Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002759
Parecer: P000262006
Nº do Documento: PPA11052006002600
Descritores: INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO
FUNDAÇÃO D. PEDRO IV
CONSELHO CONSULTIVO DA PGR
VALOR DOS PARECERES DO CONSELHO CONSULTIVO
PARECER NÃO VINCULATIVO
PATRIMÓNIO DO ESTADO
DOMÍNIO PÚBLICO DO ESTADO
DOMÍNIO PRIVADO DISPONÍVEL
DOMÍNIO PRIVADO INDISPONÍVEL
OCUPAÇÃO DE FOGOS
ALIENAÇÃO
DOMÍNIO PRIVADO DO ESTADO
TRANSFERÊNCIA DE BENS
CESSÃO
FUNDO DE FOMENTO DA HABITAÇÃO
INSTITUTO NACIONAL DE HABITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO E UTILIDADE PÚBLICA
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
HABITAÇÃO SOCIAL
DIREITO À HABITAÇÃO
RENDA LIMITADA
RENDA TÉCNICA
RENDA LIVRE
RENDA CONDICIONADA
RENDA APOIADA
ARRENDAMENTO URBANO
CONTRATO ADMINISTRATIVO
INVALIDADE
NULIDADE
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
OBJECTO CONTRATUAL MISTO
PODER DISCRICIONÁRIO
INTERESSE PÚBLICO
MODIFICAÇÃO UNILATERAL
DIREITO SUBJECTIVO
EXPECTATIVA JURÍDICA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Livro: 00
Numero Oficio: 909
Data Oficio: 03/02/2006
Pedido: 03/03/2006
Data de Distribuição: 03/06/2006
Relator: ESTEVES REMÉDIO
Sessões: 01
Data da Votação: 05/11/2006
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAOTDR
Entidades do Departamento 1: SE DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DAS CIDADES
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 07/12/2006
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 08-08-2006
Nº do Jornal Oficial: 152
Nº da Página do Jornal Oficial: 14317
Indicação 2: ASSESSOR: SUSANA PIRES
Área Temática:DIR ADM*ADM PUBL*GARANT ADM/DIR CIV*TEORIA GERAL*DIR OBG*CONTRATOS
Ref. Pareceres:P000041995Parecer: P000041995
P000671995Parecer: P000671995
P000261998Parecer: P000261998
P000071999Parecer: P000071999
P000401999Parecer: P000401999
P001372001Parecer: P001372001
P001402001Parecer: P001402001
P000042002Parecer: P000042002
P000462002Parecer: P000462002
P001122002Parecer: P001122002
P000902003Parecer: P000902003
P001442004Parecer: P001442004
Legislação:CONST76 ART46 ART63 N5 ART65 N1 N2 N3 ART84 N1 N2 ART266 N1; DL222/98 DE 17/07; RECT19-D/98 DE 25/11; L98/99 DE 26/07; DL182/2003 DE 16/08; L159/99 DE 18/09 ART18 N1 A); DL55/99 DE 16/12 ART43 ART44; CCIV66 ART202 N1 N2 ART330 ART424 A 427 ART473 ART577; DL477/80 DE 15/10 ART7; DL97/70 DE 13/03 ART1 ART2 ART4; CPADM91 ART4 ART5 ART178 N1 ART180 A) ART185; DL49033 DE 28/05/1969 ART1 ART20 ART21 ART24; DL473/71 DE 06/11; DL583/72 DE 30/12 ART2 ART3 N1 ART8 ART10; ART15 D) E) ART26 ART27; DL214/82 DE 29/05 ART1 ART2 ART3; DL7/83 DE 14/01; DL17/85 DE 15/01; DL85/87 DE 24/02 ART1 A); DL177/84 DE 25/05 ART1 ART2; DL202-B/86 DE 22/07; DL460/88 DE 14/12; DL305/91 DE 16/08; DL30/97 DE 28/01; DL129/2000 DE 13/07; DL243/2002 DE 05/11 ART1 ART2 ART3; DL240/2003 DE 04/10; DL188/2004 DE 17/08; DL88/87 DE 26/02; RECT DE 31/03/1987; DL198/87 DE 30/04; DESP CONJ1073/2003 DE 13/11; DESP CONJ126/2005 DE 10/01; RECT DE 31/12/2003; DL119/83 DE 25/02 ART1 N1 ART2; RECT DE 31/03/1983; DL386/83 DE 15/10; DL89/85 DE 01/04; DL402/85 DE 11/10; DL29/86 DE 19/02; DL9/85 DE 09/01; DL152/96 DE 30/08; DL460/77 DE 07/11; DL36212 DE 07/04/1944; DL41532 DE 18/02/1958; DL583/72 DE 30/12; DL608/73 DE 14/11; DL797/76 DE 06/11; L84/77 DE 09/12; DL261/77 DE 22/06; DESP CONJ DE 12/04/1973; DL797/76 DE 06/11; L84/77 DE 09/12; DL261/77 DE 22/06; DL198-A/75 DE 14/04 ART1 ART2 ART4 ART12; DL294/77 DE 20/06 ART1; DL794/76 DE 05/11 ART6 N2; PORT386/77 DE 25/06; PORT288/83 DE 17/03; L46/85 DE 20/09; DL321-B/90 DE 15/10 ART10 ART77 N1 ART78 N1 ART79 N1 N2 ART80 ART81 ART82 N1 N2; DL166/93 DE 07/05 ART1 N1 N2 N3 ART2 N1 N2 ART3 N1 D) ART4 ART5 ART6 N1 N6 ART8 ART9 N1 N2 N3 ART11; DL13/86 DE 23/02 ART4 ART13 ART20; DL31/82 DE 01/02; DL260/84 DE 31/07; DL141/88 DE 22/04 ART1 ART2 ART4 ART5; DL172/90 DE 30/05; DL342/90 DE 30/10; DL288/93 DE 20/08; L107-B/2003 DE 31/12 ART3 ART5: RCM63/2004 DE 21/05; L55-B/2004 DE 30/12 ART3 ART4; L60-A/2005 DE 30/12; L6/2006 DE 27/02 ART38 A ART41 ART65; RECT24/2006 DE 17/04
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA (1ª SECÇÃO) DE 14/02/2002, P45753
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:PPL146/IX/3

Conclusões: 1.ª – A «Transferência de Património, Direitos e Obrigações do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV», operada pelo Auto de Cessão celebrado a 1 de Fevereiro de 2005 entre o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e a Fundação D. Pedro IV, efectuou-se no quadro do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio;
2.ª – O Auto de Cessão identificado na conclusão 1.ª consubstancia um contrato administrativo, no âmbito do qual a Administração goza dos poderes consagrados no artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo;
3.ª – Os elementos de facto disponíveis apontam no sentido de que as rendas em vigor em relação à generalidade dos fogos dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios, em Chelas, Lisboa, transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV, eram as definidas pelos despachos do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974 (complementado por despachos de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975), pelo despacho da mesma entidade de 7 de Setembro de 1976 e pelo despacho do Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção de 22 de Agosto de 1977;
4.ª – O regime de rendas aplicável aos mesmos fogos após a referida transferência é o regime de renda apoiada regulado no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio (cfr. artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e cláusula quinta do Auto de Cessão);
5.ª – Os elementos de facto disponíveis não evidenciam – para além dos referidos no n.º 1 da cláusula segunda do Auto de Cessão – a existência de «compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores» do património transferido dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios;
6.ª – A eventual configuração e confirmação de quaisquer outros «compromissos juridicamente válidos» deve ser honrada pelo IGAPHE e por este imposta à cessionária;
7.ª – Nos termos da Constituição (artigo 84.º, n.º 2), o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais são titulares de bens domínio público;
8.ª – Integram o domínio público municipal, designadamente, as estradas e caminhos municipais, as ruas, as praças, os jardins, os espaços verdes, bem como o sistema de saneamento existentes na respectiva área;
9.ª – Os bens submetidos ao estatuto de dominialidade não podem ser objecto de direitos privados, sendo, por isso, inalienáveis (cfr. artigo 202.º, n.º 2, do Código Civil);
10.ª – A parte final do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, deve, em conformidade com o disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, ser interpretada restritivamente, no sentido de que, sendo o cessionário uma instituição particular de solidariedade social, a transferência da propriedade de património não pode abranger bens pertencentes ao domínio público;
11.ª – A alínea b) da cláusula primeira do Auto de Cessão, a entender-se que abrange a transferência da propriedade de bens do domínio público para a Fundação D. Pedro IV, enfermaria de nulidade por impossibilidade do objecto;
12.ª – A nulidade referida na conclusão anterior não determinaria a invalidade do contrato;
13.ª – A aplicação do regime de renda apoiada aos moradores dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios, a que alude a conclusão 4.ª, deverá ser objecto, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, de actividade mediadora que leve em conta as condições concretas de tal aplicação, nos termos referidos nos pontos n.os 22 e 23 do corpo do parecer;
14.ª – As respostas às questões formuladas poderão constituir justificação para a Administração, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo, suscitar a modificação unilateral do Auto de Cessão, por forma a uma mais adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos moradores do património transferido para a Fundação D. Pedro IV;
15.ª – Afigura-se, designadamente, ser de ponderar a modificação das cláusulas primeira, quarta e quinta, nos termos sintetizados no ponto n.º 23 do corpo do parecer.

Texto Integral:

Senhor Secretário de Estado
do Ordenamento do Território e das Cidades,
Excelência:


1

Tendo em conta a situação do «património habitacional edificado» em Chelas (Bairro das Amendoeiras e Bairro dos Lóios), Lisboa, transferido pelo Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) para a Fundação D. Pedro IV, dignou-se Vossa Excelência solicitar que o Conselho Consultivo se pronunciasse, com urgência, sobre as seguintes questões ([1]):

«1. Apreciação da legalidade do auto de cessão que operou a transferência do património habitacional do IGAPHE no concelho de Lisboa para a Fundação D. Pedro IV.

2. Avaliação da suficiência e adequação das cláusulas e condições estabelecidas no auto de cessão para assegurar o interesse público na boa gestão do património habitacional transferido.

3. Apreciação da validade das exigências que a Fundação faz aos moradores, tendo sobretudo em conta o auto de cessão e os compromissos anteriormente assumidos em relação aos moradores, designadamente no que concerne ao regime de rendas e modo de actualização; fórmula de cálculo da renda técnica; cominação da resolução do contrato por não resposta oportuna ao questionário; e o facto de não ser tido em conta as obras de beneficiação feitas pelos moradores no cálculo da renda.

4. Averiguar se existem compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores do património transferido do Bairro das Amendoeiras em Lisboa e quais os seus efeitos jurídicos perante a Fundação.

5. Em que medida as respostas anteriores podem constituir fundamento para impor alterações ao auto de cessão e qual a possibilidade e o modo de o Estado vir, unilateralmente, a exigir alterações ao acordado.

6. Qual o regime de renda que efectivamente vigorava em relação aos fogos transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV. E qual deverá ser o regime de renda aplicável.»

Cumpre emitir parecer.
2

O pedido de consulta vem acompanhado da remessa de diversa documentação ([2]), de onde se extraem os seguintes dados de facto relevantes para a análise das questões colocadas:

a) «Antes de 25 de Abril de 1974, o então Fundo de Fomento de Habitação iniciou a construção de diversos fogos, cerca de 923, para habitação social, no Bairro de Chelas, freguesia de Marvila, Concelho de Lisboa, denominado como “Bairro de casas económicas de Chelas”» ([3]);

b) «Logo após o 25 de Abril e até 10 de Maio de 1974, quinhentos e setenta e cinco desses fogos foram ocupados por moradores e, posteriormente, no decorrer dos anos 1974 e 1975, foram ocupados mais trezentos e oitenta e nove fogos, legalizados pelo DL n.º 198-A/75, de 14 de Abril, e pelo DL n.º 294/77, de 20 de Julho»;

c) «A ocupação das habitações da Zona l de Chelas processou-se em três vagas, que deram origem a vários documentos e despachos, visando a fixação das respectivas condições de legalização dos ocupantes e determinação das rendas a pagar, nos termos que sumariamente se indicam»;

d) «A primeira vaga de ocupações deu-se até 10 de Maio de 1974 e foi regulada pelo Despacho do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974 (Anexo I) e completada pelos despachos exarados, em 9 de Dezembro de 1974, na Informação n.º 732/DSS/74, de 22 de Novembro de 1974, e em 15 de Dezembro [parece tratar-se de Abril] de 1975, na Informação n.º 189/DSS/75, de 18 de Março de 1975 (cfr. os Anexos II e III, respectivamente)»;

e) O Despacho do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974, sob a designação «Normas para legalização das ocupações efectuadas antes de 10 de Maio no núcleo habitacional de Chelas», estabelece os valores de renda mensal para as casas distribuídas em função da respectiva categoria e tipo (n.º 1); a renda é devida a partir de 1 de Agosto de 1974 (caso a habitação se encontre concluída) ou da data a partir da qual os fogos se considerem em condições de ser habitados (n.os 8 e 9), sendo «desde já legalizadas todas as situações que se encontrem ajustadas aos critérios» estabelecidos (n.º 10);

f) Os despachos de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975 procedem a ajustamentos das categorias segundo a dimensão do agregado familiar;

g) «A segunda vaga de ocupações ocorreu em Novembro de 1974, tendo o Despacho do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo exarado a 7 de Setembro de 1976, na Informação n.º 202/GE/76, de 13 de Agosto de 1976, autorizado a aplicação a estes ocupantes das normas definidas pelo Despacho de 12 de Agosto de 1974 (Anexo IV)»;

h) «Finalmente, a terceira vaga de ocupações ocorreu entre 3 e 4 de Abril de 1975. Esta vaga é referenciada na Informação n.º 271/DSS/75, de 9 de Abril de 1975, resultando do processo não ser possível concluir sem margem para dúvida se à mesma terão sido aplicadas as mesmas regras aplicadas aos restantes ocupantes»;

i) Naquela informação dá-se conta que nos dias 3 e 4 de Abril de 1975 «verificou-se uma nova vaga de ocupações» e solicita-se que «o assunto seja objecto de urgente definição superior»; em tomadas de posição constantes do rosto da informação chama-se a «atenção para a gravidade da situação», «havendo por isso necessidade de uma directiva a nível governamental», para o que – em 9 de Abril desse ano – se submete «o problema à consideração do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo»;

j) Ainda no rosto da Informação n.º 271/DSS/75 encontra-se exarado o seguinte despacho, que se presume ser do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo:
«Visto. Aguarde-se a saída do decreto regulador.
Lx. 15.4.75»;

l) Com data de 14 de Abril de 1975, foi publicado o Decreto-Lei n.º 198-A/75, que estabelece normas sobre a ocupação de fogos devolutos e que vem a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 294/77, de 20 de Julho, diploma que passa a regular a matéria;

m) «Em 25 de Junho de 1977, foi publicada a Portaria n.º 386/77, que fixou os factores a contabilizar na determinação da renda técnica das habitações promovidas pelo Estado e atribuídas em regime de arrendamento»;

n) «Na sequência da publicação deste diploma, foi elaborada a Informação n.º 131/GE/77, de 17 de Agosto, onde, depois de mencionar que a “Comissão dos Moradores de Novembro de 1974”, considerava mais vantajosa uma renda que atendesse à categoria, tipo de fogo e à composição e rendimento dos agregados familiares, se escreve a seguinte proposta:
“Atendendo, por um lado, a que a aplicação da Portaria n.º 386/77 conduz em 66% dos casos a valores que os moradores pretendem pagar e, por outro, às dificuldades que poderão surgir da atribuição, no mesmo agrupamento, duma renda igual para categorias, tipos e rendimentos diferentes (...), julga-se que se poderiam praticar as rendas propostas pelos moradores, acrescidas da importância necessária para, durante um prazo a definir, amortizar as rendas em atraso.”»

o) «Sobre esta informação recaiu o seguinte Despacho do Senhor Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção, [de] 22 de Agosto de 1977 (Anexo V):
“Homologo as rendas propostas uma vez que já existia um Despacho do Sr. Secretário de Estado de Habitação e Urbanismo de 7 de Setembro de 1976 que as aprovava.
Tendo posteriormente sido publicada a Portaria n.º 386/77, de 25 de Junho, contendo modelo de fixação de rendas deverá o F.F.H. procurar a possibilidade de negociar a actualização das rendas em função dos rendimentos dos agregados até se alcançar a renda técnica calculada nos termos da portaria.”»

p) «Por forma a clarificar as dúvidas surgidas quer quanto à aplicação da Portaria n.º 386/77 quer quanto ao sentido do despacho mencionado, foi elaborada a Informação n.º 895/DSS/77, de 20 de Outubro de 1977, na qual se propõe a aplicação das soluções preconizadas no Relatório da Comissão de Inquérito para a averiguação e estudo da situação criada pela segunda ocupação do Bairro de Chelas, bem como a adopção do mesmo critério de rendas verificadas na ocupação anterior a 10 de Maio de 1974, proposta que veio a merecer concordância superior», expressa em posição da Comissão Directiva do Fundo de Fomento da Habitação, de 24 de Outubro de 1977, que obteve despacho de concordância do Ministro (cfr. Anexo VI):

q) Diz-se na primeira:
«Concordo.
Nada impede, porém, que se aplique o disposto na Portaria 386/77 quanto à actualização das rendas em função da evolução do rendimento familiar, tal como consta do 2.º parágrafo do despacho ministerial aqui referido» [trata-se do despacho transcrito na alínea o)];

r) Refere o despacho do Ministro:
«Concordo.
13.XII.77»;

s) Na sequência de procedimento de selecção definido no âmbito do disposto nos artigos 3.º e 5.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio, o Conselho Directivo do IGAPHE, por Auto de Cessão de 1 de Fevereiro de 2005 transferiu para a Fundação D. Pedro IV o «direito de propriedade e os direitos e obrigações» sobre, entre outros, «prédios urbanos e fracções autónomas de prédios urbanos sitos nos Bairros de Chelas-Zona I, Chelas-‑Zona N2» e os respectivos «espaços exteriores de uso público, equipamento, arruamentos e restantes infra-estruturas»;

t) É o seguinte o teor integral do Auto de Cessão celebrado em 1 de Fevereiro de 2005 entre o IGAPHE e a Fundação D. Pedro IV:

«TRANSFERÊNCIA DE PATRIMÓNIO, DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO IGAPHE PARA A FUNDAÇÃO D. PEDRO IV
AUTO DE CESSÃO
Entre:
O Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, abreviadamente designado por IGAPHE, Instituto Público com sede na Avenida 5 de Outubro, 153, em Lisboa, pessoa colectiva n.º 501 800 441, representado por João Paulo Sousa e Silva Zbyszewski (...), na qualidade de Presidente do Conselho Directivo do IGAPHE, com poderes para o acto conforme deliberação do Conselho Directivo do Instituto, de 25 de Janeiro de 2005, que igualmente aprovou a respectiva minuta; e
A Fundação D. Pedro IV, pessoa colectiva n.º 502 789 492, representada por Vasco Manuel Abranches do Canto Moniz (...), na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Fundação D. Pedro IV, com poderes para o acto conforme deliberação, de 14 de Janeiro de 2005, do referido Conselho de Administração, que igualmente lhe deu poderes para aprovar a respectiva minuta.
É celebrado o presente auto de cessão patrimonial, de direitos e de obrigações nos termos e nas condições constantes das cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, atenta a deliberação do Conselho Directivo do IGAPHE de 25 de Janeiro de 2005 que aprovou a proposta da Comissão de Avaliação nomeada nos termos e para os efeitos previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio, o IGAPHE transfere para a Fundação D. Pedro IV, e esta aceita, sem quaisquer contrapartidas o direito de propriedade e os direitos e obrigações sobre:
a) Os prédios urbanos e fracções autónomas de prédios urbanos sitos nos Bairros de Chelas-Zona I, Chelas-Zona N2, Academia das Ciências, Arco do Cego, Alto da Serafina, Madre de Deus, Calçada dos Mestres, Encarnação, Olivais Norte e Olivais Sul, todos situados no concelho de Lisboa, descritos no Anexo ao presente auto de cessão que dele faz parte integrante para todos os efeitos.
b) Os espaços exteriores de uso público, equipamentos, arruamentos e restantes infra-estruturas que fazem parte integrante dos Bairros identificados na alínea anterior.
CLÁUSULA SEGUNDA
1. A Fundação D. Pedro IV, juntamente com a transferência dos bens referidos na cláusula primeira, aceita a partir da data da respectiva transmissão a responsabilidade pelos direitos e obrigações inerentes aos mesmos, nomeadamente:
a) Os contratos de arrendamento e de comodato, escritos ou verbais, celebrados pelo IGAPHE ou pelas entidades que o antecederam na titularidade daquele património;
b) Os contratos-promessa de compra e venda celebrados pelo IGAPHE ou pelas entidades que o antecederam na titularidade daquele património, vigentes à data de produção de efeitos do presente auto;
c) Os compromissos de venda assumidos pelo IGAPHE nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril, com o direito ao recebimento dos respectivos pagamentos;
d) A titularidade das respectivas acções judiciais pendentes em 1 de Fevereiro de 2005;
e) O direito ao recebimento das rendas em dívida, bem como o direito a quaisquer indemnizações devidas pelos respectivos moradores e ex-moradores;
f) Os acordos celebrados pelo IGAPHE com os respectivos moradores e ex-moradores relativos à regularização de rendas em dívida;
g) O direito a receber quaisquer indemnizações a pagar pelos ocupantes ilegais daquele património;
h) O encargo com as despesas de condomínio na quota parte que é devida;
i) Os contratos celebrados pelo IGAPHE para o fornecimento de energia eléctrica e água relativos ao património transferido, incluindo os recibos postos a pagamento a partir da data da transferência;
j) Os contratos relativos à conservação e manutenção de instalações eléctricas e mecânicas existentes;
k) As tarifas de conservação de esgotos, relativas ao património transferido, postas a pagamento posteriormente à data da transferência patrimonial.
2. Exceptuam-se do disposto no número UM todos os direitos e obrigações emergentes de contratos de empreitada e fornecimentos adjudicados pelo IGAPHE ou pelas entidades a quem este sucedeu.
CLÁUSULA TERCEIRA
1. A transferência de propriedade sobre os bens imóveis, bem como sobre os respectivos direitos e obrigações anteriormente identificados produz efeitos a partir do dia 1 de Fevereiro de 2005.
2. Sem prejuízo do estipulado no número anterior, o IGAPHE procederá, durante os meses de Fevereiro a Abril de 2005, inclusive, à cobrança das rendas e das prestações de acordos relativos à regularização de rendas em dívida, efectuando a transferência dos valores recebidos para a Fundação D. Pedro IV, oportunamente.
CLÁUSULA QUARTA
Após a transferência, a Fundação D. Pedro IV só poderá alienar os fogos identificados na cláusula primeira e no anexo ao presente auto aos respectivos moradores e nos termos e condições constantes do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de Agosto.
CLÁUSULA QUINTA
O arrendamento dos fogos destinados a habitação fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.
CLÁUSULA SEXTA
Para todos os fogos que venham a vagar a Fundação D. Pedro IV obriga-se a solicitar à Câmara Municipal de Lisboa e ao IGAPHE ou a entidade que lhe suceda, a indicação de agregados familiares a realojar nos mesmos, nos termos da legislação aplicável.
CLÁUSULA SÉTIMA
A Fundação D. Pedro IV obriga-se, caso as entidades referidas na cláusula anterior não indiquem agregados familiares para a ocupação daqueles fogos, a destiná-los prioritariamente ao realojamento de agregados familiares ou a arrendá-los de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 797/76, de 6 de Novembro, no regime da renda apoiada, ou ainda a aliená-los ao Município de Lisboa.
CLÁUSULA OITAVA
A Fundação D. Pedro IV obriga-se a apresentar anualmente ao IGAPHE ou à entidade que lhe suceda, o relatório e contas do exercício das suas actividades do ano anterior, que demonstrem a gestão do património referido na cláusula primeira, designadamente no que respeita a novos arrendamentos e à alienação de fracções.
CLÁUSULA NONA
Em caso de incumprimento do estipulado nas cláusulas quarta a oitava do presente auto de cessão de bens, a Fundação D. Pedro IV incorre na obrigação de indemnizar o IGAPHE ou a entidade que lhe suceda, até ao montante equivalente ao valor patrimonial transferido, sendo a indemnização a pagar graduada conforme a gravidade da infracção.
CLÁUSULA DÉCIMA
Não obstante a indemnização prevista na cláusula anterior, ou verificando-se o incumprimento das obrigações previstas no presente auto de cessão, o IGAPHE ou a entidade que lhe suceda, mantém a faculdade de resolver o presente contrato, revertendo o património em posse da Fundação D. Pedro IV para o mesmo ou para a entidade que lhe suceda.

Esta transmissão fica isenta do pagamento [de] imposto de selo nos termos da alínea d) do artigo 6.º do respectivo Código, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Está dispensada a apresentação de licenças de utilização dos bens transferidos, nos termos do disposto nos artigos 12.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de Agosto.
A transferência de propriedade é celebrada mediante auto de cessão nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Feito em duplicado, e assinado em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 2005.» ([4])

u) O IGAPHE transferiu, assim, para a Fundação D. Pedro IV «1445 fracções autónomas situadas nos Bairros de Chelas, das quais 963 se situam na chamada Zona l (também designada por Bairro das Amendoeiras) e 482 na Zona N2 (também designada por Bairro dos Lóios)»;

v) «Nos mencionados bairros, os regimes de rendas praticados são os seguintes:
– regime de renda social – de acordo com o previsto na Portaria n.º 288/83, de 17 de Março, que veio substituir a Portaria n.º 386/77, de 25 de Junho.
– regime de renda apoiada – regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio»;

x) «as rendas fixadas para os Bairros de Chelas foram aprovadas por Despacho do Sr. Secretário de Estado de Habitação e Urbanismo, de 7 de Setembro de 1976. Posteriormente, com a publicação da Portaria n.º 386/77, de 25 de Junho, sobre a informação do então Fundo de Fomento da Habitação n.º 131/G.E./77, foi exarado o Despacho do Senhor Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção, de 22 de Agosto de 1977, atrás mencionado»;

z) «nestes Bairros não se chegou a efectuar uma actualização generalizada de rendas, verificando-se que em muitos casos se mantiveram rendas fixas durante cerca de 25 a 30 anos»;

aa) «a quase totalidade dos moradores destes dois Bairros não têm contrato de arrendamento reduzido a escrito, tendo tal situação, no caso do Bairro das Amendoeiras, ficado a dever-se ao facto de os moradores terem ocupado ilegalmente as habitações, cuja construção se encontrava em fase de conclusão, tendo sido posteriormente definidos os critérios relativos às condições de legalização dos moradores, rendas a praticar e data de início do pagamento da renda»;

bb) «Segundo deliberação do Conselho de Administração da Fundação D. Pedro IV de 8 de Julho de 2005, foi adoptado o regime de renda apoiada para ser aplicado, a partir de 1 de Janeiro de 2006, em 1395 fogos do património habitacional no Bairro das Amendoeiras e no Bairro dos Lóios (cfr. Dossier 3)»;

cc) Não se conhece o teor daquela deliberação mas, de documento da Fundação D. Pedro IV, intitulado Síntese preparatória para o relatório de actividades 2005 e inserto no Dossier 3, consta o passo seguinte:
«Em conformidade com o objectivo estruturante de promover o direito à habitação para os mais carenciados e que todos os fogos e seus residentes usufruam de um arrendamento de cariz social, que evolua em função e na medida da caracterização do agregado familiar e do seu rendimento, em 8 de Julho de 2005, o Conselho de Administração deliberou a aplicação do regime de renda apoiada, a partir de 1 de Janeiro de 2006, nos 1394 fogos habitacionais do património habitacional sito no Bairro das Amendoeiras, dos Lóios e Olivais.
De acordo com a vontade do Conselho de Administração de aplicar um critério de transição na aplicação do regime de renda apoiada, no período de 1 de Janeiro a 1 de Dezembro de 2006, foi determinada a cobrança de 70% do valor de renda calculado de acordo com o Decreto-Lei 166/93, de 7 de Maio, considerada a importância de aplicação de um critério equitativo para todos os inquilinos com renda apoiada calculada superior a 6€.»

dd) A aplicação do regime de renda apoiada foi precedida da realização, pela Fundação D. Pedro IV, de um inquérito intitulado «Renda apoiada e preço técnico – Inquérito para o cálculo», em que os dados são repartidos pelas secções seguintes: «I – Identificação do alojamento»; «II – Renda apoiada – Identificação do Arrendatário, Composição do Agregado Familiar e seus Rendimentos»; «Preço técnico» [cfr., por ex., fls. 114-120 do Dossier 2-B (2.ª parte)];

ee) O preço técnico é calculado a partir das fórmulas seguintes:
PT = (V x 8% / 12) e
V = Au x Pc x [0,85 x Cf x Cc x (1 – 0,35 x Vt) + 0,15];

ff) «Este regime de renda apoiada, o qual implica um aumento generalizado das rendas praticadas até à data, está a provocar viva contestação entre os moradores»;

gg) «O clima de contestação instalado nos bairros em causa é evidenciado na carta dirigida ao Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, de 15 de Fevereiro de 2006», documento em que «a Comissão de Moradores do Bairro das Amendoeiras refere, designadamente, que a Fundação não está a cumprir os compromissos existentes entre os moradores e o IGAPHE, nomeadamente quanto ao pagamento de uma renda fixa e ao direito à aquisição do fogo. Por outro lado, aquela entidade está a enviar aos moradores cartas propondo aumentos de renda que em alguns casos implicam a passagem de rendas do valor de 11,55 Euros para 366,32 Euros mensais (cfr. fls. 267 a 269 do Dossier 2-A). Sendo certo que, em relação àqueles que não apresentaram os documentos exigidos pela Fundação não é aplicado o desconto de 30%, o que significa que a renda passa nesse caso de 11,55 Euros para cerca de 524,31 Euros (cfr. fls. 281 a 284 do Dossier 2-A e fls. 53 a 54 do Dossier 2-‑B)»;

hh) «O cálculo efectuado merece ainda oposição nos casos em que os moradores invocam terem realizado obras de conservação e de manutenção e que tal facto não é tido em conta na determinação do valor da renda técnica»;

ii) «Em anterior carta da Comissão de Moradores, de 24 de Janeiro de 2006, pode ler-se que “Os moradores consideram absolutamente ilegal a aplicação destas rendas ao seu caso particular, já que pagam há 30 anos uma prestação mensal de renda com vista à aquisição das habitações, segundo o acordo estabelecido com o Fundo de Fomento de Habitação e com o Estado Português em 1974 e conforme a documentação em posse dos moradores o prova” (cfr. fls. 24 do Dossier 2-A)»;

jj) «Concretamente em relação aos moradores do Bairro das Amendoeiras, alguns deles já fizeram saber directamente à Fundação que consideram não lhes ser aplicável o regime de rendas do DL n.º 166/93, de 7 de Maio, por tal não corresponder ao acordado com o anterior F.F.H. e actual IGAPHE (cfr., a título de exemplo, os casos mencionados a fls. 41, 44 e 135 do Dossier 2-B)» ([5]);

ll) «Nalgumas situações os moradores têm recorrido à via judicial, interpondo providências cautelares, com vista a obterem a suspensão da renda (cfr., a título de exemplo, a situação mencionada a fls. 49 do Dossier 2-B)» ([6]);

mm) As Informações referidas nas alíneas d), g), h) e n) foram elaboradas por técnicos do Fundo de Fomento da Habitação;

É perante este quadro que se considerou «oportuno solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que se pronunciasse, com carácter de urgência», sobre as questões atrás enunciadas.
3

Convém, antes de prosseguirmos, deixar três notas, a propósito do exercício de competências por parte do Conselho Consultivo.

A primeira tem a ver com o mencionado no ponto 2-ll), onde se dá conta do recurso à via judicial para dirimir matéria litigiosa relacionada com o objecto do parecer: a posição a perfilhar pelo Conselho Consultivo sobre as questões submetidas à sua apreciação não vincula os tribunais, que, como se sabe, são independentes e apenas estão sujeitos à lei, sendo as suas decisões obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades (artigos 203.º e 205.º, n.º 2, da Constituição).

A segunda relaciona-se com a circunstância de o Conselho Consultivo não investigar matéria de facto, exercendo as suas funções de órgão de consulta jurídica a partir dos elementos de facto que lhe são facultados no âmbito do pedido. E o que se verifica é que, na presente situação, os dados fornecidos apresentam lacunas ou insuficiências, constatadas pelos próprios serviços, de que se irá dando conta no desenvolvimento do parecer.

A última decorre da segunda: o tratamento, necessariamente abrangente, das questões colocadas não prejudica a existência de situações concretas que se destaquem do conjunto e que justifiquem, mercê de factores individualizadores, tratamento diferenciado.

4

No desenvolvimento do parecer começaremos por tecer algumas considerações acerca do património do Estado e demais pessoas colectivas públicas territoriais, do domínio público e do domínio privado (5) e por analisar a figura da cessão enquanto modalidade de alienação de bens do domínio privado do Estado (6); traçaremos o perfil das entidades públicas (7) e privada (8) intervenientes; procuraremos esboçar, em aspectos pertinentes, a evolução do direito da habitação antes (9.1) e depois (9.2) de 25 de Abril de 1974 e já no actual quadro constitucional (10 a 13), com realce para diplomas sobre os regimes de renda apoiada (12) e de renda condicionada (13).

Seguir-se-á a caracterização e enquadramento jurídico da alienação de fogos pertencentes ao Estado ou institutos públicos (14).

Aludiremos aos princípios que regem a actividade administrativa, com destaque para o princípio da prossecução do interesse público (15) e, num plano diverso, ao contrato administrativo e ao poder da sua modificação unilateral por parte da Administração (16).

Na última parte, concretizaremos as respostas às questões colocadas (17 a 23), finalizando com as conclusões (24).

5

O património do Estado – entendido como o «conjunto dos bens que constituem o domínio do Estado e das relações jurídicas com valor económico de que o Estado é sujeito activo ou passivo» – compreende dois grandes sectores: o sector dos direitos reais, usualmente denominado património real e o sector dos direitos de crédito ou das obrigações geralmente designado por património creditício ou obrigacional ([7]).

O património real engloba duas categorias de bens: os bens do domínio público e os bens do domínio privado ([8]).

5.1. Numa acepção objectiva, entende-se por domínio público o conjunto das coisas que, pertencendo ao Estado, às regiões autónomas ou às autarquias locais, «são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela sua incomerciabilidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública» ([9]).

A Constituição, no artigo 84.º, individualiza alguns dos bens que integram obrigatoriamente o domínio público (n.º 1), mas deixa ao legislador ordinário alguma margem de conformação sobre a concreta delimitação do domínio público e respectivos regime, condições de utilização e limites (n.º 2).

Certo é, porém, que o domínio público, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 84.º da Constituição, «pertence necessariamente a entidades públicas», as chamadas pessoas colectivas públicas territoriais (Estado, regiões autónomas e autarquias locais) ([10]).

Pertencem, designadamente, ao domínio público necessário, as estradas [artigo 84.º, n.º 1, alínea d), da Constituição], conceito que «abrange todas as vias públicas, desde os caminhos municipais às auto-‑estradas, incluindo as suas obras de arte (pontes, viadutos, etc.)» ([11]) e que deve ser entendido como uma universalidade, «de forma a englobar também passeios, plantações, muros de sustentação, sinais de trânsito, postes de iluminação, obras de arte, túneis, e todas as coisas singulares imprescindíveis (ou, pelo menos, úteis) ao desempenho da função pública determinante da dominialidade» ([12]).

Na delimitação, neste campo, entre o domínio público estadual e autárquico releva o Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho, que redefine o plano rodoviário nacional (PRN) ([13]). Integram o domínio público do município – a «rede viária de âmbito municipal» ([14]) – as redes municipais de estradas, que abrangem as «estradas não incluídas no plano rodoviário nacional» (artigo 13.º).

Marcello Caetano considerava que pertenciam ao domínio público do concelho (domínio de circulação) as estradas e os caminhos municipais, em que «estão incluídas as ruas, praças e jardins das povoações e vilas, com as respectivas obras de arte» ([15]).

Hoje, continua a entender-se que os bens dominiais mais representativos das autarquias locais são os afectos à circulação: as estradas e caminhos municipais ou vicinais, as ruas, as praças, mas também os jardins, os espaços verdes ([16]), bem como o sistema de saneamento (abastecimento de águas e esgotos) existentes na respectiva área e em espaços de que cada autarquia seja proprietária ([17]).

Em relação ao conteúdo do direito de propriedade pública sobre os bens dominiais interessa frisar o disposto no artigo 202.º do Código Civil, onde depois de se definir coisa como «tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas» (n.º 1), se prescreve que se consideram «fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por natureza, insusceptíveis de apropriação individual» (n.º 2).

Os pólos orientadores do regime da dominialidade são os princípios da inalienabilidade, da imprescritibilidade e impenhorabilidade, «que devem ser compreendidos nas suas cumplicidades, enquanto vectores interdependentes da ideia de que as coisas públicas se encontram fora do comércio jurídico privado» ([18]).

A incomercialidade de direito privado – de que beneficiam naturalmente os bens pertencentes ao domínio público municipal – «assume-se não como uma qualidade intrínseca da própria coisa», mas como um atributo resultante «da função que a mesma é chamada a desempenhar».

Em relação aos bens submetidos ao estatuto de dominialidade, não existe «qualquer possibilidade de alienação a favor de particulares, ou, mais, genericamente, da constituição iure privato de direitos subjectivos privados».

Visa-se, desse modo, assegurar o cumprimento da utilidade pública que o bem é chamado a desempenhar. Porém, «a inalienabilidade não se volve numa indisponibilidade absoluta do bem, mas assume-se como consequência da subtracção da coisa ao comércio jurídico privado e, em geral, da titularidade dos particulares, impedindo o “efeito aquisitivo” (-) por parte destes, pelo que apenas constituem objecto de actos de disposição de natureza pública (-), em que avultam as concessões de uso privativo e as mutações dominiais» ([19]).

5.2. Pertencem ao domínio privado do Estado todas as coisas corpóreas propriedade do Estado e não integradas por lei no domínio público, as quais estão, em princípio, sujeitas ao regime de propriedade estatuído na lei civil e, consequentemente, submetidas ao comércio jurídico correspondente ([20]).

Aplicam-se, de um modo geral, aos bens do domínio privado do Estado, as classificações que o Código Civil estabelece nos artigos 203.º e seguintes, com relevo para a que distingue entre coisas móveis e imóveis.

No domínio privado do Estado coexistem bens que desempenham um papel relevante na prossecução das atribuições administrativas e bens que apenas vieram à posse da Administração ocasionalmente ou cuja única utilidade é a produção de rendimentos. Os primeiros carecem naturalmente de uma protecção mais apertada «enquanto e na medida em que se acharem afectados a uma função de interesse público» ([21]).

Os bens do domínio privado têm sido, por isso, classificados em bens do domínio privado disponível ou do património financeiro e bens do domínio privado indisponível ou do património administrativo ([22]).

Os bens do domínio privado indisponível encontram-se afectos à realização de fins de utilidade pública, abrangendo, em geral, os bens indispensáveis ao funcionamento dos serviços públicos, nomeadamente as dependências onde eles se encontram instalados (por ex., os prédios onde funcionam); são bens que, apesar de não terem sido definidos pela lei como bens do domínio público, assumem, no entanto, um carácter indispensável ao funcionamento da Administração e à prossecução dos interesses que ela visa prosseguir. Estão, por isso, sujeitos a um regime que os aproxima dos bens do domínio público.

Os bens do domínio privado disponível são os que não se encontram especialmente afectos à satisfação de qualquer necessidade pública específica. Trata-se, como se referiu, de bens de aquisição ocasional (sucessão hereditária, execução fiscal), de bens que deixaram de estar afectos à satisfação de necessidades públicas ou que apenas de destinam a produzir rendimentos (v. g., títulos mobiliários) ([23]).

Como notou Marcello Caetano ([24]), «com a indisponibilidade não se pretende conferir aos bens a condição jurídica de inalienáveis em virtude da sua própria utilidade pública, como no domínio público: pretende-se tão-‑somente evitar que sejam desviados da afectação ao fim de utilidade pública, exterior aos bens, que eles são chamados a servir».

Por sua vez, a disponibilidade «não significa necessariamente uma sujeição total ao Direito privado, sem quaisquer condicionamentos impostos pelas leis administrativas: significa, sim, que não havendo afectação a nenhum fim de utilidade pública os bens podem ser alienados ou onerados pela Administração, ainda que tão-somente pelas formas prescritas na lei administrativa».

Assim, a administração patrimonial do Estado tem fundamentalmente como objecto os bens do domínio público e do domínio privado indisponível; os bens do domínio privado disponível se não forem afectos a serviços de outras entidades públicas não estaduais, deverão «ser alienados ou onerados pela Administração, ainda que tão-somente pelas formas prescritas na lei administrativa» ([25]).

Entre as modalidades de alienação de bens do domínio privado do Estado, figuram a venda, a alienação gratuita quando admitida, a permuta e a cessão a título definitivo ([26]).

Vejamos mais de perto a figura da cessão.

6

Em sentido amplo, cessão designa a transmissão ou transferência de um direito ou de uma posição jurídica.

Trata-se de um conceito polissémico comum ao direito privado e ao direito público, assumindo em cada um destes ramos significados específicos.

No direito privado, a cessão é a transmissão de um direito ou de uma posição jurídica por acto negocial inter vivos e a título singular; mas a própria lei civil emprega o termo em acepções mais circunscritas, sendo as mais comuns a cessão da posição contratual e a cessão de créditos (respectivamente, artigos 424.º a 427.º e 577.º e ss. do Código Civil).

No direito público, a cessão pode ser definida como a «afectação, determinada pelo interesse público, de bens imóveis ou móveis, operada por um ente público em benefício dum serviço administrativo ou do património de outra pessoa, pública ou privada, singular ou colectiva» ([27]).

Reveste as modalidades de cessão a título precário e cessão a título definitivo.

De cessão a título precário fala-se, no âmbito da gestão e utilização do domínio privado do Estado, para significar as situações em que a posse e administração de certa coisa são transferidas para outro serviço ou para pessoa (pública ou privada) diversa do Estado com vista a uma melhor consecução do interesse público.

A natureza das cessões a título precário «varia consoante se façam a favor de outros departamentos ou serviços do Estado ou a favor de pessoas diferentes deste: num caso, a cessão opera unicamente no âmbito de uma só pessoa colectiva, cifrando-se em afectar os bens a um fim diferente e em transferir os poderes de administração sobre eles para outro órgão; no outro caso, a cessão já relaciona duas pessoas juridicamente distintas, envolvendo uma transferência de posse e a constituição de poderes de uso e fruição, em moldes que se assemelham, do ponto de vista estrutural, aos da locação ou aos do comodato, conforme se trate de cessões onerosas ou gratuitas» ([28]).

A cessão a título definitivo constitui, como dissemos, uma modalidade (de direito público) de extinção do domínio privado do Estado. Ao contrário da figura anterior, envolve a transferência de propriedade do bem em causa.

A cessão a título definitivo está prevista, em geral, no Decreto-Lei n.º 97/70, de 13 de Março, que regula as condições em que pode ser realizada a alienação de bens imóveis do domínio privado do Estado para fins de interesse público.

Nos termos do diploma, a «alienação de bens imóveis do domínio privado do Estado para fins de interesse público pode ser realizada, independentemente de hasta pública, mediante cessão a título definitivo, precedendo autorização fundamentada do Secretário de Estado do Tesouro sob a forma de portaria» (artigo 1.º, n.º 1).

Na portaria de autorização far-se-á menção expressa do fim de interesse público justificativo da cessão, da sua natureza e das condições e encargos a que fica sujeita, incluindo a importância devida como retribuição, se a cessão não for gratuita (artigo 1.º, n.os 1 e 2) ([29]).

Uma vez autorizada, a cessão efectua-se por meio de auto, em regra, lavrado e assinado na Direcção-Geral do Património (cfr. artigo 4.º).

Um traço importante do regime da cessão a título definitivo é o condicionamento da transmissão à observância de um fim de interesse público e ao cumprimento das cláusulas da cessão, sob pena de reversão dos bens para o património do Estado.

Estatui o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 97/70:

«Art. 2.º – 1. Se aos bens cedidos não for dado o destino que justificou a cessão, ou se o cessionário culposamente deixar de cumprir qualquer condição ou encargo, pode o Secretário de Estado do Tesouro, ouvido o cessionário, ordenar a reversão dos bens cedidos para o domínio privado do Estado, não tendo o cessionário direito, salvo caso de força maior, à restituição de importâncias pagas ou à indemnização por benfeitorias realizadas.
2. (...).
3. O direito de reversão só pode ser exercido dentro do prazo de um ano, a contar do conhecimento oficial do facto que lhe deu causa
4. Por efeito da reversão, os bens cedidos regressam ao domínio privado do Estado livres dos encargos que lhes tenham sido impostos enquanto estiveram em poder do cessionário ou de terceiros a quem tenham sido transmitidos.»

A prossecução do interesse público é, na cessão definitiva, tão essencial como na cessão a título precário, mas aqui a sua adequada realização só se consegue com a própria alienação do imóvel que constitui o objecto da cessão ([30]).

E a «sanção enérgica» da reversão destina-se a garantir por forma adequada que os bens cedidos pelo Estado não sejam desviados dos fins de interesses público que determinaram a cessão e a assegurar que as condições e os encargos estipulados sejam realmente cumpridos pelo cessionário ([31]).

A necessária motivação de interesse público e o carácter essencial da cláusula de reversão conferem à cessão a título definitivo uma insofismável natureza publicística; «a tal não obsta a cessão incondicional, onerosa ou gratuita: mal poderá ela confrontar-se com a venda ou com a doação, pois que a alienação de bens não representa, aí, o objecto da cessão, mas, tão-somente, constitui o resultado de o interesse público não ter incorporado nesta condição alguma, ou seja, apenas é a consequência de certa forma de realização daquele interesse prosseguido especificamente através da cessão» ([32]).

A cessão feita a pessoa jurídica diferente do Estado traduz-se num acordo de vontades em que Administração, em regime de colaboração, utiliza uma via bilateral para prosseguir os fins de interesse público que a lei põe a seu cargo; em vez de definir unilateralmente a sua vontade, a Administração procura o acordo com o cessionário, com quem negoceia os termos da cedência dos bens.

Encontramo-nos, por isso, perante um contrato administrativo, traduzido no acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa (cfr. artigo 178.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo).

São, pois, em regra, contratos administrativos, tanto a cessão a título precário de bens do domínio privado do Estado ([33]), como a cessão definitiva desses mesmos bens.

7

Além do Estado e das demais pessoas colectivas públicas territoriais, todas as entidades públicas, desde que tenham personalidade jurídica, podem dispor de um património e geri-lo livremente (autonomia patrimonial), embora sujeitas a formas diversas de controlo ou tutela por parte do Estado ([34]).

Encontram-se entre essas entidades o Fundo de Fomento da Habitação, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado e o Instituto Nacional da Habitação.

No âmbito da administração central do Estado, é comum distinguir-‑se entre administração directa e administração indirecta, designações que vêm referidas (tal como a de administração autónoma) na alínea d) do artigo 199.º da Constituição: enquanto a administração directa «é a actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado», a administração indirecta «embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas colectivas públicas distintas do Estado» ([35]).

Entre estas, a doutrina autonomiza os institutos públicos, considerados «a base da administração indirecta» ([36]). E, entre os institutos públicos, não obstante a existência de divergências doutrinais no domínio da tipologia das pessoas colectivas públicas ([37]), aceita-se, em geral a distinção entre serviços personalizados, estabelecimentos públicos e fundações públicas ([38]).

Os serviços personalizados «são os serviços públicos de carácter administrativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira»; são departamentos do tipo «direcção-geral» a que a lei dá personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira para melhor desempenharem as suas funções.

As fundações públicas são pessoas colectivas públicas reguladas pelo direito administrativo, traduzindo-se na afectação de um património à prossecução de fins públicos especiais; o conceito engloba os chamados fundos ([39]) e as antigas caixas de previdência.

Os estabelecimentos públicos são entidades «de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam»; este grupo inclui as universidades e os hospitais públicos ([40]).

O enquadramento dogmático das entidades públicas envolvidas no parecer – Fundo de Fomento da Habitação, Instituto Nacional de habitação e Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado – não tem uma importância decisiva para o objecto da consulta. Mas sempre se dirá que o Conselho Consultivo entendeu já que o Fundo de Fomento da Habitação revestia a natureza de serviço personalizado ([41]), designação que se mostra apropriada à qualificação dos outros dois institutos.

7.1. O Fundo de Fomento de Habitação (doravante Fundo ou FFH), instituído pelo Decreto-Lei n.º 49 033, de 28 de Maio de 1969 ([42]), «com o fim de contribuir para a resolução do problema habitacional» (artigo 1.º), foi reorganizado pelo Decreto-Lei n.º 583/72, de 30 de Dezembro, diploma por que se passou a reger ([43]).

Era definido como «um organismo com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, dependente da Secretaria de Estado do Urbanismo e Habitação» (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 583/72).

Constituíam atribuições do FFH o estudo sistemático dos problemas da habitação, a coordenação das iniciativas respeitantes ao sector e a execução das medidas de política habitacional da responsabilidade do Estado (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 583/72).

As suas competências constavam do artigo 8.º deste diploma:

«Art. 8.º Em cumprimento das suas atribuições como organismo executivo da política habitacional do Governo, cabe ao Fundo:
a) Adquirir terrenos para construção;
b) Urbanizar os terrenos adquiridos nos termos da alínea anterior;
c) Construir casas para habitação, bem como edifícios de interesse público, nos mencionados terrenos e arrendar umas e outros ou fazer a sua atribuição segundo os regimes legalmente fixados sempre que legal ou contratualmente não devam ser arrendados ou atribuídos por outras entidades;
d) Alienar a quaisquer entidades, públicas ou privadas, a propriedade ou o mero direito de superfície de lotes de terreno destinados a habitação ou instalações de interesse público, cuja construção, segundo o plano ou programa aprovado, não seja da competência do Fundo;
e) Alienar habitações ou outros edifícios que pertençam ao seu património, em execução dos programas de financiamento aprovados;
f) (...);
g) (...);
h) (...);
i) (...).»

O artigo 10.º, depois de no n.º 1 remeter para despacho do Ministro das Obras Públicas as condições de colaboração entre os serviços do Ministério e as câmaras municipais dos concelhos abrangidos pelos planos de construções do Fundo, dispunha no n.º 2:

«2. A conservação e limpeza de jardins e espaços públicos e dos arruamentos próprios e de acesso aos agrupamentos de habitações, construídas ou cuja construção for promovida pelo Fundo, incluindo os passeios, e as canalizações de esgotos, água e luz ficam a cargo das câmaras municipais.»

Entre as receitas do Fundo figuravam o produto da alienação de lotes urbanizados, habitações ou edifícios, bem como os rendimentos das casas integradas no seu património, já distribuídas ou a distribuir, em regime de arrendamento ou outros [artigo 15.º, alíneas d) e e)].

O capitulo V do Decreto-Lei n.º 583/72 versava sobre a distribuição das casas e regime da sua utilização e abrangia os artigos 26.º e 27.º:

«Art. 26.º – 1. A distribuição das casas construídas pelo Fundo, bem como daquelas cuja construção tenha sido por ele promovida ou coordenada, quer sejam sua propriedade, quer pertençam ao património de municípios, misericórdias, organismos corporativos e instituições de previdência ou de serviços sociais dos diversos Ministérios e organismos autónomos, será feita mediante concurso, nos termos de regulamento a aprovar por portaria do Ministro das Obras Públicas.
2. Serão organizados concursos separados, consoante o regime de utilização ou cedência das habitações e a natureza aberta ou restrita da sua atribuição, determinada pela natureza do financiamento utilizado ou pelo regime legal aplicável.

«Art. 27.º Os regimes jurídicos de utilização ou cedência de casas construídas ao abrigo de programas de habitação social serão revistos no prazo de um ano, a contar da publicação do presente decreto-lei, mantendo-se, entretanto, em vigor as normas que os definem, designadamente os artigos 20.º a 26.º, inclusive, do Decreto-Lei n.º 49 033, de 28 de Maio de 1969.» ([44])

Do teor destas disposições do Decreto-Lei n.º 49 033 (o diploma que instituíra o FFH), interessa acentuar alguns aspectos.

O arrendamento das casas do Fundo ficava sujeito, salvo disposição em contrário, ao regime da lei geral (artigo 20.º). A actualização das rendas só era permitida quando se registasse variação apreciável do custo da construção ou do custo de vida ou quando se verificasse sensível melhoria na situação económica do agregado familiar do inquilino, ficando sujeita, em cada caso, à homologação do Ministro das Obras Públicas (artigo 21.º).

O regime das habitações distribuídas pelo Fundo na modalidade de propriedade resolúvel ficava sujeito, salvo o disposto no próprio decreto-lei e diplomas regulamentares, à legislação que vigorasse para as casas económicas (artigo 24.º).

O FFH foi extinto pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 214/82, de 29 de Maio ([45]), por se ter considerado que se encontrava «numa situação insusceptível de reconversão para a prossecução dos objectivos da política habitacional do Governo» (do preâmbulo).

De acordo com o diploma de extinção, os programas em curso, o património, os saldos das dotações orçamentais e os arrendamentos serão transmitidos para outras entidades, por despacho ministerial (artigo 2.º), passando específicas atribuições do FFH a ser prosseguidas por serviços do Ministério (artigo 3.º).

À comissão liquidatária ([46]) foram cometidos os poderes destinados a assegurar a liquidação, cabendo-lhe, enquanto não fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 2.º, designadamente, praticar os actos de administração e outros necessários à defesa dos direitos do Fundo (artigos 4.º do Decreto-Lei n.º 214/82 e do Decreto-Lei n.º 7/83, de 14 de Janeiro).

Mais tarde, a comissão liquidatária do FFH passou a ter, entre outras competências, a de praticar os actos necessários à consolidação da transferência do seu património para o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado [artigo 1.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 85/87, de 24 de Fevereiro] ([47]).

7.2. O Decreto-Lei n.º 177/84, de 25 de Maio, criou o Instituto Nacional de Habitação (INH).

Reconhece-se que a extinção do Fundo de Fomentação da Habitação criara «um vazio orgânico em matéria de administração habitacional» que não fora preenchido pelo Fundo de Apoio ao Investimento para a Habitação, «apenas vocacionado para o financiamento de programas de habitação apoiados pelo sector público», donde a necessidade de «criar na administração central a estrutura orgânica que realize as tarefas que, observando o princípio da descentralização, lhe continuarão a competir como instrumento da política de habitação e de apoio financeiro aos programas destinados aos estratos sociais menos solventes» ([48]).

O INH foi configurado como instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, cabendo-lhe, em geral, a administração habitacional e as intervenções de natureza financeira no sector de habitação da competência do Estado (cfr. artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 177/84).

Decorrido o período de instalação e atentas a dinâmica do sector e a actividade desenvolvida, consideraram-se reunidas as condições para a estruturação definitiva do INH, tarefa de que se incumbiu o Decreto-Lei n.º 202-B/86, de 22 de Julho, que aprovou a lei orgânica do INH e reiterou a sua natureza jurídica bem como as atribuições e competências no domínio da administração habitacional ([49]).

Para além de outras alterações ([50]), o Decreto-Lei n.º 202-B/86 foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 243/2002, de 5 de Novembro ([51]), que definiu e regulou a fusão do IGAPHE com o INH em termos que já iremos conhecer.

7.3. O IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado – foi criado pelo Decreto-Lei n.º 88/87, de 26 de Fevereiro ([52]).

No preâmbulo deste diploma volta a referir-se que a extinção do FFH «criou um vazio orgânico em matéria de gestão, conservação e alienação do seu património habitacional». Afirma-se que a política do Governo no sector da construção e habitação dirige-se a incrementar e apoiar o desenvolvimento de programas prosseguidos pelas câmaras municipais, cooperativas de habitação e empresas privadas, uma vez que o passado recente demonstrou claramente a «falência do desenvolvimento de políticas de habitação social de promoção directa da administração central». Acrescenta-se que, constituindo as habitações sociais um instrumento de política habitacional, «justificar-se-á que o Estado mantenha em bom nível de conservação um conjunto de casas para acorrer a situações familiares de maiores carências». Porém, um tal património «deve manter-se em limites restritos» quer porque «deve ser olhado como uma solução provisória ou transitória», quer porque «a figura do Estado administrador de casas não é fácil, gera desperdícios e irracionalidades, implica encargos pesados para o Orçamento do Estado».

Sendo «já excessiva» a presente dimensão do património do ex-‑FFH, «torna-se altamente recomendável proceder à alienação de número significativo de habitações», e não apenas por razões económicas como pelo facto de o acesso à propriedade por parte de famílias de menores recursos poder constituir «uma acção eminentemente social».

«Aí entronca, pois – conclui o preâmbulo –, uma das atribuições fundamentais e um dos maiores desafios do novo Instituto: desinvestir parte do seu património habitacional e afectar as receitas emergentes à redução da enorme dívida do ex-FFH».

O IGAPHE é definido como um instituto público, com personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º, n.º 2).

Entre as suas atribuições, consta a de «gestão, conservação e alienação do parque habitacional, equipamentos e solos, que constituem o seu património, no cumprimento da política definida para a habitação social» [artigo 2.º, alínea a)], área em que, nomeadamente, lhe compete alienar habitações ou outros edifícios, atribuir as suas habitações em propriedade ou arrendamento, segundo os regimes legalmente fixados e assegurar a conservação do seu património habitacional e respectivos equipamentos [artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), b) e c)].

O referido Decreto-Lei n.º 243/2002, de 5 de Novembro, define e regula a fusão e consequente extinção do IGAPHE com o INH (artigo 1.º).

O IGAPHE «é extinto quando se verificar a transmissão, a qualquer título, para outras entidades de uma parte considerável do património imobiliário que, à data da entrada em vigor do presente diploma, gere no âmbito das suas competências» (artigo 2.º).

É neste quadro que o IGAPHE, até à sua efectiva extinção, continua a ter competência para a gestão, conservação e alienação do seu parque habitacional edificado e equipamentos que o integram (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 243/2002) ([53]), sendo no exercício de tal competência que intervém no Auto de Cessão.

8

A Constituição, em artigo dedicado à segurança social e solidariedade, comete ao Estado o apoio e fiscalização, nos termos da lei, da actividade e funcionamento das instituições particulares de solidariedade social (artigo 63.º, n.º 5).

O actual Estatuto das Instituições de Particulares de Solidariedade Social foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro ([54]), e contém, no artigo 1.º, n.º 1, a definição seguinte:

«1 – São instituições particulares de solidariedade social as constituídas, sem finalidade lucrativa, por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos e desde que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico, para prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos, mediante a concessão de bens e a prestação de serviços:
a) Apoio a crianças e jovens;
b) Apoio à família;
c) Apoio à integração social comunitária;
d) (...);
e) (...);
f) (...);
g) Resolução dos problemas habitacionais das populações.»

As instituições revestem uma das formas seguintes: associações de solidariedade social, associações de voluntários de acção social, associações de socorros mútuos, fundações de solidariedade social e irmandades da misericórdia (artigo 2.º dos Estatutos).

A Fundação D. Pedro IV, constituída por escritura pública de 10 de Março de 1992, é definida nos respectivos Estatutos ([55]) como «uma fundação de solidariedade social» (artigo 1.º, n.º 1), que tem entre os seus objectivos a generalidade dos enunciados no n.º 1 do artigo 1.º do Estatuto das Instituições de Particulares de Solidariedade Social, designadamente a «resolução de problemas habitacionais» [artigo 2.º, n.º 1, alínea f), dos respectivos Estatutos].

As instituições particulares de solidariedade social são pessoas colectivas privadas ([56]), mas, uma vez que prosseguem interesses públicos, adquirem automaticamente a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública ([57]), de acordo com o disposto nos artigos 7.º e 8.º do Estatuto.

Apesar de serem organizações privadas, as instituições particulares de solidariedade social estão submetidas a fiscalização estadual, a qual, por implicar restrições ao direito de associação (artigo 46.º da Constituição), deve limitar-se ao necessário e ser proporcionada ao interesse público que a justifica, donde, por regra, a exclusão de «formas extremas de tutela» ([58]).

A tutela está regulada nos artigos 33.º a 39.º do Estatuto e inclui, designadamente, a previsão de actos sujeitos a visto (artigo 33.º), a realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções (artigo 34.º) e a destituição dos corpos gerentes (artigo 35.º) ([59]).

9

Para além do que resulta dos diplomas organizatórios do FFH, do INH e do IGAPHE, importa conhecer, em aspectos relevantes para a consulta, a evolução do direito da habitação.

9.1. Na sequência da reorganização do FFH pelo Decreto-Lei n.º 583/72, de 30 de Dezembro, o Decreto-Lei n.º 608/73, de 14 de Novembro, veio definir o regime aplicável às casas de renda limitada.

Esse regime, que visava disponibilizar uma habitação a rendas acessíveis, constava, à data, dos Decretos-Leis n.os 36 212, de 7 de Abril de 1944, e 41 532, de 18 de Fevereiro de 1958, sendo consideradas casas de renda limitada as que fossem construídas ao abrigo destes diplomas, ambos revogados pelo Decreto-Lei n.º 608/73.

Perante a falta de uma cabal implementação deste diploma, o Decreto-Lei n.º 797/76, de 6 de Novembro ([60]), criou serviços municipais de habitação social, cuja função principal, além de assegurar a gestão do parque habitacional do respectivo município, consiste na atribuição dos fogos de habitação social (cfr. artigo 3.º, n.º 1). É para este diploma que remete a cláusula sétima do Auto de Cessão para efeitos de atribuição de fogos que venham a vagar.

9.2. No pós-25 de Abril, o Governo, reconhecendo que havia no País «centenas de milhares de famílias sem habitação ou habitando em condições sub-humanas», entendeu que a via mais adequada e socialmente justa «para minorar a curto prazo esta carência» era «a de promover a integral utilização do parque habitacional do País».

Tal solução «implica a instituição de dispositivos legais e operacionais que permitam, em termos seguramente eficazes, proceder à imediata atribuição dos fogos devolutos, designadamente nos casos em que se verifique infracção da legislação em vigor».

Tratava-se, no imediato, de «resolver os problemas suscitados pelas ocupações que têm vindo a verificar-se de fogos devolutos», promovendo a respectiva legalização e, ao mesmo tempo, evitar a repetição de situações semelhantes.

Era este o objectivo do Decreto-Lei n.º 198-A/75, de 14 de Abril, a cujo preâmbulo pertencem os trechos acabados de citar.

O artigo 1.º dispunha que «[a]s ocupações de fogos devolutos levadas a efeito para fins habitacionais, antes da entrada em vigor deste diploma, em prédios pertencentes a entidades públicas ou privadas, serão imediatamente legalizadas através da celebração de contrato de arrendamento» (n.º 1); consideravam-se devolutos os fogos em relação aos quais, à data da ocupação, designadamente, se «encontrasse excedido o prazo de sessenta dias, contado a partir da data da cessação do último arrendamento ou da data da concessão da licença de utilização, ou ainda da data da celebração do contrato de compra do fogo, quando este se destina a arrendamento» [n.º 2, alínea a)] ([61]).

O contrato de arrendamento «será obrigatoriamente celebrado pelo senhorio no prazo de trinta dias a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei» (artigo 1.º, n.º 3) ([62]) e «será regido pelas disposições da lei geral respeitante ao arrendamento para habitação» (artigo 4.º, n.º 1), reportando-se o arrendamento «à data do início da ocupação» (artigo 4.º, n.º 2).

Algum tempo depois, com o Decreto-Lei n.º 294/77, de 20 de Junho, veio reconhecer-se que o «esquema» previsto no Decreto-Lei n.º 198-A/75 «não resultou, só tendo conseguido regularizar uma ou outra situação».

A razão do fracasso teria residido na circunstância de se ter deixado a iniciativa aos proprietários (a quem foi concedido um prazo exíguo) e, em segunda linha, às câmaras municipais (mesmo às juntas de freguesia), «que manifestamente não se encontravam em condições de poder incumbir-se com êxito dessa missão».

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 294/77 – que estamos a seguir – acrescenta-se:

«Hoje são muitos os proprietários que, ou porque lhes seja indiferente quem seja o inquilino, desde que pague a justa renda, ou porque, decorrido tanto tempo, qualquer solução é melhor do que nenhuma, se mostram ansiosos da facultação de um novo período ou um novo esquema para a regularização das situações criadas.

«Disso se cura através do presente diploma. E não se há-de estranhar que surja circunscrito aos prédios pertencentes a entidades privadas. É que os pertencentes ao Estado e às autarquias locais se encontram, de um modo geral, vinculados a esquemas de habitação social, com destinatários certos, e não pode a Administração consentir que à concretização desses esquemas, segundo sólidos princípios de justiça social, se substitua a anarquia e o arbítrio privado.»

Prescindindo das demais disposições, importará conhecer o objecto do diploma:

«Artigo 1.º – 1 – As ocupações de fogos devolutos levadas a efeito para fins habitacionais até 14 de Abril de 1975, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198-A/75, em prédios pertencentes a entidades privadas, e que não tenham sido legalizadas nos termos daquele diploma, poderão ser regularizadas através da celebração do correspondente contrato de arrendamento por acordo entre o proprietário e o ocupante ou, na falta desse acordo, por decisão judicial, a iniciativa de qualquer deles, nos termos do presente decreto-lei.
2 – (...).»

Interessa frisar que, ao contrário do Decreto-Lei n.º 198-A/75, o Decreto-Lei n.º 294/77 refere-se apenas a prédios pertencentes a entidades privadas.
10

Entra, entretanto, em vigor a Constituição, que consagra no n.º 1 do artigo 65.º «o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar» ([63]).

Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à habitação, como outros direitos sociais, apresenta uma dupla natureza: consiste, «por um lado, no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma», aspecto em que «reveste a forma de “direito negativo”, ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos “direitos, liberdades e garantias”»; por outro, consiste «no direito a obtê-la, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objectivo», faceta própria de um direito social ([64]).

Segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros, o artigo 65.º da Constituição «configura, em larga medida, o direito à habitação como um direito a prestações do Estado» ([65]), incumbido, nomeadamente, de promover, em colaboração com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais, de estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada, bem como de adoptar uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria [artigo 65.º, n.º 2, alíneas b) e c), e n.º 3].

11

Já no actual quadro constitucional continuou, no domínio do direito da habitação, a ser editada legislação de algum modo relacionada com o objecto da consulta.

11.1. O Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, aprovou a política de solos.

No artigo 6.º, n.º 2, dispunha que «[a]s características técnicas e os valores máximos do custo de construção, das rendas ou dos valores de venda da habitação social serão fixados, segundo as circunstâncias, mediante portaria do Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção».

Habilitada nesta disposição legal, a Portaria n.º 386/77, de 25 de Junho, fixava «os factores que se deverão contabilizar na determinação da renda técnica das habitações promovidas pelo Estado e atribuídas em regime de arrendamento» ([66]).

De acordo com a Portaria n.º 386/77, na determinação da renda técnica das habitações promovidas pelo Estado e atribuídas em regime de arrendamento eram contabilizados, de modo a explicitar-se o custo total da habitação, os seguintes factores: estudos e projectos; custo dos trabalhos de preparação do terreno; infra-estruturas; custo da construção; fiscalização da obra; a parcela correspondente às despesas de conservação dos imóveis; e a parcela destinada a cobrir as despesas de gestão e administração (n.º 1).

Na fixação da renda técnica era considerado um prazo de recuperação do capital de cinquenta anos, a uma taxa de juro de 7,5% ao ano (n.º 2).

A renda técnica, integrando os elementos dos números anteriores era calculada de acordo com a fórmula enunciada no n.º 3.

Era concedido um subsídio a fundo perdido aos agregados familiares com rendimento global mensal inferior a três vezes o salário mínimo nacional (n.º 4), «calculado por diferença entre a renda técnica e a prestação pessoal de renda (renda social)» (n.º 5).

A determinação da prestação pessoal de renda (renda social) resultava da aplicação de percentagem ao rendimento mensal da família (n.os 6 e 7 e anexo).

A Portaria n.º 386/77 foi revista e revogada pela Portaria n.º 288/83, de 17 de Março, que cria (novos) critérios para a determinação das rendas das habitações promovidas pelo Estado e atribuídas em regime de arrendamento, introduzindo um novo processo de cálculo do valor da prestação pessoal de renda (a renda social) devida pelo arrendatário.

A Portaria n.º 288/83 previa o ajustamento das prestações pessoais de renda em vigor à data da sua publicação (n.os 18.º a 21.º) e dispunha que os critérios de fixação de renda nela previstos «poderão ser aplicados para o futuro, em casos devidamente justificados, aos contratos em vigor» (n.º 22).

11.2. Ainda antes do Regime do Arrendamento Urbano de 1990, a Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, versava sobre os regimes de renda livre, condicionada e apoiada nos contratos de arrendamento para habitação.

Dispunha no artigo 9.º que ficavam sujeitos ao regime de renda apoiada os prédios construídos ou adquiridos, para arrendamento habitacional, pelo Estado e seus organismos autónomos, institutos públicos e autarquias locais e pelas instituições particulares de solidariedade social com o apoio financeiro do Estado (artigo 9.º); a actualização da renda e o regime de subsídio à renda desses prédios continuavam a reger-se pelos preceitos legais em vigor até que o Governo fixasse o regime geral de arrendamento da habitação social (artigo 10.º, com a epígrafe Arrendamento de habitação social).

A Lei n.º 46/85 foi revogada pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea i), do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime de Arrendamento Urbano (RAU).

De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do RAU, nos contratos de arrendamento para habitação podem estabelecer-se regimes de renda livre, condicionada e apoiada.

No regime de renda livre, a renda inicial é estipulada por livre negociação entre as partes (artigo 78.º, n.º 1).

No de renda condicionada, «a renda inicial do primeiro ou dos novos arrendamentos resulta da livre negociação entre as partes, não podendo, no entanto, exceder por mês o duodécimo do produto resultante da aplicação da taxa das rendas condicionadas ao valor actualizado do fogo, no ano da celebração do contrato» (artigo 79.º, n.º 1).

O regime de renda condicionada é de aplicação obrigatória nas situações previstas no artigo 81.º e nos demais casos previstos em legislação especial.

No regime de renda apoiada, previsto no artigo 82.º do RAU (tal como os anteriores), o montante da renda é subsidiado, vigorando, ainda, regras específicas quando à sua determinação e actualização (n.º 1); ficam sujeitos a este regime os prédios construídos ou adquiridos para arrendamento habitacional pelo Estado e seus organismos autónomos, institutos públicos e autarquias locais e pelas instituições particulares de solidariedade social com o apoio financeiro do Estado (n.º 2); o regime de renda apoiada fica sujeito a legislação própria, aprovada pelo Governo.

12

O arrendamento dos fogos destinados à habitação transferidos do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV fica sujeito, segundo a cláusula quinta do Auto de Cessão, ao regime de renda apoiada, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.

O regime de renda apoiada encontra-se regulado neste diploma, o qual, em alguns aspectos, remete para o regime da renda condicionada.

O Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, tem por objecto o estabelecimento do regime de renda apoiada (artigo 1.º, n.º 1).

No preâmbulo, depois de se afirmar que os «imóveis sujeitos ao regime de arrendamento social encontram-se ainda, à semelhança do que aconteceu com o mercado de arrendamento em geral, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, vinculados a mecanismos vários de actualização de renda pouco funcionais e que têm contribuído, nos últimos anos, para uma acentuada e acelerada degradação do parque habitacional afecto ao arrendamento social», reconhece-se a necessidade de «reformular e uniformizar os regimes de renda a que tais imóveis estão sujeitos, de modo que, desejavelmente, a todas as habitações destinadas a arrendamento de cariz social, quer tenham sido adquiridas ou construídas pelo Estado, seus organismos autónomos ou institutos públicos, quer pelas autarquias locais ou pelas instituições particulares de solidariedade social, desde que com o apoio financeiro do Estado, se aplique um só regime – o regime da renda apoiada –, conforme dispõe o artigo 82.º do Regime do Arrendamento Urbano».

Ficam sujeitos ao regime de renda apoiada «os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os das adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado», e ainda os «das habitações adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, comparticipadas a fundo perdido pela Região», num e noutro caso, celebrados após a entrada em vigor do diploma (artigo 1.º, n.os 2 e 3) ([67]).

O regime de renda apoiada «baseia-se na determinação dos valores de um preço técnico e de uma taxa de esforço, nos termos do presente diploma» (artigo 2.º, n.º 1); da taxa de esforço resulta o valor da renda apoiada (artigo 2.º, n.º 2).

Os artigos 4.º e 5.º versam, respectivamente, sobre o preço técnico e a renda apoiada, dois operadores relevantes na economia do diploma:
«Artigo 4.º
1 – O preço técnico a que se refere o artigo 2.º é calculado nos mesmos termos em que o é a renda condicionada, sendo o seu valor arredondado para a dezena de escudos imediatamente inferior.
2 – Para os efeitos do disposto no número anterior, o valor do fogo será o que tiver sido considerado para cálculo do montante do respectivo financiamento.
3 – Quando não for possível determinar o valor do fogo nos termos do número anterior ou quando esse valor for manifestamente inadequado, é considerado o seu valor actualizado, estabelecido nos termos do regime de renda condicionada, tendo em conta o respectivo nível de conforto, estado de conservação, coeficiente de vetustez e área útil e o preço da habitação por metro quadrado.
Artigo 5.º
1 – O valor devido pelo arrendatário é o da renda apoiada.
2 – O valor da renda é determinado pela aplicação da taxa de esforço (T) ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar, sendo a taxa de esforço (T) o valor, arredondado às milésimas, que resulta da aplicação da seguinte fórmula:
T = 0,08 Rc /Smn
Em que:
Rc = Rendimento mensal corrigido do agregado familiar;
Smn = Salário mínimo nacional.
3 – O valor da renda é arredondado para a dezena de escudos imediatamente inferior e não pode exceder o valor do preço técnico nem ser inferior a 1% do salário mínimo nacional.» ([68])

Nos termos do artigo 6.º, para a determinação do valor da renda, os arrendatários devem declarar os respectivos rendimentos à entidade locadora anual, bienal ou trienalmente, conforme opção desta (n.º 1); o «incumprimento do disposto no n.º 1, quer por falta de declaração quer por falsa declaração, determina o imediato pagamento, por inteiro, do preço técnico, sem prejuízo de constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento» (n.º 6).

O artigo 8.º prevê a actualização do preço técnico e a actualização e o reajustamento do montante da renda.

De acordo com o artigo 9.º, compete à entidade locadora a organização dos processos tendentes à determinação do montante da renda (n.º 1), podendo, a todo o tempo, solicitar aos arrendatários quaisquer documentos e esclarecimentos necessários para a instrução e ou actualização dos respectivos processos, fixando-lhes para o efeito um prazo de resposta não inferior a 30 dias (n.º 2); o incumprimento injustificado pelo arrendatário do disposto no número anterior dá lugar ao pagamento por inteiro do respectivo preço técnico (n.º 3).

Na sua derradeira disposição o Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, dispõe:
«Artigo 11.º
1 – O regime de renda apoiada estabelecido nos artigos anteriores pode ser aplicado pelas entidades referidas no artigo 1.º às habitações, adquiridas ou promovidas com o apoio financeiro do Estado, que se encontrem arrendadas para fins habitacionais à data da entrada em vigor do presente diploma.
2 – No acto de adopção do regime de renda apoiada deve a entidade locadora definir:
a) Os fogos e a data a partir da qual este regime passa a ser aplicado;
b) Os critérios utilizados para a determinação do valor do fogo, nos termos do artigo 4.º;
c) O mecanismo utilizado para a actualização das rendas nos termos do artigo 8.º;
3 – A entidade locadora deve ainda, com a antecedência mínima de 30 dias sobre a data a que se refere a alínea a) do número anterior, comunicar por escrito, ao arrendatário, os elementos na mesma definidos, bem como os montantes do respectivo preço técnico e da renda apoiada.
4 – A adopção do regime de renda apoiada estabelecido pelo presente diploma deve ser publicitada pela entidade locadora, no mínimo por três dias, através de anúncios a publicar em jornais locais de maior tiragem e, pelo menos, num jornal de grande tiragem de nível nacional.
5 – Os anúncios a que se refere o número anterior devem identificar a entidade locadora, o órgão desta que deliberou ou decidiu a adopção do regime de renda apoiada, a data da respectiva deliberação ou decisão, os elementos definidos nos termos da alínea a) do n.º 2, bem como os locais onde os arrendatários podem ser esclarecidos sobre a aplicação do regime de renda apoiada.»

13

O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 166/93 remete, quanto ao preço técnico e ao valor do fogo, para o regime da renda condicionada.

Nos termos do disposto no já referido artigo 79.º do RAU de 1990, no regime de renda condicionada, a renda não pode exceder por mês «o duodécimo do produto resultante da aplicação da taxa das rendas condicionadas ao valor actualizado do fogo, no ano da celebração do contrato» (n.º 1); esta taxa é fixada por portaria dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (n.º 2) ([69]).

O valor actualizado dos fogos é o seu valor real, fixado nos termos do Código das Avaliações (artigo 80.º). Enquanto não entrar em vigor o regime previsto no Código das Avaliações, o valor real dos fogos no regime de renda condicionada é calculado nos termos dos artigos 4.º a 13.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de Fevereiro, entretanto substituídos pelo Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro ([70]).

O disposto no artigo 79.º do RAU de 1990 obtém tradução gráfica na fórmula
PT = V x 0,08 / 12,
em que PT quer significar preço técnico ([71]) e V valor actualizado do fogo ([72]).

Vejamos, no que interessa ao objecto do parecer, o Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro, sobre renda condicionada.

O regime de renda condicionada pode resultar da livre negociação das partes, presunção legal ou imposição da lei.

A sua imposição por lei traduz a situação mais expressiva, assumindo especial relevância nos casos de transmissão de arrendamentos antigos, em relação aos quais «o congelamento das rendas durante décadas veio provocar a respectiva desactualização, originando, em consequência, graves distorções no mercado do arrendamento, embora tenha obviado ao surgimento de graves perturbações ou tensões sociais».

A renda condicionada tem na sua génese, como objectivo fulcral, «restabelecer uma relação de equilíbrio entre o valor actualizado do fogo e a necessidade de proporcionar ao proprietário um rendimento não especulativo do capital investido, sem deixar de se atender aos encargos inerentes à propriedade».

No apuramento do valor real dos fogos assumem especial relevo os factores do estado de conservação do fogo e o coeficiente de vetustez.

«Os estudos que recentemente têm vindo a ser efectuados sobre a matéria revelam que a valoração de tais factores e a respectiva fórmula de cálculo podem ser aperfeiçoadas, essencialmente aquando da realização de obras de recuperação dos imóveis degradados e de melhoria das condições de habitabilidade, reflectindo-se de forma mais evidente a diferença entre o valor da renda condicionada nos casos em que não tenha havido realização de obras e naqueles em que as mesmas se tenham concretizado.

«E, nestes pressupostos, actua-se no sentido de incentivar a realização de obras de reabilitação dos prédios urbanos habitacionais arrendados, relevando-se também a necessidade de uma melhor ponderação, na fórmula de cálculo, das áreas de fogos muito pequenas ou muito grandes que têm vindo a provocar distorções no apuramento do valor dos mesmos fogos.» ([73])

O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000 dispõe:
«Artigo 1.º
Valor dos fogos em renda condicionada
1 – O valor actualizado dos fogos sujeitos ao regime de renda condicionada, concluídos há menos de um ano à data do arrendamento, não pode ser superior:
a) Ao preço da primeira transmissão, acrescentado de uma percentagem igual à taxa da sisa aplicada a essa transmissão, acrescida de 2%;
b) Ao valor locativo que resultar da avaliação fiscal, tomando-se o coeficiente 14 como factor de capitalização, quando o fogo seja locado pelo próprio promotor ou construtor.
2 – Nos restantes casos, o valor actualizado dos fogos em regime de renda condicionada será determinado pela fórmula:
V = Au x Pc x [0,85 x Cf x Cc x (1 – 0,35 x Vt) + 0,15]
sendo V o valor actualizado do fogo no ano de celebração do contrato, Cf um factor relativo ao nível de conforto do fogo, Cc um factor relativo ao estado de conservação do fogo, Au a área útil definida nos termos do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, Pc o preço da habitação por metro quadrado e Vt um coeficiente relativo à vetustez do fogo.
3 – No caso do n.º 1, o preço da primeira transmissão não pode ser superior ao que serviu de base à liquidação da sisa ou à declaração relativa à isenção da mesma ou, ainda, ao constante da respectiva escritura de compra e venda, consoante o que for menor.
4 – A renda que resultar da aplicação dos critérios enumerados no n.º 1 não poderá ser superior ao produto resultante da aplicação do factor 1,3 à renda calculada nos termos do n.º 2, sendo o coeficiente de vetustez igual a zero.
5 – Nos fogos com área útil inferior a 50 m2 o valor apurado nos termos do n.º 2 será corrigido pela multiplicação do factor 1, depois de acrescido de 0,01 por cada metro quadrado de área a menos até ao limite de 0,3.
6 – Nos fogos com área útil maior que 100 m2 o valor da área útil (Au) para efeitos da fórmula constante do n.º 2, será determinado nos seguintes termos:
De 100 m2 até 120 m2 - 100 + 0,85 x (Au – 100);
De 120 m2 até 140 m2 - 117 + 0,70 x (Au – 120);
Maior que 140 m2 - 131 + 0,55 x (Au – 140).»

Nos artigos subsequentes explicitam-se os conceitos de nível de conforto do fogo (artigo 2.º), estado de conservação do fogo (artigo 3.º), preço da habitação por metro quadrado (artigo 4.º) e coeficiente de vetustez (artigo 5.º).

Numa segunda parte do diploma estabelece-se o procedimento de recurso da fixação de renda (artigos 6.º a 9.º).

14

Numerosos diplomas têm sido dedicados à alienação de fogos de habitação social ([74]).

Tal alienação tem subjacente um entendimento repetidamente enunciado: por um lado, entende-se que, em vez da promoção directa, deve ser incrementado e apoiado o desenvolvimento de programas promovidos pelas câmaras municipais, cooperativas de habitação e empresas privadas; considera-se, nesta linha que a habitação social deve conter-se em limites estritos e ser encarada como solução provisória ou transitória, para além de que a figura do Estado «administrador de casas» gera desperdícios e irracionalidades; em segundo lugar, a alienação dos fogos não é apenas uma questão económico-financeira como constitui uma medida de alcance social ao proporcionar o acesso à propriedade da habitação a famílias de menores recursos; por último, «na medida em que por razões jurídicas, administrativas e processuais se constata que grande parte do património do Estado não está ainda em situação regular, há necessidade de tomar as medidas necessárias para rapidamente o regularizar, sob pena de se comprometer todos os objectivos e políticas definidas» ([75]).

Apesar desta última justificação, a alienação dos fogos tem sido muitas vezes a única forma de regularização das situações irregulares.

14.1. Neste conspecto, um dos diplomas mais significativos é o Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril ([76]), referido nas cláusulas segunda, n.º 1, alínea c), e quarta do Auto de Cessão.

Este diploma possibilita a alienação dos fogos de habitação social e terrenos pertencentes ao IGAPHE (artigo 1.º) ([77]).

O regime de alienação consta, no essencial, de normas dos artigos 2.º, 4.º e 5.º ([78]):
«Artigo 2.º
Regime de alienação
1 – Os fogos de habitação social arrendados, incluindo as casas de função, podem ser vendidos ao respectivo arrendatário ou cônjuge e, a requerimento destes, aos seus parentes ou afins ou a outras pessoas que com ele coabitem há mais de um ano.
2 – O instituto alienante pode ainda proceder à venda directa, na globalidade, de prédios ou suas fracções, que constituem agrupamentos habitacionais ou bairros às seguintes entidades:
a) Municípios e demais pessoas colectivas de direito público;
b) Pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública;
c) Instituições particulares de solidariedade social.
3 – (...).
4 – (...).
5 – (...).»
«Artigo 4.º
Preço de venda dos fogos
1 – O preço de venda do fogo é o correspondente ao seu valor actualizado, calculado nos termos do artigo 5.º, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 – O preço de venda do fogo pode ser objecto de uma dedução em função do pagamento integral ou do pagamento de uma entrada inicial (...).
3 – (...).
4 – (...).
5 – O preço de venda do fogo é arredondado para o milhar de escudos superior e mantém-se inalterável pelo prazo de um ano a contar da data de aceitação da proposta de venda, findo o qual pode ser actualizado.

Artigo 5.º
Valor actualizado do fogo
1 – O valor actualizado do fogo é calculado de acordo com o n.º 2 do artigo 4.º e artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de Janeiro.
2 – Para efeito do número anterior considera-se:
a) Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o factor Cc (estado de conservação nos fogos de habitação social arrendados) é de 0,68, podendo, para fogos devolutos, variar entre 0,68 e 1, sendo determinado caso a caso pela entidade proprietária;
b) Para efeitos do cálculo de coeficiente de vetustez (Vt) aplica-se a tabela a aprovar por portaria conjunta dos Ministros das Finanças, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Emprego e da Segurança Social;
c) O preço de habitação por metro quadrado é fixado anualmente, por zonas, em Janeiro, por portaria do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ouvido o Ministro do Emprego e da Segurança Social.
3 – Nos fogos propriedade do IGAPHE, excepcionalmente e quando a situação da construção ou da conservação do fogo o justificar, pode o instituto alienante, mediante despacho do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, fixar um factor de valor inferior ao referido na alínea anterior.»

O regime de renda condicionada constante do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de Janeiro, a que alude o n.º 1 deste artigo foi, como vimos, alterado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro, considerando-se feitas para este diploma todas as remissões legais em vigor feitas para os artigos 4.º a 20.º do Decreto-Lei n.º 13/86 (artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000). Remetemos, pois, nesta parte, para a explanação feita sobre a matéria ([79]).

14.2. Na mesma linha de alienação de fogos insere-se a transferência do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV da propriedade de imóveis a que se reporta a consulta.

Desta vez, a alienação tem como suporte normativo próximo os artigos 3.º e 5.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2004).

O artigo 3.º estabelece que a alienação de imóveis pertencentes ao Estado ou a certos organismos públicos depende de autorização prévia do Ministro das Finanças, que fixa, mediante despacho, a afectação do produto da alienação ou da oneração (n.º 1), processando-se preferencialmente, por hasta pública, nos termos e condições definidos pelo Despacho Normativo n.º 27-A/2001, de 31 de Maio, alterado pelo Despacho Normativo n.º 29/2002, de 26 de Abril, ou nos termos que vierem a ser estabelecidos por lei (n.º 2).

O artigo 5.º prevê que o IGAPHE pode, sem exigir qualquer contrapartida e sem sujeição às formalidades previstas no artigo 3.º, transferir para os municípios, empresas municipais ou de capital maioritariamente municipal, ou para instituições particulares de solidariedade social ou para pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, desde que prossigam fins assistenciais e demonstrem capacidade para gerir os agrupamentos habitacionais ou bairros a transferir, a propriedade de prédios ou suas fracções que constituem agrupamentos habitacionais ou bairros, incluindo os espaços existentes de uso público, equipamentos, arruamentos e restantes infra-estruturas, bem como os direitos e obrigações a estes relativos e aos fogos em regime de propriedade resolúvel (n.º 1); a transferência efectua-se por auto de cessão de bens, o qual constituirá titulo bastante de prova para todos os efeitos legais (n.º 2).

Algum tempo depois, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio, aprovou a metodologia e os critérios para selecção das entidades às quais, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, poderá ser transmitido o património do IGAPHE.

É no quadro desta resolução que se desenrola o procedimento que conduziu à selecção da Fundação D. Pedro IV como cessionária do património transferido pelo IGAPHE pelo Auto de Cessão de 1 de Fevereiro de 2005.

Entretanto, a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), retoma nos artigos 3.º e 4.º, com grande proximidade literal, o conteúdo dos artigos 3.º e 5.º da Lei do Orçamento anterior ([80]).

Assim, o artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, invocado na cláusula primeira do Auto de Cessão, reproduz, nos n.os 1 e 2, o artigo 5.º da Lei n.º 107-B/2003, a que adita, nos n.os 4 e 5, matéria inovatória:
«Artigo 4.º
Transferência de património edificado para os municípios
1 – O Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) pode, sem exigir qualquer contrapartida e sem sujeição às formalidades previstas no artigo 3.º, transferir para os municípios, empresas municipais ou de capital maioritariamente municipal, para instituições particulares de solidariedade social ou para pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, desde que prossigam fins assistenciais e demonstrem capacidade para gerir os agrupamentos habitacionais ou bairros a transferir, a propriedade de prédios ou suas fracções que constituem agrupamentos habitacionais ou bairros, incluindo os espaços existentes de uso público, equipamentos, arruamentos e restantes infra-estruturas, bem como os direitos e obrigações a estes relativos e aos fogos em regime de propriedade resolúvel.
2 – A transferência do património referida no número anterior efectua-se por auto de cessão de bens, o qual constituirá titulo bastante de prova para todos os efeitos legais, incluindo os de registo.
3 – Após transferência do património, poderão as entidades beneficiárias proceder à alienação dos fogos aos respectivos moradores nos termos do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de Agosto.
4 – O arrendamento dos fogos destinados a habitação fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.»

O regime peculiar da «transferência de património edificado» prevista no artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004 ([81]) não deixa de constituir uma especificação da figura da cessão, no quadro mais vasto do Decreto-Lei n.º 97/70, de 13 de Março.

A cessão prevista para a transferência do património é uma cessão de carácter definitivo pois transfere-se a propriedade dos prédios ou suas fracções (n.º 1 daquele artigo 4.º). A faculdade de resolução do contrato, prevista na cláusula décima do Auto de Cessão – tal como no regime geral da cessão se prevê a reversão dos bens (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 97/70) – não altera aquela qualificação.

Estamos, pois, nos termos atrás referidos, perante um contrato administrativo, asserção que se mostra adequada à presente situação, em que o Auto de Cessão «celebrado» ([82]) entre o IGAPHE e a Fundação D. Pedro IV enuncia, no respectivo clausulado, os direitos e obrigações de cada uma das partes.

Sobre o regime de invalidade dos contratos administrativos rege o artigo 185.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA): são nulos ou anuláveis, nos termos deste Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração (n.º 1); para além disso, à invalidade dos contratos administrativos aplica-se o regime de invalidade fixado no CPA ou, então, o do Código Civil, consoante o contrato de que se trata seja passível de acto administrativo ou de contrato de direito privado (n.º 3).

Quando a sua administratividade não resulta da lei, o contrato administrativo com objecto passível de direito privado surge numa área em que «a entidade pública contratante poderia agir no âmbito da sua capacidade jurídica de direito privado», resultando então a administratividade do contrato «de as partes o terem expressamente submetido a um regime substantivo de direito público».

As partes dispõem de uma liberdade geral de fixação do conteúdo do contrato, o que, em relação à entidade pública, «significa a liberdade para agir dentro dos mesmos limites da sua capacidade de direito privado (naturalmente dentro das suas atribuições: princípio da especialidade). A construção do conteúdo do contrato rege-se, neste caso, por uma regra de liberdade e, do ponto de vista do princípio da legalidade da administração, por uma mera exigência de compatibilidade.»

Nos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo, a Administração «poderá inserir no contrato apenas os efeitos jurídicos de direito administrativo concretamente previstos numa lei. O princípio da legalidade administrativa reclama aqui uma exigência de conformidade do contrato com a lei».

«Mas o princípio da conformidade do conteúdo do contrato à lei, ou seja, a exigência de que o conteúdo inserido nas cláusulas contratuais encontre correspondência numa norma legal, não pode abranger todo o contrato; se for esse o caso, e, portanto, se à Administração não for reconhecido pelo legislador um poder próprio para desenhar certos aspectos do concreto conteúdo de uma relação jurídica (poder discricionário), não há espaço para negociação, e o contrato não é aí, em princípio possível.

«A Administração Pública pode, por conseguinte, usar o contrato administrativo no âmbito das relações jurídicas administrativas também conformáveis por acto administrativo quando for titular de um poder discricionário, em cujo exercício pode estipular o designado conteúdo administrativo extra-típico do contrato».

Fala-se ainda neste contexto em contratos administrativos com objecto misto, que contêm cláusulas e efeitos típicos de direito administrativo e cláusulas próprias de contrato de direito privado ([83]).

Será porventura esta última a qualificação mais apropriada para o Auto de Cessão celebrado entre o IGAPHE e a Fundação D. Pedro IV, sem embargo de não se mostrar imprescindível uma vinculação dogmática sobre a matéria.

15

Nos termos do n.º 1 do artigo 266.º da Constituição, a Administração Pública «visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».

Com um conteúdo idêntico, o artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) estabelece que compete aos órgãos administrativos «prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».

São dois os princípios formulados nestas disposições: o da prossecução do interesse público e o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

A ligação da actuação da Administração ao interesse público tem um duplo significado: por um lado constitui uma manifestação da sujeição da actividade administrativa à lei, por outro, «significa também que em toda a actuação administrativa há-de ser considerada e valorizada juridicamente uma dimensão teleológica finalística, seja para invalidar juridicamente (por desvio de poder), seja para “condenar” aquele que, actuando como Administração, se decidiu (intencionalmente ou não) com intuitos diversos da prossecução do interesse público» ([84]).

Em sentido amplo, interesse público é «o interesse colectivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem comum»; em sentido restrito, o interesse público «representa a esfera das necessidades a que a iniciativa privada não pode responder e que são vitais para a comunidade na sua totalidade e para cada um dos seus membros» ([85]).

Pode distinguir-se entre interesse público primário e interesses públicos secundários: o interesse público primário é aquele cuja definição e satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa: é o bem comum nacional; os interesses públicos secundários são aqueles cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja satisfação cabe à Administração pública no desempenho da sua função administrativa» (por ex., a segurança pública, a educação, a saúde ou os transportes colectivos) ([86]).

Os interesses públicos secundários surgem, em relação ao interesse público primário, como interesses instrumentais: os interesses dizem-se secundários porque correspondem às necessidades colectivas que as autoridades vão procurar satisfazer através de meios institucionais e materiais próprios, a fim de realizar os objectivos fundamentais da comunidade política ([87]).

Os «interesses legalmente protegidos dos cidadãos» englobam o interesse indirectamente protegido e o reflexamente protegido.

O interesse indirectamente protegido é o «que merece protecção imediata da legalidade vigente, mas em posição secundária, subalterna em relação a outro interesse, que, esse, pode justificar ou não a atribuição de direito subjectivo»; o interesse reflexamente protegido «é um interesse que não é objecto de protecção imediata, mesmo indirecta, pela lei» ([88]).

O princípio do respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos significa que a actuação da Administração tem como limite inultrapassável o respeito por posições jurídicas de outras pessoas com quem essa actuação brigue ([89]).

Num Estado de direito, a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos «encontram-se indissoluvelmente ligadas, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares» ([90]).

16

Do regime jurídico do contrato administrativo, importa agora aludir à modificação do contrato administrativo, pressuposta na questão enunciada sob o n.º 6 ([91]).

A modificação do contrato administrativo pode ocorrer por acordo entre a Administração e o co-contratante ou de forma unilateral: a primeira modalidade extrai-se da própria definição de contrato administrativo, que abrange, segundo o artigo 178.º, n.º 1, do CPA, tanto a constituição como a alteração de relação jurídica administrativa por acordo das partes; a segunda a que sobremaneira nos interessa – encontra guarida expressa na alínea a) do artigo 180.º do mesmo Código, onde se confere à Administração o poder de «[m]odificar unilateralmente o conteúdo das prestações desde que respeite o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro».

«O poder de modificação unilateral do contrato, ou ius variandi, é genericamente considerado como o poder mais característico e notável que a Administração detém no âmbito do contrato administrativo.

«Trata-se de um poder fundado em razões de interesse público, em cujos termos a entidade pública contratante fica autorizada a impor uma alteração ao contrato que celebrou quando, do seu ponto de vista, o interesse público o reclama.» ([92]).

Nos termos do artigo 180.º, alínea a), do CPA, o poder de modificação unilateral visa o «conteúdo das prestações» e tem por limites o «objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro».

A expressão «conteúdo das prestações» «não deve ser entendida em termos demasiado rigorosos, porque abrangem-se aí também as diversas condições ou termos convencionados para as prestações, de modificação muito mais frequente, de resto, que o seu conteúdo» ([93]).

O respeito pelo objecto do contrato, enquanto limite do poder de modificação, radica fundamentalmente em duas razões: «por um lado, visa-se proteger o particular co-contratante não o constituindo no dever jurídico de realizar uma actividade diversa da originariamente convencionada (x); por outro lado, pretende-se salvaguardar os interesses públicos da transparência, publicidade, concorrência, objectividade, igualdade e imparcialidade que regem o procedimento pré-contratual de selecção e escolha do co-contratante.

«O preceito vai ao encontro da tese da intangibilidade do objecto do contrato, defendida pela doutrina tradicional (x1) (-) e que teve entre os seus principais apoiantes Marcello Caetano.

«(...).

«Verifica-se, desta forma, que a doutrina maioritária converge no sentido de a prerrogativa de modificação unilateral apenas poder ser exercida para introduzir modificações no regime das prestações do particular co-contratante (-).

«A Administração há-de gozar de certa margem de discricionaridade para alterar o quantitativo ou forma das prestações ou as condições jurídicas e técnicas da execução. Mas há-de agir em conformidade com as necessidades concretas de interesse público, e não poderá ultrapassar o ponto em que essa actividade “deixe de ser o que é” (x2), passando a ser algo diverso daquilo que se convencionou.» ([94])

Os poderes exercidos pelas entidades públicas ao abrigo do artigo 180.º do CPA são – segundo a doutrina e a jurisprudências maioritárias – poderes públicos, poderes de direito administrativo exercidos através de actos administrativos no âmbito da auto-tutela declarativa ([95]).

17

Das seis questões formuladas, quatro reportam-se ao Auto de Cessão: a primeira, a segunda, a terceira e a quinta. A quarta e a sexta não.

Destas, a última assume como que uma feição preliminar. Por ela começaremos, abordando depois a quarta. As questões restantes serão abordadas a seguir, na sua ordem sequencial.

18

Pergunta-se:

«6. Qual o regime de renda que efectivamente vigorava em relação aos fogos transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV. E qual deverá ser o regime de renda aplicável.»

Nesta formulação enunciam-se duas questões: a de saber qual «o regime de renda que efectivamente vigorava em relação aos fogos transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV» e a de saber «qual deverá ser o regime de renda aplicável».

18.1. O alcance da primeira, nos termos em que está formulada, não se afigura linear. O tempo verbal utilizado e a alusão à transferência indiciam que se pretenderá saber qual o regime de renda que vigorava em relação aos fogos transferidos no momento da transferência.

Com este sentido, mais do que uma questão estritamente jurídica, está em causa a concretização de uma dada situação de facto.

Mas a resposta não estará patente na matéria de facto atrás recenseada, em que se afirma que nos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios «os regimes de rendas praticados são» o «regime de renda social – de acordo com o previsto na Portaria n.º 288/83, de 17 de Março» e o «regime de renda apoiada – regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio» [2-u) e v)]?

Parece, todavia, mais provável que, com estas afirmações se tenha pretendido dizer – em consonância com o que se refere nas subsequentes alíneas x) e z) – que estes regimes são praticados nos Bairros de Chelas em relação à generalidade dos fogos, mas não em relação aos 1445 transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV. E será justamente quanto a estes que se pretende saber o regime de rendas que se encontrava em vigor à data da transferência.

Assim precisado o sentido da 1.ª parte da questão n.º 6, a resposta continua a passar pela indagação de uma determinada situação de facto.

E a resposta possível, nos termos e face aos elementos de prova disponíveis, poderá ser a seguinte.

A «primeira vaga» de ocupações (até 10 de Maio de 1974) foi inicialmente regulada pelo despacho do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974, complementado pelos despachos, da mesma entidade, de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975 [supra, 2-d), e) e f)].

A «segunda vaga» (Novembro de 1974), por despacho do mesmo Secretário de Estado de 7 de Setembro de 1976, foi sujeita ao mesmo regime [supra, 2-g)].

Todavia, o mesmo não se pode afirmar «sem margem para dúvida» em relação à «terceira vaga» (3 e 4 de Abril de 1975) [supra, 2-h)]. Mas parece poder concluir-se, apesar da fluidez da prova, que mesmo estas ocupações acabaram por se reconduzir ao regime dos despachos governamentais citados ([96]).

Isto é, os elementos de facto já referidos [2-d), g), h), i) e j)] apontam no sentido de que o regime de rendas praticado em relação à generalidade das ocupações das três «vagas» era o definido por esses despachos, porventura, num ou noutro caso, com alguma aproximação ao regime da Portaria n.º 386/77, de 25 de Junho (mesmo da Portaria n.º 288/83, de 17 de Março), de acordo com o Despacho do Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção de 22 de Agosto de 1977 [cfr. supra, 2-n), o) e x)].

Só assim se compreende a afirmação de que nos Bairros de Chelas «não se chegou a efectuar uma actualização generalizada de rendas, verificando-se que em muitos casos se mantiveram rendas fixas durante cerca de 25 a 30 anos».

Esta conclusão, no sentido da tendencial parificação do regime das rendas em relação às «três vagas», de ocupações não exclui que possam existir situações particulares em que seja diverso o regime praticado.

Além disso, importa advertir que a cristalização das rendas não significa que tenha sido pactuado um regime de «renda fixa», mas tão-só que as rendas permaneceram inalteradas não obstante o decurso de um largo período de tempo.

18.2. A segunda parte da questão n.º 6 – saber «qual deverá ser o regime de renda aplicável» – obtém na lei, ao menos no plano formal, uma resposta tabelar: o arrendamento dos fogos destinados a habitação integrados nos agrupamentos habitacionais ou bairros transferidos pelo IGAPHE, designadamente para a Fundação D. Pedro IV, «fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio» (artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro).

É esta disposição que vem a ser reproduzida na cláusula 5.ª do Auto de Cessão.

Aliás, a sujeição ao regime de renda apoiada dos prédios construídos ou adquiridos pelo Estado e seus organismos autónomos, institutos públicos e autarquias locais estava já prevista tanto no artigo 9.º da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, como no artigo 82.º, n.º 2, do RAU.

Porém, tal previsão nunca, em relação ao arrendamento dos fogos agora em causa, chegou a ser concretizada.

E o que se poderá questionar é se, na aplicação deste regime, não deveriam, no caso presente, ter sido introduzidas modulações ou exigências complementares que de algum modo amortecessem os efeitos de uma aplicação «cega» e porventura imprevista de tal regime. Retomaremos, mais à frente, esta interrogação ([97]).

19

«4. Averiguar se existem compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores do património transferido do Bairro das Amendoeiras em Lisboa e quais os seus efeitos jurídicos perante a Fundação.»

Na sua aparente singeleza, a questão poderia ser colocada ou ao IGAPHE (que não deixará de conhecer compromissos porventura assumidos) ou aos moradores (que os saberão concretizar); uma vez identificados, apurar-se-ia a respectiva relevância jurídica.

A sua devolução, nos termos expostos, ao Conselho Consultivo sugere a indagação («averiguação») de matéria de facto, tarefa para a qual o Conselho não se encontra estatutariamente vocacionado.

Assim, uma tomada de posição sobre a matéria assenta forçosamente nos elementos de prova que nos foram facultados. Recordada esta advertência, importa acrescentar o seguinte.

A alusão a «compromissos juridicamente válidos» remete para a existência de direitos subjectivos ou, ao menos, de expectativas jurídicas.

O direito subjectivo traduz-se no poder conferido a uma pessoa pela ordem jurídica com vista à tutela de um direito ou interesse; em formulação mais precisa, diz-se que é «o poder jurídico de realização de um fim de determinada pessoa, mediante a afectação jurídica de um bem» ([98]).

A expectativa jurídica traduz «a situação juridicamente relevante de tutela de interesses durante o curso de constituição (ou aquisição) de um direito, cuja constituição (ou aquisição) depende de um facto complexo de produção sucessiva» ([99]).

A noção vulgar de expectativa representa uma atitude psicológica, «a esperança, mais ou menos fundada, de beneficiar de uma possível aquisição futura» ([100]).

Ao contrário, a expectativa jurídica, reportando-se a direitos «cuja constituição ou aquisição é de gestação demorada», «supõe que já começou a produzir-se o facto complexo, de formação sucessiva, donde há-de vir a resultar, quando concluído, um direito ou a sua atribuição a determinada pessoa»; durante o período de pendência, o interessado está constituído numa expectativa jurídica, «porque beneficia de uma protecção legal, traduzida em providências tendentes a defender o interesse do titular e a assegurar-lhe, quanto possível, a aquisição futura do direito» ([101]) ([102]).

O Auto de Cessão identifica «compromissos juridicamente válidos» que vinculavam o IGAPHE e que passaram a vincular a Fundação D. Pedro IV: o respeito pelos «contratos-promessa de compra e venda celebrados pelo IGAPHE ou pelas entidades que o antecederam», pelos «compromissos de venda assumidos pelo IGAPHE nos termos do disposto do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril», e pelos «acordos celebrados pelo IGAPHE com os respectivos moradores e ex-moradores relativos à regularização das rendas em dívida» encontram-se entre as obrigações que a cessionária se compromete a respeitar [cláusula segunda, n.º 1, alíneas b), c) e f)].

Para além destas situações, na documentação remetida há referências a promessas relacionadas com a transmissão da propriedade dos fogos, com o pagamento de uma «renda fixa» e com a não aplicação do regime de renda apoiada, bem como a acordos, nesse sentido, dos moradores com o FFH e o IGAPHE ([103]).

Não existe, porém, nos elementos facultados, qualquer suporte comprovativo de tais promessas ou acordos.

O que, nesta parte, cabe acentuar é que não existem, em relação às matérias referidas, elementos probatórios bastantes para identificar, entre o que pode ser qualificado como expectativas de facto dos moradores, «compromissos juridicamente válidos», sejam direitos subjectivos sejam expectativas jurídicas.

Mas cumpre advertir que onde, se e quando esses compromissos existirem, os mesmos não poderão deixar de ser assumidos e respeitados pelo IGAPHE, que deverá igualmente assegurar o respeito dos mesmos pela Fundação D. Pedro IV; só a sua concreta identificação e configuração permitirá a adequação desta tomada de posição genérica.

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«1. Apreciação da legalidade do auto de cessão que operou a transferência do património habitacional do IGAPHE no concelho de Lisboa para a Fundação D. Pedro IV.»

O Auto de Cessão configura, em si mesmo, a formalização de uma das modalidades de alienação de património do domínio privado do Estado, a cessão a título definitivo.

Fez-se menção à existência, nos termos legais (artigo 182.º do CPA), de procedimento prévio destinado à escolha do co-contratante, mas não vem colocada qualquer questão relacionada com o procedimento de formação do contrato.

A cessão tem a natureza de contrato administrativo, aqui traduzido no Auto de Cessão celebrado a 1 de Fevereiro de 2005 entre o IGAPHE e a Fundação D. Pedro IV.

Vejamos o conteúdo do Auto de Cessão.

20.1. O contrato, elaborada e aprovada a respectiva minuta, foi celebrado por escrito mediante a elaboração do Auto de Cessão, pelo qual o IGAPHE transfere para a Fundação D. Pedro IV, e esta aceita, «sem quaisquer contrapartidas o direito de propriedade e os direitos e obrigações sobre» sobre uma série de bens.

Estes bens, que constituem o objecto mediato do contrato são identificados na cláusula primeira: por um lado, um conjunto de prédios urbanos e fracções autónomas de prédios urbanos de diversos bairros do concelho de Lisboa, descritos em anexo ao Auto [alínea a)]; por outro, «[o]s espaços exteriores de uso público, equipamentos, arruamentos e restantes infra-estruturas que fazem parte integrante dos Bairros identificados na alínea anterior» [alínea b)].

A definição, nos termos referidos, do objecto da cessão suscita, em relação à alínea b), apreensão.

Nos Bairros em causa ([104]) haverá com certeza espaços ou equipamentos de uso comum dos moradores, bem como espaços e arruamentos públicos.

A inserção no mesmo conjunto de bens de diversa natureza não causaria perplexidade se os mesmos tivessem sido transferidos para o município de Lisboa, o seu destinatário, digamos, natural.

Na verdade, tanto o artigo 5.º da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, com o artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, têm a epígrafe de «transferência de património edificado para os municípios», entidades que encabeçam a enumeração dos destinatários possíveis do património do IGAPHE e que no enquadramento legal anterior tinham preferência na transmissão. Sucede que, como se reconhece na justificação de motivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio, nuns casos não aceitaram o património e noutros fizeram-na depender de condições não previstas na lei.

Nas situações em que o município figura como destinatário dos bens a transferir pelo IGAPHE, a menção a «espaços exteriores de uso público» ou a «arruamentos», apesar de causar alguma estranheza, acabaria por revestir carácter expletivo ou redundante, na medida em que se trata de bens que, por regra, nos termos da lei, já faziam parte integrante do domínio público municipal.

Quando o cessionário é uma entidade privada, ainda que instituição particular de solidariedade social, como a fundação D. Pedro IV, as coisas não podem ser vistas com esta relativa indiferença.

É certo que a própria lei prevê a transferência da «propriedade de prédios ou suas fracções que constituem agrupamentos habitacionais ou bairros» inclua «os espaços existentes de uso público, equipamentos, arruamentos e restantes infra-estruturas» [cfr. o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004 ([105])].

Mas, como dissemos, esta previsão dirige-se primacialmente e em toda a sua extensão, aos casos em que a transferência é feita para os municípios; além disso, não dispensa a concreta discriminação dos bens a transferir em cada situação concreta. Quando o destinatário dos bens é outra entidade a identificação dos bens a transferir requer cautelas adicionais.

No caso presente, porque se trata de coisas fora do comércio (artigo 202.º, n.º 1, do Código Civil), não se afigura legalmente possível que a propriedade de bens que integram o domínio público seja transferida para uma entidade privada como a Fundação D. Pedro IV ([106]).

A essa impossibilidade não obsta a circunstância de a alínea b) da cláusula primeira reproduzir um segmento do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-‑B/2004, pois é a própria Constituição que integra no domínio público as estradas [artigo 84.º, n.º 1, alínea d)], conceito que abrange ([107]), quaisquer vias públicas, designadamente, quanto aos municípios, as ruas e as praças.

Isto é, o n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, na interpretação de que o IGAPHE pode transferir para uma entidade privada bens pertencentes ao domínio público municipal, poderá ser materialmente inconstitucional, por violação do artigo 84.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.

Cremos, todavia, que será possível obviar a este resultado mediante a interpretação daquela norma em conformidade com a Constituição.

Perante normas polissémicas ou pluri-significativas, especialmente nos casos «em que de antemão se consente uma interpretação mais restritiva e uma interpretação mais extensiva», o intérprete deverá «decidir-‑se a favor daquele sentido da letra que conduza à compatibilidade da disposição legal interpretada com a Constituição e os seus princípios».

A interpretação conforme à Constituição traduz-se em que a referência do sentido de cada norma ao ordenamento jurídico global «chama a campo uma ‘interpretação sistemática’, fá-la correr em auxílio de uma pura ‘interpretação gramatical’», tendo de particular «o facto de aquela referência ou conexidade do sentido render tributo simultaneamente à elevada hierarquia e à grande capacidade irradiante da Constituição» ([108]).

Coincidentemente, Jorge Miranda ([109]) afirma que, numa acepção genérica, a interpretação conforme à Constituição se traduz, antes de mais, em conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à referência à Constituição: «cada norma legal não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isto tanto mais quanto mais se tem dilatado a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva».

O artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (como disposições equivalentes de outras leis do orçamento), manifesta, quanto aos possíveis destinatários do património do IGAPHE, uma clara preferência pelos municípios, traduzida, no plano literal, pelo teor da epígrafe e pela precedência na enumeração dos possíveis destinatários.

Assim, na sua compatibilização com o disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, a parte final do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-‑B/2004, quando a transferência é feita para uma instituição particular de solidariedade social, deve ser interpretada restritivamente, de modo a que a transferência não possa abranger bens do domínio público municipal, designadamente ruas e praças.

Fixado este alcance para o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, a alínea b) da cláusula primeira do Auto de Cessão é enferma de nulidade na parte em que inclui no objecto da cessão coisas do domínio público (artigos 202.º, n.º 2, e 280.º, n.º 1, do Código Civil).

A nulidade parcial daquela cláusula não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada (artigo 292.º do Código Civil).

A conclusão idêntica chegamos se considerarmos que nos encontramos perante um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo: o acto continua a ser nulo por impossibilidade do objecto [artigo 133.º, n.º 2, alínea c), do CPA], havendo também, por analogia, lugar à redução do negócio jurídico.

20.2. Outra cláusula que suscita reservas é a cláusula 5.ª, onde se consigna que o arrendamento dos fogos destinados a habitação fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.

Dado que a questão n.º 3, que analisaremos dentro em pouco, se desdobra em aspectos relacionados com o regime da renda apoiada, reservaremos para esse momento a análise de toda a matéria relativa à aplicação desse regime de renda.

20.3. Das restantes, a cláusula segunda enuncia, com carácter exemplificativo, direitos e obrigações que impendem sobre a Fundação D. Pedro IV.

A cláusula terceira dispõe sobre a produção de efeitos.

A cláusula quarta versa sobre a alienação dos fogos, que deverá obedecer aos termos e condições constantes do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril.

As cláusulas sexta e sétima estabelecem o regime de ocupação dos fogos que venham a vagar.

A cláusula oitava impõe à cessionária a obrigação de apresentar anualmente o relatório e contas do exercício do ano anterior que demonstrem a gestão do património transferido, designadamente no que respeita a novos arrendamentos e à alienação de fracções.

A cláusula nona prescreve que o incumprimento das cláusulas quarta a oitava faz incorrer a cessionária na obrigação de indemnizar, sem prejuízo da faculdade de resolução do contrato, a qual pode, em geral, ocorrer no caso de «incumprimento das obrigações previstas no presente auto de cessão», de acordo com a cláusula décima.

Afigura-se-nos que estas cláusulas não suscitam questões de legalidade, sem embargo de poderem sugerir observações em relação à sua (in)suficiência com vista a satisfazer o interesse público e em relação ao acautelamento de interesses dos moradores. Trata-se de aspectos relacionados com outras questões e que serão abordados na elaboração das respectivas respostas.

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«2. Avaliação da suficiência e adequação das cláusulas e condições estabelecidas no auto de cessão para assegurar o interesse público na boa gestão do património habitacional transferido.»

Nos termos da Constituição (artigo 266.º, n.º 1) e da lei (artigo 4.º do CPA), a prossecução do interesse público está forçosamente ligada ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

A actividade administrativa deve igualmente reger-se pelos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 5.º do CPA): o princípio da igualdade implica o tratamento igualitário de todos os particulares; o princípio da proporcionalidade implica que as decisões ou medidas administrativas devem ser adequadas aos objectivos a prosseguir (princípio da adequação), necessárias ou exigíveis (princípio da necessidade) e proporcionadas, no sentido de não poderem ser infligidos sacrifícios excessivos aos administrados (princípio da proporcionalidade em sentido estrito) ([110]).

O interesse público determinante da transferência dos prédios e fracções autónomas identificados no Auto de Cessão assenta em razões de ordem económico-financeira e em razões de alcance social: por um lado, considera-se que, no domínio da habitação social, o papel do Estado deve traduzir-se, não na sua promoção directa, mas no apoio e incentivo à actuação das autarquias, cooperativas de habitação e empresas privadas; por outro, visa-se proporcionar o acesso à propriedade da habitação a famílias de menores recursos ([111]).

No outro pólo encontramos os «direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos», expressão «suficientemente ampla para abranger todas as posições jurídicas dos particulares merecedoras de protecção, e não apenas os clássicos direitos subjectivos» ([112]).

Demos já conta ([113]) da dificuldade em identificar, no relacionamento entre o FFH/IGAPHE e os moradores e face à documentação disponível, «compromissos juridicamente válidos» para além dos referidos na cláusula segunda, n.º 1, alíneas b), c) e f), do Auto de Cessão. Por prudência, salvaguardamos a eventualidade de existências de outros compromissos devidamente sustentados, que, nesta medida, deverão ser respeitados.

Em todo o caso, entre os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos afectados pela transferência da propriedade dos prédios e fracções autónomas do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV encontra-se a satisfação do direito à habitação dos respectivos moradores, para o que contam poder continuar a beneficiar das habitações nas condições ou em condições próximas daquelas em que, até aqui, o vinham fazendo.

Na ponderação do modo como, no caso presente, a Administração deu satisfação ao princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos particulares, poderá dizer-se que a solução alcançada sobrevalorizou a perspectiva económico-financeira e menosprezou a dimensão social implicada.

Isto não significa que seja ilegítima a previsão da aplicação, na situação concreta, do regime de renda apoiada; significa, sim, que nessa aplicação não terão sido adoptados procedimentos previstos na lei, susceptíveis de viabilizar uma melhor harmonização entre a prossecução do interesse público e a satisfação dos direitos e interesses dos moradores.
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«3. Apreciação da validade das exigências que a Fundação faz aos moradores, tendo sobretudo em conta o auto de cessão e os compromissos anteriormente assumidos em relação aos moradores, designadamente no que concerne ao regime de rendas e modo de actualização; fórmula de cálculo da renda técnica; cominação da resolução do contrato por não resposta oportuna ao questionário; e o facto de não ser tido em conta as obras de beneficiação feitas pelos moradores no cálculo da renda.»

Se bem entendemos esta questão, pretende-se que o Conselho Consultivo, tendo como pontos de referência o conteúdo do Auto de Cessão e «os compromissos anteriormente assumidos em relação aos moradores», aprecie a validade das exigências que a Fundação D. Pedro IV faz aos moradores quanto aos seguintes aspectos:

– Regime de rendas e modo de actualização;
– Fórmula de cálculo da renda técnica;
– Cominação da resolução do contrato por não resposta oportuna
ao questionário;
– Facto de, no cálculo da renda, não se atender às obras de
beneficiação feitas pelos moradores.

Dos dois pontos de referência, o Auto de Cessão constitui a formalização da espécie contratual utilizada e tem um conteúdo conhecido, atrás analisado; quanto aos «compromissos anteriormente assumidos em relação aos moradores», continuamos a ter dificuldade na sua identificação e concretização; as entidades públicas que se sucederam na gestão e administração do património agora transferido (o FFH e o IGAPHE) terão porventura elementos susceptíveis de caracterizar tais compromissos, o Conselho Consultivo não.

Os compromissos que, face à documentação fornecida, conseguimos assinalar encontram-se descritos na cláusula segunda do Auto de Cessão: contratos de arrendamento e de comodato, escritos ou verbais, celebrados pelo IGAPHE ou pelas entidades que o antecederam [alínea a)]; contratos-promessas de compra e venda celebrados pelas mesmas entidades [alínea b)]; compromissos de venda assumidos pelo IGAPHE nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril [alínea c)]; e acordos entre o IGAPHE e moradores sobre a regularização de rendas em dívida [alínea f)].

O respeito por estes compromissos está assegurado na cláusula segunda e o seu incumprimento constitui motivo de resolução do contrato, nos termos da cláusula décima.

Quaisquer outros «compromissos», a existirem, deverão ser identificados ou pelo IGAPHE ou pelos moradores, cabendo, neste caso, à Administração agir em conformidade com as normas e princípios que regem a actividade administrativa.

As diversas vertentes em que se desdobra a questão n.º 3 nada têm a ver com os compromissos constantes da cláusula segunda: estão todas relacionadas com a aplicação do regime de renda apoiada ao arrendamento dos fogos destinados à habitação.

É neste contexto que serão analisadas.

22.1. A cláusula 5.ª do Auto de Cessão estabelece que o arrendamento dos fogos destinados a habitação fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.

Esta cláusula resulta directamente da lei, reproduzindo ipsis verbis o disposto no n.º 4 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

Como vimos ([114]), o artigo 65.º da Constituição configura o direito à habitação como um direito a prestações do Estado, que fica, designadamente, incumbido de estimular o acesso à habitação própria ou arrendada.

Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que o direito à habitação, numa dimensão negativa – em que assume a natureza de direito análogo aos «direitos, liberdades e garantias» – determina o dever de abstenção do Estado de actuações que originem a privação arbitrária ou impeçam o acesso à habitação; este entendimento é aplicável tanto à propriedade como ao arrendamento.

A previsão de que o arrendamento de habitação social, mormente o de prédios construídos ou adquiridos pelo Estado e seus organismos autónomos, fica sujeito ao regime de renda apoiada, tem sido uma constante entre nós. Mas tem também sido uma constante a não concretização dessa previsão em relação a arrendamentos antigos.

Enquanto o IGAPHE deteve a gestão do património transferido para a Fundação D. Pedro IV, não foi utilizada a faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93.

A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, depois de, à semelhança da Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, prever a transferência de património edificado para os municípios (e outras entidades, como instituições particulares de solidariedade social), acrescenta, de forma explícita, que o arrendamento dos fogos destinados à habitação transferidos «fica sujeito ao regime de renda apoiada, nos termos do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio» (artigo 4.º, n.º 4).

Não existe obstáculo de princípio a esta estatuição legal, mas há-de ter-se em conta que a aplicação do regime de renda apoiada na situação presente requer, nos termos do próprio Decreto-Lei n.º 166/93, cautelas particulares.

Vejamos.

O regime de renda apoiada regulado no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, visa, em primeira linha, «os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os das adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado» (artigo 1.º, n.º 2).

Em segunda linha, prevê-se que o regime de renda apoiada «pode ser aplicado pelas entidades referidas no artigo 1.º às habitações, adquiridas ou promovidas com o apoio financeiro do Estado, que se encontrem arrendadas para fins habitacionais à data da entrada em vigor do presente diploma» (artigo 11, n.º 1) ([115]).

Na primeira hipótese, a disposição do artigo 1.º, n.º 2, tem carácter preceptivo, na segunda, o n.º 1 do artigo 11.º constitui uma norma dispositiva ou concessiva: permite-se ou autoriza-se a aplicação do regime da renda apoiada às habitações que se encontrem arrendadas à data da entrada em vigor do diploma ([116]).

A circunstância de as habitações se encontrarem arrendadas justifica esta diferença e reclama da entidade locadora uma actividade de mediação e de concretização do regime.

É o que resulta do n.º 2 do mesmo artigo 11.º:

«2 – No acto de adopção do regime de renda apoiada deve a entidade locadora definir:
a) Os fogos e a data a partir da qual este regime passa a ser aplicado;
b) Os critérios utilizados para a determinação do valor do fogo, nos termos do artigo 4.º;
c) O mecanismo utilizado para a actualização das rendas nos termos do artigo 8.º»

Com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º, o legislador – face à «acentuada e acelerada degradação do parque habitacional afecto ao arrendamento social» ([117]) – impõe à entidade locadora o dever de adequar a implementação do regime de renda apoiada às circunstâncias específicas da sua concretização.

A aplicação em 2005/2006 do regime de renda apoiada a rendas fixadas há cerca de trinta anos, demandaria que ao dever imposto à entidade locadora pelo n.º 2 do artigo 11.º não fosse dada apenas satisfação formal, através da mera reprodução das fórmulas legais e do diferimento por seis meses da cobrança das novas rendas (a par do desconto de 30% no primeiro ano), mas que se fixasse um período de tempo significativo com vista à aplicação progressiva e faseada do regime de renda apoiada ([118]).

Cremos ser esta a melhor interpretação do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93, a qual encontra um apoio claro no lugar paralelo do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro ([119]).

O NRAU estabelece um regime especial de actualização de rendas antigas, traduzido no estabelecimento de uma actualização faseada do valor da renda ao longo de períodos de tempo variáveis entre dois e dez anos, sendo de cinco anos o período regra (artigos 38.º a 41.º), a que acresce a fixação de um período de vacatio legis de 120 dias (artigo 65.º).

No confronto entre este regime transitório previsto no NRAU e a celeridade – viabilizada pelo IGAPHE e concretizada pela Fundação D. Pedro IV – com que foi aplicado o regime de renda apoiada, poderá afirmar-‑se que houve um tratamento desigual de situações de facto materialmente próximas. Contudo, a desigualdade não resulta forçosamente da lei, antes da sua aplicação.

Mas, se o legislador adopta, quanto ao regime geral do arrendamento urbano, as cautelas referidas, por maioria de razão se deverá adoptar procedimento idêntico em relação ao arrendamento social. E o regime de renda apoiada contém mecanismos que o permitem.

22.2. O regime de renda apoiada, regulado no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, baseia-se na existência de dois factores.

Em primeiro lugar, o preço técnico (a «renda técnica» a que alude a questão), que é calculado nos termos em que o é a renda condicionada, a partir do valor actualizado do fogo e da taxa das rendas condicionadas, através da fórmula PT = V x 0,08 / 12 (cfr. artigos 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 166/93 e 79.º, n.º 1, do RAU).

O valor actualizado do fogo é estabelecido nos termos do regime da renda condicionada (artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 166/93 e 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro) ([120]).

O preço técnico desempenha uma dupla função: por um lado, constitui um limite do valor da renda apoiada (artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 166/93); por outro, em certas circunstâncias, vale, subsidiariamente, como montante da renda (artigo 6.º, n.º 5, do mesmo diploma).

O segundo factor em que assenta a renda apoiada é a taxa de esforço (T = 0,08 Rc / Smn), por aplicação da qual se determina o valor da renda apoiada, isto é, o montante da renda devida pelo arrendatário; o valor da renda é determinado pela aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 166/93).

Não resulta dos elementos de facto a que se teve acesso que, em relação aos aspectos referidos, a Fundação D. Pedro IV se tenha afastado dos procedimentos e fórmulas previstos no Decreto-Lei n.º 166/93 para a fixação das novas rendas ([121]).

Com vista à determinação do valor das rendas, os arrendatários devem declarar os respectivos rendimentos à entidade locadora (artigo 6.º, n.º 1); o incumprimento desta obrigação «quer por falta de declaração quer por falsa declaração, determina o imediato pagamento, por inteiro, do preço técnico, sem prejuízo de constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento» (artigo 6.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 166/93).

Só, portanto, o incumprimento de declaração de rendimentos constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento. Não existe, todavia, automatismo no funcionamento desta causa de resolução, podendo eventualmente ponderar-se a sua proporcionalidade, uma vez que o incumprimento já determina o pagamento por inteiro do preço técnico.

22.3. Afigura-se mais complexa a abordagem relativa ao «facto de não ser tido em conta as obras de beneficiação feitas pelos moradores no cálculo da renda».

A fórmula de cálculo do valor actualizado do fogo ([122]), que intervêm no cálculo do preço técnico, contém factores que podem decisivamente ser influenciados por obras de beneficiação do prédio ou da fracção.

Referimo-nos ao nível de conforto (Cf) e ao coeficiente de vetustez (Vt), mas sobretudo ao estado de conservação do fogo (Cc).

O valor base do factor Cc será igual a 1 «sempre que todos os elementos construtivos, revestimentos e equipamentos do fogo estejam em boas condições de conservação e funcionamento»; ao valor base do Cc serão cumulativamente subtraídos determinados valores, sempre que esses elementos ou equipamentos se encontrem em condições deficientes ([123]).

De acordo com o disposto nos artigos 11.º a 13.º do RAU, os encargos com as obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária e de beneficiação de arrendados para habitação constituem encargo do senhorio.

Nos casos em que as obras são efectuadas a expensas dos arrendatários a sua valorização, para efeitos de determinação do valor actualizado do fogo e do montante da renda, em proveito do senhorio, sendo legal, poderá configurar uma situação de abuso de direito ou de enriquecimento sem causa (artigos 330.º e 473.º do Código Civil, respectivamente).

Na verdade, a fórmula de cálculo do valor actualizado do fogo, apesar de considerar factores que podem ser influenciados por obras levadas a cabo no arrendado, não entra em linha de conta com a circunstância de as obras de beneficiação poderem ser levadas a cabo pelo arrendatário.

E apesar de a lei não prever esta situação, nada obsta a que a mesma seja ponderada pela Administração e reflectida no Auto de Cessão.

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«5. Em que medida as respostas anteriores podem constituir fundamento para impor alterações ao auto de cessão e qual a possibilidade e o modo de o Estado vir, unilateralmente, a exigir alterações ao acordado.»

No domínio do contrato administrativo, a Administração detém, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 180.º do CPA, a faculdade de modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro. Esta prerrogativa constitui um dos traços mais característicos do regime do contrato administrativo.

O Auto de Cessão, que corporiza um contrato administrativo, enferma dos vícios, deficiência e insuficiências que têm vindo a ser apontados.

De quanto ficou exposto, afigura-se-nos que as maiores fragilidades do Auto de Cessão residem nas cláusulas primeira, quarta e quinta.

Quanto à cláusula primeira, a definição rigorosa do objecto da transferência de património reveste carácter essencial: impõe-se precisar o objecto do contrato, dele excluindo os bens pertencentes ao domínio público, de acordo com a interpretação conforme à Constituição proposta para a parte final do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

Em relação à cláusula quinta, importa desenvolver e adequar à situação presente as condições de aplicação do regime de renda apoiada de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio.

A adequação tenderá a passar pelo estabelecimento de um período transitório com vista à aplicação gradual das novas rendas, à semelhança do que sucede com o NRAU para as rendas do regime geral.

Os problemas suscitados pela circunstância de no cálculo do valor actualizado do fogo (e, consequentemente, na determinação do preço técnico) serem levados em conta factores influenciáveis por obras de beneficiação custeadas pelos moradores, podem ser, de algum modo, minorados ou articulados com a introdução de condicionantes ao regime de alienação dos fogos a que se refere a cláusula quarta.

Na cláusula quarta prescreve-se que a Fundação D. Pedro IV só poderá alienar os fogos aos respectivos moradores, nos termos e condições constantes do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril.

Sucede que a circunstância de os fogos só poderem ser alienados aos respectivos moradores não confere a estes o direito (potestativo) de exigirem a venda nem isto resulta do regime do Decreto-Lei n.º 141/88 ([124]).

A ponderação da facilitação da alienação dos fogos nos casos em que os moradores manifestem o propósito de os adquirir, além de corresponder à teleologia do Decreto-Lei n.º 141/88 – que considera uma medida de alcance social proporcionar o acesso à propriedade da habitação a famílias de menores recursos ([125]) – poderia mostrar-se particularmente justificada nas situações em que os moradores levaram a cabo nos fogos, a suas expensas, obras significativas.

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Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – A «Transferência de Património, Direitos e Obrigações do IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV», operada pelo Auto de Cessão celebrado a 1 de Fevereiro de 2005 entre o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e a Fundação D. Pedro IV, efectuou-se no quadro do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2004, de 21 de Maio;

2.ª – O Auto de Cessão identificado na conclusão 1.ª consubstancia um contrato administrativo, no âmbito do qual a Administração goza dos poderes consagrados no artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo;

3.ª – Os elementos de facto disponíveis apontam no sentido de que as rendas em vigor em relação à generalidade dos fogos dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios, em Chelas, Lisboa, transferidos pelo IGAPHE para a Fundação D. Pedro IV, eram as definidas pelos despachos do Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo de 12 de Agosto de 1974 (complementado por despachos de 9 de Dezembro de 1974 e de 15 de Abril de 1975), pelo despacho da mesma entidade de 7 de Setembro de 1976 e pelo despacho do Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção de 22 de Agosto de 1977;

4.ª – O regime de rendas aplicável aos mesmos fogos após a referida transferência é o regime de renda apoiada regulado no Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio (cfr. artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, e cláusula quinta do Auto de Cessão);

5.ª – Os elementos de facto disponíveis não evidenciam – para além dos referidos no n.º 1 da cláusula segunda do Auto de Cessão – a existência de «compromissos juridicamente válidos assumidos pelo IGAPHE perante os moradores» do património transferido dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios;

6.ª – A eventual configuração e confirmação de quaisquer outros «compromissos juridicamente válidos» deve ser honrada pelo IGAPHE e por este imposta à cessionária;

7.ª – Nos termos da Constituição (artigo 84.º, n.º 2), o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais são titulares de bens domínio público;

8.ª – Integram o domínio público municipal, designadamente, as estradas e caminhos municipais, as ruas, as praças, os jardins, os espaços verdes, bem como o sistema de saneamento existentes na respectiva área;

9.ª – Os bens submetidos ao estatuto de dominialidade não podem ser objecto de direitos privados, sendo, por isso, inalienáveis (cfr. artigo 202.º, n.º 2, do Código Civil);

10.ª – A parte final do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, deve, em conformidade com o disposto no artigo 84.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, ser interpretada restritivamente, no sentido de que, sendo o cessionário uma instituição particular de solidariedade social, a transferência da propriedade de património não pode abranger bens pertencentes ao domínio público;

11.ª – A alínea b) da cláusula primeira do Auto de Cessão, a entender-se que abrange a transferência da propriedade de bens do domínio público para a Fundação D. Pedro IV, enfermaria de nulidade por impossibilidade do objecto;

12.ª – A nulidade referida na conclusão anterior não determinaria a invalidade do contrato;

13.ª – A aplicação do regime de renda apoiada aos moradores dos Bairros das Amendoeiras e dos Lóios, a que alude a conclusão 4.ª, deverá ser objecto, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de Maio, de actividade mediadora que leve em conta as condições concretas de tal aplicação, nos termos referidos nos pontos n.os 22 e 23 do corpo do parecer;

14.ª – As respostas às questões formuladas poderão constituir justificação para a Administração, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 180.º do Código do Procedimento Administrativo, suscitar a modificação unilateral do Auto de Cessão, por forma a uma mais adequada prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos moradores do património transferido para a Fundação D. Pedro IV;

15.ª – Afigura-se, designadamente, ser de ponderar a modificação das cláusulas primeira, quarta e quinta, nos termos sintetizados no ponto n.º 23 do corpo do parecer.





([1]) Ofício n.º 909, de 2 de Março de 2006, com entrada na Procuradoria-Geral da República no dia imediato.
([2]) Constituída pela Informação n.º 38/2006, de 2 de Março de 2006 (e seis anexos), subscrita por duas Assessoras do Gabinete de Vossa Excelência, e por quatro pastas: «Dossier 1 – Documentos fornecidos pelo IGAPHE»; «Dossier 2-A – Documentos fornecidos pelos Moradores do Bairro das Amendoeiras»; Dossier 2-B (2.ª parte) – Documentos fornecidos pelos Moradores do Bairro das Amendoeiras» e «Dossier 2-C – Documentos fornecidos pelos Moradores do Bairro dos Lóios»; e «Dossier 3 – Documentos fornecidos pela Fundação D. Pedro IV».
([3]) Este trecho e os assinalados no elenco subsequente são (salvo menção de diversa proveniência) retirados da Informação n.º 38/2006, identificada na nota anterior.
([4]) O Auto é assinado por representantes do IGAPHE e da Fundação D. Pedro IV. De Anexo – assinado pelos mesmos intervenientes – consta a relação dos prédios urbanos e fracções autónomas abrangidos [cfr. alínea a) da cláusula primeira].
([5]) Os «casos» referidos são um só, respeitante à mesma moradora; as folhas referidas reproduzem cartas por ela dirigidas à Fundação D. Pedro IV: as fls. 44 e 135 reproduzem a mesma carta (de 25 de Novembro de 2005), que, por sua vez, remetem para uma carta anterior (de 22 de Novembro de 2005), que diz o seguinte:
«Conforme carta registada com A/R, remetida a essa Fundação datada de 07 de Novembro de 2005, na qual foram declarados os dados necessários para actualização do meu agregado familiar.
No entanto, envio cópia da declaração do Rendimento Bruto referente ao ano de 2004 (IRS) e cópia do vencimento mensal.
Adverte-se, contudo que o diploma por V. Exas. evocado é omisso quanto aos documentos a declarar e não se aplica ao meu regime de arrendamento, estabelecido e acordado com o F.F.H., e actual I.G.A.P.H.E., e que qualquer alteração ao regime instituído terá que passar pela minha concordância.
Assim sendo, solicito a V. Exas., que procedam no cumprimento estrito da lei e em conformidade, sob pena de estarem a agir de má fé e de forma intimidatória.»
([6]) No local referido encontra-se cópia de carta dirigida pela Fundação D. Pedro IV a uma moradora a informar que, face à instauração de providência cautelar – cujos fundamentos se ignoram – «a renda apoiada determinada não lhe será aplicada em 1 de Janeiro de 2006, mantendo-se suspensa até decisão judicial da acção principal».
([7]) José Pedro Fernandes, entrada “Património do Estado”, em Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume VI, Lisboa, 1994, pp. 285 e 297.
([8]) Seguimos por momentos os Pareceres do Conselho Consultivo n.º 140/2001, de 14 de Março de 2002(Diário da República, II série, n.º 297, de 24 de Dezembro de 2002), e n.º 4/2002, de 27 de Junho de 2002 (Diário da República, II série, n.º 223, de 26 de Setembro de 2002).
([9]) José Pedro Fernandes, “Domínio público”, Dicionário Jurídico..., cit., vol. IV, Lisboa, 1991, p. 166; do mesmo Autor, v. “Domínio Público”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XX, Janeiro-Março, n.º 1, p. 25 e ss.
([10]) J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 411.
([11]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 413. No mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 79.
([12]) Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Domínio Público – O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina, 2005, p. 231.
([13]) Objecto da Declaração de Rectificação n.º 19-D/98, (Diário da República, I-A série, n.º 252 (2.º suplemento), de 31 de Outubro; alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 182/2003, de 16 de Agosto). Sobre a matéria, v. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 46/2002, de 16 de Janeiro de 2003 (Diário da República, II série, n.º 56, de 7 de Março de 2003).
([14]) Cfr. a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 159/99, de 18 de Setembro.
([15]) Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1980, p. 918.
([16]) Os espaços verdes no interior das cidades integram o domínio público municipal, enquanto as florestas pertencem ao domino privado do Estado (cfr. Ana Moniz, ob. cit. , p. 235).
([17]) Cfr. Curso de Direito Administrativo (sumários desenvolvidos e indicações bibliográficas), de acordo com as lições de Vital Moreira ao ano lectivo de 1999/2000, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ponto 10, p. 11, e Ana Moniz, O Domínio Público..., cit., pp. 234-235, recordando esta Autora que, no âmbito das operações de loteamento, os proprietários (e demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear) têm de ceder gratuitamente ao município (sempre que isso resulte do plano municipal de ordenamento do território, ou da lei e licença ou autorização de loteamento) as parcelas para implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas, as quais, com a emissão de alvará, integrarão automaticamente o domínio público municipal (cfr. artigos 43.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 55/99, de 16 de Dezembro). Cfr. ainda José Vicente Gomes de Almeida/Fernando Mártires Lopes, “O domínio público e privado das autarquias locais”, Patrimonium, Janeiro, 1998, p. 4 e ss.
([18]) Ana Moniz, O Domínio Público..., cit., pp. 415-416.
([19]) Estivemos ainda a seguir Ana Moniz, O Domínio Público..., cit., pp. 416-417.
([20]) J. Pedro Fernandes, entrada “Domínio privado”, em Dicionário..., cit., volume IV, p. 166.
([21]) Marcello Caetano, Manual..., cit., vol. II, pp. 968-969.
([22]) De há muito objecto de tratamento doutrinal, a distinção entre domínio privado indisponível e domínio privado disponível tem igualmente suporte legal no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro (diploma que cria o inventário geral do património do Estado).
([23]) Cfr. Marcello Caetano, ibidem; e Curso de Direito Administrativo (sumários desenvolvidos e indicações bibliográficas), de acordo com as lições de Vital Moreira, cit., ponto 10.2.1., p. 3; v. também, do Conselho Consultivo, os pareceres n.º 4/95, ponto 4 (Diário da República, II série, n.º 151, de 7 de Julho de 1995) e n.º 7/99, ponto 2 (Diário da República, II série, n.º 281, de 3 de Dezembro de 1999).
([24]) Manual..., cit., tomo II, pp. 969-970; v. também Curso de Direito Administrativo (sumários desenvolvidos e indicações bibliográficas), de acordo com as lições de Vital Moreira, cit., ponto 10.2.1., pp. 3-4.
([25]) Marcello Caetano, Manual..., cit., vol. I, p. 970; v. também J. Pedro Fernandes, ibidem.
([26]) Cfr. J. Pedro Fernandes, “Domínio privado”, cit., p. 166, e o já referido parecer n.º 4/2002, ponto 4.
([27]) Nuno Cabral Basto, entrada «Cessão», Dicionário Jurídico da Administração Pública, Fascículo 17, p. 363.
([28]) Marcello Caetano, Manual..., cit., vol. II, pp. 992-993.
([29]) Para ilustração de cessões definitivas, v. as Portarias n.os 1104/2004 (2.ª série) (Diário da República, 2.ª série, n.º 244, de 16 de Outubro de 2004), e 381/2006 (2.ª série) (Diário da República, 2.ª série, n.º 34, de 16 de Fevereiro de 2006).
([30]) Cfr. N. Cabral Basto, loc. cit., p. 366.
([31]) Cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 97/70, de 13 de Março.
([32]) Cfr. N. Cabral Basto, loc. cit., pp. 366-367.
([33]) Neste sentido, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2.ª edição, 2001, Almedina, p. 555.
([34]) António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª edição, 9.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 305-306.
([35]) Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 8.ª reimpressão da 2.ª edição de 1994, Almedina, p. 219.
([36]) Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 328.
([37]) Para maiores desenvolvimentos, aqui dispensáveis, v. Freitas do Amaral, ob. cit., vol. I, 339 e ss.; Vital Moreira, Administração Autónoma..., cit., pp. 306 e ss.; do Conselho Consultivo, v. por ex., o Parecer n.º 31/2004, de 20 de Outubro de 2004, ponto II-5.1.
([38]) Assim, Freitas do Amaral, Curso..., vol. I, cit., pp. 347-353, e Vital Moreira, Administração Autónoma..., cit., pp. 327 e 345.
([39]) Marcello Caetano afirma que nas fundações públicas «cabem os fundos especiais dotados de personalidade jurídica» [Manual..., vol. I, 10.ª ed. (reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 190].
([40]) Foram retiradas de Freitas do Amaral, ibid., as noções precedentes.
([41]) Pareceres n.os 41/84, de 23 de Maio de 1984, e 90/2003, de 16 de Dezembro de 2004 (Diário da República, II série, respectivamente, n.º 191, de 18 de Agosto de 1984, e n.º 170, de 5 de Setembro de 2005).
([42]) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 473/71, de 6 de Novembro. O Decreto n.º 49 034, também de 28 de Maio de 1969, promulga o Regulamento do FFH.
([43]) O Decreto-Lei n.º 583/72 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1973 (seu artigo 32.º).
([44]) O artigo 26.º foi revogado pelo artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 797/76 (cria serviços municiais de habitação social), sem prejuízo de, até à publicação do decreto a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º deste diploma, se manterem em vigor as portarias publicadas em sua execução. O Regulamento para a Atribuição de Habitações Sociais a que alude o n.º 1 foi aprovado pela Portaria n.º 343/74, de 29 de Maio, alterada pela Portaria n.º 2/77, de 4 de Janeiro.
([45]) Complementado pelo Decreto-Lei n.º 7/83, de 14 de Janeiro, que, por sua vez, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 17/85, de 15 de Janeiro.
([46]) Nomeada por Despacho de 21 de Junho de 1982 (Diário da República, II série, n.º 156, de 9 de Julho de 1982).
([47]) Ainda no âmbito da transferência de competências do FFH para o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado, v. os Decretos-Leis n.os 410/87, de 31 de Dezembro, 298/88, de 24 de Agosto, e 194/89, de 9 de Junho.
([48]) Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 177/84.
([49]) Sobre questões relacionadas como o regime de pessoal do INH, v. o Parecer do Conselho Consultivo n.º 90/2003, de 16 de Dezembro de 2004 (Diário da República, II série, n.º 170, de 5 de Setembro de 2005).
([50]) Cfr. os Decretos-Leis n.os 460/88, de 14 de Dezembro, 305/91, de 16 de Agosto, 30/97, de 28 de Janeiro, e 129/2000, de 13 de Julho.
([51]) Alterado pelos Decretos-Leis n.os 240/2003, de 4 de Outubro, e 188/2004, de 17 de Agosto.
([52]) Rectificado no Diário da República, I série, n.º 75, de 31 de Março de 1987, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 198/87, de 30 de Abril.
([53]) Sobre a transferência para o INH de património não edificado e de património edificado pertencentes ao IGAPHE (artigo 3.º, n.os 2 e 6, do Decreto-Lei n.º 243/2002), v., respectivamente, o Despacho conjunto n.º 1073/2003, de 13 de Novembro de 2003 (Diário da República, II série, n.º 281, de 5 de Dezembro de 2003), e o Despacho conjunto n.º 126/2005, de 10 de Janeiro de 2005 (Diário da República, II série, n.º 31, de 14 de Fevereiro de 2005). O primeiro destes despachos foi objecto de rectificação (Diário da República, II série, n.º 301, de 31 de Dezembro de 2003).
([54]) Objecto de rectificação do Diário da República, I série, n.º 75, de 31 de Março de 1983. O Estatuto foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 386/83, de 15 de Outubro, 89/85, de 1 de Abril, 402/85, de 11 de Outubro, e 29/86, de 19 de Fevereiro. O Decreto-Lei n.º 9/85, de 9 de Janeiro, estabelece o regime de isenções aplicável às instituições particulares de solidariedade social; o Decreto-Lei n.º 152/96, de 30 de Agosto, atribui competência ao ministério da tutela para o reconhecimento das fundações de solidariedade social.
([55]) Diário da República, III série, n.º 114, de 18 de Maio de 1992, p. 8732.
([56]) Neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 340; Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, volume I, Lex, Lisboa, 1999, pp. 408 e ss.; e o Parecer do Conselho Consultivo n.º 56/99, de 23 de Março de 2000.
([57]) Cujo regime jurídico está regulado no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.
([58]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 340.
([59]) O artigo 32.º, incluído na mesma secção, compreendia actos sujeitos a autorização, mas foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 89/85, de 1 de Abril, mormente por se entender que «cerceia de algum modo a natureza privada das instituições» (do preâmbulo deste diploma).
([60]) Alterado pela Lei n.º 84/77, de 9 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 261/77, de 22 de Junho; cfr. também o Despacho conjunto de 12 de Abril de 1977 (Diário da República, II série, de 22 de Abril de 1977).
([61]) O artigo 2.º excepcionava do âmbito do diploma categorias determinadas de fogos, por ex., os destinados a venda ou pertencentes a emigrantes.
([62]) O diploma – que entrou em vigor no dia da sua publicação (artigo 12.º) – previa mecanismos supletivos para o não cumprimento desta imposição.
([63]) Assim, já na versão originária.
([64]) Constituição..., cit., pp. 344-345.
([65]) Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 667.
([66]) Do sumário oficial.
([67]) Na falta de menção específica, o Decreto-Lei n.º 166/93 entrou em vigor uma vez decorrido o período normal de vacatio legis.
([68]) O «rendimento mensal corrigido» é o «rendimento mensal bruto deduzido de uma quantia igual a três décimos do salário mínimo nacional pelo primeiro dependente e de um décimo por cada um dos outros dependentes, sendo a dedução acrescida de um décimo por cada dependente que, comprovadamente, possua qualquer forma de incapacidade permanente» [artigo 3.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 166/93].
([69]) A taxa em vigor é de 8% e foi fixada pela Portaria n.º 1232/91, de 28 de Dezembro (o número da portaria «saiu errado, pois devia ser 1232/90, mas nunca foi oficialmente rectificado» (Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª edição, 2.ª reimpressão edição de Março de 2003, Almedina, pp. 554-555).
([70]) Cfr. o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, e Aragão Seia, ibid.
([71]) Cfr. os artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 166/93.
([72]) Alude-se à aplicação desta fórmula, supra 2-ee).
([73]) Estivemos a acompanhar o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/2000.
([74]) Cfr., por ex., os Decretos-Leis n.os 31/82, de 1 de Fevereiro, 260/84, de 31 de Julho, e 141/88, de 22 de Abril.
([75]) Nestes termos, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril.
([76]) Alterado pelos Decretos-Leis n.os 172/90, de 30 de Maio, 342/90, de 30 de Outubro, e 288/93, de 20 de Agosto.
([77]) E também ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
([78]) Redacção do Decreto-Lei n.º 288/93, de 20 de Agosto.
([79]) Supra, n.º 11.2.
([80]) Num e noutro caso os trabalhos preparatórios destas leis não contêm referências esclarecedoras das disposições ora referidas – cfr., quanto à Lei n.º 55-B/2004: Proposta de lei n.º 146/IX/3 (Diário da Assembleia da República, II série A, 16 de Outubro de 2004); discussão na generalidade (DAR, I série, de 18 e 19 de Novembro de 2004); votação na generalidade (DAR, I série, de 19 de Novembro de 2004); discussão e votação na especialidade e votação final global (DAR, I série, de 7 de Dezembro de 2004).
([81]) Um dos traços deste regime reside na circunstância de à cessão das posições contratuais não serem aplicáveis as regras constantes dos artigos 424.º e ss. do Código Civil.
([82]) Nestes termos, o proémio do Auto de Cessão.
([83]) Estivemos a seguir/citar Pedro Gonçalves, O Contrato Administrativo (Uma instituição do direito administrativo do nosso tempo), Reimpressão da 1.ª edição de Janeiro/2003, Almedina, 2004, pp. 95-100.
([84]) Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 1993, p. 97.
([85]) Freitas do Amaral, Curso..., cit., vol. II, 2.ª ed., p. 36.
([86]) Freitas do Amaral, Curso..., cit., p. 37, nesta parte seguindo Rogério Soares, Interesse público, legalidade e mérito, p. 99 e ss.
([87]) Vieira de Andrade, “Interesse Público”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume V, Lisboa, 1993, p. 277.
([88]) Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1994/95, pp. 116-118.
([89]) Cfr. M. Esteves de Oliveira/P. Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, ob. cit., p. 98.
([90]) Diogo Freitas do Amaral/João Caupers/João Martins Claro/João Raposo/Maria da Glória Dias Garcia/Pedro Siza Vieira/Vasco Pereira da Silva, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 41.
([91]) Seguimos neste ponto, de perto, o Parecer do Conselho Consultivo n.º 144/2004, de 5 de Maio de 2005, ponto III; também se debruçam sobre esta matéria os Pareceres n.º 67/95, de 18 de Abril de 1996 (Diário da República, II série, n.º 200, de 29 de Agosto de 1996), n.º 40/99, de 9 de Março de 2000 (Diário..., cit., n.º 247, de 25 de Outubro de 2000), e n.º 137/2001, de 25 de Outubro de 2001 (Diário..., cit., n.º 4, de 5 de Janeiro de 2002).
([92]) Pedro Gonçalves, O Contrato Administrativo..., cit., p. 107; cfr. ainda Sérvulo Correia, “O Contrato Administrativo”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. III, p. 81, e com indicações de direito comparado, o Parecer n.º 144/2004.
([93]) Pedro Gonçalves, O Contrato Administrativo..., cit. p.108.
(x) «Quando se fala em limites ao poder de modificação unilateral não é no sentido da existência de obstáculos para a Administração quanto ao poder de modificar os contratos por razões ditadas pelo interesse público. Com este entendimento não podem existir limites para a Administração, uma vez que a mesma se encontra subordinada à prossecução do interesse público. Os limites de que se fala visam e são instituídos em prol da garantia do particular co-contratante. No fundo, trata-se de saber até que ponto ele estará obrigado a suportar as alterações impostas pela Administração. Ultrapassados os limites constituídos pelo objecto do contrato ele goza do direito de indemnização ou até de resolução do contrato. (...).»
(x1) «O mesmo princípio tem sido defendido na Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Para uma resenha de vários exemplos, cfr. Augusto de Ataíde, “Limites e Efeitos do Exercício do Poder de Modificação Unilateral pela Administração”, Estudos de Direito Público em Honra do Professor Marcello Caetano, Edições Ática, Lisboa, 1974, p. 80.»
(x2) «Augusto de Ataíde, ob. cit., p. 79.»
([94]) Parecer n.º 144/2004.
([95]) Cfr., para mais desenvolvimentos, Pedro Gonçalves, O Contrato Administrativo..., cit. pp. 113-119; M. Esteves de Oliveira/P. Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, ob. cit., p. 828; e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª secção) de 14 de Fevereiro de 2002 (processo n.º 45 753).
([96]) O Decreto-Lei n.º 198-A/75, de 14 de Abril, posterior às três vagas de ocupações, poderá ter facultado a legalização de algumas destas ocupações, uma vez que o diploma se aplicava às ocupações de fogos devolutos levadas a efeitos para fins habitacionais em prédios pertencentes a entidades públicas ou privadas (artigo 1.º). Todavia, o próprio legislador, pouco tempo depois, reconhece, no preâmbulo do diploma que lhe sucedeu, o Decreto-Lei n.º 294/77, de 20 de Junho, o insucesso do procedimento previsto no decreto-lei de 1975, ao abrigo do qual só se terá «conseguido regularizar uma ou outra situação». E o Decreto-Lei n.º 294/77 aplica-se apenas a ocupações levadas a efeito em prédios pertencentes a entidades privadas (artigo 1.º).
([97]) Infra, n.º 22.
([98]) Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição revista e actualizada, Universidade Católica Editora, 2001, p. 549.
([99]) Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 595.
([100]) I. Galvão Telles, “Expectativa jurídica (algumas notas)”, O Direito, Ano XC (1958), p. 2 e ss.
([101]) Galvão Telles, ibid.
([102]) Como exemplos de expectativas jurídicas, a doutrina aponta os negócios jurídicos celebrados sob condição suspensiva, a posição do adquirente condicional (artigo 273.º do Código Civil), actos jurídicos sobre bens futuros, actos jurídicos sobre bens alheios quando válidos e os praticados no exercício de gestão de negócios – v., para além dos autores citados, Maria Raquel Aleixo Antunes Rei, “Da Expectativa Jurídica”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 54, Abril 1994, p. 149 e ss.
([103]) Cfr. supra, 2-gg), ii) e jj). Em carta de 25 de Outubro de 2005 dirigida à Fundação D. Pedro IV por representante de diversos moradores afirma-se que «no processo de atribuição das casa aos moradores do Bairro de Chelas, foi-lhes, desde sempre, prometia a transmissão definitiva da propriedade quando perfizessem vinte e cinco aos [terá querido dizer-se anos] contados da respectiva atribuição» (fls. 10-12 do Dossier 2-B (2.ª parte).
([104]) Para além do Bairro de Chelas, o Auto de Cessão abrange prédios e fracções autónomas, por. ex., dos Bairros do Arco do Cego, da Madre de Deus ou dos Olivais.
([105]) Cfr., nos mesmos termos, o n.º 1 do artigo da Lei n.º 107-B/2003 e o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), este último já com a epígrafe (mais abrangente) de «transferência de património edificado».
([106]) O regime de dominialidade não exclui que bens do domínio público possam ser objecto de exploração económica tanto pelas entidades públicas como por entidades privadas (em regime de licença ou de concessão) ou mediante associação entre umas e outras – cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 414.
([107]) V. supra, 5.1.
([108]) Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pp. 147-148
([109]) Manual de Direito Constitucional, tomo II, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2003, p. 295. Sobre a matéria, v. também Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, p. 1310 e ss., e, os Pareceres do Conselho Consultivo n.os 26/98, de 24 de Setembro de 1998 (Diário da República, II série, n.º 279, de 3 de Dezembro de 1998), e 112/2002, de 10 de Abril de 2003 (Diário da República, II série, n.º 261, de 11 de Novembro de 2003).
([110]) Cfr. M. Esteves de Oliveira et alii, ob. cit., pp. 99-105, e Freitas do Amaral et alii, Código…, cit., pp. 42-43.
([111]) Cfr., neste sentido, a justificação de motivos do Decreto-Lei n.º 141/88, de 22 de Abril.
([112]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição..., cit., p. 922.
([113]) Supra, n.º 19.
([114]) Supra, n.º 10.
([115]) Realces acrescentados.
([116]) Sobre a classificação, v. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 93-94.
([117]) Assim, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 166/93.
([118]) Os aumentos de rendas acima exemplificados em 2-gg) chegam a ultrapassar os 4000%.
([119]) Objecto da Declaração de rectificação n.º 24/2006 (Diário da República, I-A série, n.º 75, de 17 de Abril de 2006.
([120]) Cfr. supra, n.º 13.
([121]) Nesta fase, é a fixação das novas rendas que está em causa. As futuras actualizações do preço técnico e do montante das rendas estão regulada no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 166/93.
([122]) V = Au x Pc x [0,85 x Cf x Cc x (1 – 0,35 x Vt) + 0,15].
([123]) Cfr. o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de Dezembro, que dispõe:
«Artigo 3.º
Estado de conservação do fogo
1 – O valor base do factor Cc referido no n.º 2 do artigo 1.º será igual a 1 sempre que todos os elementos construtivos, revestimentos e equipamentos do fogo estejam em boas condições de conservação e funcionamento.
2 – Ao valor base do factor Cc serão cumulativamente subtraídos os valores a seguir indicados, sempre que os elementos ou equipamentos referidos se encontrem em condições deficientes:
a) Pavimento, paredes e tectos no fogo .....................................................0,3
b) Os anteriores nas partes comuns, coberturas e caixilharias exteriores .....................................................0,5
c) Caixilharias interiores ........................................................
....................................................0,05
d) Equipamento de cozinha e casa de banho ....................................................0,04
e) Redes de águas, esgotos e electricidade do fogo ....................................................0,06
f) Os anteriores nas partes comuns .....................................................0,05
3 – Os valores constantes no número anterior são afectados pelas percentagens seguintes, quando os elementos ou equipamentos se encontrem, respectivamente: Percentagem
a) Em muito mau estado (reparação total) ...................................................120
b) Em mau estado (reparação importante) ....................................................75
c) Em estado razoável (reparação ligeira) .....................................................35
d) Em bom estado (reparação sem significado) ......................................................0
4 – Sempre que da aplicação dos factores referidos nos números anteriores resulte que Cc seja negativo o mesmo tomará o valor 0.
5 – Consideram-se deficientes os sistemas ou elementos construtivos que não cumpram a sua função ou que façam perigar a segurança das pessoas e bens ou, ainda, cuja aparência prejudique significativamente o aspecto geral do fogo ou do prédio.»
([124]) Cfr. supra n.º 14.1.
([125]) Cfr. o respectivo preâmbulo.