Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002225
Parecer: P000052003
Nº do Documento: PPA1102200300500
Descritores: REFORMA AGRÁRIA
NACIONALIZAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO
DIREITO A INDEMNIZAÇÃO
TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO
MOBILIZAÇÃO
DIREITO POTESTATIVO
PAGAMENTO
DÍVIDA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
CONSENTIMENTO
LIBERDADE CONTRATUAL
AUTONOMIA DA VONTADE
PROPOSTA
CONTRATO
VALIDADE
PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE
EFICÁCIA
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
ACÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
CONCURSO DE CREDORES
PREFERÊNCIA DE CRÉDITO
GRADUAÇÃO
TRIBUNAL
OBRIGATORIEDADE DA DECISÃO
JUNTA DO CRÉDITO PÚBLICO
Livro: 00
Numero Oficio: 361
Data Oficio: 01/14/2003
Pedido: 01/21/2003
Data de Distribuição: 01/30/2003
Relator: JOÃO MIGUEL
Sessões: 01
Data da Votação: 10/09/2003
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: PGR
Entidades do Departamento 1: DESPACHO DE S EXA O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 11/24/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 12-02-2004
Nº do Jornal Oficial: 36
Nº da Página do Jornal Oficial: 2515
Indicação 1: HOMOLOGADO POR S. EXA O SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO E FINANÇAS
Indicação 2: ASSESSOR:TERESA BREIA
Área Temática:DIR CONST * DIR FUND / DIR ADM / DIR CIV * TEORIA GERAL * DIR OBG / DIR PROC CIV
Ref. Pareceres:P001851979Parecer: P001851979
P000421986Parecer: P000421986
P000451998Parecer: P000451998
CB00272001Parecer: CB00272001
Legislação:DL 406-A/75 DE 1975/07/29 ART5; DL 407-A/75 DE 1975/07/30 ART6; L 80/77 DE 1977/10/26 ART1 ART18 ART29 ART31 ART36 ART38; DL 343/80 DE 1980/09/02; L 36/81 DE 1981/08/31; L 5/84 DE 1984/08/31; DL 332/91 DE 1991/09/06; DL 213/79 DE 1979/07/14; DL 456/79 DE 1979/11/21; DL 334/80 DE 1980/08/29 ART1 ART3 N1 H ART4 N1 B ART8; DL 332/85 DE 1985/08/16; DL 199/88 DE 1988/05/31; DL 150/91 DE 1991/04/15; DL 199/91 DE 1991/05/29; DL 38/95 DE 1995/02/14; DL 197-A/95 DE 1995/03/17; PORT 359/78 DE 1978/07/07; PORT 556/78 DE 1978/09/15; PORT 61/79 DE 1979/02/06 ART1 ART2; PORT 120-A/79 DE 1979/03/14 ART1 N1 N2 N6; PORT 43/81 DE 1981/01/15; PORT 465/81 DE 1981/06/05; PORT 885/82 DE 1982/09/20; DN 153/83 DE 1983/06/28; DN 42/84 DE 1984/02/27; DN 15/85 DE 1985/03/30 ; DL 111/77 DE 1977/03/26 ART1 ART2 ART3; DL 78/78 DE 1978/04/27; DL 374/78 DE 1978/12/02; DL 262/79 DE 1979/08/01; DL 528/76 DE 1976/07/07 ART10; CCIV66 ART219 ART408 ART601 ART604 ART762 N1 ART817 ART822 N1 ART837; CPC67 ART671 N1 ART856 N1 ART864 N1 B ART865 N1; CONST76 ART205 N2
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que aprova as indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados, parcialmente modificada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, por sua vez alterado por ratificação pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, tipiciza as situações admissíveis de mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização e disciplina, directamente ou por remissão para textos normativos, os meios de mobilização;
2. A dação desses títulos em cumprimento das dívidas às instituições de crédito, observadas as condicionantes de tempo e de forma previstas legalmente, e da sua interdependência em relação às nacionalizações ou expropriações que os criaram, constitui um direito potestativo do seu titular a que as instituições de crédito não se podiam escusar;
3. Tendo sido formulada proposta de dação em pagamento, nos termos, prazo e condições previstas na lei e não havendo outros tipos de credores que os mencionados no artigo 31.º, a ordenação e graduação dos créditos e formas de pagamento, apurado o valor das indemnizações, atenderá ao disposto na Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, complementada com os Despachos Normativos n.os 153/83, de 28 de Junho, 42/84, de 27 de Fevereiro, e 14/85, de 30 de Março;
4. Com a celebração do contrato de dação em pagamento das dívidas a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, opera-se simultaneamente a extinção de tais dívidas e a transferência do direito de propriedade sobre os títulos representativos do direito à indemnização do devedor para o credor;
5. Instaurada acção executiva, por dívidas excluídas da previsão do artigo 31.º da Lei n.º 80/77 ou, em certos casos, nele incluídas, e ordenada a penhora de títulos representativos do direito a indemnização ainda pertença do devedor, a forma e modo de pagamento ordenado por decisão judicial, impõe-se a todas as entidades, públicas ou privadas, e rege-se pelas disposições próprias da legislação civil e processual civil.

Texto Integral:

Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:

1.
O Senhor Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) dirigiu-se a Vossa Excelência[1], solicitando a emissão de parecer pelo Conselho Consultivo relativamente a pagamento de indemnização por expropriação no âmbito da reforma agrária, em face das divergências suscitadas quanto à graduação dos créditos.
Tendo Vossa Excelência considerado de interesse para o exercício das funções do Ministério Público o esclarecimento da questão colocada, foi a mesma distribuída como parecer.
Posteriormente, viria a ser-lhe conferida natureza urgente[2], em face das razões para tanto aduzidas pelo IGCP[3], relativas, por um lado, a insistências várias dos tribunais que decretaram ordens de penhora, no sentido de este proceder ao pagamento imediato dos valores em causa em cada uma dessas acções executivas, e, por outro lado, por os montantes das indemnizações se encontrarem em condições de serem disponibilizados aos diversos credores e ao próprio indemnizando, caso, quanto a este, remanesça alguma importância, podendo ser lesadas as expectativas legítimas das diversas entidades, persistindo o atraso nesse pagamento.
Cumpre, pois, emitir parecer.
2.
A situação de facto mostra-se enunciada nos termos que, por extracto, se retiram do expediente recebido:
“João José Franco Barroso é titular do direito a duas indemnizações atribuídas em virtude da expropriação, no âmbito da reforma agrária, de terras que lhe pertenciam, bem como de terras pertença de seu pai, entretanto falecido e de que aquele é único herdeiro.
Desencadeado o competente processo, junto dos serviços da antiga Junta de Crédito Público, com vista a fazer valer os direitos a tal indemnização, foi comunicada a esta entidade a existência de diversas dívidas de João José Franco Barroso a instituições várias, dentre as quais se destacavam instituições de crédito.
A legislação então publicada[1] permitia que fossem introduzidas situações de suspensão do pagamento da indemnização no sistema informático, em virtude do conhecimento da existência dessas dívidas, pelo que a mesma foi objecto de diversas suspensões a pedido de tais entidades.
Posteriormente, foi celebrado com algumas delas contratos de dação dos créditos correspondentes à indemnização, uma vez mais à luz de normas legais que previam essa possibilidade[2]. Na sequência dos mesmos, algumas delas prescindiram das penhoras que já tinham sido decretadas a seu favor, dado que os preceitos citados foram interpretados como dispensando os credores de interpor acção executiva, configurando-se, no fundo, como um processo mais célere e simplificado de satisfação do seu interesse. Note-se que tais entidades não podiam recusar a aceitação desta forma de pagamento dos seus créditos, a qual se configurava como uma verdadeira obrigação que sobre os bancos impendia e que, por vezes, atentas as taxas de juro então praticadas, se traduzia numa desvantagem significativa do ponto de vista financeiro.
Em data posterior, foram intentadas por outras entidades acções várias contra João José Franco Barroso, das quais resultaram diversas ordens de penhora de parcelas do montante indemnizatório, dirigidas ao IGCP, as quais foram tidas em devida conta. As mesmas encontram-se ordenadas em função da prioridade temporal da notificação (...).
Impendem, ainda, sobre a indemnização dívidas a repartições de finanças, igualmente elencadas em tal quadro, bem como a cessão de créditos do direito à indemnização a uma pessoa singular, Manuel Carcajeiro.
Encontrando-se, presentemente, as referidas indemnizações calculadas, impõe-se proceder à ordenação dos diversos créditos entre si, por forma a permitir a competente disponibilização dos valores.
Ora, sobre este ponto, duas teses se confrontam, sendo precisamente sobre esta matéria específica que gostaríamos de conhecer o entendimento da Procuradoria-Geral da República, por forma a determinar qual das duas posições deve prevalecer. Com efeito, existe uma tese segundo a qual deve prevalecer o interesse dos credores que têm a seu favor uma penhora, só sendo os demais satisfeitos se porventura o montante indemnizatório for suficiente. A segunda tese parte do entendimento de que o Estado, através de legislação específica, deu garantias às instituições que comunicaram os seus créditos de que os mesmos se encontravam em pé de igualdade com os dos credores tutelados através de acções judiciais, entendimento este que poderá ter sido, de algum modo, transmitido aos interessados pela própria Junta do Crédito Público.”
Como decorre do excerto transcrito, a questão restringe-se a saber como ordenar os créditos de instituições de crédito e de outras entidades, decidindo se deve prevalecer o interesse dos credores que têm a seu favor uma penhora ou, ao invés, se o Estado, “através de legislação específica, deu garantias às instituições que comunicaram os seus créditos de que os mesmos se encontravam em pé de igualdade com os dos credores tutelados através de acções judiciais”[4].
Começar-se-á, por isso, por conhecer o quadro legal que rege o regime das indemnizações da reforma agrária.


3.
1. O princípio da indemnização devida pelas expropriações e nacionalizações determinadas na execução da política de reordenamento fundiário foi afirmado em todos os diplomas que sucessivamente enquadraram juridicamente a intervenção fundiária, logo a partir dos artigos 5.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75 e 6.° do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 29 e 30 de Julho, respectivamente.
No entanto, o primeiro diploma coerente e ordenado sobre a determinação das indemnizações devidas aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados de vários sectores da economia e da propriedade só foi publicado em 1977 - Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro[5] [6].
Esta Lei estabelece no artigo 1.º, n.º 1, o “princípio da justa indemnização”, fixando-se no número seguinte o quadro objectivo gerador do direito à indemnização: ”As nacionalizações de empresas, de acções e outras partes do capital social de empresas privadas, as nacionalizações de prédios realizadas nos termos do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, e as expropriações efectuadas ao abrigo das Leis da Reforma Agrária, desde 25 de Abril de 1974, conferem aos ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados ou expropriados o direito a uma indemnização, liquidada e efectivada nos termos e condições da presente lei.”
No artigo 2.º estabelece-se que a atribuição do direito à indemnização se processa em duas fases, uma provisória e outra definitiva, desenvolvendo nos artigos 8.º a 12.º e 13.º a 17.º, os critérios para calcular os valores das indemnizações provisórias e definitivas, respectivamente.
O Capítulo II da Lei n.º 80/77 regula a determinação do valor da indemnização (exercício do direito à indemnização - secção I; indemnização provisória - secção II; indemnização definitiva - secção III).
Para a atribuição da indemnização definiu-se no artigo 6.º o principio da instância e do pedido:
"1. Os ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados ao abrigo da legislação sobre reforma agrária deverão entregar no Ministério da Agricultura e Pescas uma declaração, [...], na qual se identifiquem os declarantes, se individualizam os prédios objecto de nacionalização ou expropriação e se refira se exerceram o direito de reserva e, em caso negativo, se e como pretendem exercê-lo.
2. [...]".
O artigo 8.º dispõe sobre o valor da indemnização provisória:
"1. O valor provisório da indemnização será calculado:
a) (...)
b) Relativamente aos prédios rústicos, em função do valor fundiário, calculado a partir do rendimento inscrito na matriz à data da expropriação e com aplicação de taxas de capitalização, a fixar, para cada concelho, por decreto-lei.
c) Relativamente aos capitais de exploração referidos no n.º 3 do artigo 1.º, com base no inventário existente na altura da expropriação ou, na sua falta, por avaliação directa."
2. (...)"
À indemnização definitiva reportam-se os artigos 13.º e segs.
Neste âmbito, sublinhe-se que no artigo 15.º, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, passou a prever-se que “O valor da indemnização definitiva pela nacionalização ou expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária será fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e da Agricultura e Pescas, de acordo com princípios e regras a definir pelo Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 37.º”.
Note-se que o cálculo das indemnizações definitivas pela nacionalização e expropriação de bens e direitos no âmbito da "reforma agrária" foi definido mais especificamente através do Decreto-
-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, publicado no desenvolvimento do regime base contido na Lei n.º 80/77, para dar execução ao estabelecido no artigo 37.º deste diploma, com a definição dos critérios de avaliação dos bens e direitos a indemnizar, bem como do processo para a determinação do valor das indemnizações
[7].
Ao pagamento da indemnização reporta-se o Capítulo III, compreendendo os artigos 18.º a 28.º. Destes, interessa conhecer o teor dos dois primeiros:
“Artigo 18.º
1. Com excepção do disposto no artigo 20.º[8], o direito à indemnização, tanto provisória como definitiva, efectiva-se mediante entrega ao respectivo titular, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos termos e condições constantes dos artigos seguintes.
2. O Governo regulará, por decreto, sob proposta do Ministro do Ministro das Finanças, as condições de entrega dos títulos.
“Artigo 19.º
1. Os empréstimos a emitir para os fins previstos ao artigo desdobrar-se-ão em várias classes, em função do montante global a indemnizar por titular, às quais corresponderão prazos de amortização e de deferimento progressivamente mais longos e taxas de juro decrescentes.
2. Para os efeitos referidos no n.º 1, a determinação das taxas de juro, anos de amortização e período de deferimento far-se-á em função das classes definidas pelos montantes globais a indemnizar de acordo com o quadro anexo.
Não se afigura necessário transcrever as demais normas deste Capítulo, debruçando-se o Capítulo IV - artigos 29.º a 36.º - sobre a mobilização de títulos representativos do direito à indemnização.
Por interessarem à matéria em apreciação, conheçamos o teor dos artigos 29.º a 31.º, com as alterações que resultaram do Decreto-Lei n.º 343/89, de 2 de Setembro, e Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto:
Artigo 29.º
1. Para os efeitos da mobilização prevista no presente capítulo será considerado, para os títulos representativos do direito à indemnização, o valor que resultar da actualização, à taxa correspondente à classe I definida no quadro referido no artigo 19.º, dos valores correspondentes ao pagamento de juros e amortizações a que os títulos conferem direito.
2. Só poderão exercer o seu direito à mobilização as pessoas singulares ou colectivas directamente indemnizadas pelo Estado ao abrigo das disposições da presente lei, ou os seus sucessores por morte.
3. Para além do que se dispõe no n.º 5 do presente artigo e nos artigos 31.º, n.º 2, 32.º, n.os 3 e 4, 33.º, n.os 3 e 4, e 34.º, n.º 3, exceptuam-se ainda do disposto no n.º 1 as operações realizadas ao abrigo dos artigos 30.º e 35.º, para as quais poderão ser fixadas, pelo Governo, taxas mais favoráveis, tendo em conta, respectivamente, as necessidades orçamentais e a política habitacional.
4. O Governo poderá estabelecer condições mais favoráveis de mobilização e repatriação de rendimentos para benefício dos trabalhadores emigrantes e suas famílias.
5. Poderão ser estabelecidas pelo Governo, ouvido o Banco de Portugal, condições mais favoráveis para a realização de novos investimentos produtivos ou para a constituição ou o saneamento financeiro de pequenas e médias empresas em sectores produtivos pelos titulares de direito a indemnizações cujo montante global se situe entre as classes I e IX.
“Artigo 30.º
Os titulares do direito à indemnização poderão utilizar os títulos representativos desse direito para efectuar o pagamento de impostos directos referentes a obrigações fiscais nascidas antes de 1 de Janeiro de 1977, bem como dos correspondentes juros de mora ou outros encargos que acresçam àqueles.”

Por sua vez, o artigo 31.º, dispõe:
“1. Os titulares do direito à indemnização poderão também utilizar os títulos representativos desse direito para dação em pagamento de dívidas, contraídas antes da nacionalização ou expropriação, do titular do crédito à Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência, ao Fundo de Desemprego ou a instituições de crédito.
2. Os titulares do direito à indemnização pela nacionalização ou expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária poderão também utilizar os títulos representativos desse direito para dação em pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação e relativas à actividade agrícola exercida nos prédios nacionalizados ou expropriados, provenientes de empréstimos concedidos ao titular pelo Ministério da Agricultura e Pescas ou por serviços nele integrados, por caixas de crédito agrícola mútuo, por empresas públicas ou por quaisquer instituições nacionalizadas.
3 - A mobilização prevista nos números anteriores poderá efectuar-
-se imediatamente pelo valor nominal dos títulos.”

A redacção desta norma resulta das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro[9], que lhe aditou um n.º 2, que constitui o actual n.º 3, na sequência do aditamento do actual n.º 2 pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto[10].
O artigo 32.º, na redacção da Lei n.º 36/81, estabelece:
“1. As instituições de crédito poderão conceder crédito com pagamento caucionado por títulos representativos do direito à indemnização aos titulares desse direito desde que aquele se destine ao financiamento de investimentos directos produtivos, ou à realização do capital social de empresas, e tal seja necessário para a efectivação de investimentos produtivos ou para o saneamento financeiro das empresas respectivas.
2 - Poderão ainda ser abrangidos igualmente para o efeito do disposto no n.º 1 os investimentos integráveis em contratos de desenvolvimento para a exportação, em contratos de viabilização ou em qualquer outra forma de intervenção contratual do Estado ou de entidade pública para o efeito por ele designada.
3 - A mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização para o efeito de saneamento financeiro de empresas poderá efectuar-se imediatamente pelo valor nominal dos títulos e será regulamentada por portaria do Ministro das Finanças e do Plano.
4 - A mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização para efeito de realização de investimentos produtivos não abrangidos pelo número anterior poderá ser efectuada por valor superior ao referido no n.º 1 do artigo 29.º e será regulamentada por portaria do Ministro das Finanças e do Plano.
5 - O saneamento financeiro a considerar, ainda para o efeito do disposto no n.º 3, deverá ser acompanhado directa ou indirectamente pelo Estado, em condições a regular pelo Governo através de decreto-lei.
6 - Para o efeito do n.º 1, os titulares dos créditos a mobilizar deverão apresentar em qualquer instituição de crédito um projecto pormenorizado de investimento, acompanhado de estudos de natureza técnica, económica e financeira, cuja viabilidade deve ser expressamente reconhecida pela instituição de crédito.”

Prevendo a necessidade de produção de legislação complementar estabelecia-se no artigo 36.º, na sua versão inicial, que seriam fixadas por decreto-lei as restantes condições a que deveriam obedecer as diversas formas de mobilização dos títulos representativos do direito às indemnizações previstas nos artigos anteriores, bem como os sectores económicos produtivos em que, para a realização de capital de empresas, poderia ser usada a faculdade conferida no artigo 32.º e no n.º 1 do artigo 33.º A redacção deste preceito foi alterada pelo aludido Decreto-Lei n.º 343/80, nos seguintes termos:
“Artigo 36.º
Serão fixadas por portaria do Ministro das Finanças e do Plano as restantes condições a que deverão obedecer as diversas formas de mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização previstas nos artigos anteriores.”

Por último, os artigos 37.º e 38.º, inseridos no capítulo relativo a Disposições finais e transitórias, preceituam:
“Artigo 37.º
“O Governo fixará em decreto-lei, dentro de sessenta dias:
1. Os valores dos coeficientes 1 e 2 referidos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho;
2. Sob proposta dos Ministros das Finanças e da Agricultura e Pescas, os critérios de avaliação dos bens e dos direitos nacionalizados ou expropriados a que aludem as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 8.º”
“Artigo 38.º
1. Enquanto não forem liquidadas as indemnizações, ficam suspensas as execuções relativas a bens expropriados ou nacionalizados ou em que hajam sido dados à penhora bens cuja titularidade dê origem a direito de indemnização, neste último caso apenas na parte correspondente aos valores destes bens.
2. Uma vez fixado o valor da indemnização, será este o valor atribuído aos bens objecto de indemnização ou cuja detenção titula a indemnização, salvo se for superior à cotação dos títulos dos empréstimos referidos no artigo 18.º da presente lei, caso em que prevalecerá o valor de cotação.
3. (...).
4. Mantêm-se em vigor as disposições relativas à suspensão de processos fiscais relacionados com bens objecto de expropriação ou nacionalização.”

2. O Decreto-Lei n.º 334/80, de 29 de Agosto, veio regular a mobilização dos direitos dos titulares de bens nacionalizados ou expropriados. Foi intenção do Governo, como decorre do preâmbulo, “estabelecer um meio expedito que possibilite a mobilização imediata das indemnizações para fins cuja prossecução se considere urgente”, tendo, como pano de fundo, relançar e estimular o investimento.
Através do artigo 1.º fixa-se o objectivo do diploma: “Os titulares de direito à indemnização por bens nacionalizados ou expropriados abrangidos pelas disposições da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, designados neste diploma por indemnizandos, poderão mobilizar tal indemnização nos termos dos artigos seguintes, desde que não estejam incluídos em situação de imobilização.”
Pelo artigo 3.º previa-se:
“1. Sem prejuízo das orientações da política monetária, a mobilização, que deverá integrar-se nos objectivos prioritários da política económica, poderá ser efectuada para as seguintes finalidades:
a) (...)
(...)
h) O pagamento de dívidas, contraídas antes da nacionalização ou expropriação, à Caixa Geral de Aposentações ou a outras instituições de previdência, ao Fundo de Desemprego ou a instituições de crédito.
(....)”

Por sua vez, o artigo 4.º preceituava:
“1. Mediante a apresentação do certificado a que se refere o artigo 2.º e feita prova de que a finalidade de utilização se enquadra nalgum dos casos mencionados no artigo anterior, poderão os indemnizandos:
a) (...)
b) extinguir, por dação em pagamento, as dívidas discriminadas na alínea h) do artigo precedente;
c) (...).
2. (...).”
A faculdade que este diploma conferia estava todavia dependente da prova, por parte do indemnizando, de que a sua situação perante o Fisco e a Previdência se encontrava regularizada (artigo 8.º).


3. Para execução da Lei n.º 80/77, o Governo fez publicar diversas portarias, algumas entretanto revogadas, vigorando, actualmente, nesta matéria, a Portaria n.º 120-A/79, de 14 de Março.
Esta Portaria, editada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 80/77, revogou a Portaria n.º 556/78, de 15 de Setembro, que aprovara a declaração de direitos sobre prédios rústicos nacionalizados ou expropriados e determinava quem a devia preencher, mas que “tendo saído com várias inexactidões, rectificadas fora do prazo legal”, impunha-se “a necessidade de publicar um novo diploma legal, a que acrescia a necessidade de prorrogar o prazo para apresentação das declarações de titularidade de direito”[11].
No n.º 1 prescreve-se que “A declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, respeita aos pontos constantes do modelo anexo” e no n.º 2 que “cada pessoa singular titular de direitos tem de preencher obrigatoriamente um modelo de declaração anexa, sem o que não poderá ser considerado para efeitos de indemnização”, precisando o n.º 3 que “cada pessoa titular de direitos tem de preencher obrigatoriamente uma, e só uma, declaração com indicação de todos os seus membros e respectiva participação social, sem o que não poderá ser considerado para efeitos de indemnização”.
Particularmente relevante para a situação que nos ocupa são os n.ºs 6 e 7. Pelo primeiro, estabelece-se que “O declarante terá de discriminar as dívidas contraídas, nomeadamente com departamentos do Ministério da Agricultura e Pescas e instituições de crédito por cujo cumprimento responde(m) o(s) prédio(s) expropriado(s) ou nacionalizado(s)” e, pelo segundo, que “Terá ainda de relacionar as prestações que eventualmente tenham recebido, directa ou indirectamente, em espécie ou em dinheiro, dos centros regionais da reforma agrária ou das entidades ocupantes”.
No modelo anexo à Portaria, o n.º 16 refere-se “Aos casos especiais do titular”, explicitando o n.º 8 das “Normas para preenchimento da declaração anexa” que deverá ser indicado, “se for esse o caso, qual a situação especial do titular entre as seguintes previstas: a) menor, interdito ou inabilitado; b) caução; c) usufruto; d) regime dotal; e) outras situações de imobilização não previstas nas alíneas anteriores; (...).”
Relativamente às partes transcritas, a Portaria n.º 120-A/79 não introduziu alterações ao regime que já provinha da Portaria n.º 556/78, de 15 de Setembro, que, por sua vez, foi influenciada pela Portaria n.º 359/78, de 7 de Julho, esta aplicável às nacionalizações e que constitui, quanto a declarações, a matriz regulamentadora da Lei n.º 80/77.


4. Complementarmente, a Portaria n.º 61/79, de 6 de Fevereiro, “ponderando a necessidade de salvaguardar os legítimos interesses dos credores dos ex-titulares de bens nacionalizados ou expropriados no âmbito da Reforma Agrária”, reconhecendo que “é de toda a justiça que esses mesmos credores tenham a oportunidade de entregarem dentro daquele prazo [cento e oitenta dias], no Ministério da Agricultura e Pescas, a respectiva reclamação[12] desses mesmos créditos, obviando-se, desse modo, a qualquer omissão por parte dos declarantes previstos na Portaria n.º 556/78, de 15 de Setembro”, veio estabelecer as normas sobre apresentação de declaração dos seus créditos pelos ex-titulares dos direitos sobre prédios nacionalizados ou expropriados.
Assim, preceitua, no n.º 1 do artigo 1.º, que “Os credores dos ex-
-titulares de direitos sobre prédios nacionalizados ou expropriados, seus equipamentos, benfeitorias, efectivos pecuários afectos à exploração de tais prédios e frutos pendentes à data da nacionalização ou expropriação ou da ocupação efectiva, no caso de esta ser anterior, podem apresentar declaração dos seus créditos”, e no n.º 2 que “os declarantes terão de discriminar os créditos de que são titulares, nomeadamente aqueles por cujo cumprimento respondam bens referidos no número anterior, mediante declaração que será apresentada no Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária até 15 de Março de 1979”
[13].
No artigo 2.º esclarecia-se que “o exercício desta faculdade pelos credores que se encontrem na situação referida no artigo anterior não exonera os ex-titulares dos bens em causa da apresentação, dentro do prazo legal, da declaração a que se refere o artigo 6.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e o n.º 6 da Portaria n.º 556/78, de 15 de Setembro”.

5. Para execução do regime de mobilização de títulos a que se referem os artigos 31.º e 36.º desta Lei, o Governo fez editar a Portaria
n.º 43/81, de 15 de Janeiro, que foi alterada pela Portaria n.º 465/81, de 5 de Junho, cuja aplicação suscitou algumas dúvidas de interpretação por parte das instituições de crédito. Por isso e porque, por outro lado, a prática no desenvolvimento das operações relacionadas com as matérias versadas na portaria tornou aconselhável a introdução de algumas rectificações nos seus preceitos, foi publicada a Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, que, no seu n.º 15, revogou aqueles mencionados diplomas legais, sem prejuízo das dações em pagamento já efectuadas ao abrigo dessas portarias.

Do texto em vigor, interessa reter os seguintes normativos:
“1 - a) Os títulos representativos do direito à indemnização poderão ser mobilizados para extinguir, por dação em cumprimento, dívidas dos respectivos titulares à Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência, ao Fundo de Desemprego ou a instituições de crédito, desde que tais dívidas tenham sido contraídas antes da nacionalização ou expropriação a que os títulos respeitam.
b) Os titulares do direito à indemnização pela nacionalização ou expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária poderão também utilizar os títulos representativos desse direito para extinguir, por dação em cumprimento, dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação relativas à actividade agrícola exercida nos prédios nacionalizados ou expropriados, provenientes de empréstimos concedidos ao titular pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas ou por serviços nele integrados, por caixas de crédito agrícola mútuo, por empresas públicas ou por quaisquer outras instituições nacionalizadas.
c) Consideram-se abrangidas pelas alíneas anteriores tanto as dívidas originárias como as provenientes das respectivas reformas, prorrogações ou substituições.
d) As disposições desta portaria têm aplicação apenas para os capitais em dívida que estejam vencidos até à data limite para proposta de dação em pagamento, bem como para os juros também vencidos e que sejam devidos, decorrentes desses capitais, salvo nos casos das dívidas referidas na alínea b), em que se admite o pagamento de prestações vincendas.
e) O pagamento de prestações vincendas só poderá ter lugar desde que fique comprovado o pagamento dos créditos reclamados e vencidos, iniciando-se a imputação do seu pagamento pela última prestação.
2 - a) Só os titulares originários do direito à indemnização ou seus sucessores por morte têm legitimidade para proceder à extinção de dívidas nos termos do presente diploma, quer sejam devedores principais, quer co-obrigados ou garantes ou sucessores por morte de uns ou de outros, desde que não estejam abrangidos pelo artigo 3.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.
b) Para efeitos da alínea anterior, são havidos também como co-
-obrigados os cônjuges dos devedores que, nos termos do artigo 1691.º do Código Civil, possam ser responsabilizados pelo pagamento das dívidas.

c) O garante apenas poderá utilizar esta forma de extinção na estrita medida da responsabilidade que, nessa qualidade, haja assumido no momento da constituição da dívida.
3 - a) Na dação em pagamento efectuada nos termos do presente diploma, a mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização far-se-á pelo respectivo valor nominal.
b) Não poderão ser mobilizados títulos de qualquer classe sem que previamente seja feita a prova de que já estão mobilizados os títulos das classes anteriores pertencentes ao mesmo titular.
4 - Se o titular do direito à indemnização tiver dívidas extinguíveis, por dação em pagamento, em mais de uma entidade credora e houver efectuado a respectiva proposta de dação, observar-se-ão as seguintes regras:
a) Havendo concorrência de dívidas garantidas com garantia real ou caucionadas, os títulos das classes mais baixas serão mobilizados por ordem de prioridade das respectivas garantia real ou caução, respondendo preferentemente pela regularização das respectivas dívidas o montante dos títulos representativos do direito à indemnização proveniente dos valores dados em garantia ou caução para cada dívida.
b) Nos casos de concorrência de dívidas não garantidas ou caucionadas, a mobilização dos títulos das diversas classes far-se-á em proporção dos créditos de cada uma das instituições intervenientes, devendo o rateio ser feito proporcionalmente.
c) Havendo dívidas garantidas ou caucionadas em concorrência com outras, os títulos representativos do direito à indemnização serão mobilizados privilegiando as primeiras e com observância das regras estabelecidas nas alíneas anteriores.
5 - a) Relativamente às dívidas caucionadas com títulos de empresas posteriormente nacionalizadas cujo pagamento seja proposto total ou parcialmente através da dação em pagamento de títulos de indemnização, os juros de mora e os remuneratórios ou compensatórios só serão exigíveis até 25 de Abril de 1974.
b) Se o valor dos títulos dados em pagamento não for suficiente para pagar integralmente o capital e os juros em dívida, a parte remanescente que for apurada apenas será exigível depois da entrega dos títulos definitivos, mantendo o regime previsto na alínea anterior até à efectivação dessa entrega.
6 - a) No caso de indemnizações devidas ao abrigo da legislação sobre reforma agrária, e nos termos da mesma legislação, os juros referidos no número anterior só serão exigíveis até à data da nacionalização ou expropriação.
b) Quando as nacionalizações ou expropriações atrás referidas hajam ocorrido em datas diversas, as entidades credoras deverão reportar a inexigibilidade dos mesmos juros à data da primeira nacionalização ou expropriação ou ocupação efectiva seguida de nacionalização ou expropriação.
7 - Quanto às restantes dívidas, cujo pagamento, total ou parcial, seja proposto através da dação em pagamento, os juros referidos no n.º 5 só serão exigíveis até 14 de Março de 1975.
8 - Fora do caso previsto na alínea b) do n.º 5, se o valor provisório da indemnização não permitir a extinção da obrigação, e enquanto não forem fixados os valores definitivos, os devedores que requeiram a mobilização ao abrigo deste diploma poderão manter em dívida, com juros suspensos desde as datas previstas nos n.os 6 e 7, uma percentagem não superior a 30% do valor do débito nessas datas e não excedendo 100% do valor dos títulos dados em pagamento, não vigorando este limite para casos considerados em condições excepcionais, devidamente justificadas, bem como para casos provenientes de nacionalização ou expropriação de prédios rústicos que sejam objecto de despacho conjunto do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas.
9 - Cada titular conservará o direito a extinguir o remanescente da dívida com o montante relativo às indemnizações definitivas a que tiver direito, devendo os devedores, dentro de 60 dias após a entrega dos valores definitivos, proceder à regularização, através dos novos títulos de indemnização ou mediante acordo com as entidades credoras.
(...)
13 - a) As disposições da presente portaria só serão aplicáveis aos titulares de direito a indemnização desde que estes tenham efectuado a proposta de oferta dos títulos em dação a entidade credora no prazo de 60 dias a contar da publicação da Portaria n.º 43/81, de 15 de Janeiro, se o não houverem feito antes.
b) Se a entidade credora for o Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas ou qualquer dos serviços nele presentemente integrados, a proposta prevista na alínea anterior deverá ter sido feita até 31 de Julho de 1981.
c) No caso de as entidades credoras serem caixas de crédito agrícola mútuo, empresas públicas ou quaisquer outras instituições nacionalizadas, e sendo aplicável o n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 80/77, com a redacção dada pela Lei n.º 36/81, a proposta referida na alínea a) deverá ser apresentada pelos interessados no prazo de 60 dias a contar da data da publicação do presente diploma.
d) Sempre que razões legais ou processuais tenham determinado a suspensão da emissão, as propostas previstas na alínea a) serão apresentadas no prazo de 60 dias a contar da data em que os títulos a mobilizar forem colocados à disposição dos seus titulares, devendo a prova da suspensão ser feita junto da instituição competente para a qual são enviados os títulos, mantendo os mesmos titulares todos os benefícios constantes desta portaria.
(...)
14 - Os interessados que pretendam o desdobramento dos títulos representativos do capital e juros para efeitos da mobilização prevista no presente diploma deverão justificar a necessidade da operação na instituição onde tenham sido entregues as cautelas, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-
-Lei n.º 306/80, de 18 de Agosto.

15 - São revogadas as Portarias n.os 43/81, de 15 de Janeiro, e 465/81, de 5 de Junho, sem prejuízo das dações em pagamento já efectuadas ao abrigo dessas portarias.
16 - As dúvidas suscitadas na aplicação da presente portaria serão esclarecidas por despacho do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano, devendo tal despacho ser conjunto com o Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas ou com os ministros da tutela, quando respeitem a entidades credoras deles dependentes.”
De realçar o que se dispõe no n.º 13 e suas diversas alíneas, onde se estabelecem limites temporais preclusivos para a aplicabilidade do preceituado nesta portaria, em atenção da verificação de certas situações e das espécies das entidades credoras. Assim, nos termos da alínea a), a proposta de oferta dos títulos em dação a entidade credora deveria ter sido formulada no prazo de 60 dias a contar da publicação da Portaria n.º 43/81, de 15 de Janeiro, se o não houvesse sido antes; no caso da alínea b), a proposta deveria ter sido feita até 31 de Julho de 1981 se as entidades credoras fossem caixas de crédito agrícola mútuo; na alínea c) prevê-se que, estando em causa o disposto no n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 80/77 e sendo entidades credoras caixas de crédito agrícola mútuo, empresas públicas ou quaisquer outras instituições nacionalizadas, a proposta a que se refere a alínea a) deveria ser apresentada pelos interessados no prazo de 60 dias a contar da data da publicação da portaria em exame; por último e de acordo com o preceituado na alínea d) o aludido prazo de seis meses para apresentação de propostas de dação em pagamento contar-se-ia a partir da data em que os títulos a mobilizar fossem colocados à disposição dos seus titulares, naqueles casos em que, por razões legais ou processuais, tenha havido lugar a suspensão da emissão.

6. A aplicação desta Portaria suscitou dúvidas que foram sendo esclarecidas por diferentes e subsequentes despachos normativos.
O Despacho Normativo n.º 153/83, de 28 de Junho, vem precisar que às expressões “garantia real” e “ordem de prioridade”, constantes da alínea a) do n.º 4 da Portaria n.º 885/82, devem ser atribuídos os significados seguintes:
“«Garantia real», como sendo toda a garantia dessa espécie que tenha sido oferecida relativamente aos bens nacionalizados ou expropriados e que se encontrem abrangidos pela aplicação da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro; e «Por ordem de prioridade» entende-
-se a ordem cronológica referente ao registo, quando haja lugar a este, embora em regra coincidindo com a antiguidade do contrato que estabelece as garantias;

Pela alínea d) do mesmo Despacho, esclarece-se que “nos casos de concorrência entre dívidas, todas elas com garantia real ou caucionadas, e porque a alínea a) do n.º 4 da Portaria n.º 885/82 refere simultaneamente o princípio da afectação preferencial (às respectivas dívidas) dos títulos representativos das indemnizações provenientes dos valores dados em garantia ou caução e o da ordem de classes dos títulos (mobilização dos títulos de classes mais baixas por ordem de prioridade das respectivas garantias real ou caução), o que poderia parecer envolver, de algum modo, contradição entre os dois princípios, observa-se que não existe qualquer contradição entre os dois princípios acima enunciados, e ambos são aplicáveis, pois contemplam situações diferentes. Assim, a afectação diz respeito à determinação do montante dos títulos que devem ficar cativos para responder pela dívida, enquanto a ordem das classes se refere unicamente à graduação dos créditos para efeito da mobilização dos títulos;”
Pela alínea e) precisa-se que:
“Havendo dívidas garantidas ou caucionadas em concorrência com outras, os títulos indemnizatórios são mobilizados privilegiando as primeiras e com observância das regras estabelecidas nos outros casos de não concorrência.
“(...). A promessa de dação é um direito que foi atribuído ao devedor pela Lei n.º 80/77 e que este poderá querer usar ou não. Se o quiser usar, para além do valor que representa a garantia ou caução, está a fazê-lo ao abrigo do caso geral das dívidas não garantidas ou caucionadas e, portanto, são-lhe aplicáveis as regras estabelecidas para estes casos, ou seja, a proporcionalidade fixada na alínea b) do n.º 4;
f) No entendimento da Portaria n.º 885/82, os contratos-promessa celebrados não representam mais do que a prova da existência de uma proposta de dação que foi aceite pelas duas partes. Se não deu origem à efectivação do contrato de dação, terá de ser considerado sem efeito e deverá dar lugar à realização de um contrato de dação elaborado nos termos da nova portaria. O n.º 15 da Portaria n.º 885/82 apenas quer ressalvar as dações que já foram efectuadas ao abrigo das disposições fixadas pelas Portarias n.os 43/81, de 15 de Janeiro, e 465/81, de 5 de Junho, e relativamente às quais se afigurava difícil, se não impossível nalguns casos, refazer toda a operação nos novos termos. As instituições de crédito poderão, sempre que o entendam conveniente, optar voluntariamente pela reformulação dos contratos já efectivados, adaptando-os às disposições da Portaria n.º 885/82;
O que se contém na alínea h) prefigura-se relevante para a compreensão da situação que nos ocupa. Mostra-se assim redigida:
h) Verifica-se que a Portaria n.º 885/82 não tem Indicação expressa de uma data limite atribuída ao devedor com as condições reunidas para a formalização do contrato de dação, o que pode originar o retardamento da ultimação desse contrato com consequente inconveniente para as instituições de crédito, as quais, dada a situação de não contabilização ou suspensão dos juros, consoante os casos, têm interesse em encurtar aquele prazo.
Para obviar à apontada omissão poderão as entidades credoras notificar os titulares das dívidas, mediante carta registada com aviso de recepção, para, no prazo de 60 dias a contar da data do recebimento do aviso, se porem à disposição daquelas entidades para a formalização do contrato, sob pena de não beneficiarem da aplicação da Portaria n.º 885/82.
Qualquer motivo de força maior justificativo da impossibilidade de cumprimento daquele prazo só teria validade se fosse solicitada a relevação da falta em requerimento dirigido ao Ministro de Estado e das Finanças e do Plano e por este aceite o deferimento;”
Pela alínea j) esclarece-se o alcance do n.º 1 da Portaria n.º 43/81, na redacção dada pela Portaria n.º 465/81 com o que se preceitua na alínea b) do n.º 1 da Portaria n.º 885/82, superando “alguma ambiguidade” que possa ocorrer entre os dois diplomas.
Precisa-se aí:
“(...) Assim, se se trata de pagar a dívida proveniente de um empréstimo agrícola contraído para permitir a actividade agrícola exercida nos prédios nacionalizados ou expropriados, deve facultar-se ao devedor a possibilidade de proceder ao pagamento mediante a mobilização dos títulos de indemnização da sua titularidade, tal como aliás, dispõe a Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto.
“Não se utiliza a expressão “empréstimos” no seu sentido técnico excluindo qualquer outro tipo de dívida.
“Mas no caso de se tratar do pagamento de qualquer outra dívida que não tenha ligação com a actividade exercida nos bens que foram nacionalizados ou expropriados, aplica-se o caso geral de todos os outros devedores, isto é, poderão ser pagas essas dívidas com títulos de indemnização desde que os credores sejam alguma das entidades previstas na alínea a) do n.º 1 da Portaria n.º 885/82.”



7. O Despacho Normativo n.º 42/84, de 27 de Fevereiro, visou, como se lê no sumário oficial, “esclarecer dúvidas nos termos do n.º 16 da Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, que esclarece dúvidas de interpretação suscitadas pela Portaria n.º 43/81, de 15 de Janeiro (indemnizações)”.
Nele se refere que o co-obrigado mencionado na alínea a) do n.º 2 da Portaria n.º 885/82 que formule proposta de dação em pagamento, sendo proprietário de títulos de indemnização suficientes, poderá extinguir totalmente a dívida existente com os seus títulos, devendo a entidade credora, designadamente instituição de crédito, aceitar a operação sem exigência de mobilização a outros co-responsáveis, ainda que estes tivessem também caucionado a mesma dívida e sejam igualmente titulares de títulos representativos de direito a indemnização. (Destacado agora)


8. Ainda neste quadro, o Despacho Normativo n.º 14/85, de 30 de Março, editado ao abrigo do disposto no n.º 16 da Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, veio estabelecer critérios de mobilização de títulos representativos do direito às indemnizações para extinção de dívidas por dação em pagamento.
Este diploma é justificado pela “necessidade de esclarecimento quanto à localização, orientação e coordenação das reuniões das entidades credoras com os devedores para cumprimento das regras estabelecidas no n.º 4.º da Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, relativamente à entrega de títulos representativos do direito a indemnizações para extinção de dívidas por dação em cumprimento, quando haja mais de uma” e a ”variedade de entidades abrangidas pela aplicação da citada portaria tanto na qualidade de credores como de responsáveis pela inventariação e regularização de tais situações” e a “conveniência de dinamizar todo o processo de extinção, de dívidas por esta via”, estabelece-se no n.º 1:
“As entidades credoras abrangidas pelo n.º 1.º da Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, às quais tenha sido ou venha ainda a ser proposta, dentro dos prazos legais, dação em pagamento, com indicação pelos devedores dos demais credores, contactarão a Direcção-Geral da Junta do Crédito Público, adiante designada por DGJCP, informando esta da existência dessas propostas e enviando conjuntamente cópia dos mapas de «Demonstração de valores» respeitantes aos proponentes.”

E no n.º 2:

“Nos casos em que se verifique a existência de dívidas extinguíveis por dação em pagamento em mais de uma entidade credora, realizar-se-ão reuniões de conciliação entre os credores e o titular do direito à indemnização, para cumprimento, das regras estabelecidas no n.º 4.º da Portaria n.º 885/82, designadamente quanto à graduação dos créditos e à distribuição dos títulos representativos do direito à indemnização, nas condições e termos seguintes:
a) Sendo os credores somente instituições de crédito, com situações de imobilização processadas apenas por elas, as referidas reuniões terão lugar entre si, funcionando como entidade coordenadora a de maior montante exigível;
b) Nos casos em que as instituições de crédito concorram com as entidades não bancárias referidas na alínea a) do n.º 1.º da portaria, ou em que a DGJCP intervenha no tratamento de situações de imobilização, as reuniões serão efectuadas nas instalações daquela Direcção-Geral e sob a sua coordenação;
c) Nos casos provenientes de nacionalizações ou expropriações de prédios rústicos em que sejam credoras entidades bancárias e não bancárias e ou em que as situações de imobilização sejam também processadas por outros organismos além do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, adiante designado por IGEF, as reuniões terão lugar nas instalações da DGJCP e sob a coordenação desta, sendo os processos apreciados por uma comissão mista de análise. Constituirão essa comissão 2 elementos propostos pela referida Direcção-Geral e 2 elementos propostos por aquele Instituto, todos nomeados pelas respectivas tutelas no âmbito de aplicação da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, devendo incluir-se entre eles um jurista por parte de cada um dos organismos. Havendo entre os credores entidades bancárias, estas terão o direito de nomear um quinto elemento para a comissão mista de análise, observando-se para o efeito da sua designação o estabelecido na alínea a).”
O último número deste Despacho (n.º 9) ressalva a validade das mobilizações para dação em cumprimento efectuadas até à data da publicação do presente despacho.

9. Para compreender todo o regime jurídico da reforma agrária, interessa ainda mencionar o Decreto-Lei n.º 111/77, de 26 de Março[14], entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, pelas implicações que introduzia nas acções executivas que se encontrassem a correr termos nos tribunais.
A justificação para a edição deste diploma legal encontra-se esclarecida no seu preâmbulo. Nele se refere:
“Não é justo que os proprietários ou empresários possuidores de prédios rústicos abrangidos pelos Decretos-Leis n.os 406-A/75 e 407-A/75, que tenham direito à restituição total ou parcial da respectiva posse ou a uma indemnização correspondente à expropriação total ou parcial do respectivo direito, sejam executados por dívidas relacionadas com a exploração silvo-agro-pecuária desses prédios, com risco de verem penhorados e vendidos ao desbarato bens do seu restante património, enquanto o Estado não define os seus direitos.
“Também não é justo que os credores por essas dívidas vejam indefinidamente comprometida a justa expectativa da sua cobrança, dado o reflexo desse facto no equilíbrio das respectivas empresas.
“Justifica-se, assim, uma suspensão das execuções tendo por base essas dívidas, mas uma suspensão por período limitado, dentro do qual se espera possa o Estado definir situações e direitos.
No artigo 1.º preceitua-se, no n.º 1, que “Nas execuções por dívidas relacionadas com a exploração silvo-agro-pecuária de prédios rústicos abrangidos pelos Decretos-Leis n.os 406-A/75, de 29 de Julho, e 407-A/75, de 30 de Julho, e cujos proprietários ou possuidores, em resultado da ocupação dos mesmos prédios, sejam titulares do direito à restituição total ou parcial da respectiva posse, ou direito a ser indemnizados pelo Estado, será decretada a suspensão da instância imediatamente antes da fase de nomeação de bens à penhora”, precisando o n.º 2 que “Nas execuções mencionadas no número anterior que se encontrem pendentes, a suspensão será decretada na fase em que se encontrarem, se for posterior à que ali se refere.”
O artigo 2.º elege como relevantes as dívidas contraídas com a exploração ou a benfeitorização do prédio rústico há menos de cinco anos, com referência à data da entrada em vigor do presente diploma, e de montante não superior a 1000000$00, salvo, quanto a dívidas ao Estado ou qualquer entidade do sector público, que relevam quaisquer que sejam a sua anterioridade e o seu montante.
Pelo artigo 3.º estabelecem-se factores de cessação da suspensão, a qual findava logo que decorridos doze meses sobre a entrada em vigor do presente diploma, e antes disso logo que fosse definido o direito dos proprietários ou possuidores dos prédios referidos no artigo 1.º a ser indemnizados pelo Estado e o montante da indemnização ou fosse restituída aos legítimos donos a posse de prédio ou parte de prédio indevidamente ocupados, se lhes assistisse, só ou também, esse direito.
O período de um ano para a vigência da suspensão foi sucessivamente renovado pelos Decretos-Leis n.os 78/78, de 27 de Abril, 374/78, de 2 de Dezembro, e 262/79, de 1 de Agosto. Pelo primeiro diploma o prazo foi prorrogado por mais seis meses, pelo segundo foi prorrogado até 31 de Julho de 1979, e pelo último a suspensão foi prorrogada, nos termos do artigo único deste diploma, até ao momento da entrega das cautelas representativas dos títulos de dívida pública emitidos nos termos dos artigos 18.º e seguintes da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.
4.
1. A Lei n.º 80/77 e o Decreto-Lei n.º 334/80 vieram permitir que os titulares do direito à indemnização pela nacionalização ou expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária pudessem utilizar os títulos representativos desse direito para dação em cumprimento de certas dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação.
Impõe-se, por isso, estabelecer os contornos desta figura jurídica.
A dação em cumprimento (datio in solutum)[15] [16] constitui, juntamente com a consignação em depósito, a compensação, a novação, a remissão e a confusão, uma das causas directas[17] de extinção das obrigações, além do cumprimento, previstas e reguladas no Capítulo VIII do Título I do Livro II do Código Civil (doravante CC).
A dação em cumprimento dá a epígrafe da secção I deste Capítulo, constituído por quatro artigos, redigidos nos termos seguintes:
“Artigo 837.º
(Quando é admitida)
A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.
“Artigo 838.º
(Vícios da coisa ou do direito)
O credor a quem for feita a dação em cumprimento goza de garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmitido, nos termos prescritos para a compra e venda; mas pode optar pela prestação primitiva e reparação dos danos sofridos.
“Artigo 839.º
(Nulidade ou anulabilidade da dação)
Sendo a dação declarada nula ou anulada por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve notícia da dação.
“Artigo 840.º
(Dação "pro solvendo")
1. Se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva.
2. Se a dação tiver por objecto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do número anterior.”

Dediquemos alguma atenção às posições da doutrina em matéria de dação em pagamento.
A dação em cumprimento (datio in solutum) é definida como a realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de, mediante acordo do credor, extinguir imediatamente a obrigação[18], mencionando-lhe dois pressupostos: a realização de uma prestação diferente da que for devida – que, por isso, não possa produzir a exoneração do devedor, nos termos do n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil, por não ser considerada como actuação do vínculo obrigacional -, e o acordo do credor – porque este tinha direito à prestação devida e não à realizável -, relativo à exoneração do devedor com essa prestação[19].
O acordo do credor, explica Menezes Cordeiro, deve manifestar-se em dois planos: na aceitação de prestação diversa da devida; e na imediata extinção da dívida[20].
A dação em cumprimento refere Antunes Varela[21], pode ter por objecto, quer a transmissão (da propriedade) de uma coisa, quer a transmissão de um (outro) direito, costumando os autores indicar, entre os direitos cuja transmissão é capaz de integrar a figura da dação, tanto o usufruto, como o crédito que o devedor tenha sobre terceiro.
Prossegue o mesmo autor: “Essencial à dação é: 1.º que haja uma prestação diferente da que é devida; 2.º que essa prestação (diferente da devida) tenha por fim extinguir imediatamente a obrigação”[22].
Diferente da dação em cumprimento se apresenta a dação em função do cumprimento (datio pro solvendo), que não era regulada no antigo Código Civil, e se encontra prevista no artigo 840.º do Código Civil actual.
Esta figura, afirmava Vaz Serra[23] no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, tem presente que o devedor, para facilitar ao credor a satisfação do crédito, pode fazer-lhe «uma prestação em função do cumprimento ou pro solvendo»; e explicitava:
«Para esse efeito, entrega-lhe uma coisa, cede-lhe um crédito ou outro direito, assume uma nova dívida.
“Em virtude disso, o credor pode procurar a satisfação do seu crédito, por exemplo, vendendo a coisa, cobrando o crédito cedido, obtendo o cumprimento da nova dívida; mas a antiga dívida, cuja satisfação a prestação em função do cumprimento se destina a facilitar, não fica extinta pelo simples facto da entrega, da cessão, da constituição da nova dívida, só o ficando pela realização efectiva do valor devido e na medida em que tal se alcançar com aqueles meios.
“Esta convenção tem a vantagem de facilitar ao credor a satisfação, sem ele perder os benefícios, e, entre estes, as garantias, do seu crédito.”
Tal como a dação em pagamento, a dação em função do cumprimento tem também por objecto a realização de uma prestação diferente da que é devida, mas “o seu fim não é, no entanto, o de extinguir imediatamente a obrigação, mas o de facilitar apenas o seu cumprimento”, que só se extingue “se e à medida que o respectivo crédito for sendo satisfeito, à custa do novo meio ou instrumento jurídico para o efeito proporcionado ao credor”.
Para Pessoa Jorge, a dação em função do cumprimento “consiste na transmissão pelo devedor ao credor de uma coisa ou direito, com o encargo de o credor realizar o respectivo valor, pelo qual satisfará o seu crédito”.
Sobre a sua natureza jurídica afirma este Autor[24]:
“A dação em função de cumprimento distingue-se da dação em pagamento por esta implicar a extinção imediata e incondicional da dívida, ao passo que, naquela, esse efeito extintivo acha-se condicionado à efectiva satisfação do interesse do credor. Assim, se o devedor cede ao credor, em pagamento, um crédito que tinha sobre outra pessoa, a extinção da dívida opera-se imediatamente, ainda que depois o credor não consiga satisfazer o seu interesse por se lhe deparar um devedor (o do crédito cedido) insolvente; mas se a cessão foi em função de pagamento, esse efeito extintivo só se opera se o credor obtiver satisfação pela cobrança efectiva do crédito cedido.
“A datio pro solvendo é assim uma dação em pagamento condicional, uma dação em pagamento sujeita à condição de pela venda da coisa ou cobrança do crédito, o credor obter efectiva satisfação.
(...)
“A dação pro solvendo implica concessão ao credor de poderes para alienar a coisa ou cobrar o crédito; há aqui uma autorização, concedida no interesse conjunto do autorizado (que pode fazer seu o resultado desses actos na medida do respectivo crédito) e do autorizante (que terá direito a receber o excesso do produto da venda ou cobrança sobre o montante da dívida).”
A distinção entre dação em cumprimento da dação em função do cumprimento nem sempre se apresenta linear. A este propósito, Antunes Varela[25] acentua que, na prática, «torna-se alguma vezes particularmente difícil saber se em determinada convenção negocial há uma novação, uma dação em cumprimento ou uma dação pro solvendo, visto que a cessão (ao credor) de um crédito do devedor sobre terceiro, por exemplo, tanto pode integrar uma, como qualquer outra dessas figuras jurídicas, consoante a intenção dos contraentes», mas, assinala o mesmo Autor, conhecido «o verdadeiro recorte de cada uma delas, absolutamente distintas entre si, as dúvidas de qualificação das diferentes situações só podem resultar das hesitações relativas à vontade real ou presumível dos contraentes [...]. Trata-se, por conseguinte, tanto de puros problemas de interpretação ou de integração das declarações dos outorgantes e não de questões específicas do direito das obrigações[...].» (em itálico no original)
Em síntese, na dação em cumprimento há também a extinção da obrigação por meio de uma prestação diferente da devida, mas não a criação de obrigação nova; e na dação em função do cumprimento, a par da obrigação primitiva, que se mantém, surge uma nova obrigação.
Além disso, na dação em cumprimento a obrigação extingue-se por meio de prestação diferente da que era devida; na dação em função do cumprimento, a obrigação inicial mantém-se e extinguir-se-á mediante uma prestação diversa da devida, se e na medida em que esta for satisfeita.


2. Observados os pressupostos previstos na lei, poderiam os titulares do direito à indemnização mobilizar os títulos representativos do direito à indemnização para dação em pagamento de certo tipo de dívidas.
Os pressupostos de que dependia a dação em cumprimento previstos no artigo 31.º na versão originária da Lei n.º 80/77 foram progressivamente alargados, na redacção que lhe foi dada, primeiro pelo Decreto-Lei n.º 343/80 e, posteriormente, pela Lei n.º 36/81.
A figura da dação em cumprimento já havia sido contemplada em anteriores diplomas legais versando sobre indemnizações de sectores nacionalizados, como foi o caso do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho[26], tendo-se entendido que, em tal disposição legal, se consagrava um direito a favor dos accionistas ou detentores de partes de capital de empresas nacionalizadas[27].
Contrariamente ao mencionado no artigo 837.º do Código Civil, onde, para que ocorra a dação em cumprimento, se exige a aquiescência do credor, o consentimento deste é dispensado pelo legislador na Lei n.º 80/77.
A ausência desse requisito não tem embaraçado a jurisprudência que, frequentes vezes, tem sido chamada a analisar questões dessa natureza, concluindo que “o assentimento a conceder pelo credor a prestação diversa da dívida, que o Código Civil prevê, como regra geral, no seu artigo 837.º, está excluído pelas expressas excepções estabelecidas pela especialíssima legislação que regulou a utilização dos títulos de Empresas Nacionalizadas, representativos de direito de Indemnização, para dação em pagamento de dívidas, do titular, a Instituição de Previdência”[28].
Entendimento semelhante se verificava no domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, onde se entendia a expressão “(...) será permitida a regularização de dívidas dos possuidores de certificados de participação às instituições de crédito ...” constante do artigo 5.º como não podendo ter outro significado que não fosse o de as “instituições autorizarem ao devedor a prestar coisa diversa da devida.”[29]
Este Conselho Consultivo teve também oportunidade de, no passado[30], analisar a figura da dação em cumprimento prevista no artigo 31.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, tendo concluído que a dação desses títulos em cumprimento de dívidas às instituições de previdência constitui um direito potestativo[31] do seu titular, sem prejuízo das condicionantes, de tempo e de formas previstas legalmente, e da sua interdependência relativamente às nacionalizações ou expropriações que o criara.
5.
Na problemática da consulta, uma das posições invocadas, que constitui uma das premissas do dissídio, alude a que os credores que tenham a seu favor uma penhora devem ser satisfeitos com preferência aos demais.
Impõe-se por isso, fazer uma abordagem sumária dos momentos pertinentes do processo executivo[32].
Dispõe o artigo 601.º do Código Civil que pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios, o que estabelece a garantia geral de que o património do devedor responde pelo cumprimento das suas obrigações, salvo, designadamente, os patrimónios autónomos com dívidas próprias, como é o caso da herança (artigos 2070.º, n.º 1, e 2071.º do Código Civil) ou quanto aos bens deixados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário da liberalidade.[33]
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor (artigo 817.º do Código Civil), sendo a penhora o acto processual essencial na execução do património do devedor, a qual consubstancia-se na “apreensão jurídica de bens do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento em relação àqueles e de empossamento quanto ao tribunal, com vista à realização dos fins da acção executiva”[34], ou, noutras palavras, “apreensão de um bem com vista a uma ulterior transmissão”[35].
Incidindo a penhora sobre direitos e tratando-se de penhora de créditos[36], a penhora consiste na notificação do devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução (artigo 856.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, doravante CPC), o que tem como consequência “que o valor correspondente só pode ser prestado ao tribunal ou ao exequente ou ao adquirente dele, se entretanto for alienado”[37].
A penhora de créditos não está, “em princípio, sujeita a registo. A este só está sujeita a penhora de créditos providos de garantia real (hipoteca, consignação de rendimentos e penhor de crédito garantido por hipoteca)”[38].
Com a penhora o exequente adquire, em regra, face à ressalva constante do n.º 1 do artigo 822.º, o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior[39], sendo esta preferência de pagamento atribuída ao acto de penhora “justificada pelo facto de a intervenção de credores na acção executiva ser limitada aos que disponham de garantia real sobre os bens penhorados e de a penhora obtida por um dos credores ser susceptível de evitar a dissipação de bens a favor de outros”[40].
A penhora consubstancia, assim, “um direito real de garantia, a que é inerente a preferência de pagamento sobre outros credores que não disponham de melhor garantia anterior, bem como a sequela, em termos de o exequente poder executar os bens penhorados já integrados no património de terceiros cuja aquisição não haja sido registada antes da penhora, mas, em qualquer caso, direito real de garantia imperfeito, por não funcionar no caso de declaração da falência do executado [...][41].
Efectuada a penhora, são convocados para a execução os credores do executado e, em certos casos, o seu cônjuge, situação esta que aqui se não considera.
Dispõe a este propósito o artigo 864.º do CPC, com a epígrafe “Citação dos credores e do cônjuge”:
“1. Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos, quando for necessária, são citados para a execução:
a) (...);
b) Os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados;
c) As entidades referidas nas leis fiscais com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional;
d) Os credores desconhecidos.
2. Os credores a favor de quem exista o registo de algum direito de garantia sobre os bens penhorados são citados no domicílio que conste do registo, salvo se tiverem outro domicílio conhecido; os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 20 dias.
3. (...).”

Os credores com garantia real a que alude a alínea b) do n.º 1 são os que constem da certidão referida no corpo do mesmo número, “incluindo os que tenham arresto ou penhora inscritos no registo a seu favor” e credores desconhecidos, nos termos da alínea d) do n.º 1 são “os titulares de direitos de crédito com garantia real não sujeita a registo, como é o caso dos privilégios creditórios, do direito de retenção, da penhora e do arresto da generalidade dos bens móveis”[42].
No entanto, pode o juiz dispensar a citação dos credores quando a penhora apenas incida sobre vencimentos, abonos ou pensões ou quando, estando penhorados bens móveis, não sujeitos a registo e de reduzido valor, não conste dos autos que sobre eles incidam direitos reais de garantia, em todo o caso, sem que isso obste a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados (artigo 864.º-A do CPC).
No sistema do direito processual civil vigente só são convocados os credores que gozem de garantia real sobre o bem penhorado (artigos 864.º, n.º 1, alínea b), e 865.º, n.º 1[43]), constituindo a existência de garantia real um pressuposto específico da reclamação de créditos[44].
Havendo lugar a reclamação de créditos e verificados todos os créditos reclamados, o juiz gradua-os, observadas as disposições legais de direito substantivo respectivas, e estabelece a ordem por que devem ser satisfeitos, incluindo o do exequente.
Por fim, proceder-se-á ao pagamento segundo a ordem determinada na sentença de graduação de créditos, saindo precípuas as custas da execução (artigo 455.º do CPC[45]), sendo entregue ao exequente o remanescente, se o houver.

6.

É escassa a doutrina sobre o problema da indemnização por nacionalizações ou expropriações, quer no quadro do regime instituído pela Lei n.º 80/77, quer no anterior [46].
Acerca da imobilização dos títulos, Freitas do Amaral e Robin de Andrade[47] aludindo aos casos que podem causar o bloqueamento de títulos referem “basta, por exemplo, que a indicação na declaração de titularidade de que os títulos a emitir se destinam à regularização de débitos do indemnizando perante instituição de crédito (promessa de dação em pagamento) para o processo ficar suspenso até a instituição de crédito comunicar a regularização da situação por acordo com o interessado.”
Sobre a mobilização dos títulos, os mesmos autores mencionam que o legislador previu “formas de mobilização antecipada dos títulos por valor superior ao valor real, e em certos casos ao valor nominal, quando através da mobilização fossem prosseguidos objectivos considerados merecedores de tal tratamento. (...) Na generalidade dos casos, porém, os benefícios da mobilização antecipada apenas são atribuídos ao titular originário dos direitos de indemnização, pelo que a transacção dos títulos é de alguma forma penalizada.”[48]
Aludindo especificamente à mobilização para pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização, a mobilização “processa-se sob a forma de dação em cumprimento dos créditos existentes, sendo a propriedade dos títulos transferida para a instituição de crédito credora contra a quitação total ou parcial do crédito”[49].
Os mesmos autores são críticos “acerca do procedimento que vem sendo adoptado quando haja indicação na declaração de titularidade de que os títulos se destinam a ser entregues como dação em pagamento de débitos a instituições de crédito, ou quando tal indicação seja aposta pela instituição depositária”, pois afirmam “não é admissível que pela via administrativa se pretenda forçar o estabelecimento de acordos com o indemnizando e a instituição de crédito que o financiou, bloqueando a emissão e a entrega de títulos enquanto a instituição de crédito não comunicar à Junta de Crédito Público que a situação está ‘regularizada’”.
Releva ainda destacar a posição dos autores acerca da natureza dos litígios que ocorram entre o particular e a instituição de crédito quanto à dação em cumprimento.
Sobre essa matéria pronunciam-se nos seguintes termos: “não são a nosso ver conflitos de direito privado, já que, como se viu, a mobilização antecipada consignada na lei é um direito dos expropriados que integra o próprio direito à indemnização contra o Estado. Perante a recusa de uma instituição de crédito em aceitar os títulos em dação poderá, assim, o indemnizando requerer ao Ministro das Finanças que promova essa aceitação.”[50]

7.

1. Reunidos os elementos pertinentes, normativos, de doutrina e de jurisprudência, estamos habilitados a responder à questão suscitada que, recorde-se, consiste em saber se no regime jurídico sobre nacionalizações e expropriações previsto na Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e demais legislação complementar, deve prevalecer o interesse dos credores que têm a seu favor uma penhora ou, ao invés, se, o Estado, “através de legislação específica, deu garantias às instituições que comunicaram os seus créditos de que os mesmos se encontravam em pé de igualdade com os dos credores tutelados através de acções judiciais”.
A dilucidação do litígio há-de analisar-se em dois planos. Num deles considerar-se-ão as situações em que os débitos dos indemnizandos se esgotam nas dívidas contraídas com as entidades a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 80/77; no outro, as situações em que, a par de dívidas contraídas com tais entidades, concorrem dívidas a outras pessoas, singulares ou colectivas, públicas ou privadas, contraídas em condições diversas das previstas no mesmo normativo legal.
2. Para uma melhor compreensão da resposta, recapitulam-se os traços essenciais do regime jurídico que disciplina a matéria relativa às indemnizações a titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados que antes se expôs.
A Lei n.º 80/77 veio permitir, no artigo 31.º, que os titulares do direito à indemnização pudessem utilizar os títulos representativos desse direito para dação em pagamento de dívidas do titular do crédito à Caixa Geral de Aposentações ou outras instituições de previdência, ao Fundo de Desemprego ou a instituições de crédito, alargando a Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, o universo das dívidas elegíveis para esse fim, que passou a abranger dívidas provenientes de empréstimos concedidos ao titular pelo Ministério da Agricultura e Pescas ou por serviços nele integrados, por caixas de crédito agrícola mútuo, por empresas públicas ou por quaisquer instituições nacionalizadas.
No interim, o Decreto-Lei n.º 334/80, de 29 de Agosto, estabeleceu também um meio para possibilitar a mobilização imediata das indemnizações para fins cuja prossecução se considere urgente, nestes se incluindo o pagamento de dívidas, contraídas antes da nacionalização ou expropriação, designadamente a instituições de crédito, as quais, sendo dadas em pagamento pelos indemnizandos fariam extinguir a dívida [artigos 3.º, n.º 1, alínea h), e 4.º, n.º 1, alínea b)].
O poder conferido aos indemnizandos pelo artigo 31.º da Lei n.º 80/77 configurava-se como um verdadeiro direito potestativo do titular, como este Conselho já se pronunciou no parecer n.º 42/86, com a consequente sujeição dos bancos, que não poderiam deixar de aceitar a dação em pagamento. A posição de sujeição dos bancos é conatural à própria natureza do direito potestativo de que um dos sujeitos da relação jurídica é titular.
A disciplina da dação em pagamento, quanto aos prazos de apresentação das propostas, formas e modos de pagamento, suspensão de juros, bem como aos termos de solver o remanescente quando o valor da indemnização provisória fosse insuficiente para o pagamento total da dívida consta da Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, que condensa e esclarece o regime iniciado pela Portaria n.º 43/81, de 15 de Janeiro, e prosseguiu com a Portaria n.º 465/81, de 5 de Junho.
Importa também considerar que, em regulamentação da Lei n.º 80/77, a Portaria n.º 120-A/79, de 14 de Março, e a anterior Portaria n.º 556/78, de 15 de Setembro, por aquela revogada, impunham a obrigatoriedade de apresentação de declaração a que se refere o artigo 6.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, sujeitando-a aos requisitos do modelo anexo, de acordo com os quais o titular do direito à indemnização deveria indicar os casos especiais (ponto n.º 16), nestes se incluindo as situações objecto de caução [alínea b) do ponto 8 das Normas para o preenchimento da declaração anexa], as quais eram entendidas como respeitando às dívidas que os indemnizandos tivessem para com as entidades a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 80/77.
Em articulação, a Portaria n.º 61/79, de 6 de Fevereiro, para “salvaguardar os legítimos interesses dos credores dos ex-titulares de bens nacionalizados ou expropriados no âmbito da Reforma Agrária”[51] e obviar a qualquer omissão da parte dos devedores, veio permitir-lhes que apresentassem no Ministério da Agricultura e Pescas a respectiva declaração relativa a tais créditos.
Ainda neste enquadramento, os Decretos-Leis n.os 111/77, de 26 de Março, 78/78, de 27 de Abril, 374/78, de 2 de Dezembro, e 262/79, de 1 de Agosto, vieram estabelecer a suspensão da instância das execuções por dívidas relacionadas com explorações silvo-agro-pecuárias de prédios rústicos expropriados ou nacionalizados e cujos proprietários tivessem direito, nas condições e termos previstos na lei, a ser indemnizados pelo Estado, suspensão que se manteria até ao momento da entrega das cautelas representativas dos títulos de dívida pública emitidos nos termos dos artigos 18.º e seguintes da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro.
3. Com a medida preconizada pelo artigo 31.º da Lei n.º 80/77, pela qual se permitia a mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização para dação em pagamento das dívidas aí mencionadas, pretendeu o legislador fazer extinguir as obrigações contraídas pelo devedor. A formulação da alínea b) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 343/80 é quanto a esse aspecto esclarecedora. Nela se alude expressamente à extinção, por dação em pagamento, das dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação ou a outras instituições de previdência, ao Fundo de Desemprego ou a instituições de crédito.
A Portaria n.º 885/82 menciona também a extinção por dação em pagamento dessas dívidas, nos n.os 1, alínea b), e 4. Mesmo nos casos em que o valor da indemnização, pelo menos o valor provisório, não fosse bastante para poder fazer extinguir a dívida por efeito da sua dação em cumprimento, ainda assim o legislador acautelou essas situações, nos n.os 5 e 8 da citada Portaria.
Para se socorrer desse benefício, os devedores, em favor de quem o mesmo foi criado, deveriam expressar essa vontade no prazo estabelecido no n.º 13 dessa Portaria, o qual, consoante o preceituado na sua alínea d), poderia prolongar-se no tempo, sempre que razões legais ou processuais tivessem determinado a suspensão da emissão de títulos.
O exercício do poder de extinguir as dívidas aludidas através de dação em pagamento, poder que é entendido como um direito potestativo, e que não carecia da aceitação do credor, mostra-se regulado em termos que reclamam alguma intermediação para a efectivação da dação em pagamento com o consequente efeito extintivo da obrigação[52].
Nesse sentido, a Portaria n.º 885/82 parece fazer supor que, em todos os casos, se verifica uma proposta de dação em pagamento a que se segue a formalização do contrato de dação e que entre uma e outro poderá haver necessidade de procedimentos de acertamento. O n.º 1, alínea d), desta Portaria alude expressamente à sua aplicabilidade apenas aos casos de capitais em dívida que estejam vencidos até à data limite da proposta de dação em pagamento. A mesma menção de proposta de dação ocorre no corpo do n.º 4, na alínea a) do n.º 5, nas alíneas a) a d) do n.º 13, e nos Despachos Normativos n.os 153/83 (alínea e)[53], 42/84 [alínea a)] e 14/85 (n.º 1).
A esta proposta de dação seguir-se-ia, realizados os acertamentos que fossem necessários, a celebração do contrato definitivo. A alínea b) dos n.os 10 e 11 da Portaria n.º 885/82 e as alíneas g) e h) e i) do Despacho Normativo n.º 153/83 prescrevem-na expressamente, e esse parece ser o entendimento pelo menos dos participantes na Acta constante da documentação enviada, relativa a uma reunião havida em 12 de Novembro de 1999 entre o devedor e os credores, que alude à “metodologia a adoptar pelos credores e devedor, com vista à concretização dos contratos de dação em pagamento a efectuar no âmbito da legislação sobre Reforma Agrária”. (A itálico agora)
Note-se que o último diploma aludido vai mais longe e sanciona com perda do benefício da aplicação daquela Portaria os devedores que não formalizarem o referido contrato, no prazo que na mesma se estabelece [alínea h)].
Afigura-se assim suficientemente claro que, não obstante a natureza potestativa do direito conferido aos devedores, no regime instituído na legislação sobre reforma agrária com vista à utilização de títulos representativos do direito à indemnização para dação em pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação com certas entidades se estabeleciam dois momentos distintos para a efectivação do direito: um, aquele que se consubstancia com a proposta de dação; o outro, o que se caracteriza com a efectivação do negócio, o contrato de dação em pagamento.
Só neste último momento se aperfeiçoa o contrato e se opera a transferência dos títulos e o respectivo direito de propriedade[54] para os credores, e consequentemente a extinção da dívida. O mencionado Despacho Normativo n.º 153/83 é taxativo ao referir que a “entrega dos títulos em dação se produz apenas no acto dessa formalização”, afastando qualquer suposição de que a simples apresentação da proposta de dação pudesse gerar qualquer efeito translativo do direito de propriedade dos títulos a favor dos credores.
Tudo isso se harmoniza com a previsão da norma do artigo 31.º da Lei n.º 80/77[55] que visa a protecção dos devedores e não dos seus credores, nomeadamente das entidades bancárias. Nesse sentido, a circunstância de se estabelecer um regime de mobilização restrito e para os efeitos ali referidos, a que os credores se não podiam opor.
Para os casos em que o valor provisório da indemnização fosse insuficiente para a extinção da dívida da obrigação, o direito a extingui-la mantém-se, estipulando o n.º 9 da Portaria n.º 885/82, o modo de proceder.
4. Pode-se dizer, ensaiando a resposta no âmbito do primeiro plano que se considerou de atender, que - sendo titulares dos créditos os sujeitos a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 80/77, efectuada a proposta de dação em pagamento pelo devedor, “aceite” aquela pelo credor e celebrado o negócio respectivo -, os pagamentos realizavam-se no respeito pelas regras previstas na Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, tudo se resolvendo no âmbito do modelo administrativo adoptado. Em caso de concurso de diversos credores e existindo dívidas com e sem garantia real, o modelo implementado na Portaria estabelece as regras que devem ser atendidas na ordem e modo de proceder aos pagamentos.
Trata-se de um sistema articulado, coerente, ágil e tendencialmente célere que, com o acordo e concertação de todos, simplifica a recepção das indemnizações e o pagamento das dívidas que com aquelas se conexionam.
Neste quadro não se suscitam, pois, quaisquer dificuldades.
Noutro plano e é a este que se reporta a entidade consulente, há que equacionar e dar resposta às situações em que sobre o património do devedor incidem créditos enquadráveis na previsão do artigo 31.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, e créditos decorrentes de dívidas por ele assumidas por negócios jurídicos celebrados fora das hipóteses para que a norma foi editada, mas para com as quais o património do devedor responde como garantia geral (artigo 601.º do Código Civil), e sobre o qual pode já ter incidido uma penhora, com a consequente verificação do crédito.
A fórmula adoptada pelo artigo 31.º da Lei n.º 80/77 e pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 334/80, de 29 de Agosto, teve uma intenção precisa: contemplar, em primeiro lugar, casos de justiça e, em segundo lugar, fomentar a recuperação económica urgente de que o País carecia[56] [57].
No modelo criado e na regulamentação que conheceu não pode ver-
-se, além destas razões, qualquer propósito de derrogação ou alteração do sistema vigente, no que se refere à protecção dos credores, designadamente nele vislumbrando a consagração de um qualquer privilégio creditório a favor destes últimos, que a lei não contempla expressa ou implicitamente.

É certo que a Portaria n.º 556/78 e a n.º 120-A/79 que lhe sucedeu, editadas ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 80/77, habilitavam a Administração com um conjunto de informações, pelas quais se podia conhecer as entidades credoras e a razão do crédito.
Idêntica informação chegava ao poder da Administração por declaração da entidade credora, nos termos da Portaria n.º 61/79, de 6 de Fevereiro (artigo 1.º)
Essas informações, consoante a sua natureza, faziam funcionar as denominadas “condições especiais”, que incluíam qualquer uma das espécies a que se refere o n.º 8 das Normas para preenchimento da declaração anexa à Portaria n.º 120-A/79, de 14 de Março de 1979.
O conhecimento pela Administração dessas condições especiais e, em particular, daquelas relativas a dívidas dos indemnizados contraídas antes da intervenção da Reforma Agrária permitir-lhe-iam, no quadro da aplicação da Portaria n.º 885/82, ter uma percepção plena de toda a situação e contribuir para a resolução amigável do “contencioso” entre o indemnizando e os seus credores.
Crê-se que o conhecimento dessas condições especiais pela Administração tem de ser entendido em articulação com o que prescreve a Portaria n.º 885/82, que regulamenta o disposto no artigo 31.º da Lei n.º 80/77, e aquela só operava se tivesse havido proposta de dação em pagamento formulada pelo devedor, nos prazos aí referidos.
Não sendo paga a dívida nem tendo havido proposta de dação por parte do devedor e não contemplando a Lei n.º 80/77 outras formas ou modos de os credores se pagarem do seu crédito, cabia-lhes solicitar a intervenção dos tribunais.
Afigura-se ilegítimo e não compreendido nem no texto nem no espírito dos diplomas analisados que daquelas declarações se possa retirar a concessão de uma qualquer garantia em favor dos credores, no sentido de serem pagos preferencialmente pelo valor da indemnização.
Mesmo que, se por efeito de condições especiais relativas a dívidas contraídas antes da intervenção da Reforma Agrária, a Administração, por suposição, bloqueasse o pagamento da indemnização a titulares desse direito enquanto aquelas se mantivessem, não se veja aí uma medida em protecção directa e exclusiva dos credores de tais dívidas.
Qualquer outro credor do indemnizando que não tivesse sido pago do seu crédito poderia vir pedir em juízo o seu pagamento através das forças desse direito à indemnização ou dos títulos que o consubstanciam, pois que tais títulos ou o direito à indemnização integram o património do devedor e aquele constitui uma garantia geral de todos os credores (artigo 601.º do Código Civil).
Além disso, uma leitura nesse sentido da Portaria n.º 120-A/79 conduziria a uma interpretação ilegal[58] da mesma, por nela se regulamentar matéria sem habilitação legal bastante, posto que a lei autorizante – Lei n.º 80/77 – não só não contempla essa medida, como, pelo contrário, especifica, com algum detalhe, outros elementos que a mesma deve conter.
O mesmo se diga da Portaria n.º 61/79, de 6 de Fevereiro. A situar-
-se ainda no contexto da regulamentação do artigo 6.º da Lei n.º 80/77 - preceito que é invocado como norma habilitante -, tem em vista, segundo se crê, declarar os créditos das entidades deles titulares para, em caso de efectivação de dação em pagamento, no quadro da Portaria n.º 885/82, serem aí considerados. Por outro lado, a suspensão da instância em que se encontravam as acções propostas contra titulares do direito à indemnização, nos termos do Decreto-Lei n.º 117/77 e diplomas que lhe sucederam justificava um conhecimento dessa situação por parte das entidades competentes, o que, de resto, é expressamente invocado pelo legislador.

Nestes casos, em que não foi paga a dívida nem tendo havido proposta de dação por parte do devedor, nem sendo esta já possível, e naqueles em que se trate de dívidas diversas das previstas no artigo 31.º da Lei n.º 80/77 em que seja suscitada a tutela judicial, através de acção executiva, a decisão judicial que aí seja proferida é obrigatória para todas as pessoas públicas e privadas e prevalece sobre as de quaisquer outras entidades, como decorre do artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República[59], e a lei ordinária assimila, entre outros nos artigos 671.º e 373.º do Código de Processo Civil.
O que se disse vale igualmente para as hipóteses em que o credor, sendo uma instituição bancária, com créditos relativos a exploração silvo-
-agro-pecuária, por dívidas contraídas antes da ocupação ou nacionalização dos prédios, propôs acção executiva para cobrança dessas dívidas. Nada obstava a que assim fizesse - mesmo no quadro de um processo negocial por dação em pagamento, observando-se as regras próprias da boa fé -, e se o fizesse, sendo ordenado o pagamento, o crédito seria pago nos termos em que a sentença assim o determinasse.
8.
Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:
1. A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, que aprova as indemnizações aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados, parcialmente modificada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, por sua vez alterado por ratificação pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, tipiciza as situações admissíveis de mobilização dos títulos representativos do direito à indemnização e disciplina, directamente ou por remissão para textos normativos, os meios de mobilização;
2. A dação desses títulos em cumprimento das dívidas às instituições de crédito, observadas as condicionantes de tempo e de forma previstas legalmente, e da sua interdependência em relação às nacionalizações ou expropriações que os criaram, constitui um direito potestativo do seu titular a que as instituições de crédito não se podiam escusar;
3. Tendo sido formulada proposta de dação em pagamento, nos termos, prazo e condições previstas na lei e não havendo outros tipos de credores que os mencionados no artigo 31.º, a ordenação e graduação dos créditos e formas de pagamento, apurado o valor das indemnizações, atenderá ao disposto na Portaria n.º 885/82, de 20 de Setembro, complementada com os Despachos Normativos n.os 153/83, de 28 de Junho, 42/84, de 27 de Fevereiro, e 14/85, de 30 de Março;
4. Com a celebração do contrato de dação em pagamento das dívidas a que se refere o artigo 31.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, opera-se simultaneamente a extinção de tais dívidas e a transferência do direito de propriedade sobre os títulos representativos do direito à indemnização do devedor para o credor;
5. Instaurada acção executiva, por dívidas excluídas da previsão do artigo 31.º da Lei n.º 80/77 ou, em certos casos, nele incluídas, e ordenada a penhora de títulos representativos do direito a indemnização ainda pertença do devedor, a forma e modo de pagamento ordenado por decisão judicial, impõe-se a todas as entidades, públicas ou privadas, e rege-se pelas disposições próprias da legislação civil e processual civil.


VOTO


(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) – Vencido nos termos seguintes.

1. Não subscrevo o presente parecer, desde logo, porque, em rigor, não responde à pergunta que vem posta e que se traduz em averiguar se o Estado, “(...) através de legislação específica, deu garantias às instituições que comunicaram os seus créditos de que os mesmos se encontravam em pé de igualdade com os dos credores tutelados através de acções judiciais”[60].

A resposta prende-se basicamente com a solução que se der ao problema de saber quando é que há-de considerar-se “celebrado o contrato de dação em pagamento” à luz do regime instituído pela Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, e legislação complementar.

Ora, também aqui, não acompanho a interpretação que fez vencimento, pelas razões que sumariamente se indicam.

A dado passo do parecer pode ler-se que:
“(...) não obstante a natureza potestativa do direito conferido aos devedores, no regime instituído na legislação sobre reforma agrária com vista à utilização de títulos representativos do direito à indemnização para dação em pagamento de dívidas contraídas antes da nacionalização ou expropriação com certas entidades se estabeleciam dois momentos distintos para a efectivação do direito: um, aquele que se consubstancia com a proposta de dação; o outro, o que se caracteriza com a efectivação do negócio, o contrato de dação em pagamento.
“Só neste último momento se aperfeiçoa o contrato e se opera a transferência dos títulos e o respectivo direito de propriedade* para os credores, e consequentemente a extinção da dívida. O mencionado Despacho Normativo nº 153/83 é taxativo ao referir que a ‘entrega dos títulos em dação se produz apenas no acto dessa formalização’ afastando qualquer suposição de que a simples apresentação da proposta de dação pudesse gerar qualquer efeito translativo do direito de propriedade dos títulos a favor dos credores.”

Observa-se que o parecer autonomiza o momento da proposta de dação em cumprimento, mas nada refere quanto ao relevo ou consequências jurídicas de tal proposta.

Mais adiante, invocando-se preceitos do Despacho Normativo nº 153/83, de 28 de Junho, acaba por concluir-se que a simples apresentação da proposta não gera qualquer efeito translativo. Somente com a celebração do contrato, diz-se no parecer, se opera a transferência dos títulos e do respectivo direito de propriedade. No entanto, também aqui não se explicita de forma directa em que se traduz tal celebração.

Ora, o problema reside precisamente em saber a que procedimentos ou formalidades subordina a lei a efectivação do negócio.

De uma forma indirecta, tendo em conta o recurso a expressões como “entrega dos títulos” e “acto de formalização”, afigura-se que tal efectivação se dá, na óptica do parecer, com a realização do contrato de dação por escrito e a entrega dos títulos.

Ora, em primeiro lugar, a subordinação da efectivação do negócio à entrega dos títulos é, desde logo, contraditória com a invocação do artigo 408º do Código Civil[61], que é feita no próprio parecer.

Em segundo lugar, a subordinação da concretização da dação em pagamento à exigência de forma escrita do contrato e entrega dos títulos não tem fundamento legal.


2. Segundo o nosso entendimento, o parecer não distingue com rigor: existência do negócio jurídico, validade e eficácia.

Por outro lado, o parecer também não retira todas as consequências jurídicas do facto de estarmos perante um direito potestativo, pressuposto que é dado por assente.


2.1. A existência do negócio jurídico pressupõe o encontro de duas vontades: uma proposta e uma aceitação. Ora, no caso, tratando-se de um direito potestativo, como se afirma no parecer, havendo proposta, como a aceitação é obrigatória[62], deve considerar-se aperfeiçoada a dação em pagamento.

De seguida, há-de entender-se que a perfeição do negócio implica em regra a transferência da propriedade, segundo o nº 1 do artigo 408º do Código Civil.

Por conseguinte, desde que se demonstre ter havido proposta de dação e a prestação se encontre determinada ou seja determinável[63], deve considerar-se verificada a transferência automática da propriedade dos títulos.

Acresce que a subordinação da eficácia da proposta de dação à entrega dos títulos carece de fundamento legal, tanto mais que tal entrega somente se teria tornado possível a partir de 1984.

Na sequência do exposto, qualquer penhora posterior à perfeição da dação em pagamento tem naturalmente de considerar-se desprovida de objecto.

Em suma, havendo proposta de dação não pode deixar de considerar-se que existe contrato.

Num segundo momento poderia, quando muito, considerar-se tal contrato inválido por vício de forma.

Mas, para tal, tornar-se-ia necessário que a lei exigisse formalidades não cumpridas, o que não se verifica.

Com efeito, a Lei nº 80/77 não exige a redução a escrito do contrato, limitando-se a fazer referência à proposta de dação em pagamento. O mesmo se passa com a legislação complementar, nomeadamente a Portaria nº 885/82, de 20 de Setembro.

As únicas referências a formalidades encontram-se no Despacho Normativo nº 153/83. Trata-se de referências esparsas a “formalização do contrato de dação” [cfr. alínea h)], ou no sentido de que “o contrato de dação deve ser formalizado tendo em consideração que a entrega dos títulos em dação se produz apenas no acto dessa formalização, pelo que qualquer pagamento ...” [cfr. alínea i)].

Em primeiro lugar, trata-se de afirmações tautológicas que dificilmente podem ter o sentido e a relevância que lhes é dada no parecer.

Em segundo lugar, é perfeitamente plausível entender-se que tais referências se reportam às formalidades respeitantes à comunicação da proposta de dação aos credores e consequente envio por parte destes dos mapas de «Demonstração de valores» respeitantes aos proponentes.

Por outro lado, o Despacho em causa, com a interpretação que lhe dá o parecer, teria de considerar-se ilegal por duas razões.

Com efeito, verifica-se que ele tem como objectivo esclarecer dúvidas de aplicação da Portaria nº 885/82[64]. Ora, não constando da mencionada portaria qualquer normativo a estabelecer regras formais quanto à validade da proposta de dação em pagamento, o mencionado despacho teria de considerar-se ilegal por exceder os limites da mera interpretação, sem habilitação para tal.

Acresce que o mesmo careceria sempre de legitimidade para estabelecer disciplina material inovadora, uma vez que a disciplina complementar ou de desenvolvimento da Lei nº 80/77 teria de constar de decreto-lei, por força do estatuído no artigo 36º.

Assim sendo, na falta de disposição legal em contrário, a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, nos termos do disposto no artigo 219º do Código Civil.


2.2. Além das considerações expostas quanto ao entendimento sufragado no parecer sobre a “celebração do contrato de dação”, considera-–se que a interpretação a que se chega traduz, por um lado, um sacrifício verdadeiramente insuportável à liberdade negocial dos credores e, por outro lado, é também contrária à letra e razão de ser do artigo 31º da Lei nº 80/77.

Admitindo que possam subsistir razões de ordem social que fundamentem, nos termos do artigo 31º da Lei nº 80/77, a restrição à liberdade contratual dos credores, dada a forçada celebração da dação em pagamento decorrente da natureza potestativa do direito dos devedores, a verdade é que tal restrição tem de ser adequada, razoável e juridicamente correcta.

Neste sentido, restrição tão ampla à liberdade negocial dos credores somente pode considerar-se legítima se o legislador der garantia absoluta que os seus direitos não são prejudicados.

A não ser assim, o legislador estaria a resolver um problema social à custa da autonomia privada dos credores e, em especial, das instituições de crédito.

Se o objectivo prioritário do legislador foi o de proteger os “devedores e não os seus credores, nomeadamente das entidades bancárias”, como se refere no parecer, a verdade é que os interesses dos credores não podem pura e simplesmente ser postergados.

Por outro lado, não é concebível uma solução legal que elimine ou limite de forma injustificada e desproporcionada princípios basilares da nossa ordem jurídica, tais como os da liberdade negocial, da boa fé, da segurança e do comércio jurídico.

Ora, o resultado interpretativo a que chega o parecer é insustentável para os interesses dos credores e os princípios mencionados.

Com efeito, defender a irrelevância jurídica da proposta de dação em pagamento, é aceitar que os devedores possam legitimamente amarrar os credores com a proposta de dação e, ao mesmo tempo, transferir sem qualquer problema para terceiro o seu direito à indemnização[65].

Tal resultado é tanto mais absurdo quando se sabe que o acerto entre os vários credores, mediado pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público, levaria sempre algum tempo[66].

Por conseguinte, os interesses dos credores e, bem assim os da lei, frustrar-se-iam totalmente se, efectivada uma proposta de dação e no período de tempo necessário ao acerto dos créditos e dos credores, pudesse ocorrer com êxito uma penhora ordenada a favor de um terceiro.

Argumentar-se-á que os credores não estariam impedidos de mover ou continuar as respectivas acções executivas.

A verdade é que o legislador visou precisamente estabelecer um regime administrativo simples e célere de satisfação dos interesses dos devedores, que dispensaria os credores de interpor acção executiva.

Também por esta via a interpretação que fez vencimento frustraria o objectivo da lei.

Em suma, cremos que o parecer, para além de não retirar todas as consequências resultantes do facto de estarmos perante um direito potestativo, não equaciona a interpretação da lei de acordo com o modelo de legislador razoável consagrado no artigo 9º, nº 3, do Código Civil, ao terminar por dar à lei uma interpretação que funciona como um mecanismo em fraude à lei.


3. A interpretação que retiramos do artigo 31º da Lei nº 80/77 e legislação complementar, sobre o valor da proposta e da perfeição do contrato uma vez ela formulada, foi a seguida pela Administração, em especial pela Direcção-Geral da Junta do Crédito Público.

Na verdade, quando os credores informavam a Direcção-Geral da Junta do Crédito Público da existência de proposta de dação e lhe enviavam os mapas de «Demonstração de valores», respeitantes aos proponentes, esta entidade elaborava mapas onde figuravam os mencionados créditos protegidos com cláusulas de suspensão de pagamento da indemnização. Isto é, os títulos de que a Direcção-Geral era mera depositária ficavam como que imobilizados e afectos aos créditos inscritos nos mencionados mapas até ser alcançado o acordo entre credores e devedores, sendo então abatidas as situações de imobilização[67].

Note-se que ainda hoje esta entidade se mantém depositária dos títulos, de tal modo que em relação ao devedor visado no pedido de parecer não lhe foi feita a entrega da indemnização a que tem direito, embora o montante respectivo se encontre há muito definitivamente fixado.

Em consequência, a Junta do Crédito Público teria agido correctamente se tivesse respondido ao Tribunal que a penhora referenciada no pedido de parecer era desprovida de objecto, uma vez que ela é mera depositária dos títulos, cuja transferência de propriedade se operou com a proposta de dação e a sua aceitação obrigatória.

Por todo o exposto, ressalvado o respeito devido pela tese que mereceu acolhimento, não acompanho a Conclusão 4ª quanto ao entendimento subjacente à “celebração do contrato de dação”, propendendo para concluir que não só o Estado através de legislação específica deu garantia às instituições que comunicaram os seus créditos, na sequência de proposta de dação, que os mesmos ficavam protegidos e garantidos, como durante todo este tempo a Administração, essencialmente através da Junta do Crédito Público, funcionou para os credores de boa fé como entidade garante do seu crédito.






[1] Ofício n.º 361/GA/2003, de 14 de Janeiro de 2003.
[2] Despacho de 21 de Fevereiro de 2003, lavrado sobre o ofício de 11 de Fevereiro de 2003, entrado na Procuradoria-Geral da República, no dia 18 seguinte.
[3] Ofício n.º 1714/GA/2003, de 11 de Fevereiro, sobre o qual recaiu despacho no dia 21 imediato.
[1] Atente-se no ponto 8 das normas para preenchimento da declaração de titularidade previstas na Portaria n.º 556/78, de 5 de Setembro [...].
[2] Veja-se o art. 31.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, o art. 3°, n.º 1, al. h) do D.L. n.º 334/80, de 29 de Agosto, bem como as Portarias n.os 43/81, de 15 de Janeiro, 465/81, de 5 de Junho e 885/82, de 20 de Setembro [...].
[4] E a questão surge pela existência da uma acção executiva, a correr termos no tribunal da comarca de Évora (processo n.º 402-A/95, do 1.º Juízo Cível, em que é exequente Maria de Fátima Prates Cravidão e executado João José Franco Barroso), no qual o IGCP solicitou informação acerca da forma como se deveria proceder à hierarquização dos créditos que incidiam sobre os valores definitivos das indemnizações por, sobre estas incidirem outras penhoras, e situações de suspensão por dívidas a instituições de crédito. Sobre esse pedido de informação foi lavrado despacho, de que se extracta a seguinte passagem: “A penhora do crédito em causa foi efectuada nestes autos (...), não resulta (...) a existência de penhoras anteriores. Não foram reclamados créditos na sequência do cumprimento do disposto no artigo 864.º do CPC. Não cabe obviamente a este tribunal hierarquizar créditos, ao contrário do referido pelo IGCP. De resto, não se vislumbra o sentido do ofício do IGCP pois não há qualquer hierarquização de créditos mas apenas uma questão de ordem de penhoras. Aquele instituto deve respeitar a ordem das penhoras efectuadas e caso as destes autos seja efectivamente a primeira, deve proceder ao pagamento. (...).”
[5] Esta Lei foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, pela Lei n.º 5/84, de 31 de Agosto, que alterou o artigo 23.º, e pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, que revogou os artigos 14.º e 16.º. O primeiro diploma legal mencionado foi ratificado pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto, que, por sua vez, alterou a redacção de alguns dos preceitos legais modificados.
A Lei n.º 80/77 foi regulamentada e complementada pelos Decretos-Leis n.os 213/79, de 14 de Julho, 456/79, de 21 de Novembro, 334/80, de 29 de Agosto, 332/85, de 16 de Agosto, 199/88, de 31 de Maio, 150/91, de 15 de Abril, 199/91, de 29 de Maio, 332/91, de 6 de Setembro, 38/95, de 14 de Fevereiro, e 197-A/95, de 17 de Março, pelas Portarias n.os 556/78, de 15 de Setembro, 10-A/79, de 14 de Março, 43/81, de 15 de Janeiro, 465/81, de 5 de Junho, e 885/82, de 20 de Setembro, tendo esta última revogado as anteriores portarias n.os 43/81 e 465/81, e pelos despachos normativos n.os153/83, de 28 de Junho, 42/84, de 27 de Fevereiro, e 14/85, de 30 de Março.
[6] O Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar a constitucionalidade das normas dos artigo 3.º, n.os 1, alíneas a) e b) e 2, 14.º, 16.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º desta Lei, tendo declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 3.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, por violação do princípio da indemnização consagrado no artigo 82.º da Constituição.
[7] O Decreto-Lei n.º 199/88 foi parcialmente alterado pelos Decretos-Leis n.os 199/91, de 29 de Maio, e 38/95, de 14 de Fevereiro.
[8] O artigo 20.º respeita ao modo e forma de pagamento em dinheiro, havendo disponibilidade orçamental
[9] A alteração da Lei n.º 80/77, de 28 de Julho, por este decreto-lei justifica-se, como se retira do preâmbulo, pelas “dificuldades surgidas com a regulamentação de várias das suas disposições, resultantes, na maior parte, da complexidade dos esquemas nela previstos, [que] impediram a consecução” dos objectivos nela propostos: por um lado, operar “o pagamento das indemnizações devidas aos ex-titulares de bens expropriados ou nacionalizados”, e, por outro lado, “representar um importante factor de dinamização do investimento”.
Pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 36/81este diploma são alterados os artigos 1.º, 14.º, 15.º, 16.º, 22.º, 23.º, 26.º, 29.º, 31.º, 33.º, 34.º e 36.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, os quais, por sua vez foram objecto de apreciação pela Assembleia da República, e modificados, por ratificação, parcial, pela Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto.
[10] A técnica legislativa seguida nesta Lei suscita alguma perplexidade ao intérprete que se interroga acerca da formulação normativa em vigor quanto aos artigos que são apenas enumerados sem transcrição do articulado e quanto ao artigo 36.º, cujo texto não consta do diploma legal. A matéria foi analisada no Parecer n.º 42/86, de 24 de Abril de 1987, publicado no Diário da República, II série, de 9 de Novembro de 1987, onde se entendeu que, “pese embora o grau de ambiguidade e imprecisão da técnica utilizada, pretendeu-se, efectivamente, manter em vigor as alterações de 1980 que o processo ratificativo deixou incólumes” e, quanto ao artigo 36.º, ter-se-á tratado de “mera desatenção ou lapso material, dada a imprescindibilidade do seu teor, na ausência de diferente regulamentação na matéria, e ao facto de diplomas posteriores continuarem a fazer-lhe referência expressa (...).”.
[11] Do preâmbulo.
[12] No preâmbulo da Portaria alude-se a “reclamação dos seus créditos”, o que se entende com um sentido não técnico-jurídico, e é confirmado pelo sumário oficial e pelo próprio articulado do diploma, que se refere a “declaração dos seus créditos”.
[13] Prazo que foi alargado até 30 de Junho de 1979, nos termos do n.º 14 da Portaria n.º 120-A/79, de 14 de Março.
[14] Com o seguinte sumário oficial: “Suspende todas as execuções por dívidas de carácter comprovadamente silvo-agro-pecuário contraídas por titulares de direitos sobre prédios rústicos enquanto não forem pagas as indemnizações legalmente reconhecidas.”
[15] Vulgarmente denominada pelos autores dação em pagamento. Cfr. Sobre esta matéria, podem consultar-se: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª edição, revista e actualizada (reimpressão), II volume, pág. 171.
[16] Veja-se, sobre o tema, o Parecer n.º 45/98, deste Conselho Consultivo, de 15 de Junho de 1998, publicado em Pareceres da Procuradoria-Geral da República, Volume VIII, pág. 193 e segs., que por momentos se acompanha.
[17] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª edição, revista e aumentada, Almedina, Coimbra, pág. 1008.
[18] Antunes Varela, ob. e loc. citados; António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.ºvolume, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986 (reimpressão), pág. 209; Fernando Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (secção de Folhas), 1975-1976, pág. 439; Mário Júlio de Almeida Costa, ob. e loc. citados; Adriano Paes da Silva Vaz Serra, «Dação em função do cumprimento e dação em cumprimento», no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 39 (Novembro – 1953), págs. 34 e segs.; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 175 e segs.
[19] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 175.
[20] Ob. cit. pág. 210.
[21] Ob. cit., pág. 171.
[22] Idem, pág. 172.
[23] Ob. cit., pág. 25.
[24] Ob. cit., pág. 446.
[25] Ob. cit., pág. 177.
[26] Que estabeleceu as regras sobre cálculo e pagamento de indemnizações devidas pela nacionalização de diversos sectores económicos em cujo artigo 10.º, n.º 1, se dispunha: “Sem prejuízo da oportuna aplicação do disposto no artigo anterior, os créditos concedidos pelos bancos nacionalizados a accionistas ou detentores de partes de capital de empresas nacionalizadas poderão ser objecto de compensação provisória, mediante celebração de promessas de dação em cumprimento.”
[27] Vd. Parecer n.º 185/79, de 24 de Janeiro de 1980, publicado no Diário da República II série, de 2 de Dezembro de 1980, pág. 7726 e segs., e Boletim do Ministério da Justiça n.º 298, pág. 71 e segs.
[28] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1994, proferido no processo n.º 71607, consultável na página INTERNET do ITIJ.
[29] Acórdão do STJ de 16 de Outubro de 1979, publicado por João Morais Leitão, ob. cit, pág. 24. Em sentido idêntico veja-se o acórdão do STJ, de 14 de Fevereiro de 1980, proc. N.º 68578, BMJ n.º 294, pág. 317.
[30] Parecer n.º 42/86, de 24 de Abril de 1987, publicado no Diário da República, II série, de 9 de Novembro de 1987.
[31] Sobre caracterização e categorias de direitos potestativos, vd. o parecer n.º 27/2001-C, de 26 de Setembro de 2003, inédito. Seguindo Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1983, pág. 42, o “que caracteriza o direito potestativo é, assim, o poder atribuído a certa pessoa de, pela manifestação da sua vontade, produzir efeitos jurídicos que se vão repercutir inelutavelmente na esfera jurídica de outra pessoa”, mas logo acrescenta que “algumas vezes essa manifestação de vontade vale por si, mas noutros casos o legislador exige que ela se conjugue com uma declaração de vontade de uma autoridade judicial (que será o caso mais corrente), ou mesmo de uma autoridade administrativa.” Perspectivando-se o direito potestativo quanto aos efeitos que pode gerar o mesmo autor fala em efeitos constitutivos, quando uma nova relação jurídica, modificativos, quando se opera uma modificação na relação jurídica anterior, ou extintivos, quando, por efeito do seu exercício, ocorre a extinção de uma relação jurídica anterior.
[32] O Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, introduziu profundas alterações ao processo executivo, em face da - lê-se no preâmbulo – “excessiva jurisdicionalização e rigidez [que] tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente. Os atrasos do processo de execução têm-se assim traduzido em verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o direito fundamental de acesso à justiça.”
As inúmeras e profundas alterações com incidência não só no regime processual vigente, mas também em preceitos de direito substantivo com eles conexos, entraram em vigor no dia 15 de Setembro p.f. (artigo 23.º). A circunstância de as alterações introduzidas só se aplicarem aos processos instaurados a partir dessa data (artigo 21.º, n.º 1) dispensa a abordagem das eventuais implicações que tais alterações pudessem induzir na situação em apreciação.
[33] Para maiores desenvolvimentos, veja-se José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pág. 179.
[34] Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2.ª Edição, Almedina, 2001, pág. 21.
[35] Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 180.
[36] De acordo com a documentação disponível, a penhora teve por objecto os créditos de que é titular o executado, no âmbito da indemnização por nacionalizações e expropriações pela Reforma Agrária e não apenas o direito a indemnização.
[37] Salvador da Costa, ob. cit., pág. 25. Acrescenta este autor:
“Se, porventura, o referido direito de crédito, se extinguir por acordo expresso ou tácito entre o executado credor e a pessoa que em relação àquele é devedor ou por iniciativa de vontade de um ou de outro, a consequência é a de ineficácia em relação ao exequente.
Isso significa que, em tais circunstâncias, o exequente continua a poder realizar o seu direito de crédito através do direito de crédito penhorado.”
[38] J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, pág. 241. Sobre a penhora de créditos, veja-se, também, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Editora Lex, Lisboa, 1998, pág. 264 e segs.
[39] Sendo pago com preferência a qualquer credor com penhora, arresto ou hipoteca judicial anterior, sendo esta anterioridade aferida, em caso de arresto prévio, à data deste (artigo 882.º, n.º 2, do CC), e em caso de bens sujeitos a registo, à data deste (artigo 838.º, n.º 3, do CC).
[40] Autor e ob. cit., pág. 26.
[41] Ibidem.
[42] Salvador da Costa, ob. cit., pág. 273
[43] Sob epígrafe “Reclamação de créditos”, dispõe este normativo:
“1. Só credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos.
2. A reclamação terá por base um título exequível e será deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante; é, porém, de 25 dias, a contar da citação a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 864.º, o prazo em que o Ministério Público é facultada a reclamação dos créditos da Fazenda Nacional.
3. O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.
4. As reclamações são autuadas num único apenso ao processo de execução.”
[44] Assim, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 253.
[45] Pela revisão do CPC de 2003, é alargado o âmbito desse privilégio. A redacção do artigo 455.º revisto é a seguinte: “Saem precípuas do produto dos bens penhorados as custas da execução, incluindo os encargos referidos no n.º 3 do artigo anterior, bem como as da acção em que foi proferida a decisão exequenda, incluindo as de parte, e as da execução inteiramente sustada nos termos do n.º 5 do artigo 865.º ou do artigo 871.º, salvo ofensa do disposto no n.º 4 do artigo 832.º”
[46] No âmbito do regime anterior, veja-se João Morais Leitão, Extinção de obrigações por dação em cumprimento, Lisboa, 1977.
[47] «As indemnizações por nacionalização em Portugal», na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 49 (1989), págs. 5 e segs.
[48] Por benefício da mobilização antecipada entendem os referidos autores “a prerrogativa ou faculdade, reconhecida por lei ou regulamento ao detentor originário dos títulos de indemnização de resgatar antecipadamente o seu valor, através da respectiva aplicação em determinadas finalidades predeterminadas por lei.”
[49] Idem, pág. 26.
[50] Idem, pág. 31.
[51] Do preâmbulo.
[52] Que o exercício do direito pode não ser eficaz por si só, carecendo de integração administrativa ou judicial, reconhece-o a doutrina. Sobre esta matéria vd. o parecer n.º 27/2001- complementar -, de 26 de Setembro de 2003, e doutrina aí citada.
[53] Neste mesmo acto normativo, na alínea f), refere-se a promessa de dação, o que, no contexto, não parece querer significar coisa diferente do que proposta de dação.
[54] Cf. artigo 408.º do Código Civil.
[55] E também daquela que permitia a suspensão da instância de execuções instauradas contra os devedores por dívidas silvo-agro-pecuárias, a que se refere o Decreto-Lei n.º 117/77, de 26 de Março, e os que se lhe sucederam.
[56] Como afirmou o Deputado Angelo Correia em intervenção aquando da discussão na generalidade das propostas e projectos de lei que vieram a produzir a Lei n.º 80/77 – Diário da Assembleia da República, I série, n.º 138, de 30 de Julho de 1977, págs. 5031 e segs. Cf., também, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro.
[57] Parece poder dizer-se que o regime de mobilização de títulos previsto no mencionado artigo 31.º e nas portarias editadas para a sua regulamentação e outra legislação complementar parece ter tido um efeito temporalmente desejado, sem uma contínua e indefinida operatividade.
Nesse sentido apontam, por um lado, os limitados prazos durante os quais os devedores poderiam formular as propostas de dação em pagamento, a que se seguiriam os negócios definitivos pela impossibilidade de os credores, verificados os pressupostos da dação a ela não se puderem eximir e, por outro lado, sendo, como referem os autores, um negócio desvantajoso para as instituições de crédito, é da natureza das coisas que quanto mais curto fosse o prazo concedido menos pedidos de dação poderiam ocorrer, o que se traduziria numa situação mais favorável para elas.
[58] Cfr. artigo 112.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa.
[59] A este propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotação III ao então artigo 208.º, actual 205.º, que o “preceito do n.º 2 compreende duas normas conceitualmente distintas: (a) a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as entidades (públicas ou privadas); (b) a prevalência das decisões dos tribunais sobre as de quaisquer outras entidades. Uma e outra decorrem naturalmente da natureza dos tribunais como órgãos de soberania (...) dotados da respectiva autoridade, titulares exclusivos da função jurisdicional.” E logo a seguir acrescenta que “nenhuma entidade está imune à autoridade das decisões dos tribunais.” (A itálico e a negrito no original)
[60]) Cfr. o expediente que acompanha o pedido de parecer.
*) Cf. artigo 408º do Código Civil.
[61]) O nº 1 do preceito tem o seguinte conteúdo: “A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.”
[62] ) Acresce que, notificada da proposta de oferta dos títulos em dação, a entidade credora teria de informar da existência dessa proposta a Direcção-Geral da Junta do Crédito Público, bem como enviar-lhe cópia dos mapas de «Demonstração de valores» respeitantes aos proponentes. Neste sentido, cfr. o nº 1 do Despacho Normativo nº 14/85, de 30 de Março.
[63]) Nos termos do nº 2 do artigo 408º do Código Civil “Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes ....”
[64]) Cfr. número 16 da Portaria nº 885/82.
[65]) Que foi o que aconteceu no caso que motivou o pedido de parecer.
[66]) Diz o nº 2 do Despacho Normativo nº 14/85, de 30 de Março: ”Nos casos em que se verifique a existência de dívidas extinguíveis por dação em pagamento em mais de uma entidade credora, realizar-se-ão reuniões de conciliação entre os credores e o titular do direito à indemnização, para cumprimento das regras estabelecidas no nº 4 da Portaria nº 885/82, designadamente quanto à graduação dos créditos e à distribuição dos títulos representativos do direito à indemnização...”.
[67]) São as palavras utilizadas pelo nº 5 do Despacho Normativo nº 14/85.