDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: HOMICÍDIO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
CONDENAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
PENA PARCELAR
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PROVA INDICIÁRIA
ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO
CAUSALIDADE ADEQUADA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 05/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Área Temática: DIREITO PENAL - PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO
DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA - RECURSOS
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 24.º, 25.º, 400.º, N.º1, AL. F), 410.º, N.º2 ALS. A) E B), 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B), 426.º, N.º 2, 426.º-A, 432.º, N.º 1, ALÍNEA B), 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 10.º, 203.º, 204.º, N.º1, ALÍNEA A), 254.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13/1/2011, PROC. Nº 316/07.5GBSTS.G2.S1, 5.ª SECÇÃO, SUMÁRIO ACESSÍVEL EM WWW.STJ.PT;
-DE 12/9/2007, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 21/10/2007, PROC. N.º 1772/07, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 15/04/2010, PROC. N.º 154/01.9JACBR.C1.S1, DA 5.ª SECÇÃO;
-DE 23/09/2010, PROC. N.º 65/09.0JACBR.C1.S1, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 29/09/2010, PROC. N.º 65/09.0JACBR.C1.S1, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 2/10/2010, PROC. N.º 651/09.8PBFAR.E1.S1, DA 3.ª SECÇÃO;
-DE 14/04/2011, PROC. N.º 117/08.3PEFUN.L1.S1, DA 5.ª SECÇÃO;
-DE 27/04/2011, PROC. N.º 7266/08.6TBRG.G1.S1, DA 3.ª SECÇÃO.
ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/95, DE 19 DE OUTUBRO, PUBLICADO NO DR 1.ª S/A, DE 28/12/95.
Sumário :

I - O art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, consagra o princípio da chamada dupla conforme, em virtude do qual, com o intuito de restringir os recursos para o STJ, reservando este Tribunal para os casos de maior complexidade, o legislador considera definitiva a decisão dos tribunais da Relação que confirmem decisões condenatórias que não ultrapassem um determinado limite, tomando como ponto de referência a medida concreta da sanção aplicada – no caso, pena não superior a 8 anos de prisão.
II - O que releva para tal efeito é, pois, a pena aplicada por cada crime conexo, em princípio objecto de um processo individualizado, cuja competência para o conhecimento de todos foi determinada por conexão, segundo as regras dos arts. 24.º e 25.º do CPP, e não o concurso de crimes.
III - Segundo jurisprudência constante e uniforme do STJ, depois da reforma introduzida pela Lei 59-98, de 25-08, o STJ apenas conhece oficiosamente dos vícios da matéria de facto, no âmbito de estatuição do art. 410.º, n.º 2, e por remissão e ressalva do art. 434.º, ambos do CPP, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
IV - No caso, porém, o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto e dessa alteração podem resultar vícios que inquinem de raiz a decisão, os quais nunca puderam ser reapreciados. O tribunal a quo apreciou vícios que foram arguidos pelos recorrentes, mas pode ter incorrido em outros, ao alterar a matéria de facto, socorrendo-se das provas produzidas (sobretudo de carácter indiciário) e condenando, em consequência, o recorrente numa pena de 12 anos de prisão por um crime – o de homicídio – pelo qual tinha sido absolvido na 1.ª instância.
V - No entanto, do conjunto dos factos dados como provados pela Relação, mesmo (ou sobretudo) depois das alterações propostas, resulta patentemente, uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Com efeito, deu-se como provado que o arguido, na sua residência, provocou a morte de Y, por forma concreta que não foi possível apurar em audiência de julgamento. Quer isto dizer que não está concretizada a acção típica, isto é, não se sabe em que consistiu o comportamento do arguido que supostamente provocou a morte da vítima.
VI - Para haver crime de homicídio tem necessariamente de ocorrer uma acção humana ou um comportamento omissivo que sejam causalmente adequados a produzir o resultado “morte”. Se se desconhece o tipo de acção ou o comportamento omissivo, fica também sem base qualquer consideração que se pudesse tecer acerca de um elemento essencial que se traduz na causalidade adequada do evento, sendo certo que só a causa adequada a produzi-lo, em termos de causalidade adequada, é relevante do ponto de vista da imputação jurídico-criminal do resultado ao agente.
VII - Ficando por apurar essa acção ou omissão, há uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Há uma morte, inevitavelmente, mas uma morte sem causa adequada que se conheça e sem móbil que justifique a acção ou omissão. Não há crime de homicídio sem uma acção ou omissão adequadas a produzi-la. Acresce que a “conclusão” de que o arguido agiu com intenção de provocar a morte se apresenta como não apoiada, não fundamentada e contraditória, face à não demonstração da acção ou omissão que provocou a morte. Ou seja, há uma contradição insanável na fundamentação, ao nível dos factos provados.
VIII - A apontada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e contradição insanável na fundamentação constituem vícios da matéria de facto, tipificados nas als. a) e b) do art. 410.º, n.º 2, do CPP, impedindo uma correcta decisão de direito, e determinando o reenvio do processo para novo julgamento.
Decisão Texto Integral:

            I.RELATÓRIO

            1.No 2.º Juízo do Tribunal de Cascais, no âmbito do processo comum colectivo n.º 1164/09.3JDLSB, foram julgados os arguidos AA e BB, o primeiro acusado da autoria material de um crime de homicídio qualificado e um crime de furto qualificado, e ambos, da co-autoria de um crime de profanação de cadáver.

No final, por acórdão de 22/07/2011, o arguido AA foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado e condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º n.º 1 alínea a) do Código Penal (CP), na pena parcelar de dois (2) anos e quatro (4) meses de prisão e de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254º n.º 1 alínea a) do CP, na pena parcelar de um (1) ano e dez (10) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de três (3) anos e oito (8) meses de prisão.

O arguido BB foi condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254º n.º 1 alínea a) do CP, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período.

Os arguidos foram ainda condenados a pagar à demandante a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, devidos desde a data da notificação para contestar até efectivo e integral pagamento, referente a danos não patrimoniais sofridos, ficando absolvidos do remanescente peticionado.

2.Ambos os arguidos e o Ministério Público recorreram da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de decidiu:
- negar provimento ao recurso do arguido, AA;

- conceder parcial provimento ao recurso do Ministério Público, condenando o arguido AA e, para além do que foi condenado em 1ª instância, como autor material de um crime de homicídio, p.p., pelo art.131, do Código Penal, na pena de doze (12) anos de prisão e na pena única de treze (13) anos de prisão;

- conceder parcial provimento ao recurso do arguido BB, fixando em €15.000 (quinze mil euros) o valor da indemnização a pagar por ele à demandante, por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data do acórdão de 1ª instância.

3.Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo sido admitido, por extemporâneo, o recurso da demandante CC. O arguido AA concluiu a sua motivação da seguinte forma:

A) O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspectos: a) impugnação da decisão de facto quanto à decisão condenatória ao arguido AA; b) Impugnação da matéria de direito relativamente a: l)Violação do princípio da livre apreciação da prova; 2) Da inexistência de responsabilidade penal pela alegada prática de crimes de homicídio, de profanação de cadáver e de furto qualificado; 3) Da medida da pena aplicável - Pena excessiva; 4) Da existência de fundamento para a suspensão da execução da pena relativamente ao arguido AA

B) Impugnação da matéria de facto: A douta sentença recorrida perfilha o entendimento de que as provas produzidas em audiência permitem fazer um juízo de segurança quanto ao facto de o arguido ter praticado os crimes de profanação de cadáver e de furto qualificado

1) Ora, esta fundamentação é inaceitável dado a situação de facto, tal como ela se desenrolou. Na verdade, conforme se demonstrará adiante a decisão é inaceitável dos aspectos impugnados por se entender que: a) Existem provas claras, que foram produzidas e examinadas em audiência, que impunham decisão diferente quanto ao arguido AA; b) que inexistem provas que possam condenar o arguido da prática de crimes homicídio, de profanação de cadáver e de furto qualificado; c) Não existe qualquer fundamento para a decisão de condenação.

2) Pontos de facto incorrectamente julgados e provas que impõem decisão diversa da recorrida:

Factos alegadamente ocorridos referentes ao crime de homicídio (artigo 6.º, 8.º e 21° da matéria dada como provada)

3) Refere o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o arguido AA terá sido o autor do crime de homicídio da vítima e que a justificação pata tal conclusão se funde na reapreciação das provas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento.

4) Importa ter presente que o Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais absolveu o arguido da prática de tal crime por considerar - quanto à defesa, bem- que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não era demonstradora de que tivesse sido o arguido a praticar tais factos, razão pela qual o absolveu.

5) Importa ainda esclarecer que resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que, naturalmente, foi trazida em sede de recurso pela defesa que resulta do depoimento do irmão da vítima e da testemunha que alegadamente entrou em contacto com o arguido AA que o mesmo afirmou "...que ele estava bem, mas vais ver que ele vai aparecer" como também disse "que ele disse que depois saiu com uns amigos."

6) Ou seja o Tribunal da Relação de Lisboa relevou o facto de o arguido ter contactado com o irmão da vítima informando para este "não se preocupar porque ele estava bem" mas não relevou o facto de o mesmo arguido ter informado à testemunha KK que a vítima havia saído do local onde se tinham encontrado com "outras pessoas" razão pela qual o Tribunal de primeira instância, entre outros elementos, considerou a possibilidade de inúmeras situações em particular que afasta a responsabilidade.

7) Neste ponto não deveria o Tribunal da Relação ter dado como provado o ponto 6.º, 8.º e 21° dos factos provados.

8) No que concerne aos factos 8 ° e 21° da matéria de facto alterada pelo douto acórdão não existe qualquer elemento probatório que ateste o que é alegadamente afirmado quanto ao uso do veículo automóvel. Relembre-se que nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou que havia visualizado o arguido AA a conduzir o veículo do ofendido após o alegado desaparecimento deste. Disseram, isso sim, que viram, em data não apurada, o arguido a conduzir um veículo de marca Mercedes, não conseguindo concretizar as datas. Em virtude de tal facto - e dado que encontra-se gravado tais depoimentos - pergunta-se: como foi possível então alterar a matéria de facto provada?

9) Recorde-se que o arguido foi acusado, entre outras coisas, de ter "fugido" do país após do alegado desaparecimento da vítima, tendo, inclusivamente sido, por diversas vezes, tentado pelo Ministério Público demonstrar com o depoimento da ex-namorada do arguido que o mesmo havia conversado para ir para o Brasil e/ou, por exemplo, que o mesmo se tenha mostrado nervoso no dia em que a vítima alegadamente desapareceu. Nenhuma das testemunhas referiu tal facto. Bem pelo contrário, negaram que tal tivesse acontecido. Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa, numa operação de corte e recorte, apenas e somente, considerou os elementos aos quais poderiam – na perspectiva do M.P.- incriminar o arguido não relevando - ao contrário do que é afirmado no douto acórdão - os elementos de prova carreados para os autos, pela própria defesa, sobre a não existência de tais elementos (a fuga; o pedir dinheiro emprestado às testemunhas para alegadamente fugir; ou o comportamento nervoso no dia dos alegados factos).

10) De igual modo se passou com a alegada tese de que o arguido se teria socorrido de uma testemunha para que esta disponibilizasse medicamentos para dormir, numa clara alusão à tese de que teria sido deste modo que o arguido teria surpreendido a vítima. Interrogado sobre esta matéria a testemunha nada disse que pudesse, sequer, levantar a suspeita de tal facto, reconduzindo o depoimento meramente para um pedido - em data que não se concretizou - para medicamentos para a dor de cabeça. Tais elementos conjugados traduzem-se na manifesta e fundada dúvida por parte do Tribunal de Primeira instância e que, salvo o devido respeito, por tal, não deveria ter sido alterado a matéria de facto dada como não provada.

E nem tão pouco existem elementos probatórios suficientes que demonstrem que apenas e somente este arguido poderia ter sido o autor dos factos constantes da acusação.

11) Factos alegadamente ocorridos referentes ao crime de profanação de cadáver

- A total inexistência de provas (ADN, sangue, impressões digitais) data da morte, modo como ocorreu, circunstâncias em que ocorreu e local bem como a participação do arguido e, consequente, participação no transporte e na ocultação do cadáver como veio a ser encontrado;

- Inexistência de provas que permitam assegurar que o arguido participou ou tinha conhecimento, ou devesse ter conhecimento;

- Que a vítima estava morta quando o seu corpo foi empurrado para a ravina;

12) Factos relacionados com furto qualificado;

- Inexiste qualquer prova do momento em que o arguido saiu de Portugal e porque razão o fez

-Não existe qualquer meio de prova que permita determinar que o veículo da vítima foi subtraído

- A inexistência de vestígios de ADN, sangue, impressões digitais no carro afastam a possibilidade de ter sido o arguido a subtraí-lo sem o consentimento da vítima;

- O veículo acabou por ser encontrado na via pública a cerca de 200 KMs do local onde o arguido foi detido e vários meses antes:

1) O Tribunal violou o princípio da apreciação da prova entrando, inclusivamente, em manifesta contradição para justificar, por um lado, os alegados comportamentos do arguido e por outro para não considerar, atenta as regras de experiência comum, a hipótese de ter existido uma relação comercial.

C) Impugnação da matéria de direito

Resulta inequivocamente que o Tribunal violou as regras de valoração de provas dada a total ausência de provas incriminadoras e que impunham a absolvição do arguido por via do princípio In dúbio pro reo

O arguido AA foi condenado na pena única de 13 (treze) anos. Atenta a impugnação da matéria de facto e direito atrás mencionada o arguido AA nunca poderia e deveria ter sido condenado a um crime de homicídio, de profanação e de furto qualificado.

Importa ainda ter presente que o arguido encontra-se detido, preventivamente, à ordem dos presentes autos (cf. despacho de fls...)

Resulta portanto demonstrado que o arguido deveria ter sido absolvido.

Pelo exposto e salvo o devido respeito considera-se as penas aplicadas excessivas.

Podemos concluir que é uma pena justa aquela que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.

127)       Ora, no caso em apreço e atenta a posição assumida pelo arguido AA no presente recurso é peremptório que o mesmo pugna pela sua absolvição em todos os crimes em que foi condenado.

128) Contudo e ainda que assim não se entenda, no todo ou em parte, é liquido afirmar que as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade de uma norma violada e, em segundo lugar, na análise da eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável - toda a pena tem um suporte axiológico - normativo a culpa concreta.

129) Parece-nos que no presente caso estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual as penas fixadas apresentam-se, salvo o devido respeito, altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente.

131) O douto acórdão recorrido considerou que a pena aplicável a este arguido (de acordo com o cúmulo jurídico efectuado) não deveria ser suspensa na sua execução.

132) O arguido encontra-se detido, preventivamente, à ordem dos correntes autos, estando completamente convictos que o contacto com o sistema prisional poderá desde já ter acautelado o arguido, quanto às consequências eventualmente emergentes da sua revogação;

133) De igual sorte, inexistem notícias nos autos que levem a crer em que o arguido não se encontre socialmente integrado, muito pelo contrário, existe o relatório social de fls..., o qual demonstra, salvo o devido respeito, que o arguido encontra-se fortemente inserido socialmente e profissionalmente (tendo inclusivamente continuado os estudos - doutoramento - no E.P.);

134) Somos de crer que a mera censura do facto e, muito em especial, a ameaça da pena, serão factores suficientemente inibitórios da prática de novas condutas criminosas e, por essa razão, a opção deveria ter sido - e deverá sê-lo - pela redução da pena e consequente suspensão da sua execução por se revelar adequado à salvaguarda das finalidades das penas.

135) Mostram-se verificados os requisitos estabelecidos no artigo 50° do CP., uma vez que está preenchida a prevenção especial nem tão pouco resulta demonstrado que a efectiva execução da pena seja indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias.

D)           Normas jurídicas violadas:

13)          O douto acórdão recorrido, na parte impugnada, violou o disposto no artigo 374°, n.° 2 e 127° do C.P.P; dado que não valorou a favor do arguido as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento

14) O douto acórdão violou o disposto nos artigos 40°, n.° 1 e 2 e 71° do CP. dado que impunha-se a absolvição do arguido AA ou, pelo menos, a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada pelo Tribunal de Primeira Instância.

15) O douto acórdão violou o disposto no artigo 50° do CP, dado que se impunha, atenta as circunstâncias que rodeiam o arguido AA e atento o princípio da prevenção especial, a suspensão da execução de pena privativa da liberdade com, se necessário, o cumprimento de injunções;

E) Cumprimento do disposto no art. 412°, n.° 3 e 4 do C.P.P.

16) Pontos que se consideram incorrectamente julgados: No que respeita aos pontos incorrectamente julgados, tal reconduz-se aos pontos vertidos nos pontos 6.º, 8.º, 9,10,11,13,14,15, 19, 20, 21, 25, 26, 27 da matéria dada como provada pelo douto Tribunal.

E.l Provas que impõem decisão diversa da recorrida: Depoimento da testemunha inspector DD; EE,FF; GG; HH; II, JJ,KK.

E.2. Provas que devem ser renovadas: Todas as indicadas supra, na impugnação e que impõem decisão diversa da recorrida.

Termina pedindo se dê provimento ao recurso e, em consequência:

- seja alterada a decisão da matéria de facto, no que respeita ao arguido AA, quanto à alegada participação nos crimes em que foi condenado

- em consequência da alteração da decisão da matéria de facto, seja absolvido da prática dos crimes de que foi condenado;

- seja decretada a violação dos artigos 187°, n.° 1 e artigos 18° e 34° da CRP; dos artigos 374°, n.° 2 e 127° do CRP; e artigo 32° da CRP; dos artigos 40°, n.° 1 e 2 e 71° do CR; do artigo 50° do CP.

.Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, concluindo:
1-Não é recorrível a decisão relativamente à matéria de facto e

2-à medida concreta das penas aplicadas em 1.ª instância e confirmadas pela Relação.

3-A pena concretamente aplicada por crime de homicídio – 12 anos de prisão – bem como a pena única do cúmulo jurídico das diferentes penas parcelares – 13 anos de prisão – não merecem qualquer censura, pelo que, nesta parte, o recurso deve ser julgado improcedente.

   4.Neste tribunal, o Ministério Público emitiu parecer em que secundou a posição do Ministério Público junto do tribunal “a quo” quanto à irrecorribilidade da decisão relativamente às penas parcelares confirmadas, às questões de facto colocadas, nomeadamente quanto ao crime de homicídio, e ainda quanto à medida da pena, visto ser manifestamente improcedente. Deste modo, concluiu pela rejeição do recurso.

 Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do CPP, respondeu a demandante CC, concordando com a posição do Ministério Público (rejeição do recurso) e aproveitando para reclamar a “pena máxima, legalmente prevista” pelo crime de homicídio, bem como impugnar os quantitativos indemnizatórios, quer pelo que diz respeito ao arguido AA, quer pelo que toca ao arguido BB, pretendendo que sejam condenados em quantitativos mais elevados.

Respondeu também o arguido AA, em que, depois de acrescentar um conjunto de novas questões, nomeadamente apontando vícios da matéria de facto e utilização de prova proibida relacionada com as escutas telefónicas, conclui pela manutenção das conclusões da motivação e, ao mesmo tempo, defende a anulação do acórdão recorrido ou o seu reenvio para novo julgamento.

5.No despacho preliminar, o relator foi de entendimento de que o recurso do arguido é apenas admissível quanto ao crime de homicídio, sendo impertinentes os acrescentos feitos por ele na resposta ao Ministério Público e impertinentes as considerações da demandante, que viu o seu recurso rejeitado, sem que tivesse reagido.

6.Colhidos os vistos, o processo veio para conferência para decisão, não tendo sido requerida a audiência de julgamento.

II.FUNDAMENTAÇÃO

7.Matéria de facto apurada.

7.1.Factos dados como provados, após alterados pela Relação:

Factos Provados:

[Acusação]

1. O arguido AA e LL conheceram-se em data não concretamente apurada, mas entre os anos de 2005 e 2008.

2. Em Junho de 2009 o arguido AA residia na mesma morada do arguido BB, sita na sita na Rua......., Edifício......., n.º 00, ... A, em Cascais.

3. Em Junho de 2009 o arguido AA utilizava o cartão de telemóvel com o n.º 0000000000, e LL utilizava o cartão de telemóvel com o n.º 0000000000.

4. Durante o mês de Junho de 2009, o arguido AA e LL contactaram telefonicamente várias vezes, através dos números referidos em 2.

5. No dia 25/06/2009, LL e o arguido AA estabeleceram contacto telefónico às 14:33:06 e às 19:19:51, tendo sido esta a última chamada efectuada por LL daquele telemóvel.

6. No dia 25/06/2009, depois das 18H50, LL saiu da sua residência, sita na Ajuda e, a convite do arguido AA, deslocou-se à residência deste, sita na Rua......., Edifício......., n.º 00, 00, em Cascais;

7. LL fez-se transportar no seu veículo automóvel, de marca Mercedes Benz, modelo C 220 CDI, com a matrícula 0000000000.

8. Na residência mencionada em 2, o arguido AA, no final do dia 25Jun.09, ou no dia 26Jun.09, por forma concreta que não foi possível apurar em audiência, provocou a morte do LL;[1]

9. Ou imediatamente a seguir à morte ou num dos dias imediatos, os arguidos transportaram o corpo de LL para uma zona de mato com declive pronunciado, junto da berma da Estrada Nacional 247-5, no local sito no ..........., onde um ou ambos os arguidos empurraram o corpo pela ravina.

10. Em data não concretamente apurada do final do dia 25 ou início do dia 26 de Junho de 2009, o arguido AA apoderou-se, de modo não apurado, do veículo Mercedes Benz, modelo C 220 CDI, com a matrícula 0000000000, que valia, pelo menos, € 15.000,00, e que fez seu.

11. Nos dias 26 e 27 de Junho de 2009 o arguido AA conduziu em Portugal o veículo Mercedes Benz, modelo C 220 CDI, com a matrícula 0000000000, que depois transportou para França.

12. No dia 26 de Junho de 2009 o arguido contactou FF para o cartão de telemóvel n.º 0000000000, tendo combinado um encontro em Queijas.

13. O arguido AA, fazendo-se transportar no referido Mercedes, pediu a FF € 150,00 emprestados e perguntou se conhecia alguém que quisesse comprar um veículo para peças.

14. Depois do dia 27 de Junho de 2009, o arguido AA não voltou a ser visto em Portugal.

15. O veículo automóvel, de marca Mercedes Benz, modelo C 220 CDI, com a matrícula 0000000000, foi recuperado no dia 28 de Abril de 2010, pelas 06H00, em Toulouse, França.

16. O arguido AA foi detido em França.

17. LL foi encontrado, em estado de cadáver (ossadas), no dia 27 de Julho de 2010, numa zona de mato cerrado com declive pronunciado, adjacente à berma da Estrada Nacional 247-5, no troço sito no Alto............, sentido descendente da via, a seguir a uma curva pronunciada à esquerda.

18. A maioria das ossadas encontrava-se a cerca de 4 metros de distância da estrada, debaixo do matagal que cobria a área, por cima da terra.

19. Quiseram ambos os arguidos esconder o cadáver de LL. 

20. O arguido AA agiu no propósito de fazer seu e de integrar no seu património o veículo de matrícula 0000000000, de que se apoderou, não obstante saber que tal veículo não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e em prejuízo do respectivo proprietário.

21. Os arguidos agiram sempre de forma livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

21-A. O arguido AA agiu com intenção de provocar a morte do LL, resultado que representou e quis concretizar;[2]

Mais se provou que:

[Arguido AA]

22. O processo de socialização do arguido realizou-se em contexto familiar estruturado, sem dificuldades económicas e com uma dinâmica positiva no relacionamento entre os seus elementos.

23. Durante a sua permanência em Portugal, o arguido não manteve actividade laboral estruturada com continuidade, mantendo-se na dependência de terceiros.

24. Tem um filho menor de idade, fruto de uma relação afectiva terminada em 2008.

25. Desde a separação e até à data da sua saída de Portugal, o arguido nunca contribuiu para o sustento do filho, nem o visitou, o mesmo se verificando nos meses que antecederam a sua prisão preventiva.

26. À data da sua detenção, o arguido residia em Argelés-sur-Mer, em França, e não desenvolvia actividade laboral remunerada.

27. O arguido detém capacidades intelectuais, apesar de ser diminuta a sua capacidade crítica.

28. Revela, desde a detenção, conduta institucional adequada, frequenta a escola para aperfeiçoar o domínio na língua portuguesa, e solicitou colocação laboral.

29. Do certificado de registo criminal do arguido, emitido em Portugal em 04/03/2011, nada consta.

30. Do certificado de registo criminal do arguido, emitido em França em 07/07/2007, constam onze condenações, por factos praticados entre 1990 e 1994:

-Ficha 1: Condenação em 4 meses de prisão cuja execução foi suspensa e multa no valor de 50.000 francos, por omissão ou falsa declaração sobre cedência de quotas e por declaração falsa ou incompleta por ocasião do registo da sociedade.

-Ficha 2: Condenação em 4 meses de prisão cuja execução foi suspensa e multa no valor de 10.000 francos (suspensão foi revogada), por abuso de confiança.

-Ficha 3: Condenação em multa no valor de 10.000 francos (suspensão foi revogada), por abuso de confiança.

-Ficha 4: Condenação em 1 ano de prisão e no confisco do objecto da infracção, por transporte de moeda contrafeita, por detenção de moeda contrafeita com vista à sua colocação em circulação e por receptação de bem proveniente de um delito que não excede a pena de 5 anos de prisão.

-Ficha 5: Condenação em 6 meses de prisão, por uso de falsificação num documento, por receptação de um bem proveniente de um roubo e por detenção sem autorização de arma ou munição.

-Ficha 6: Condenação em 2 anos de prisão e multa no valor de 100.000 francos, por burla, por falsificação, por uso de falsificação num escrito e por tentativa de burla.

-Ficha 7: Insolvência pessoal durante 15 anos

-Ficha 9: Condenação em 4 meses de prisão e multa no valor de 20.000 francos, por desvio ou destruição pelo devedor, pelo prestador ou pelo dono de objecto penhorado.

-Ficha 10: Condenação num ano de prisão cuja execução foi suspensa, na multa no valor de 50.000 francos e na insolvência pessoal por 10 anos, por falência – falta de contabilidade e desvio ou dissimulação de todo ou parte do activo.

-Ficha 11: Condenação em 6 meses de prisão e multa no valor de 10.000 francos, por burla.

-Ficha 12: Condenação em 1 ano de prisão cuja execução foi suspensa, em multa no valor de 50.000 francos, e na publicidade da decisão, por fraude fiscal.

[Arguido BB]

31. O arguido teve um processo de desenvolvimento normativo até ao início da idade adulta, bem inserido no seu meio familiar e social, mantendo os pais como elementos afectivos e protectores de referência.

32. Iniciou o consumo de estupefacientes no estrangeiro, em meio universitário, não tendo, desde então, conseguido efectuar um processo de tratamento/recuperação consistentes.

33. Presentemente, encontra-se desorganizado, sem capacidade crítica consistente.

34. Na sua vivência actual, além do suporte familiar, beneficia do apoio da namorada.

35. Do certificado de registo criminal do arguido, emitido em 21/02/2011, nada consta.

[Pedido de indemnização Cível]

36. Desde a data do desaparecimento de LL, em 25 de Junho de 2009, e a data em que o mesmo foi encontrado, a demandante, mãe de LL, passou por um estado de desespero, de angústia, medo, sofrimento, cansaço por noites sem dormir e dias de trabalho intenso, estando o seu pensamento, dia e noite, ocupado, apenas e sempre, no que havia sido feito ao seu filho.

37. A morte do filho causou na demandante um choque muito intenso e desgosto profundo, do qual ainda não recuperou e jamais esquecerá.

38. A demandante sofreu com a falta de notícias e desconhecimento do paradeiro de seu filho LL, angústia essa que durou 1 ano, 1 mês e 3 dias.

39. A demandante ficou desgostosa por não ter sido possível fazer um funeral condigno ao LL, que foi encontrado já em ossada, e que lhe foi entregue 6 meses depois.

40. A demandante é católica.

41. A demandante e o filho falecido tinham uma relação muito próxima, de total comunhão de aspiração de interesses, eram unidos e inseparáveis.

42. LL faleceu no estado de solteiro, não tendo deixado descendentes.

43. LL era vendedor da Remax e, nos cerca de 12 últimos meses anteriores ao seu desaparecimento, ajudava, juntamente com seus irmãos, a demandante no café, a Gelataria “E........”, sita na Rua de........, em Lisboa, em virtude de seu pai se encontrar acamado e em fase terminal, fruto de uma doença do foro oncológico.

44. A demandante padece, também, de doença grave, tendo o seu estado de saúde agravado após o desaparecimento do filho, por não ter podido descansar, em virtude de precisar de realizar dinheiro para ajudar a fazer face às responsabilidades bancárias que lhe começaram a ser exigidas pelos bancos onde o filho tinha contraído empréstimos.

45. A demandante enfrenta uma depressão nervosa profunda, por não ter descanso nos últimos 4 anos, derivado, por um lado, à doença e morte do marido, e, por outro, ao desaparecimento e notícia de morte de seu filho LL.

46. O desaparecimento de LL provocou na demandante constrangimento devido à divulgação e publicação na imprensa de notícias sobre o crime e da exposição ao público da vida privada do filho, e a pressão exercida pela Comunicação Social.

47. Esta situação determinou o encerramento do estabelecimento comercial da demandante durante cerca de uma semana.

48. Ao que acresce preocupação causada pelas dificuldades financeiras decorrentes dos 49. prejuízos que toda esta situação reflectiu no negócio que a demandante explora.

49. LL, atendendo aos seus rendimentos resultantes da sua actividade profissional, era o suporte financeiro dos Pais, adquirindo o LL e pagando os referidos empréstimos e demais encargos, designadamente, condomínios, casas para os Pais e irmão, que ainda hoje se encontram no património e cujas responsabilidades estão a ser assumidas.

50. O falecido LL tinha 40 anos à data do seu desaparecimento.

51. LL tinha alegria de viver, sonhos e projectos de vida.

52. Era empreendedor, trabalhador, generoso, amigo da família e dos amigos.

53. LL gostava de viver, do que era belo e do que lhe dava prazer: ajudar a família e os amigos, viajar, ter bons carros, boas casas, boa roupa, frequentar bons restaurantes e conviver com os amigos.

54. LL, à data do seu desaparecimento, era titular de várias contas bancárias, nas quais se encontram associados empréstimos/créditos à habitação, bem como créditos pessoais, e responsabilidades referentes a cartões de crédito.

[ContestaçãoBB]

55. O cadáver de LL foi encontrado na sequência da colaboração prestada pelo arguido BB.

7.2.Factos dados como não provados, após as alterações efetuadas pelo Tribunal da Relação:

 Não se provou que:

[Acusação]

a) Em data não concretamente apurada, mas que situará no decurso do primeiro semestre de 2009, motivado por razões que não foi possível apurar, o arguido AA decidiu tirar a vida a LL, tendo então começado a delinear um plano para lograr tal objectivo.
b) A deslocação mencionada em 6 dos factos provados foi para um encontro de natureza sexual.

c) Já no interior da residência, em hora não concretamente determinada, do mencionado dia 25 de Junho, o arguido AA muniu-se com um carregador de telemóvel e, de forma silenciosa e dissimulada, aproximou-se de LL, colocando-se atrás deste e, de seguida, rodeou o pescoço da vítima com o referido fio do carregador de telemóvel, apertando com força, até ter certeza de que LL se encontrava morto.

d) De seguida, colocou as mãos da vítima atrás das costas, e atou-as com uns atacadores.

e) Ainda nesse dia, a hora não concretamente determinada, mas que se situará entre 22h30m e as 23 horas, quando o arguido BB regressou a casa, ao entrar na sala, viu a vítima ajoelhada, com as mãos atadas atrás das costas, a cabeça e o tronco caídos sobre o sofá, e o fio de carregador de telemóvel enrolado à volta do seu pescoço.

f) Nesse momento, o arguido AA pediu ao arguido BB que o ajudasse a livrar-se do cadáver da vítima.

g) De seguida, o arguido AA revistou a vítima e retirou-lhe dos bolsos as chaves do veículo automóvel, de matrícula 00-00-00.

h) Na posse das mesmas, foi buscar o veículo automóvel e estacionou-o na parte de trás do prédio onde residia.

i) Acto contínuo, o arguido AA, ajudado pelo arguido BB, embrulharam a vítima num lençol, levaram-na até ao local onde se encontrava estacionado o mencionado veículo e, de seguida, colocaram-na, inanimada, no porta-bagagem.

j) Pelas 00h30m, e com o intuito de se desfazerem do corpo de LL, o arguido AA colocou-se ao volante do veículo de matrícula 0000000000, seguindo o arguido BB a seu lado, e tomaram a estrada em direcção à zona de Cobre, em Cascais.

k) Chegados à zona onde o cadáver veio a ser encontrado, o arguido AA parou o veículo na berma de estrada, no sentido descendente da via, após uma curva à esquerda e, com a ajuda do arguido BB, retiraram o lençol que envolvia a vítima e cortaram os atacadores que uniam os pulsos de LL atrás das costas.

l) Após, e sempre com o arguido AA ao volante, dirigiram-se para o Casino do Estoril.

m) No trajecto, o arguido AA disse ao arguido BB que deitasse fora o lençol que envolvia a vítima, assim como os atacadores, o que este fez.

n) O arguido AA propôs a FF a venda do veículo de matrícula 00-00-00, pela quantia de € 3.000,00, advertindo-o, contudo, que o veículo teria de ser desmontado, uma vez que não tinha os respectivos documentos.

o)FF, suspeitando da proveniência ilícita do veículo, rejeitou tal proposta.

p) A morte do LL ocorreu de imediato;[3]

q) O arguido AA apertou o pescoço da vítima, impedindo esta de respirar;[4]

r) Actuou o arguido AA no enquadramento de um embuste e cilada por si traçado e executado, com o propósito de tirar a vida a LL, o que conseguiu.

[Pedido de Indemnização Cível]

s) LL, antes de morrer, teve dores, sofreu com a consciência de que ia morrer, sofreu pela asfixia que provocaram as lesões descritas nos autos.

[Contestação AA]

t) LL combinou com o arguido AA disponibilizar-lhe o veículo Mercedes, para este se deslocar até França, após a transacção do imóvel, sito na Rua........

u) No dia 25 de Junho de 2009, entre as 21H45 e as 22H30, o arguido AA ausentou-se do imóvel sito na Rua......., 00, em Cascais, enquanto o arguido BB e LL negociavam produtos estupefacientes.

v) Entre as 22H30 e as 23H00, o arguido AA volta à habitação onde é abordado pelo arguido BB, num estado alterado devido ao consumo de substâncias psicotrópicas.

w) Em pânico, o arguido BB pede ao arguido AA que o ajude a “desembaraçar-se do corpo” de LL.

x) Ameaçando o arguido AA: “ou se ajudas, ou direi a toda a gente que foste tu que o aviaste”.

y) Tendo o arguido BB, auxiliado pelo arguido AA, introduzido o corpo do ofendido na bagageira da viatura.

[Contestação BB]

z) O arguido BB conheceu o arguido AA na “Albergaria Valbom”.

aa) O arguido BB trabalhou nessa Albergaria de Dezembro a Abril.

bb) Em Junho de 2009, o arguido AA manifestou interesse em comprar a casa do arguido BB.

cc) O arguido AA ameaçou o arguido BB, e aos seus pais, de morte.

dd) Os actos de BB constituíram meros instrumentos manuseados por AA.

ee) Desde então, o arguido BB viveu num clima de terror e perturbação.

8.Motivação da convicção da 1.ª instância:[5]

Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção com base em toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, valorada e analisada na sua globalidade.

Factos Provados

Facto 1

O tribunal teve em consideração o testemunho de GGG, companheira do arguido entre os anos de 2005 e 2008, e que confirmou que o arguido AA conhecia LL (cujas fotografias - fls. 5 e 6 - reconheceu), por este ser cliente do estabelecimento que explorava à data, referindo que durante o período da sua gravidez, o arguido ajudou-a no café.

Também a testemunha DD, irmão de LL, referiu que dias antes do desaparecimento deste, o irmão estava ao computador e comentou que o arguido AA, que tinha conhecido anos antes, queria saber se ainda tinha o Porshe e se morava sozinho.

Facto 2

Confirmou a testemunha EE, em Junho de 2009 namorada do arguido AA, que ele viveu num apartamento situado por detrás do “Jumbo” de Cascais, que depois foi para um hotel, e que, depois, ele ficou em casa de um amigo, tendo lá ido uma vez. Confrontada a testemunha com o teor de fls. 444 a 457, confirmou ser esta a casa do amigo onde foi ter com o arguido AA.

Resulta também dos testemunhos dos Inspectores da PJ MM, NN e OO que, no decurso das diligências efectuadas (conforme relatos de diligência externa de fls. 12 a 14, 19 a 21, 28 a 30, 48 e 49) com vista a localizar o paradeiro de LL e do arguido AA, deslocaram-se à “Albergaria Valbom”, tendo ali obtido a informação junto de um funcionário que o arguido AA tinha lá estado hospedado algum tempo, antes dos factos objecto destes autos, e que, quando se foi embora, deixou umas malas com bens pessoais.

Factos 3, 4 e 5

Mostram-se documentados nos autos os números de cartão de telemóvel atribuídos quer ao arguido AA, quer a LL – fls. 77 do Apenso A e fls. 69 e 440 destes autos

Da análise do Apenso A, designadamente do teor de fls. 78 a 81, e de fls. 107 a 111 retira-se que nos dias 10/06/2009, 11/06/2009, 17/06/2009, 19/06/2009 e 25/06/2009, o arguido AA e LL estabeleceram contacto telefónico.

Resulta ainda dos testemunhos de DD e do Inspector OO que por estes foi tentado o contacto para o n.º de telemóvel de LL, o irmão logo desde o dia 26, e a PJ quando tomou conta da ocorrência, no dia 27 de Junho, ambos sem sucesso.

Factos 6 e 7

A testemunha JJ, que à data residia na mesma casa de LL, disse que no dia 25 de Junho de 2009 estava a estudar quando, por volta das 16H00, o LL chegou a casa, tendo este comentado consigo que ia beber um café com o “Francês” a Cascais. Disse também que cerca das 18H50 saiu (a testemunha) de casa, não o tendo voltado a ver.

Resulta também dos testemunhos conjugados de DD, de II, amiga da família, e de JJ que quando deram pelo desaparecimento de LL, o seu Mercedes também não estava em casa – a testemunha JJ referiu ainda que no dia 26 de Junho andou, com o DD, à procura do veículo na A5.

Factos 8, 9, 17, 18, 19, 21 e 55

Resulta dos testemunhos dos Inspectores LL e PP, que o cadáver de LL (identidade confirmada posteriormente através de relatório pericial de medicina dentária, conforme decorre de fls. 1156 a 1196 - original constante de fls. 1632 a 1665) foi encontrado no dia 27 de Julho de 2010, mostrando-se a respectiva diligência documentada a fls. 1108 a 1136.

Acrescentaram os mencionados inspectores que a diligência foi precedida de uma outra, no dia anterior (relato de diligência externa de fls. 1104), e na qual se fizeram acompanhar de BB, tendo sido este quem indicou o local onde o cadáver, já em ossada, veio a ser encontrado.

Em relação à causa da morte, não foi possível apurar a mesma, conforme se afere dos Relatórios Periciais de Vestígios Biológicos (fls. 1458 a 1459) e de Antropologia Forense (fls. 1627 a 1630).

Por referência a este último Relatório, porém, é possível retirar que LL, quando foi encontrado, já se encontrava morto, pelo menos, há um ano, o que, conjugado também com o testemunho de DD, que foi peremptório em afirmar que o irmão nunca se ausentaria sem o comunicar (quer por causa dos seus compromissos profissionais, quer devido ao auxílio que, à data, prestava aos pais), nos leva a cingir o momento da morte de LL, num primeiro passo, entre o final do dia 25 de Junho de 2009 e o dia 27 de Julho de 2009 (um ano antes de ser encontrado).

É cingido, num segundo passo, para o final do dia 25 de Junho de 2009 e os dias que se seguiram, pelo que a seguir se refere (ocultação de cadáver e facto de o arguido AA deixar de ser visto a partir de 27 de Junho de 2009).

Em relação ao facto 9, e no que toca à actuação do arguido BB, desde logo assume relevância a circunstância de ter sido este quem indicou o local onde o cadáver veio a ser encontrado.

Resulta dos testemunhos dos Inspectores lle PP, e também das fotografias que instruem o “relatório de inspecção” de fls. 1108 a 1136, que o local onde o cadáver veio a ser encontrado situava-se numa zona de mato cerrado, com declive acentuado, não sendo o cadáver visível da estrada adjacente, concluindo-se assim que apenas quem o tivesse lá deixado saberia indicar esse local (assim se afastando a possibilidade de, por exemplo, alguém lhe ter contado onde estava o cadáver).

Em relação à actuação do arguido AA (na ocultação), tal advém de um conjunto de factos que permitem tal ilação. Desde logo, é pouco plausível que fosse apenas o arguido BB, que não conhecia sequer LL, e com quem nunca teve qualquer tipo de relação. Pelo contrário, resulta da prova produzida em audiência que era o arguido AA quem conhecia LL (facto 1), que foi o arguido AA que se apoderou do veículo Mercedes (factos 10 e 11, que adiante se fundamentarão), e que, depois do dia 27 de Junho de 2009, não voltou a ser visto em Portugal (facto 14).

A circunstância de o cadáver ter sido encontrado em estado de ossadas, debaixo do matagal, mas por cima da terra, a cerca de 4 metros de distância da estrada; e, por outro lado, o facto de um corpo, depois de morto, pesar mais do que vivo (tal resulta das regras de experiência comum), permite a ilação de o corpo foi empurrado, por um ou por ambos os arguidos, e, também, que quando tal aconteceu LL já estaria morto.

Ao que acresce que, na contestação que os arguidos apresentaram, ambos admitem ter ocultado o cadáver de LL. Não se tratando de uma confissão, nem como tal sendo valorado, não deixa, contudo, de ser a posição que os arguidos assumiram no processo.

Factos 10, 11, 12, 13 , 14, 20 e 21

Resulta dos testemunhos de EE, GG, FF e DDD, os três últimos amigos de AA, conjugados com a análise cruzada de fls. 78 a 81 do Apenso A, que nos dias 26 e 27 de Junho de 2009 o arguido AA conduziu um veículo Mercedes azul, e que os últimos contactos telefónicos do mesmo, com referência ao cartão referido no facto 2, datam de 27 de Junho de 2009, clarificando a testemunha EE que ele “sumiu” depois dessa data.

É certo que nenhuma das mencionadas testemunhas conseguiu identificar o veículo cabalmente, maxime indicando matrícula, o que não se estranha. Porém, disse a testemunha FF que o arguido, exceptuando a última vez que estiveram juntos, sempre foi ter consigo a pé. A testemunha FF referiu que no encontro que teve com o arguido, este perguntou-lhe se conhecia alguém que quisesse comprar um veículo para peças. E a testemunha GG quando confrontado com fls. 933, disse ser esse o veículo que viu o arguido AA conduzir.

O desaparecimento de LL, que depois aparece morto, coincide com o momento em que o arguido AA foi visto a conduzir um Mercedes azul, que depois vem a aparecer em França, País onde o arguido AA também veio a ser detido.

De resto, o arguido AA, na contestação apresentada, admite ter conduzido o veículo até França, justificando, porém, tal acto, que o fez a anuência e conhecimento de LL.

Além de nenhuma prova ter sido feita em relação a tal alegado conhecimento e consentimento, o mesmo não tem sequer lógica – desde logo, e tal resulta dos testemunhos do irmão (testemunhas DD) e amigos (testemunhas II e JJ), que LL era apegado aos vários veículos que foi detendo ao longo dos anos, não os emprestando a ninguém, nem sequer ao irmão; por outro lado, também não resulta dos mesmos testemunhos que LL tivesse referido essa possibilidade de “negócio”, o que seria previsível que fizesse (dado o “perfil” que da vítima resultou em audiência); por fim, porque o veículo, em rigor, não pertencia a LL, uma vez que estava em leasing.

Quanto ao valor do veículo, resultando embora da análise do contrato e aditamento constantes de fls. 839 e 840, que o valor do leasing, em Maio de 2008, foi de € 58.381,24, explicou a testemunha QQ, jurista e representante da Sofinloc, que à data da celebração do contrato o veículo em causa foi avaliado, pela Sofinloc (com recurso a um programa específico, que “trabalha” com várias premissas - marca e modelo do veículo, ano, kilometragem, se é veículo importado ou não, etc.) em € 21.750,00/valor de venda ao público e em € 17.000,00/valor de venda ao comerciante. Acrescentou ainda a testemunha que, actualmente, o veículo já foi vendido, a um comerciante (mecânico) francês, pelo valor de € 3.500,00, referindo que esse foi o melhor valor possível com vista a minimizar os custos (custo da deslocação do veículo de França para Portugal, além de que o veículo apresentava problemas de motor e danos no interior). O valor dado como provado – pelo menos € 15.000,00 – decorre, assim, e partindo-se do valor de € 21.750,00, da inerente desvalorização do veículo (pelo facto de ter mais Km e mais um ano).

Factos 15 e 16

Tais factos mostram-se documentados nos autos – Apenso G.

Factos 22 a 35

O tribunal teve em consideração os relatórios sociais e os certificados de registo criminal dos arguidos, constantes de fls. 1800, 1935 a 1940, 1948, 1959 a 1954 e 2390 a 2396.

A testemunha RR, colega da mãe do arguido BB, salientou o apoio familiar de que este beneficia, descrevendo-o como pessoa pacífica e de bom trato.

Factos 36 a 54

O tribunal teve em consideração os testemunhos de DD e SS, filhos da demandante, TT, sobrinha da demandante, UU, prima afastada da demandante, JJ, VV, XX, ZZ e AAA, amigos da família, e de BBB, médica assistente da demandante, conjugados com a análise crítica dos documentos de fls. 1573 a 1625 e de 1837 e 1838.

De modo unânime, todas as testemunhas salientaram, por um lado, o carácter e personalidade amiga, generosa, dedicada, presente e profissional de LL, quer com a família, quer com amigos; e, por outro, a angústia, a incerteza e o sofrimento de toda a família, e, em particular, da demandante, a esperança em que o filho regressasse, e que se prolongou até à notícia do aparecimento do cadáver. Realçaram igualmente a intranquilidade, que perdura na demandante, pelo facto de não ter conseguido fazer um funeral digno (família católica).

Mais atestaram as testemunhas que, no plano financeiro, ficou a família “sobrecarregada” com o pagamento dos encargos que eram da responsabilidade de LL, também documentalmente comprovados.

Por fim, confirmou a testemunha ZZ que a demandante padece de um problema oncológico, que na sequência do desaparecimento do filho a demandante ficou com uma depressão muito profunda, sempre na esperança de o encontrar, ao que acrescia a doença do marido.

Factos não provados

Factos a) a r)

Ficaram por apurar a causa da morte (que, só por si, não obstaria à conclusão de estarmos perante um homicídio), mas, sobretudo, as circunstâncias em que a morte de LL ocorreu.

Não prestaram os arguidos declarações e nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou tal ocorrência (a morte).

Resultaram, sim, do cômputo da prova produzida em audiência, uma série de indícios que, de facto, apontam os arguidos (sobretudo o arguido AA) como sendo os únicos possíveis envolvidos nessa morte. Assim:
- O arguido AA e LL conheciam-se desde data anterior ao desaparecimento deste último, tendo mantido contacto telefónico durante o mês de Junho (factos provados 1 e 4).
- A última chamada recebida por LL proveio do cartão de telemóvel que era usado pelo arguido AA, às 19H19, do dia 25 de Junho de 2009, quando este se encontrava na zona de Cascais, senão na residência onde à data habitava (R........, 00), pelo menos perto (conforme se afere pela localização BTS indicada no Apenso A, a fls. 80, conjugada com a informação de fls. 754).
- LL comentou com a testemunha JJ, antes das 18H50 do dia 25 de Junho de 2009, que ia a Cascais beber um café com o “Francês”.
- No dia 26 de Junho de 2009, DD, irmão de LL, através do cartão de telemóvel n.º 000000000, contactou o arguido AA para o n.º referido em 2 dos factos provados, para saber se este sabia do irmão, ao que o arguido lhe respondeu que o irmão estava bem.
- Também a testemunha GG, a pedido de DD, disse que no dia 26 de Junho de 2009 contactou o arguido AA através do telemóvel de uma amiga, tendo-lhe comunicado a preocupação da família, ao que ele lhe respondeu para não se preocuparem, tendo-lhe também confirmado que tinha estado com LL na noite anterior.
- Nos dias 26 e 27 de Junho de 2009, para além de conduzir o veículo de LL, o arguido AA tentou obter junto de alguns amigos quantias monetárias emprestadas (assim o disseram as testemunhas GG, HH,FF, CCC e DDD, todas contactadas pelo arguido nesses dias, via telemóvel), tendo ainda comentado com as testemunhas EE e DDD que ia viajar.
- Depois do dia 27 de Junho de 2009 não se encontrou AA em Portugal.
- Em data que não foi possível apurar, mas durante o mês de Junho de 2009, o arguido AA perguntou a EEE, seu conhecido, se tinha comprimidos para dormir, referindo este que achou estranho tal pedido e que não gostou da conversa.
- O arguido AA era frequentador do Casino, com alguma assiduidade (assim o disseram as testemunhas GG e FFF).
- O arguido AA, enquanto permaneceu em Portugal, e com excepção de um período em que auxiliou a então companheira GGG no café (quando esta se encontrava grávida), não exerceu actividade lícita remunerada.
- Enquanto esteve hospedado na “Albergaria Valbom”, o pagamento das despesas foi efectuado com recurso a dois cartões de crédito de duas empresas (testemunhos dos Inspectores MM e NN e documentos recolhidos).

Aventou o Ministério Público nas alegações que fez, que o arguido AA teve oportunidade, motivação, coragem e determinação para matar LL, destacando a sua personalidade, por um lado, de pessoa simpática, por outro, de “burlão” (por referência ao CRC francês).

Os referidos indícios (que se verificam), admitem, em teoria, uma multiplicidade de hipóteses de morte e/ou de causar a morte, os quais são, porém, insuficientes para este tribunal poder, de forma lógica e segura, concluir pela ocorrência de uma morte causada por outrem de forma intencional. Não é de excluir, ante os indícios provados, que a morte tenha ocorrido de forma negligente, ou, então, pela ocorrência de ofensas às quais sobrevieram a morte sem que tal resultado fosse desejado.

Pela acusação a motivação possível seria de natureza sexual; já nas alegações, alvitrou o Ministério Público a motivação económica (referindo que o arguido vivia à custa de terceiros). Da prova produzida resulta que esta última hipótese até pode ter sido a motivação, mas, em concreto, tal não ficou demonstrado.

Por outro lado, não há porque excluir totalmente a possibilidade de também o arguido BB ter alguma ou toda a responsabilidade na ocorrência morte (o próprio Ministério Público o admitiu, ao requerer, em acta, que se extraísse certidão de todo o processado com vista a instauração de inquérito contra o arguido BB).

Em suma, e não se tratando de questionar o modo como a investigação foi conduzida, conforme salientou a Defesa do arguido AA em alegações, porquanto não se vê que outras diligências pudessem ter sido feitas, certo é que suscita-se, em face de toda a prova, uma dúvida razoável sobre o sucedido e, sobretudo, sobre a intervenção/participação do arguido AA.

Facto s)

Resulta da ausência de prova nesse sentido (não se conseguindo provar o modo como a morte ocorreu, não é possível aferir da existência de dor)

Factos t) a ee)

Resulta, também, da ausência de prova nesse sentido, remetendo-se para o que já acima se expôs.

9. Fundamentação da alteração da matéria de facto na Relação:

Impugna o Ministério Público, ainda, a matéria constante dos factos provados nºs8 e 9 e das als.f, a k, p, e q, dos não provados.

Segundo o recorrente deverá ser dado como provado que o arguido AA pôs termo à vida do LL, com a consequente alteração daqueles factos não provados.

Em relação a estes factos, a fundamentação o tribunal recorrido refere “Resultaram, sim, do cômputo da prova produzida em audiência, uma série de indícios que, de facto, apontam os arguidos (sobretudo o arguido AA) como sendo os únicos possíveis envolvidos nessa morte”, de seguida enunciando as razões em que se apoiam esses indícios.

Contudo, não aceita a decisão recorrida esses indícios como permitindo concluir pela autoria do arguido AA na morte da vítima “Os referidos indícios (que se verificam), admitem, em teoria, uma multiplicidade de hipóteses de morte e/ou de causar a morte, os quais são, porém, insuficientes para este tribunal poder, de forma lógica e segura, concluir pela ocorrência de uma morte causada por outrem de forma intencional. Não é de excluir, ante os indícios provados, que a morte tenha ocorrido de forma negligente, ou, então, pela ocorrência de ofensas às quais sobrevieram a morte sem que tal resultado fosse desejado”.

Este raciocínio, de exigir a exclusão de todas as outras hipóteses possíveis para formar a convicção num certo sentido, não merece o nosso acolhimento pois, para que o tribunal possa concluir de forma segura de certo modo, não é necessária a prova de exclusão de qualquer outra hipótese abstracta, determinante é que se forme a convicção segura num certo sentido.

Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, por douto acórdão de 13Jan.11[6], “a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano. Jamais este pode basear-se na absoluta certeza. O sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade, que permita afastar a situação de dúvida razoável”.

Importa ter presente, ainda, que nem sempre é possível a prova directa do facto criminoso, admitindo a lei prova por indícios, só assim sendo possível, em muitos casos, a afirmação do direito[7].

Não sendo questionada a morte do LL, por o seu corpo ter sido encontrado cerca de um ano após o desaparecimento, importa analisar onde pode a mesma ter ocorrido e quem foi o seu autor.

Como vimos, a prova produzida permite concluir que o LL saiu da sua residência em Lisboa, no dia 25/06/2009, depois das 18H50, com destino à residência do arguido AA, sita na Rua......., Edifício......., nº00, ...A, em Cascais, a convite do mesmo AA.

A última chamada recebida por LL proveio do cartão de telemóvel que era usado pelo arguido AA, às 19H19, do dia 25 de Junho de 2009, quando este se encontrava na zona de Cascais, senão na residência onde à data habitava (R........, 00), pelo menos perto (conforme se afere pela localização BTS indicada no Apenso A, a fls. 80, conjugada com a informação de fls. 754).

No dia seguinte, quando a família e amigos deram por falta do LL e não o conseguiram contactar, estranhando a sua ausência e silêncio, contrários aos seus procedimentos de rotina, contactaram o arguido AA, confirmando este que estivera com o LL na noite anterior e dizendo que este estava bem e que não deviam preocupar-se.

Perante estes elementos de prova é seguro concluir que o que se passou foi no domínio do arguido AA, de outro modo não teria ele confirmado que esteve com o LL e tentado convencer o irmão e amigos deste a não se preocuparem e que o mesmo estava bem.

O domínio do AA era a sua própria residência, para onde o LL se dirigia e de onde este foi contactado por aquele, pela última vez, pelas 19.19h.

Que tudo se terá passado depois dessa hora e durante essa noite, decorre da impossibilidade de o contactar que família e amigos constataram a partir do início da manhã do dia seguinte, contra o que era regra.

Que o LL já estava sem vida no dia 26 de Junho de 2009 e que tal facto era do conhecimento do arguido AA, resulta de forma inequívoca de vários elementos de prova.

O arguido AA passou a circular com o veículo Mercedes pertencente ao LL (facto confirmado pelas testemunhas, GG e FF), quando várias testemunhas (DD, II e JJ) sublinham o apego do mesmo ao carro, não o emprestando, sequer, ao irmão.

Essa circulação, aparentemente despreocupada, revela que o arguido AA sabia que o LL não o podia interpelar e permite compreender que tenha dito ao irmão do LL e amigos deste, que o mesmo estava bem, para não se preocuparem, desse modo ganhando tempo antes que a família alertasse as autoridades.

Por outro lado, durante esse mesmo período, o arguido AA procurou desfazer-se do veículo vendendo-o para peças (depoimento da testemunha FF), sinal que tinha a sua disponibilidade, mas não legitimidade para o alienar e procurou obter empréstimos junto de amigos (depoimento da testemunha GG, a quem pediu e de quem obteve €100, o que é corroborado pela testemunha HH, com o mesmo intento tendo contactado, sem sucesso, a testemunha CCC), referindo a testemunha GG que o AA disse que o dinheiro pedido se destinava a combustível.

Estes factos, ocorridos imediatamente após o dia 25Jun.09, revelam, inequivocamente, a intenção do arguido AA se afastar da zona da sua residência, o que concretizou, deixando de ser visto em 27Jun.09, data dos últimos contactos com referência ao cartão de telemóvel referido no nº3 dos factos provados, salientando a testemunha EE que ele “sumiu” depois dessa data, o que é corroborado pelo facto do veículo Mercedes ter vindo a ser apreendido em França meses depois e ele detido nesse mesmo país tempos depois dessa apreensão.

Estes elementos de prova, manifestamente, tornam infundadas as dúvidas manifestadas pelo tribunal recorrido.

Com efeito, as referidas acções do arguido AA, nomeadamente a forma como usava e dispunha do Mercedes, revelam que ele sabia da morte do LL.

Por outro lado, o que disse ao irmão e amigos do LL no dia seguinte, confirmando o encontro e que este estava bem, para não se preocuparem, assim como o seu aproveitamento imediato dos bens do falecido, através da apropriação do Mercedes e tentativa de se desfazer dele, ou afastar-se com ele da zona, não são compatíveis com a morte daquele provocada por acto que não fosse intencional e da sua responsabilidade, pois nesse caso nada teria a esconder.

Por último, a ocultação do cadáver, considerada provado no nº9 dos factos provados, só é compatível com a morte da vítima na casa do AA, pois a ter ocorrido noutro local, não se compreenderia essa ocultação, a qual também corrobora a conclusão de ter havido acto intencional do arguido AA na concretização da mesma.

Em conclusão, analisada toda a prova produzida em audiência, é possível formar um juízo seguro de certeza que a morte do LL ocorreu no final do dia 25Jun.09, ou no dia 26Jun.09, na residência do arguido AA mencionada em 2 dos factos provados e foi provocada intencionalmente por este, de modo concreto que não foi possível apurar em audiência.

Ao contrário do que pretende o Ministério Público, a prova produzida em audiência não permite esclarecer de forma mais precisa o considerado provado no nº9, nomeadamente em que veículo foi transportado o corpo da vítima e a demora da viagem até ao local onde foi deixado o corpo:

Em consequência, altera-se a matéria de facto nos seguintes termos:

Factos Provados:

“…

8. Na residência mencionada em 2, o arguido AA, no final do dia 25Jun.09, ou no dia 26Jun.09, por forma concreta que não foi possível apurar em audiência, provocou a morte do LL;

….

21-A. O arguido AA agiu com intenção de provocar a morte do LL, resultado que representou e quis concretizar;

Matéria de facto não provada:

….

p) A morte do LL ocorreu de imediato;

q) O arguido AA apertou o pescoço da vítima, impedindo esta de respirar;

10. Questões a decidir:

- Questão prévia da rejeição parcial do recurso (crimes de furto e de ocultação de cadáver; impugnação da matéria de facto;

- Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.

- Medida da pena.

 10.1 O Ministério Público levantou, quer na resposta à motivação de recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, quer no Supremo Tribunal de Justiça (parecer de fls. 2905 e ss.) a questão da rejeição do recurso quanto aos crimes punidos com penas inferiores a 5 anos de prisão e em que a decisão da 1.ª instância foi confirmada, e ainda quanto à impugnação da matéria de facto).

  O tribunal de 1.ª instância condenou o recorrente nas penas de 2  anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a) do CP, e na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo art. 254.º, n.º 1 do CP.

Em recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou a decisão quanto a tais crimes e respectivas penas.

Ora, dispõe o ar. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP que não é admissível recurso «de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»

É a consagração do princípio da chamada dupla conforme, em virtude do qual, com o intuito de restringir os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, reservando este tribunal para os casos de maior complexidade, o legislador considera definitiva a decisão dos tribunais de relação que confirmem decisões condenatórias que não ultrapassem um determinado limite, tomando como ponto de referência a medida concreta da sanção aplicada – no caso, pena não superior a 8 anos de prisão.

O que releva para tal efeito é, pois, a pena aplicada por cada crime conexo, em princípio objecto de um processo individualizado, cuja competência para o conhecimento de todos foi determinada por conexão, segundo as regras dos arts. 24.º e 25.º do CPP, e não o concurso de crimes. Tal entendimento, que já era uniforme no domínio da lei anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, tem sido o adoptado por este Tribunal, não obstante ter desaparecido a expressão mesmo em caso de concurso de infracções, existente na redacção da lei antecedente. Com uma restrição mais: a referência, actualmente, é a pena aplicada e não a pena aplicável, como anteriormente sucedia. O que significa que a possibilidade de recurso para o STJ foi drasticamente restringida, nos casos de crimes em que a pena aplicada não seja superior a 8 anos de prisão. A confirmação destas penas pela Relação estabelece uma base de confiança e de solidez, levando o legislador ordinário, dentro dos seus poderes de conformação do recurso consentidos pelo art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República, o qual se basta com um único grau de reapreciação por um tribunal superior, a fechar a porta à pluralidade de recursos para os tribunais superiores, com excepção, evidentemente, do recurso de constitucionalidade, que será sempre garantido, mesmo nos casos em que as relações decidam definitivamente.
Com a reforma introduzida pela referida Lei n.º 48/2007, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha da reforma anterior e reservando para o Supremo Tribunal os casos de maior gravidade.
Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva focada de restrição do recurso para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável em abstracto, pretendesse levar o STJ a conhecer de todos os crimes que formam um concurso de infracções, mesmo que tais crimes correspondam àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou que, tendo já passado pelo crivo da Relação, e não sendo crimes de bagatela, viram as respectivas condenações confirmadas por aquela, até um limite de gravidade tido como razoável, a partir do qual se justifica a revisão do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça (Cf., entre muitos outros, os acórdãos de 21/10/2007, Proc. n.º 1772/07, da 3.ª Secção; de 15-04-2010, Proc. n.º 154/01.9JACBR.C1.S1, da 5.ª Secção e de 2/10/2010, Proc. n.º 651/09.8PBFAR.E1.S1, da 3.ª Secção).
Consequentemente, não sendo admissível o recurso relativamente aos crimes singulares por que o recorrente foi condenado, quer no referente à medida das penas, quer a quaisquer outras questões de direito com eles relacionados, rejeita-se o recurso nessa parte (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP).

10.2. Impugnação da matéria de facto.

O arguido põe em causa a decisão recorrida relativamente à matéria de facto, impugnando o resultado a que chegou o Tribunal da Relação com base na percepção que ele próprio manifesta acerca da prova produzida em audiência de julgamento. Basta atentar nas conclusões 2 a 12 da motivação de recurso, para se ver que o recorrente passa completamente por cima da natureza deste tribunal, que é um tribunal de revista, ao qual compete apreciar matéria exclusivamente de direito (artigos 432.º, n.º 1, alínea c) – parte final -  e 434.º, ambos do CPP).

O recorrente alega como se estivesse a recorrer para um tribunal de instância, mais concretamente para o Tribunal da Relação, indicando pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e provas que imporiam decisão diversa da recorrida. Porém, o que foi julgado pela Relação em matéria de facto, mesmo em relação ao crime de homicídio, considera-se definitivamente decidido. Ou seja, a matéria de facto encontra-se estabilizada, não sendo lícito ao STJ reapreciar as questões pertinentes a tal matéria.

Apenas poderia, eventualmente, surpreender vícios da matéria de facto, no âmbito de estatuição do art. 410.º, n.º 2 e por remissão e ressalva do art. 434.º, ambos do CPP.

Segundo jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, depois da reforma introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o STJ apenas conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis (entre outros, vejam-se os acórdãos de 23-09-2010, Proc. n.º 65/09.0JACBR.C1.S1, da 3.ª Secção; de 29-09-2010, Pproc. n.º 65/09.0JACBR.C1.S1, também da 3.ª Secção, de 14-04-2011, Proc. n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1, da 5.ª Secção; de 27-04-2011, Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1, da 3.ª Secção).

No caso, porém, o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto e dessa alteração podem resultar vícios que inquinem de raiz a decisão, os quais nunca puderam ser reapreciados. O tribunal “a quo” apreciou vícios que foram arguidos pelos recorrentes, mas pode ter incorrido em outros, ao alterar a matéria de facto, socorrendo-se das provas produzidas (sobretudo de carácter indiciário) e condenando, em consequência o recorrente numa pena de 12 anos de prisão por um crime – o de homicídio – pelo qual tinha sido absolvido na 1.ª instância. Aliás, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR 1.ª S/A, de 28/12/95, impõe o conhecimento oficioso desses vícios, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, tanto mais que, como se disse, a Relação alterou a matéria de facto e, em relação a ela, não existiu duplo grau de jurisdição.

Ora, o tribunal “a quo” alterou o n.º 8. dos factos provados, dele fazendo constar o seguinte:

Na residência mencionada em 2., o arguido AA, no final do dia 25 de Junho de 2009, ou no dia 26 de Junho de 2009, por forma concreta que não foi possível apurar em audiência, provocou a morte de LL.

Acrescentou ainda um novo número – o 21-A, do qual consta:

O arguido AA agiu com intenção de provocar a morte do LL, resultado que representou e quis concretizar.

     Do conjunto dos factos dados como provados, mesmo (ou sobretudo) depois das alterações propostas, resulta, patentemente, uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.

Com efeito, deu-se como provado que o arguido, na sua residência, provocou a morte de LL, por forma concreta que não foi possível apurar em audiência de julgamento. Quer isto dizer que não está concretizada a acção típica, isto é, não se sabe em que consistiu o comportamento do arguido que supostamente provocou a morte da vítima. Desconhece-se em que circunstâncias, em que condições e com que meios provocou o arguido tal morte. Não se sabe que acção praticou o arguido ou que acção deixou de praticar (omissão) para produzir aquele resultado. No caso de acto positivo, desconhece-se que meio foi utilizado para levar a cabo o referido objectivo, perfilando-se uma variedade infinita de meios que podiam ter sido mobilizados para tal desiderato. Inclusive é possível congeminar hipóteses em que a própria vítima pudesse ter concorrido para tal fim, por se ter envolvido, ou dado azo ou incentivado qualquer acção perigosa – facto que, de alguma maneira, se poderia ter ligado a determinadas motivações que se desconhecem, pois o próprio móbil do crime permaneceu ignorado.

Desconhecendo-se a forma como o arguido supostamente actuou ou deixou de actuar, no caso de lhe ser exigível que actuasse (por exemplo, por ter colocado a vitima em perigo), não se sabe se o comportamento do arguido era ou não adequado a produzir a morte da vítima. Este desconhecimento é tanto mais grave, quanto não foi possível realizar autópsia ao cadáver, dado terem sido encontradas apenas ossadas, e, portanto, fica-se na ignorância da causa da morte.

Para haver crime de homicídio, tem necessariamente de ocorrer uma acção humana ou um comportamento omissivo que sejam causalmente adequados a produzir o resultado “morte”. Ora, se se desconhece o tipo de acção ou o comportamento omissivo, fica também sem base qualquer consideração que se pudesse tecer acerca de um elemento essencial que se traduz na causalidade adequada do evento, sendo certo que só a causa adequada a produzi-lo, em termos de causalidade adequada, é relevante do ponto de vista da imputação jurídico-criminal do resultado ao agente.

O art. 10.º do CP dispõe: 1 – Quanto um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei (sublinhados nossos).

Ora, não se sabendo qual foi a acção ou omissão levada a cabo, falta, desde logo, o elemento-base para a configuração do crime. Talvez por isso, o facto dado como provado sob o n.º 8. é que o arguido provocou a morte de LL (e não que lhe tirou a vida, ou que o matou). Provocar a morte é um conceito muito mais amplo e indefinido, que abrange uma multiplicidade de hipóteses e que, de modo nenhum, se reconduz  à acção adequada ou omissão da acção adequada.

Por conseguinte, ficando por apurar essa acção ou omissão, há uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão. Há uma morte, inevitavelmente, mas uma morte sem causa adequada que se conheça e sem um móbil que justifique a acção ou omissão. Não há crime de homicídio sem uma acção ou omissão adequadas a produzi-la.

Por seu turno, com o acrescento do art. 21 –A da matéria de facto provada, deu-se como assente que o arguido agiu com intenção de provocar a morte de LL, resultado que representou e quis concretizar.

Este segmento da matéria de facto conflitua ou está em contradição com o dado como provado no n.º 8. e que acima analisámos.

Como é que houve intenção de provocar a morte, se não se sabe qual foi o comportamento causal do arguido? Se não se sabe em que consistiu a acção ou omissão que se lhe pudessem imputar? Se se desconhece a causa que teria de ser adequada a produzir a dita morte?

Como é que se foi para a intenção ou dolo directo (a modalidade mais intensa de conduta dolosa), se o acto ou omissão que materializariam, que constituiriam o substracto objectivado da atitude subjectiva do arguido não se encontram explicitados? Porquê o dolo directo e não o dolo necessário ou eventual? Por que não um resultado preterintencional, em que o arguido, por mera suposição, não quisesse a morte de LL, mas esta tivesse ocorrido, sendo-lhe o resultado pelo menos imputável a título de negligência? E por que não uma morte por mero acidente, não obstante o arguido ter ocultado o cadáver? O simples “ter provocado a morte”, sem se saber qual a acção ou omissão que a tal conduziu, compadece-se com muitas causas e estas com uma multiplicidade de atitudes subjectivas.

De sorte que a “conclusão” de que o arguido agiu com intenção de provocar a morte apresenta-se como não apoiada, não fundamentada e contraditória. Ou seja, há uma contradição insanável na fundamentação, ao nível dos factos provados.

A apontada insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e contradição insanável na fundamentação constituem vícios da matéria de facto, tipificados nas alíneas a) e b) do art. 410.º, n.º 2 do CPP, impedindo uma correcta decisão de direito.

Como tal, não se vislumbra outra solução senão a de reenviar o processo para novo julgamento, a fim de se sanarem aqueles vícios e julgar-se, então, de direito consoante a prova que se obtiver e for possível, segundo as várias soluções plausíveis.

DECISÃO:

11. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao recurso interposto pelo arguido AA:

- Rejeitar o recurso, por inadmissível, no que toca à apreciação dos crimes de furto qualificado e de ocultação de cadáver (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP);

- Reenviar parcialmente o processo para novo julgamento no Tribunal da Relação de Lisboa relativamente às questões concernentes ao crime de homicídio enunciadas no n.º precedente e outras (designadamente o móbil ou a motivação do crime) que directa ou instrumentalmente se relacionem com as mesmas, de modo a chegar-se a uma correcta solução de direito do ponto de vista da concretização da acção ou omissão causalmente adequadas a provocar a morte de LL e sua imputação ao agente a título de culpa, decidindo-se a final pela condenação ou absolvição, conforme o resultado a que se chegar. (artigos 426.º, n.º 2e 426.º-A do CPP). 

Ficam prejudicadas as demais questões.

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Maio de 2012

 Os Juízes Conselheiros


Lisboa, 10 de Maio de 2012

Rodrigues da Costa (Relator)
Arménio Sottomayor
________________________________

1. [1] Anteriormente à alteração deste ponto, a redacção, tal como provinha da 1.ª instância, era a seguinte: A morte de LL ocorreu ou no final do dia 25 de Junho de 2009, ou nos dias imediatos, de modo não apurado.

[2] Este ponto foi acrescentado, pois não constava da matéria de facto dada como provada na 1.ª instância.
[3] A redacção anterior, tal como provinha da 1.ª instância, era a seguinte: Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, LL sofreu a morte, que ocorreu de imediato.

[4] A redacção anterior, tal como provinha da 1.ª instância, era a seguinte: O arguido AA, ao agir pela forma descrita – apertando o pescoço de LL – impediu a vítima de respirar e, assim, e como era seu firme propósito, provocou-lhe a morte por estrangulamento.
 
[5] Excepcionalmente, transcreve-se a convicção do tribunal de 1.ª instância, a fim de se perceber melhor as razões que levaram o Tribunal da Relação a alterar a matéria de facto.

[6] Proc. nº316/07.5GBSTS.G2.S1 - 5.ª Secção, Relator: Isabel Pais Martins, sumário acessível em www.stj.pt.

[7] Como decidiu o S.T.J., por acórdão de 12Set.07, Relator Armindo Monteiro, acessível em www.dgsi.pt:

“…

I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).


    III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
    IV - A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
    V - O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.

…”.