Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00001107
Parecer: I000781998
Nº do Documento: PIN19990714007800
Descritores: ACORDO INTERNACIONAL
CONVENÇÃO BILATERAL
COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
INTERDIÇÃO
MORTE
CASAMENTO
DIVÓRCIO
PODER PATERNAL
ADOPÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO
SUCESSÃO
INVENTÁRIO
PROTECÇÃO JURÍDICA
AUXÍLIO JUDICIÁRIO
DOCUMENTO
TESTEMUNHA
PERITO
REGISTO CIVIL
CERTIDÃO
CUSTAS
MENOR
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Livro: 00
Numero Oficio: 622
Data Oficio: 09/04/1998
Pedido: 09/28/1998
Data de Distribuição: 10/23/1998
Relator: LUIS DA SILVEIRA
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 07/14/1999
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: SE DA JUSTIÇA
Privacidade: [09]
Indicação 2: ASSESSOR: MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR INT PUBL * DIR TRAT / TRATADOS / DIR CIV * DIR FAM * DIR SUC / DIR JUDIC * ORG COMP TRIB / DIR MENORES / DIR PROC CIV.
Ref. Pareceres:P000101996
P001901981
Legislação:CRP76 ART161 ART165 ART166 ART202.; CPC67 ART138 ART65 ART65-A ART99 ART67 ART77 ART1094 ART1096 ART300.; CCIV66 ART365 ART30 ART25 ART31 ART36 ART26 ART41 ART42 ART49 ART46 ART45 ART50 ART51 ART52 ART55 ART56 ART57 ART60 ART62 ART65 ART2133 ART2046 ART2049 ART2079 ART2096 ART2320 ART2334.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:AC JUDICIÁRIO ENTRE PORTUGAL E CABO VERDE
AC JUDICIÁRIO ENTRE PORTUGAL E S. TOMÉ E PRÍNCIPE
A DA COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE PORTUGAL E GUINÉ-BISSAU
AC DE COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE PORTUGAL E MOÇAMBIQUE
AC DE COOPERAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA ENTRE PORTUGAL E ANGOLA
AC ENTRE PORTUGAL E ESPANHA RELATIVO À COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL E CIVIL
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1ª - Analisado o projecto de Acordo entre Portugal e a Ucrânia sobre cooperação jurídica em matéria cível, afigura-se que não se compatibilizam com a natureza dos tribunais como órgãos de soberania, e, em particular, com o artigo 202º da Constituição, nem a faculdade, prevista no artigo 8º daquele instrumento, de um tribunal português aplicar, em sede de auxílio judiciário, normas processuais de ordem jurídica estrangeira, nem a possibilidade, consignada no respectivo artigo 23º, de, quanto à interdição ou inabilitação, um tribunal de uma das partes contratantes conferir a tribunal de outra competência para tomar medidas nesse âmbito;

2ª - O projecto de instrumento em causa não contém outras regras que ofendam normas ou princípios constitucionais ou de ordem pública portguesa;

3ª - Parecem merecer ponderação as questões gerais mencionadas no nº 2 do parecer;

4ª - O projecto em questão suscita, na especialidade, as observações constantes do n.º 3 do parecer, que poderão ser tidas em conta por ocasião das negociações que sobre ele venham a entabular os representantes das partes contratantes.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado da Justiça ,
Excelência:


I


Por despacho de Vossa Excelência ([1]), foi solicitado parecer acerca de um projecto de acordo bilateral sobre cooperação jurídica sugerido pela Ucrânia.

Procedeu-se, nos serviços competentes da Procuradoria-Geral da República, à tradução do aludido texto, redigido em inglês – tradução que o signatário acompanhou, sob o aspecto jurídico ([2]).

O parecer que seguidamente se apresenta cingir-se-á, naturalmente, à perspectiva definida na alínea a) do artigo 37º do Estatuto do Ministério Público ([3]), ou seja, será “restrito a matéria de legalidade”.

2

2.1. Curando embora de respeitar a limitação acabada de indicar, afigura-se que se justifica formular um conjunto de observações, em termos de generalidade, sobre o projecto de acordo em análise.

A primeira diz respeito à forma mediante a qual deverá ser aprovado, para efeitos de ratificação – se essa vier a ser a decisão que o conteúdo do mesmo deva merecer.

Dispõe, com efeito, o artigo 161º da Constituição que:

“Artigo 161º
(Competência política e legislativa)

Compete à Assembleia da República:
......................................................................................................

i) Aprovar os tratados, ..., bem como os acordos internacionais que versem matéria da sua competência reservada ...etc.;”

Uma das matérias da competência reservada da Assembleia da República - conquanto em termos de reserva relativa – é a que diz respeito a organização e competência dos tribunais e das entidades não jurisdicionais de composição dos conflitos.

É o que decorre do artigo 165º da Lei Fundamental, quando prescreve que:

“Artigo 165º
(Reserva relativa de competência legislativa)

1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
.....................................................................................................

p) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos;”

Ora, o projecto de acordo em causa contém diversas regras relativas à competência internacional dos tribunais das respectivas partes, bem como à execução, no outro Estado, de decisões judiciais de tribunais dum desses países – aliás nem sempre em moldes idênticos aos que hoje vigoram no direito português.

Trata-se, nomeadamente, dos seguintes artigos: 23º (interdição e inabilitação), 24º (declaração de ausência, de morte, e de morte presumida), 27º (divórcio e validade dos casamentos), 28º (relações entre pais e filhos), 29º (adopção), 37º (responsabilidade civil), 40º e segs. (reconhecimento de decisões judiciais).

Do mencionado decorre, pois, que, a considerar-se que o acordo em estudo deve ser aprovado, ele terá de o ser pela Assembleia da República, mediante resolução (artigo 166º, n.º 5, da Constituição).


2.2. O projecto de acordo está, sistematicamente, dividido em três partes:

A Parte I (“Disposições gerais”) contém regras genéricas sobre protecção jurídica e auxílio judiciário, regulando-se, no âmbito deste último, o respectivo âmbito e procedimentos, o valor e notificação de documentos, bem como a audição de testemunhas e peritos.

A Parte II (“Disposições especiais”) comporta duas Secções.

A Secção I (“Auxilio judiciário e relações jurídicas em matéria civil”) consta, fundamentalmente, de prescrições sobre competência judicial internacional e direito internacional privado, quer de âmbito geral, quer no tocante a capacidade de gozo e exercício das pessoas singulares e colectivas, interdição e inabilitação, declaração de ausência, de morte e de morte presumida, casamento, relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges, divórcio e declaração de invalidade do casamento, relações entre pais e filhos, adopção, tutela e curadoria, direitos reais, contratos, responsabilidade civil e sucessões.

Na Secção II regula-se especificamente o reconhecimento e execução de decisões judiciais e de transacções judiciais proferidas e homologadas, respectivamente, por tribunal estrangeiro.

Enfim, a Parte III é composta por normas relativas à vigência do acordo, seu começo e eventual cessação.

A economia do acordo, assim sintetizado, aproxima-o muito da parte civil do projecto de acordo com a Federação Russa sobre o qual foi proferido, nesta Procuradoria-Geral, o parecer n.º 10/96, de 10 de Maio de 1996 ([4]).

Na verdade, as regras de natureza civil e processual civil de ambos estes projectos revelam uma muito próxima e flagrante similitude.

O acordo com a Federação Russa não foi, até à data, publicado ([5]).

Parece ter cabimento referir, a este propósito, que os acordos bilaterais até ao presente ratificados por Portugal nas áreas cível e processual civil foram – todos salvo um - celebrados com ex-colónias portuguesas, e têm-se cingido, quase exclusivamente, a aspectos instrumentais ou adjectivos de cooperação no âmbito do auxílio judicial e da execução de decisões judiciais.

Trata-se, nomeadamente, dos seguintes acordos:
- Acordo Judiciário entre Portugal e a República de Cabo Verde, aprovado, para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 524–O/76, de 5 de Julho;
- Acordo Judiciário entre Portugal e São Tomé e Príncipe, aprovado, para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 550-M/76, de 12 de Julho;
- Acordo de Cooperação Jurídica entre a República entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/89, de 15 de Maio;
- Acordo de Cooperação Jurídica entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/91, de 14 de Fevereiro;
- Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República popular de Angola, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/97, de 4 de Março;
- Acordo entre a República Portuguesa e a Reino de Espanha Relativo à Cooperação Judiciária em Matéria Penal e Civil, aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 14/98, de 27 de Maio ([6]).


A nível multilateral, Portugal é parte, no campo do direito civil e processual civil, designadamente de várias das Convenções de Haia – as quais, como se sabe, incidem sobretudo em questões de auxílio judiciário ou em aspectos muito delimitados de índole material ([7]).

A par destas podem ainda mencionar-se algumas Convenções celebradas sob a égide do Conselho da Europa – também normalmente de natureza instrumental ou adjectiva e âmbito definido ([8]).

2.3. Do confronto com os acordos bilaterais e convenções acabadas de referir, ressalta que, em termos de conteúdo, o projecto de acordo em apreciação inclui uma série de regras de direito internacional privado que aqueles não comportam – e que, se em certa medida coincidem com as correspondentes normas do direito interno português, delas em parte diferem.

Há que reconhecer que, em termos de pura compatibilização jurídico-formal entre tais conjuntos normativos, não se suscitaria, em boa verdade, uma situação de conflitualidade.

E, isto, na medida em que, segundo a opinião que hoje se apresenta a dominante na ordem jurídica portuguesa, se vem considerando que as convenções e tratados internacionais ocupam, na hierarquia das fontes de direito, uma posição infra-constitucional, nessa medida se sobrepondo à legislação ordinária emanada, quer pela Assembleia da República, quer pelo Governo ([9]).

Vem a propósito recordar que este Conselho já teve oportunidade de se expressar no mesmo sentido, designadamente no parecer n.º 190/81, de 29 de Outubro de 1994, no qual, após extensa discussão da argumentação relevante, se pôde concluir que: “No tocante às relações entre o direito internacional pactício recebido e o direito ordinário interno, a ponderação global dos elementos literal, histórico e sistemático, leva a inclinar-se para a tese do primado daquele direito internacional sobre o direito interno.” ([10])

E certo é, também, que a adopção (ou não) do aludido tipo de conteúdo para o acordo em análise releva, em larga medida, de critérios de política legislativa.

De todo o modo, não pode olvidar-se que se está perante questão que não é irrelevante em termos de pura jurisdicidade.

É que, por um lado, a aplicação de acordo bilateral desta índole – aspecto naturalmente potenciado se vier a expandir-se o procedimento de celebrar outros mais acordos bilaterais semelhantes, munidos de uma série de regras de conflitos de leis, decerto nem todas idênticas – é apta a gerar, face à ordem jurídica portuguesa, uma disparidade de estatutos de estrangeiros dificilmente compatível com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.

Por outro lado, essa situação pode dar azo a certa insegurança na aplicação do direito pelos tribunais, forçados a ter de considerar uma eventual multiplicidade de acordos bilaterais informados por critérios nem sempre coincidentes.

3

Procede-se, seguidamente, a uma sintética apreciação, na especialidade, das regras constantes do projecto de acordo em causa, fazendo-se, sempre que adequado, o contraponto com os princípios e normas vigentes, na ordem jurídica portuguesa, para as mesmas matérias.

Encetando a Parte I, o artigo 1º prevê (n.º 1) que as pessoas singulares e colectivas de cada um dos países gozarão, no outro, de protecção jurídica idêntica àquela de que beneficiam os seus nacionais.

E acrescenta-se (n.º 2) que os cidadãos de cada parte terão o direito de recorrer, livremente e sem obstáculos, aos tribunais, agentes do Ministério Público e notários ([11]) do outro Estado contratante, em termos idênticos aos dos nacionais deste.

Estes preceitos apresentam-se conformes com o princípio geral da equiparação dos estrangeiros, definido, a nível constitucional, no artigo 15º da Lei Fundamental.

E revelam-se compatíveis, em particular, com as regras definidas em matéria de direito à protecção jurídica por banda de estrangeiros previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro.

O artigo 2º dispõe que as “instituições de justiça” de cada uma das partes prestarão auxílio judiciário recíproco, bem como a outras instituições competentes para decidir em “matérias civis” ([12]) (n.º 1 e 2). Acrescenta-se que estas outras instituições solicitarão a prestação de auxílio judiciário através das “instituições de justiça”.

Trata-se de princípio geral básico em sede de auxílio judiciário.

No artigo 3º indica-se que os actos e procedimentos de auxílio judiciário (enumerados a título exemplificativo) serão – o que se apresenta correcto e ajustado - os previstos na legislação da parte requerida.

O artigo 4º indica que as instituições intermediárias do auxílio judiciário serão, em regra, os Ministérios da Justiça de cada um dos países contratantes, o que corresponde ao sistema habitual.

No artigo 5º prevê-se que os pedidos de auxilio serão redigidos na língua do país requerido, ou em francês ou inglês – critério que se mostra ajustado ao facto de ser reduzido, em cada um dos Estados envolvidos, o conhecimento da língua do outro.

Dos artigos 6º e 7º constam prescrições correntes sobre assinatura e selagem dos pedidos de auxílio judiciário, bem como das indicações mínimas que estes devem conter.

No artigo 8º, regulador do processo de cumprimento de execução dos pedidos de auxílio judiciário, depara-se com uma prescrição de aceitabilidade (em parte) duvidosa. Com efeito, depois de se proclamar que, como regra, a parte requerida aplicará o seu próprio direito ao cumprimento do pedido de auxílio judiciário, acrescenta-se que, a pedido da parte requerente, a “instituição de justiça” da parte requerida poderá aplicar “adequadas disposições da legislação da parte requerente”, salvo se forem contrárias ao seu próprio direito.

É indubitável que o artigo 138º do Código de Processo Civil consigna, acerca da forma dos actos, uma regra muito flexível, ao dispor que assumam a que, “nos termos mais simples, melhor corresponde ao fim que visam atingir.”

Mas por isso mesmo poderá resultar desajustado apontar no sentido da aplicação de determinado regime processual da lei estrangeira. Isto, a menos que se entenda que a reserva final do preceito em análise significaria sempre a aplicação do sistema do artigo 138º do CPP: mas, então, a regra em discussão perderia qualquer relevância.

Acresce que sempre se afiguraria inaceitável a aplicação, pelos tribunais portugueses, duma lei processual estrangeira, a solicitação de um tribunal do respectivo país.

Essa eventualidade afigurar-se-ia inconciliável com a natureza de órgão de soberania, com competência para administração da justiça, que os tribunais possuem, nos termos do artigo 202º da Constituição.

Quanto à notificação dos documentos, determina o artigo 9º que ela obedecerá ao direito do Estado requerido, desde que recebidos na sua língua ou com adequada tradução. Apenas se admite a notificação de documentos redigidos em língua diversa e sua correspondente tradução se o particular deles destinatário aceitar recebê-los nessas condições.

Os artigos 10º e 11º contém normas, ajustadas, sobre, respectivamente, confirmação da notificação de documentos e notificação de pessoas, no estrangeiro, através das representações diplomáticas ou consulares dos respectivos Estados.

No artigo 12º regulamenta-se a audição de testemunhas e peritos perante tribunais de Estado que não aquele de que são nacionais. Configuram-se, a propósito, normas habitualmente aceites nesta matéria – designadamente no sentido de a convocação dessas testemunhas e peritos não poder conter qualquer comunicação sancionatária, bem como a de essas pessoas não poderem, no território do Estado em que a audição ocorra, ser sujeitas a quaisquer processos criminais ou administrativos relativos a infracções cometidas antes da passagem da respectiva fronteira (isto, na condição de não permanecerem nesse país após certo prazo, posterior à realização da audição) ([13]).

No concernente ao valor dos documentos, o artigo 13º prevê regime equiparável e compatível com o do artigo 365º do Código Civil.

As despesas decorrentes da prestação de auxílio judiciário ficam, segundo o artigo 14º (n.º 1), a cargo do Estado requerido. Por isso resulta pouco explícito o objecto do preceituado do n.º 2 do mesmo artigo, segundo o qual a parte requerida informará a parte requerente do montante dessas despesas ([14]).

O artigo 15º incumbe os Ministérios da Justiça das partes de prestarem recíproca informação acerca da aplicação do acordo e da legislação em vigor nos seus territórios.

A protecção jurídica gratuita será concedida, segundo o artigo 16º, aos cidadãos da outra parte, de acordo com o princípio da igualdade com os seus próprios cidadãos – o que se mostra conforme com o regime do Decreto-Lei n.º 387-B/87.

O artigo 17º consta, fundamentalmente, de duas regras, cada uma delas não isenta de alguma objecção.

Prevê-se, por um lado (n.º 1), que os serviços de registo civil de cada uma das partes devam enviar directamente às “instituições de justiça” da outra parte as certidões de registo civil por esta solicitadas. Não se vislumbra, na verdade, razão suficiente para assim estipular um desvio à regra, indicada no artigo 4º, do procedimento através das autoridades centrais. Não só se apresenta institucionalmente pouco corrente esta obrigação dos serviços de registo civil dum país perante os tribunais doutro Estado, como, em termos práticos, este sistema pode gerar dificuldades, nomeadamente concernentes à determinação da organização de registo civil competente em relação a cada pedido.

Permite-se, por outro lado, no mesmo artigo 17º (nºs 2 a 4), que cidadãos de um dos Estados possam pedir, a serviços competentes do outro, certidões de registo civil, de habilitações escolares, de tempo de serviço ou outras, as quais lhes serão remetidas não traduzidas e gratuitamente. Ora, não se encontra justificação para que, sob este aspecto, os estrangeiros devam, perante instituições portuguesas, beneficiar de tratamento mais favorável que os nacionais – já que, como norma, estes têm de pagar emolumentos ou taxas pela passagem de pelo menos alguns destes tipos de documentos certificativos ([15]).

A recusa da prestação de auxílio judiciário é admitida, no artigo 18º, com base em fundamentos normalmente consagrados em textos internacionais a tal respeito: se aquele causar prejuízo à soberania ou segurança da parte requerida, ou for incompatível com a sua legislação.

Passando à Parte II, a isenção das custas judiciais para cidadãos de um dos países contratantes é, segundo os artigos 19º e 20º (e na sequência de princípios gerais antes proclamados), permitida em termos idênticos à aplicável aos nacionais da outra – de novo em consonância com o regime do Decreto-Lei n.º 387-B/87.

O artigo 21º estabelece regras gerais em matéria de competência judicial internacional.

O princípio geral é o de que, para as matérias abrangidas pelo acordo, será competente o tribunal da residência do réu, tratando-se de pessoas singulares, ou o da situação da direcção, representação ou filial, estando em causa pessoas colectivas (n.º 1).

Admite-se, também, a celebração de pactos privativos ou atributivos de jurisdição, salvo em situação de competência internacional exclusiva dos tribunais de certo Estado (n.º 2).

Prevê-se, ademais, a excepção de litispendência, invocável perante o tribunal que haja iniciado o procedimento judicial em último lugar (n.º 3).

Estes critérios ajustam-se, de um modo geral, ao regime dos artigos 65º, 65º-A e 99º do Código de Processo Civil – embora este último preceito seja bastante mais pormenorizado e exigente que o do artigo 21º do projecto de acordo na definição dos requisitos dos pactos atributivos e privativos de jurisdição.

O artigo 22º (n.º 1) indica como lei regulamentadora da capacidade de gozo e de exercício das pessoas singulares a do país da nacionalidade – solução convergente com a do Código Civil português (arts. 25º e 31º, n.º 1).

Já quanto á lei aplicável nessa matéria às pessoas colectivas o projecto de acordo (art. 22º, n.º 2) utiliza expressão que, literalmente, poderia significar a lei do país onde as mesmas tenham sido criadas ou instituídas (“it was established”). Admite-se, no entanto, que o real sentido dessa norma coincida com o do artigo 33º, n.º 1, do Código Civil (situação da “sede principal e efectiva”).

No concernente à interdição e inabilitação, o artigo 23º, n.º 1, manda aplicar a lei nacional da pessoa em causa, critério que converge com o definido no Código Civil Português (artigo 25º e 31º, n.º 1).

Mas já quanto à determinação da competência dos tribunais que devam decretar tais medidas, o dito artigo 23º constrói um sistema dificilmente compatível com o regime processual português.

Na verdade, por um lado, referem-se como competentes para tomar essas medidas os tribunais da nacionalidade do visado (enquanto que o artigo 65º, n.º 1, do Código de Processo Civil português apontaria para o critério do domicílio).

Por outro lado, estipula-se que, se um tribunal do país da residência ou situação de pessoa nacional da outra parte considerar que existem razões para determinar a sua interdição ou inabilitação, poderá comunicá-lo ao competente tribunal desse outro Estado. E, se este tribunal lhe conferir tal poder, ou não responder dentro de três meses, o tribunal da residência ou situação poderá decretar as medidas em causa, se assim o admitir, tanto a sua lei, como a do país da nacionalidade.

Cabe, muito em especial, duvidar da constitucionalidade do poder de o tribunal de um dos países contratantes conferir a tribunal do outro Estado competência para decidir quanto a estas matérias.

Não surge compatível com a natureza de órgão de soberania que constitucionalmente é própria dos tribunais portugueses, e com a sua obrigação de administrar justiça, admitir-se a possibilidade de, por sua decisão, eles cederem parte dessa competência a tribunais de país estrangeiro. E tão-pouco se apresenta conforme com o nosso sistema constitucional que tribunais portugueses possam receber competências conferidas por tribunais de outro Estado.

Ocorre, semelhantemente, alguma discrepância no tocante à determinação da lei aplicável e à definição da competência judicial em sede de justificação de ausência ou de morte, bem como de declaração de morte presumida.

O artigo 24º (n.º 3) indica como lei aplicável nestas matérias a lei nacional – o que de novo se conjuga com o regime resultante dos artigos 25º, 26º, n.º 1, do Código Civil.

Não obstante, a respeito da estipulação da competência judicial internacional prevê-se uma regulamentação diversa da estatuída no artigo 65º do Código de Processo Civil. Na realidade, menciona-se que, como princípio geral, serão competentes para tomar aquele tipo de medidas as “instituições de justiça” do país da nacionalidade da pessoa em questão, à data em que pela última vez se haja sabido ter estado viva. Mas admite-se que as mesmas sejam tomadas em relação a cidadãos da outra parte, se assim o requerer o cônjuge residente no Estado de cujos tribunais se trata, ou quem pretenda fazer valer direitos sobre coisas situadas no território desse país.

No que tange ao casamento, as condições (nomeadamente impedimentos) para a respectiva celebração são submetidas, pelo artigo 25º, n.º 1, do projecto de acordo, em primeira linha, à lei nacional de cada um dos nubentes – o que condiz com o regime do artigo 49º do Código Civil. A parte final do mesmo citado n.º 1 acrescenta, contudo, que também terão de ser respeitadas as condições constantes da lei do lugar de celebração, exigência que já excede a apontada norma de conflitos vigentes no direito português.

Sobre a forma do casamento, o n.º 2 do artigo 25º em análise sujeita-a à lei do país em que o mesmo seja celebrado, orientação que igualmente informa o princípio geral consagrado no artigo 50º do Código Civil.

Há que reconhecer, não obstante, que deste modo se não têm em consideração as importantes especialidades consagradas a este propósito no artigo 51º do Código Civil, designadamente relevantes na perspectiva da ordem jurídica portuguesa em função do papel nesta desempenhado pelo casamento celebrado sob forma canónica.

As relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges são, em primeira linha, submetidas pelo artigo 26º (n.º 1) do projecto de acordo à lei da respectiva residência comum. Não existindo residência comum, aplicar-se-á a lei nacional de ambos (n.º 2). Se tão-pouco existir cidadania comum, releva a legislação do país da última residência comum (n.º 3), ou, na falta desta, a do Estado cujo tribunal aprecia a causa (n.º 4).

Este sistema difere do consagrado, para o efeito, no Código Civil português. Neste, as relações pessoais entre os cônjuges são, em primeiro lugar, regidas pela lei nacional comum, e, na falta desta, pela lei da residência habitual comum, ou não existindo esta última, pela lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estritamente conexa (artigo 52º).

Quanto ao regimes de bens e convenções ante-nupciais, vigora, como regra principal, a da aplicação da lei nacional dos nubentes à data do casamento (artigo 53º, n.º 1 – dispondo os nºs. 2 e 3 para a hipótese de não haver tal cidadania comum).

No concernente ao divórcio ([16]), o artigo 27º estatui que relevará a lei nacional comum dos cônjuges à data do início da acção (n.º 1), e, inexistindo aquela, a do Estado em cuja “instituição de justiça” o pedido de divórcio haja sido formulado.

Em termos de competência, tê-la-ão as instituições de justiça do país da cidadania comum, ou também as da outra parte, se os cônjuges aí residirem (não 1). Não ocorrendo cidadania nem residência comum, serão competentes as “instituições de justiça” de qualquer das partes contratantes (n.º 2).

As mesmas regras de competência se aplicarão no tocante aos tribunais que poderão apreciar pedidos relativos à invalidade dos casamentos, os quais aplicarão, para o efeito, a lei respeitante à celebração respectiva (n.º 3).

Fazendo o confronto com a lei portuguesa, constata-se que, se a regra primacial em matéria de divórcio é também a da aplicação da lei nacional comum (artigos 55º e 52º, n.º 1 do Código Civil), já divergem os critérios previstos para a hipótese de inexistência dessa cidadania comum (artigo 52º, n.º 2). No que importa à determinação do tribunal competente para proferir tal decisão verifica-se, da conjugação dos artigos 65º e 75º do Código de Processo Civil, que também neste ponto a lei portuguesa diverge do texto internacional em preparação.

Para a determinação da filiação, o artigo 28º manda aplicar a lei da nacionalidade do filho (n.º 1), enquanto que as relações entre pais e filhos serão regidas pela lei da residência comum (n.º 2) ou, na falta desta, pela lei nacional do filho (n.º 3).

Para decidir nestas matérias serão competentes os tribunais do país cuja lei deva ser aplicada (n.º 4), sendo para tanto igualmente competentes os do país da residência comum de autor e réu (n.º 5).

Diversamente, o Código Civil português (artigo 56º) prevê que a constituição da filiação seja, em geral, regulada pela lei nacional do progenitor (n.º 1). Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da filiação relativamente ao pai é regida pela lei nacional comum de pai e mãe, ou, na falta desta, pela da residência habitual dos cônjuges, e só se esta faltar pela lei nacional do filho (n.º 3).

Por seu turno, as relações entre pais e filhos são submetidas à lei nacional comum dos pais, e, na falta desta, à lei da residência habitual comum deles, só se aplicando a lei nacional do filho se inexistir tal comum residência (artigo 57º).

As regras de competência internacional constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil tão-pouco condizem com as previstas no projecto de acordo para a determinação dos tribunais com poderes para julgar da constituição da filiação e das relações entre pais e filhos.

Quanto à adopção (ou sua revogação ou declaração de invalidade), o artigo 29º prevê que se lhe aplique a lei do país de residência do adoptando, se esta não coincidir com a da sua nacionalidade (n.º 1). Se os adoptantes forem casados, e tiverem nacionalidade diferentes, respeitar-se-á cada uma dessas leis nacionais, a menos que tenham residência comum no território de uma das partes, caso em que se aplicará a lei do Estado em que residirem (n.º 3).

Competentes para decidir sobre a adopção serão as instituições do Estado de que o adoptando seja nacional, a menos que ele resida com o adoptante em país diferente, caso em que serão também competentes para o efeito as instituições deste último (n.º 5).

Segue orientação diferente o Código Civil português, segundo o qual, como regra geral, à constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do adoptante, ou, sucessivamente, a lei nacional comum ou a lei da residência habitual comum, se os adoptantes forem casados ou o adoptando for filho do cônjuge do adoptante (artigo 60º). As relações entre adoptante e adoptado e entre estes e a família de origem são, em geral, sujeitas à lei pessoal do adoptante (artigo 60º, n.º 3).

Em termos de competência, em matéria de adopção, esta é na nossa ordem jurídica fixada, como regra, em função da residência do menor (artigos 146º e 155º da OTM).

O artigo 30º regula institutos que designa de “tutela e administração de bens” (“Trusteeship and tutelage”), os quais, se assimiláveis à tutela e curadoria em sede de incapacidade por menoridade, interdição e inabilitação, bem como à “tutela e administração de bens” regulada na OTM, com estas se não identificam completamente. Reportamo-nos, designadamente, ao instituto do “trusteeship”, originário do direito anglo-saxónico, e cuja especificidade dificultará decerto a sua introdução num acordo bilateral como o presente.

Anote-se, de todo o modo, que o preceito mencionado prevê que, como regra, aos referidos institutos se aplicará a lei nacional daqueles que deles beneficiam, ficando a tutela e administração também a cargo de organismos do Estado de que eles sejam cidadãos. Do mesmo artigo constam, ademais, várias regras que estabelecem formas de cooperação entre organismos de “trusteeship and tutelage” dos países da nacionalidade e da residência ou situação de bens dos interessados, cuja aplicabilidade no âmbito da ordem jurídica portuguesa se afigura problemática.

Aponte-se, todavia, que o princípio geral relevante, no direito português, no tocante aos conflitos de leis em matéria de “tutela e institutos análogos”, coincide com o do preceito em análise, já que o artigo 30º do Código Civil manda aplicar nesse âmbito a “lei pessoal do incapaz”.

No concernente a direitos reais, sobre imóveis, o artigo 31º manda aplicar, como é corrente, a lei da situação dos bens (n.º 1). Quanto a meios de transporte sujeitos a registo, relevará a lei do país em que o registo haja ocorrido. Enfim, o n.º 3 especifica que a constituição ou cessação do direito de propriedade ou de outros direitos reais serão reguladas pela lei do país onde ocorrerem os factos que derem origem a tais efeitos jurídicos. Mas tratando-se de efeitos decorrentes de um contrato, aplicar-se-á a lei do Estado da celebração deste, a menos que as partes estipulem diversamente.

Cabe notar que, se o constante dos nºs. 1 e 2 deste artigo 31º se compatibiliza com o teor, respectivamente, dos nºs 1 e 3 do artigo 46º do Código Civil, já a regra estabelecida na parte final do n.º 3 do preceito em apreciação, relativa a direitos reais criados ou extintos por contrato, não se ajusta ao princípio geral definido naquela norma de conflito da lei portuguesa.

O artigo 32º prescreve que a forma do negócio será regulada pela lei do lugar da celebração, ou pela da situação dos bens, se se reportar a direitos reais sobre imóveis.

O Código Civil português (artigos 36º, 41º, 42º e 46º) contém, a este respeito, uma regulação algo diversa, e mais elaborada. Na verdade, manda aplicar, em princípio, a lei respeitante à substância do negócio, conquanto se satisfaça com a lei do lugar da celebração, a menos que aqueloutra exija, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de certa forma. No que toca à lei relativa á substância do negócio, se a referente a direitos reais é, por regra, a da situação dos bens, já a reportada a obrigação é a que as partes houverem designado ou tido em visita – relevando como critério supletivo, nos negócios unilaterais, a da residência habitual do declarante, e, nos contratos, a da residência habitual comum das partes (faltando esta, recorre-se, nos contratos gratuitos, à lei da residência habitual de quem atribui o benefício, e, nos demais, à do lugar da celebração).

Em sede de responsabilidade civil extracontratual, o artigo 33º manda aplicar a lei do país onde ocorrer o facto daquela gerador, podendo também, se autor e réu tiverem a mesma nacionalidade, aplicar-se a “lex fori”. Aquele mesmo primeiro critério geral se utilizará para definir a competência do tribunal que deva apreciar situações deste tipo, podendo o lesado contudo optar por tribunal do país da residência do réu.

O princípio geral informador do artigo 45º (n.º 1) do Código Civil condiz com o que o projecto preconiza, conquanto este preceito da lei portuguesa introduza, ainda, as seguintes especificidades de regime (nºs 1 e 3):
“2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.
3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.”

As regras de competência indicadas no artigo 33º do projecto apresentam-se conformes com as das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 65º do Código de Processo Civil.

Os artigos 34º a 39º abordam o tema das sucessões, incluindo aspectos parcialmente alheios aos termos em que a nossa lei civil trata dessa matéria .

O artigo 34º manda aplicar, em geral, às sucessões, a lei da última residência do “de cuius”, tratando-se de bens móveis, ou a da situação dos bens, estando em causa imóveis .

Diversa é a perspectiva do Código Civil português, que sujeita as sucessões, em geral, á lei nacional do autor da sucessão, à data do seu falecimento (artigo 62º).

Sobre a forma do testamento, dispõe o artigo 36º que à mesma se deve aplicar a lei nacional do testador à data da redacção do mesmo, bastando contudo também que ele haja obedecido à forma prevista pela lei do Estado em cujo território foi lavrado.

Mais completo e flexível é, sob este prisma, o artigo 65º do Código Civil, que admite que o testamento (ou outras disposições por morte) respeite a forma prevista na lei do lugar da celebração, na lei pessoal do autor, quer à data da declaração, quer no momento da morte, ou, ainda, as de lei para a qual remeta a norma de conflitos local. Deverá, não obstante, ser observada a forma que a lei pessoal do autor à data da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro.

O artigo 35º prevê que, na hipótese de, segundo as regras aplicáveis à sucessão, esta dever recair no Estado, esta será a da nacionalidade do autor da herança, à data da sua morte, tratando-se de bens móveis, ou, tratando-se de imóveis, aquela em cujo território estes se encontram.

Diferente é o sistema do artigo 2133º, n.º 1, alínea e), do Código Civil, que não estabelece tal distinção, no âmbito da sucessão legítima. E tão-pouco se afigura que ela devesse ter lugar na sucessão testamentária, tudo dependendo, nesta, da interpretação da vontade do testador quanto ao Estado a contemplar.

Os artigos 37º, 38º e 39º regulam aspectos relativos, respectivamente, à competência para promover o procedimento sucessório ([17]), à protecção da herança e à entrega da mesma, que parecem pressupor que tais actividades estejam a cargo de instituições públicas dos países contratantes.

Não se afigura que um tal sistema se ajuste ao regime constante do Código Civil com respeito à herança jacente (artigos 2046º a 2049º), à administração da herança (artigos 2079º a 2096º) e à testamentaria (artigos 2320º a 2334º).

Ocorrendo litígio acerca da sucessão, resulta do artigo 37º do projecto que terão competência para dele se ocupar, tratando-se de imóveis, os tribunais da respectiva situação, e, estando em causa móveis, em princípio os tribunais do país em que o autor da sucessão tenha tido a última residência. Se todos os móveis se encontrarem no território de parte contratante que não a da última residência, serão competentes os tribunais daquele primeiro Estado, se todos os sucessores nisso concordarem.
Estas regras de competência apenas parcialmente se aproximam do regime decorrente, no Código de Processo Civil, do artigo 77º (para o inventário e habilitação) e dos artigos 65º e 65º-A, em termos gerais.

Os artigos 38º e 39º prevêem, de entre as medidas tendentes à protecção e à entrega da sucessão, a “transferência” dos bens móveis, documentos e numerário resultante da venda de bens da herança para a representação diplomática ou consular da parte contratante de que os sucessores sejam cidadãos, desde que estes se não encontrem no território em que aqueles bens estejam disponíveis.

Embora a nomenclatura usada seja algo equívoca, o termo “transferência” parece poder significar uma transferência de propriedade ou titularidade.

De todo o modo, mesmo que apenas signifique uma entrega, parece estar-se perante procedimento alheio aos mecanismos do direito sucessório português.

Constituindo a Secção 2 da Parte II do projecto, os artigos 40º a 45º regulam o reconhecimento e execução de sentenças em termos próximos do regime instituído para a revisão de sentenças estrangeiras nos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil ([18]).

Assim é que o artigo 40º começa por proclamar, em geral (n.º 1), que as partes contratantes reconhecerão e executarão reciprocamente as decisões judiciais em matéria civil, incluindo as respeitantes a indemnizações atribuídas em processo penal.

O n.º 2 desse preceito estende o reconhecimento, sem especial processo, às decisões dos órgãos de tutela e administração de bens, registo civil ou outros, em matéria civil, que por sua natureza não exigirem execução.

Segundo o artigo 41º (n.º 1), os pedidos de execução de sentenças estrangeiras são da competência dos tribunais do Estado em que a execução deva ocorrer.

Para tanto, determina o n.º 2 do mesmo preceito que o pedido de revisão seja apresentando no tribunal de 1ª instância que proferiu a decisão, o qual o remeterá ao tribunal competente para efectuar a revisão.

Este procedimento difere da prescrição do artigo 1095º do Código de Processo Civil, não se vislumbrando razão especial que o recomende.

Os nºs. 3 e 4 do dito artigo 41º referem, em termos que se apresentam adequados, as indicações que deve conter o pedido de revisão e os documentos que o terão de acompanhar.

Enfim, o n.º 5 estipula que, se o tribunal a que foi requerida a revisão tiver dúvidas, pode pedir esclarecimentos ao autor, ao réu ou ao tribunal que houver proferido a sentença a rever. Esta última diligência não se encontra expressamente prevista na lei processual portuguesa, mas não ocorrem motivos que desaconselhem a sua admissão.

O artigo 42º prevê como hipóteses de recusa de confirmação da sentença estrangeira:
- o facto de o réu não ter sido parte no processo em que foi proferida a sentença a rever, por não haver sido devidamente citado;
- a ocorrência de caso julgado formado por tribunal do Estado a que é requerida a revisão;
- a verificação de litispendência em relação a processo pendente em tribunal do mesmo Estado, desde que este haja prevenido a jurisdição;
- o facto de a questão objecto do pedido de revisão ser, nos termos do acordo ou da respectiva lei interna, da exclusiva competência das instituições do Estado a que é solicitada a revisão.

Julga-se que teria sentido aditar a estas hipóteses as demais previstas no artigo 1096º do Código de Processo Civil português, nomeadamente as previstas nas respectivas alíneas c), 1ª parte, e), parte final, e f).

O artigo 43º prescreve – consoante se patenteia correcto – que o processo de revisão e o regime de custas aplicáveis serão regulados pela lei do país a cujos tribunais aquela é pedida.

Segundo o artigo 44º, o regime relativo à revisão de sentenças vale igualmente para a revisão de transacções judicialmente homologadas.

Entende-se que essa solução é compatível com o sistema da lei portuguesa, dada a natureza de sentença que, nos termos do artigo 300º, n.º 4, do Código de Processo Civil, assume a decisão homologatória de transacção judicial.

O artigo 45º dispõe – o que se afigura natural – que à entrega de bens e à transferência de numerário adquiridos por efeito da sentença confirmada se aplicará o regime jurídico vigente no país em que tal decisão deva ser executada.

A Parte III contém apenas duas “Disposições finais”.

A do artigo 46º, prevendo que o acordo entre em vigor dentro de 30 dias após a troca de instrumentos de ratificação.

O artigo 47º, por fim, prevendo que o acordo vigorará por sucessivos períodos de 5 anos, a menos que qualquer das partes o denuncie com uma antecedência mínima de 6 meses em relação ao termo do período em curso (nºs. 1 e 2), e que a sua eventual modificação ou aditamento se processará nos mesmos termos que a sua celebração (n.º 3).

Trata-se de estipulações normais neste tipo de instrumentos, e de teor aceitável.


4.

Em conclusão:

1ª - Analisado o projecto de Acordo entre Portugal e a Ucrânia sobre cooperação jurídica em matéria cível, afigura-se que não se compatibilizam com a natureza dos tribunais como órgãos de soberania, e, em particular, com o artigo 202º da Constituição, nem a faculdade, prevista no artigo 8º daquele instrumento, de um tribunal português aplicar, em sede de auxílio judiciário, normas processuais de ordem jurídica estrangeira, nem a possibilidade, consignada no respectivo artigo 23º, de, quanto à interdição ou inabilitação, um tribunal de uma das partes contratantes conferir a tribunal de outra competência para tomar medidas nesse âmbito;

2ª - O projecto de instrumento em causa não contém outras regras que ofendam normas ou princípios constitucionais ou de ordem pública portguesa;

3ª - Parecem merecer ponderação as questões gerais mencionadas no nº 2 do parecer;

4ª - O projecto em questão suscita, na especialidade, as observações constantes do n.º 3 do parecer, que poderão ser tidas em conta por ocasião das negociações que sobre ele venham a entabular os representantes das partes contratantes.
Lisboa, 14 de Julho de 1999

O Procurador-Geral Adjunto



(Luís Novais Lingnau da Silveira)






[1]) Comunicado por ofício do Chefe do Gabinete de Vossa Excelência n.º 622, de 4 de Julho de 1998 (Pº 1301/98).
[2]) Anota-se, a propósito, que o teor do artigo 19º se apresenta, no original, de sentído ambíguo, e que no nº 3 do artigo 28º e nº 2 do artigo 29º, também do original, ocorrem faltas de palavras – lacunas essas que não se conseguiu suprir e que não permitiram uma tradução ajustada desses preceitos.
[3]) Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, na redacção da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto.
[4]) O projecto de acordo com a Federação Russa contém também disposições referentes a cooperação em matéria processual penal.
[5]) Obteve-se informação de que a matéria nele contemplada estará a ser negociada, com a Federação Russa, pelo conjunto dos países da União Europeia.
[6]) Todos os mencionados Acordos se encontram já em vigor, salvo o celebrado com a República Popular de Angola, relativamente ao qual não ocorreu ainda a troca dos respectivos instrumentos de ratificação.
[7]) Mencionam-se, nomeadamente:
- A Convenção relativa ao processo civil, de 1 de Março de 1954, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 47097, de 14 de Julho de 1966.
- A Convenção relativa à supressão da exigência de legalização dos actos públicos estrangeiros, de 1961, aprovada, para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 48450, de 24 de Junho de 1968;
- A Convenção relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de protecção de menores, de 5 de Outubro de 1961, aprovada para ratificação pelo Decreto-lei n.º 48494, de 22 de Julho de 1968;
- A Convenção relativa à citação e notificação no estrangeiro de actos judiciais e extra-judiciais em matéria civil e comercial, de 15 de Novembro de 1965, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 210/71, de 18 de Maio;
- A Convenção relativa ao reconhecimento e execução de decisões em matéria de prestação de alimentos a menores, de 1958, aprovada, para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 264/71, de 3 de Junho;
- A Convenção sobre a obtenção de provas no estrangeiro em matéria civil ou comercial, de 18 de Março de 1970, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 764/74, de 30 de Dezembro;
- A Convenção sobre o reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e comercial e seu Protocolo, de 1 de Fevereiro de 1971, aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo n.º 13/83, de 24 de Fevereiro;
- A Convenção sobre reconhecimento de divórcios e separações de pessoas, de 1 de Junho de 1970, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/84, de 27 de Novembro.
[8]) Citam-se, de entre estas, nomeadamente:
- A Convenção Europeia no campo da informação sobre o Direito Estrangeiro, de 7 de Junho de 1968, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 43/78, de 28 de Abril;
- A Convenção Europeia sobre o reconhecimento e execução de decisões relativas à guarda de menores e sobre o restabelecimento de guarda de menores de 20 de Maio de 1980, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 136/82, de 21 de Dezembro.
[9]) V., por todos: CABRAL BARRETO, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª ed., Coimbra, 1999, pág. 35; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa anotada”, Coimbra, 3ª ed., 1993, págs. 86-87.
[10]) V. “Procuradoria-Geral da República – Pareceres, “Vol., I, págs. 127 e segs.
[11]) Designados daí em diante por “instituições de justiça” – expressão algo ambígua e não absolutamente rigorosa, face ao sistema português.
[12]) Definidas no n.º 3 do artigo 1º como sendo as respeitantes a “relações jurídicas civis, de família, laborais e comerciais.”
[13]) Esta espécie de “salvo-conduto” encontra-se prevista, também, p.e., no Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro (artº. 16º) e na generalidade dos acordos de cooperação jurídica e auxílio judiciário celebrados por Portugal, quer em matéria civil, quer em matéria penal.
[14]) No projecto de acordo com a Federação Russa, uma regra paralela a estas tinha por fim prever a eventualidade de o Estado requerente pedir o reembolso dessas despesas às pessoas interessadas.
[15]) Anote-se que, p.e., até nos Acordos de Cooperação Jurídica celebrados com PALOP’s se tem admitido a passagem gratuita de certidões de registo civil mas apenas quando pedidos por pessoa ”pobres” (art.124º, n.º 2 e 140º, n.º 2, respectivamente dos Acordos celebrados com Moçambique e Angola).
[16]) O acordo não se reporta à separação judicial de pessoas e bens.
[17]) O projecto fala sempre de “testador” e de “herança”, onde parece que seria adequado falar, genericamente, de “autor da sucessão” e de “sucessão”.
[18]) E, em especial para a adopção, no artigo 22º do Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio.