Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00003388
Parecer: P000332016
Nº do Documento: PPA02032017003300
Descritores: OPERAÇÃO DE LOTEAMENTO URBANO
ALTERAÇÕES DE INICIATIVA PÚBLICA
ATOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS
OBRAS DE EDIFICAÇÃO
TEMPUS REGIT ACTUM
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
PLANO DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
PROGRAMAS ESPECIAIS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
LICENÇA
COMUNICAÇÃO PRÉVIA
DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA
LIVRE INICIATIVA ECONÓMICA
JUS AEDIFICANDI
RESTRIÇÕES
LIMITAÇÕES
INDEMNIZAÇÃO PELO SACRIFÍCIO
Livro: 00
Numero Oficio: 4949
Data Oficio: 11/09/2016
Pedido: 11/10/2016
Data de Distribuição: 11/17/2016
Relator: PAULO DÁ MESQUITA/redistribuição por permuta ANDRÉ FOLQUE
Sessões: 01
Data da Votação: 03/02/2017
Tipo de Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Sigla do Departamento 1: MA
Entidades do Departamento 1: MINISTRO DO AMBIENTE
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 05/18/2017
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 19-06-2017
Nº do Jornal Oficial: 116
Nº da Página do Jornal Oficial: 12376
Indicação 2: ASSESSORA: SUSANA PIRES DE CARVALHO
Área Temática:DIR URB/DIR ADM*ADM PUBL/DIR REAIS/DIR CONST
Ref. Pareceres:P000891946Parecer: P000891946
P001241990Parecer: P001241990
P000681994Parecer: P000681994
P000521996Parecer: P000521996
P001152002Parecer: P001152002
P000372015Parecer: P000372015
Legislação:DL555/99 DE 16/12; L31/2014 DE 30/05 ART78; DL46673 DE 29/11/1965; DL289/73 DE 09/10; DL400/84 DE 31/12; DL448/91 DE 29/11; DL275/76 DE 13/04 ART1; PORT216-B/2008 DE 03/03; CCP2008; CPA ART140 ART141 ART142 ART167; L91/95 DE 02/09; DL804/76 DE 06/11; ; CCIV66 ART7 ART380 ART875 ART1305 ART1438-A; L111/2015 DE 27/08 ART3 N2; PORT219/2016 DE 09/08; PORT202/70 DE 21/04; DL445/91 DE 20/11 ART68; DL281/99 DE 26/07; DL19/90 DE 11/06; D5789-III DE 10/05/1919; D12445 DE 29/09/1926; DL468/71 DE 05/11; DL89/87 DE 26/02; DL364/98 DE 21/11; DL302/90 DE 26/09; DL309/93 DE 02/09; DL151/95 DE 24/06; PORT767/96 DE 30/12; L48/98 DE 11/08; L58/2005 DE 29/12; L49/2006 DE29/08; DL115/2010 DE 22/10; DL159/2012 DE 24/07; DL511/75 DE 20/09; DL341/79 DE 27/08; DL351/93 DE 07/10; DL61/95 DE 07/04; DL96/2010 DE 30/07; DL159/2012 DE 24/07; DL380/99 DE 22/09; CONST76 ART17 ART18 ART61 ART62 ART65 ART66 ART266 N1; L31/2014 DE 30/05 ART13 ART15 ART17 ART20 ART21; DL80/2015 DE 14/05
Direito Comunitário:DIR 2007/60/CE PE E CONS DE 23/10
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:AC STA DE 21/05/2009 P518/08
AC STA DE 06/03/2007 P873/03
AC TCONST N496/2008 P523/2007
AC TCA NORTE DE 23/03/2015 P00015/10.0BEAVR
AC STA DE 27/02/207 P1038/06
AC TCONST N236/94 DE 16/03
AC STA DE 27/11/2013 P076/13
AC TCONST N329/99 DE 02/06/1999
AC STA DE 18/06/1998
AC TCONST N496/2008 DE 09/10/2008
AC STA DE 11/11/2004 P873/03
AC STA DE 21/05/2009 P518/08
AC TCA SUL DE 18/10/2012 P01597/06
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:RECOMENDAÇÃO N10/B/2000 DE 10/03 DO PROVEDOR DE JUSTIÇA

Texto Integral:




Senhor Ministro do Ambiente ,
Excelência:



Com a legitimidade que lhe assiste, por via do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[1], o Senhor Ministro do Ambiente houve por bem consultar a Procuradoria‑Geral da República e pedir parecer ao seu Conselho Consultivo[2] a respeito de questão jurídica controvertida em matéria urbanística e de ordenamento do território.
Pretende Vossa Excelência que este corpo consultivo tome posição acerca dos efeitos jurídicos que um plano de ordenamento da orla costeira possa fazer recair em operações de loteamento urbano, anteriormente licenciadas ou previamente comunicadas, mas não integralmente executadas.
Em relação aos lotes que se encontrem por edificar, importa saber se continuam a aplicar-se as prescrições próprias do loteamento (especificadas no alvará ou em outro título) ou se prevalecem as limitações, condicionamentos e até restrições decorrentes do novo instrumento de gestão territorial ou da sua modificação.
Vale isto por averiguar, como prossegue Vossa Excelência, quando e em que termos ocorre a constituição do direito a edificar em lotes regularmente constituídos.
Oferecem-se duas alternativas; ou constitui-se, ab initio, com o licenciamento (ou por efeito de comunicação prévia da operação de loteamento) ou apenas se adquire com o deferimento da licença ou com a apresentação de comunicação prévia das obras de edificação a empreender.


(1)
Delimitação do objeto.

Trata-se, por outras palavras, de investigar da operação de loteamento urbano o seu estatuto jurídico, sabendo, de antemão, duas coisas, pelo menos, e que aparentemente brigam entre si. Uma vez constituída a operação de loteamento urbano, a lei atribui-lhe uma função conformadora das obras a executar no perímetro respetivo. Ao mesmo tempo, contudo, a certos instrumentos de gestão territorial, diretamente vinculativos dos particulares, designadamente planos de ordenamento da orla costeira, tem sido permitido produzir, em relação a todos ou a alguns dos lotes diminuições significativas do aproveitamento edificatório anteriormente especificado e que se julgaria consolidado.
Com o pedido de parecer, chegam-nos duas posições, no âmbito da administração central, e cuja contradição pretende-se seja dirimida.
A Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza adotou entendimento contrário ao que a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) vinha a sustentar[3].
Ao passo que a Senhora Secretária de Estado considera o direito ao aproveitamento edificatório dos lotes urbanos formado pelo ato administrativo que permite a operação de loteamento, já a IGAMAOT sufraga a posição segundo a qual o direito a construir em cada lote apenas se constitui com o deferimento da licença ou com a comunicação prévia que permitem iniciar e executar obras de edificação, de sorte que um novo plano pode comprometer, no todo ou em parte, o aproveitamento originariamente previsto.
Sucede, na verdade, que um plano de ordenamento da orla costeira pode vir a ser publicado e feito aplicar entre o termo inicial da eficácia de uma licença de loteamento, por via de regra com a passagem do alvará, e o momento em que estão criadas as condições de urbanização para iniciar as obras de construção previstas para os lotes.
Obtida licença (ou apresentada comunicação prévia) para uma operação de loteamento urbano, não é possível, de imediato, iniciar a construção nos lotes. Há, geralmente, obras de urbanização a executar, sujeitas a receção provisória e, mais tarde, definitiva, pela câmara municipal, eventualmente estipuladas em contrato administrativo, e não raramente faseadas. Só depois estarão reunidas as condições para o promotor ou os adquirentes de cada lote irem iniciando a atividade de construção, mas nunca sem antes apresentarem a necessária comunicação prévia e providenciarem pela liquidação das taxas previstas.
No entendimento homologado pela Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza[4], a revisão do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro[5], terá cimentado a intangibilidade dos direitos de edificação, verdadeiros direitos constituídos, decorrentes da licença de loteamento urbano.
E tê-lo-ia feito de modo preclaro com o aditamento dos n.ºs 5 e 6 ao artigo 48.º e em cujo teor se dispõe o seguinte:

«Artigo 48.º
(Execução de instrumentos de gestão territorial
e outros instrumentos urbanísticos)
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, nas situações de afetação das condições da licença ou comunicação prévia que, pela sua gravidade ou intensidade, eliminem ou restrinjam o seu conteúdo económico, o titular do alvará e demais interessados têm direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringido.
6 - Enquanto não forem alteradas as condições das operações de loteamento nos termos previstos no n.º 1, as obras de construção, de alteração ou de ampliação, na área abrangida por aquelas operações de loteamento, não têm que se conformar com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território ou áreas de reabilitação urbana posteriores à licença ou comunicação prévia da operação de loteamento».

Os anteriores números do mesmo artigo 48.º conheceram alterações e têm, por força do mesmo diploma, a redação seguinte:

«1 - As operações de loteamento com as condições definidas na licença ou comunicação prévia podem ser alteradas por iniciativa da câmara municipal desde que tal alteração se mostre necessária à execução de plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território ou área de reabilitação urbana.
2 - A deliberação da câmara municipal que determine as alterações referidas no número anterior é devidamente fundamentada e implica a emissão de novo alvará e a publicação e submissão a registo deste, a expensas do município.
3 - A deliberação referida no número anterior é precedida da audiência prévia do titular do alvará e demais interessados, que dispõem do prazo de 30 dias para se pronunciarem sobre o projeto de decisão.
4 - A pessoa coletiva que aprovar os instrumentos referidos no n.º 1 que determinem direta ou indiretamente os danos causados ao titular do alvará e demais interessados, em virtude do exercício da faculdade prevista no n.º 1, é responsável pelos mesmos nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício».

O enunciado do n.º 6 seria particularmente eloquente em abono da doutrina sufragada, pois reforçaria a imunidade das licenças de loteamento urbano em face das vicissitudes dos planos urbanísticos aplicáveis ao local. Isto com o sentido de que as operações urbanísticas a praticar em sua execução continuariam a responder, apenas e tão-só, perante as especificações enunciadas no alvará da licença de loteamento.
Essas especificações constituem parâmetro de legalidade das operações urbanísticas a empreender em cada um dos lotes constituídos, de tal sorte que da licença de loteamento se poderia dizer ter constituído um direito a edificar em cada um dos lotes futuramente aptos para construir, segundo as especificações da licença ou da comunicação prévia.
Só se à execução de um novo plano for necessário, indispensável, que determinadas operações urbanísticas já não tenham lugar – ou, pelo menos, não o tenham em conformidade com o que se encontrava previsto para o loteamento – é que as autoridades municipais podem (e devem) tomar a iniciativa de alterar a licença de loteamento e o respetivo alvará (n.º 2) num procedimento de expropriação pelo sacrifício (n.º 4).
Seguindo este raciocínio, em caso algum se opera uma alteração imediata do conteúdo das licenças ou comunicações prévias das operações de loteamento por efeito da entrada em vigor de um novo plano suscetível de aplicação imediata aos particulares ou da revisão.
O elemento literal suscita, contudo, algumas reservas, impedindo que se admita, sem mais, que o Decreto-lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, com os aditamentos que introduziu no artigo 48.º, tenha resolvido todas as questões controvertidas.
Com efeito, desde a redação originária do RJUE[6], previa-se que a introdução unilateral de modificações ao conteúdo das licenças de loteamento urbano fosse justificada pela necessidade de executar, não só planos municipais, como também outros instrumentos de gestão territorial: « (…) plano especial de ordenamento do território, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área de reabilitação urbana» (artigo 48.º, n.º 1).
A referência aos planos especiais de ordenamento do território e a outros atos de eficácia plurissubjetiva imediata foi suprimida.
Contudo, surge de par com a ausência, no n.º 6 do mesmo artigo 48.º, de uma expressa referência a posteriores planos especiais de ordenamento do território, a fim de providenciar pela estabilidade das operações de loteamento, como o faz relativamente a outros planos.
A norma garante (apenas) que «não têm que se conformar com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território ou áreas de reabilitação urbana posteriores à licença ou comunicação prévia da operação de loteamento».
Temos de admitir que o aditamento em que consiste o n.º 6 do artigo 48.º não traz consigo apenas certezas. Em nosso entender, também suscita interrogações, sobretudo no cotejo com o citado n.º 1.
Pode afirmar-se que, embora o teor do artigo 48.º, n.º 6, do RJUE, só referencie os planos municipais ou intermunicipais, sempre os planos especiais de ordenamento do território obedeceriam ao mesmo regime, enquanto conservarem a condição de instrumentos de vinculação direta dos particulares. O seu estatuto transitório de planos plurissubjetivos fundamentaria a similitude entre ambas as categorias e, por conseguinte, um tratamento paritário. Por seu turno, à medida que os planos especiais se converterem em simples programas territoriais, diretamente vinculantes só de entidades públicas[7], a questão perderá razão de ser.
O problema surge, então, de outra banda. Importa saber do tratamento que há de ser concedido à supressão que atingiu os planos especiais de ordenamento do território no enunciado do artigo 48.º, n.º 1.
Deve reconhecer-se uma lacuna, a integrar, por o legislador não se ter dado conta de estes instrumentos continuarem ou poderem continuar, ainda que transitoriamente, a vincular a administração pública e os administrados de forma direta? E, por analogia, há de reconhecer-se como possível invocar a necessidade de executar um destes planos para alterar uma precedente licença de loteamento em sentido desfavorável ao loteador e aos proprietários dos lotes?
Um outro argumento em que se baseia a posição sustentada pela Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza reside na desnecessidade de licença municipal para construir em cada um dos lotes constituídos.
Porque a licença de loteamento urbano já consagra uma determinada potencialidade edificatória e com certos parâmetros, o controlo municipal das obras de construção em cada lote basta-se com «uma mera comunicação prévia, correspondendo a sua admissão a um ato vinculado que se limita a verificar se o direito que se pretende exercer coincide com o que consta das prescrições do loteamento[8]».
Por conseguinte, e na esteira do entendimento favorável à estabilidade dos loteamentos, que há muito colhe apoio doutrinário[9], o aproveitamento edificatório em cada um dos lotes – a fazer-se em estreita conformidade com as especificações da licença de loteamento e do respetivo alvará – só pode ser impedido por determinação expressa de um novo plano e sob condição de se prover ao ressarcimento dos proprietários lesados.
Esta argumentação, contudo, presta-se a provar de mais.
Por um lado, a operação de loteamento pode, ela própria, fundar-se em simples comunicação prévia. Se o interessado tiver obtido uma informação prévia favorável ao loteamento que satisfaça aos requisitos do artigo 14.º, n.º 2 e n.º 3 do RJUE[10], não precisa, no prazo de um ano, de requerer licença municipal. Basta-lhe apresentar uma simples comunicação prévia para lotear (artigo 4.º, n.º 4, alínea f], e artigo 17.º, n.º 2 e n.º 3, do RJUE).
Por outro lado, não se vê como sustentar que o controlo das obras a executar nos lotes se limita à conformidade com a licença (e respetivo alvará) ou com a comunicação prévia do loteamento. De resto, o interessado pode sempre optar pelo procedimento de licença (artigo 4.º, n.º 6, do RJUE).
E, como vem exposto no pedido de parecer, tão-pouco a jurisprudência administrativa pode considerar-se pacífica em matéria de relações entre novos planos e loteamentos anteriores.
Se, por acórdão de 21 de maio de 2009[11], o Supremo Tribunal Administrativo recusou sobrestimar o princípio tempus regit actum, concluindo que a edificação nos lotes não tem de ser condicionada por novo plano, a verdade é que, dois anos antes, por acórdão de 6 de março de 2007[12], o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo entendera que as especificações da licença de loteamento não criam mais do que expectativas legítimas, de modo que o loteador e os adquirentes de lotes estão sujeitos, a todo o instante, a que um novo instrumento de gestão territorial faça gorar os seus projetos, não obstante respeitarem fielmente o ordenamento do território que valia ao tempo em que a operação de loteamento urbano fora licenciada.
A posição da IGAMAOT, além de amparada no aresto do Pleno, parece contar com acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Parece contar, pelo menos, com o acórdão n.º 496/2008, de 9 de outubro[13], que admitiu a prevalência de um plano de ordenamento da orla costeira sobre as especificações de uma licença de loteamento anterior, a qual, mais a mais, já tinha visto confirmada a sua compatibilidade com um plano regional de ordenamento do território superveniente[14].
Convindo delimitar sumariamente a questão controvertida, diríamos que ressalta no pedido de parecer o trecho seguinte:

«A questão que subjaz à dissidência descrita – para cuja solução importará, num primeiro momento, conhecer o concreto alcance destas normas e o conteúdo e extensão dos direitos que visam proteger – é a de saber se o deferimento de uma operação de loteamento operada por título válido confere ao seu titular uma mera expectativa do direito de materializar a potencialidade construtiva (definida e especificada no respetivo alvará), cujo exercício fica dependente das imposições legais vertidas em Instrumento de Gestão Territorial vinculativo em vigor no momento da apreciação e decisão do licenciamento da construção, ou se, pelo contrário, o mesmo deferimento de operação de loteamento consolida imediatamente tal direito na propriedade privada do titular do lote, vinculando a Administração ao licenciamento da operação de urbanização, de acordo com as especificações do alvará de loteamento, independentemente das exigências decorrentes de Instrumento de Gestão Territorial superveniente».

Em síntese: uma vez prestadas as cedências, executadas as obras de urbanização e satisfeitos os demais encargos assumidos, o loteador, prestes a poder construir nos lotes, ou encontra abrigo nas especificações fixadas para a operação de loteamento ou terá se sujeitar-se ao superveniente plano de ordenamento da orla costeira e às imprevistas restrições do seu conteúdo.
Em todo o caso, emergem, como vimos, outras questões controvertidas a que importa responder.
Admitido o pedido[15] e delineado o âmbito da consulta, cumpre-nos formular parecer.

(2)
Sequência metodológica.

A resposta à questão controvertida ganha em ser precedida por uma prospeção a desdobrar por dois circuitos.
No primeiro, irá determinar-se o lugar das operações de loteamento urbano na ordem jurídica[16], identificando as características da operação a partir do seu regime, para divisar a finalidade do licenciamento pelas autoridades municipais.
Depois, serão retratados os planos de ordenamento da orla costeira, tendo em atenção as mais recentes alterações legislativas e o conteúdo programático a que o legislador os votou.
Isto, com o sentido de saber se ocorre – ou se é admissível que ocorra – algum efeito retrospetivo do plano de ordenamento da orla costeira (ou da sua alteração) que restrinja ou inviabilize novas edificações, não obstante encontrarem-se especificadas em licença municipal de loteamento urbano, válida e eficaz por conformidade com o direito aplicável ao tempo do seu deferimento.
Seguir-se-á um levantamento das principais tensões ocorridas preteritamente entre loteamentos e planos de ordenamento do território, sabendo se, e como, foram superadas.
Estaremos, então, em melhores condições de analisar a questão controvertida à luz da recente reforma do ordenamento do território e do direito do urbanismo (2014/15), empreendida com a publicação da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio (Lei de Bases da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e Urbanismo – LBPPSOTU) e pelo desenvolvimento legislativo que lhe concederam o Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – RJIGT) e o Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro (11.ª alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE).
Depois, tomar-se-á posição acerca dos efeitos de um novo plano especial de ordenamento do território (ou sua revisão) no conteúdo das licenças ou comunicações prévias de loteamento anteriores, válidas para áreas de âmbito territorial comum.
Por fim, serão caracterizadas as posições jurídicas ativas do loteador e dos adquirentes de direitos reais de gozo sobre os lotes, de modo a apurar se o aproveitamento edificatório fica permitido com a instituição do loteamento ou se apenas se constitui um direito a edificar quando do licenciamento ou da apresentação de comunicação prévia relativa a obras de edificação em cada lote.

(3)
O loteamento como garantia de precedência da urbanização sobre a edificação.

Na ordem de exposição, começaremos por alinhar algumas considerações prévias a respeito da operação de loteamento como instituto do direito urbanístico, de modo a dissipar um equívoco frequente: o de que o loteamento representaria uma iniciativa inteiramente voluntária da parte dos construtores em ordem à divisão fundiária. Por outras palavras, como se, com o propósito de edificar, lotear ou não lotear fosse uma opção deixada ao critério do interessado.

3.1. Em primeiro lugar, e ao contrário do que possa sugerir a necessidade de uma licença ou, excecionalmente, de uma comunicação prévia, a operação de loteamento urbano não é uma operação urbanística, em sentido material, nem é simplesmente a divisão em lotes de um ou vários prédios.
Tão-pouco o loteamento, com todos os custos que faz recair sobre o promotor, incentiva o mercado imobiliário a procurá-lo, sobretudo quando a divisão predial não é um fim em si e se preste a ser evitada ou contornada.
Constitui, isso sim, pressuposto necessário de algumas operações urbanísticas materiais e é condição de validade dos negócios jurídicos que operem a alienação ou a oneração de direitos reais sobre prédios ou suas parcelas.
Adivinha-se complexo na sua natureza jurídica; complexidade que os sucessivos regimes jurídicos do loteamento urbano vêm refletindo[17].
Apesar de ensaiadas várias definições pelo legislador, aquilo que a lei não indica, de forma expressa, são as premissas que obrigam a lotear, como também não estatui, senão remotamente[18], as consequências da preterição do loteamento sempre que este seja juridicamente necessário[19].
Pelo contrário, o texto normativo parece mais propício a disciplinar como e sob quais pressupostos e requisitos é admissível lotear.
Assim, o RJUE define operação de loteamento nos termos seguintes:

«Artigo 2.º
(Definições)
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
(…)
i) “Operações de loteamento”, as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento».

A esta definição legal, não lhe bastava a complexidade sintática[20] do enunciado, como ainda deixa de fora um elemento essencial: as ações de cisão ou reparcelamento de prédios podem ser operações puramente materiais.
Importa afastar a ideia de que o loteamento apenas tem lugar se o promotor, em vista de uma pluralidade de novas edificações sobre um só ou vários terrenos confinantes, optar (ou for previsível que o faça) por uma recomposição fundiária de que resultem novas unidades prediais (lotes).
Nesse pressuposto erróneo, lotear constituiria uma liberalidade do proprietário que se dispunha a empreender uma série de infraestruturas, a ceder parcelas de terreno ao município e vincular-se – a si e aos adquirentes de lotes – por uma ordenação programada da edificação. Se lhe fosse conveniente parcelar formalmente o solo, teria de lotear, mas se preferisse construir várias edificações num mesmo prédio, então estaria fora da incidência do dever de lotear.
Ora, justamente, o ponto central de compreensão do loteamento está no princípio segundo o qual em cada unidade predial só deve implantar-se uma edificação autónoma. O loteamento resulta da simples divisão material do solo, da probabilidade de várias edificações[21] e na necessidade – não numa simples faculdade – de fazer preceder essa divisão material (múltiplas edificações) por uma correspondência com a verdade formal (diferentes unidades prediais), ao nível registal e cadastral[22].
A esse propósito, digamos que o legislador, no passado, já usou de maior clareza.
Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de abril, diploma dirigido a combater os loteamentos informais ou clandestinos, e em cujo artigo 1.º, podia ler-se:
«1 – Os órgãos de administração municipal competentes para a concessão de licenças de loteamento poderão tomar posse administrativa dos prédios situados em zonas urbanas ou rurais, em relação aos quais se verifique algum dos factos seguintes:
a) A divisão em lotes, de qualquer área, destinados imediata e subsequentemente à construção, sem licença legalmente exigida, ou depois de esta ter caducado ou de a respetiva validade se encontrar suspensa, nos termos do Decreto-Lei n.º 511/75, de 20 de setembro;
b) A realização, nas mesmas circunstâncias, de quaisquer trabalhos nos prédios tendentes à sua divisão em lotes com aquele destino, designadamente obras de urbanização ou a simples preparação do terreno para esse fim;
c) A autorização concedida a terceiros, por qualquer título, embora juridicamente inválido, para construir no terreno, em fraude à exigência legal de licença de loteamento.
2 – Presume-se, salvo prova em contrário, que se destinam à divisão dos prédios em lotes para construção, desde que não tenham sido objeto de autorização prévia:
a) Alterações à configuração geral do terreno, nomeadamente por meio de aterros, escavações ou terraplanagens;
b) Derrube de árvores em maciço não integrado em exploração florestal normal;
c) Constituição por qualquer título, embora juridicamente inválido, de lotes de terreno com área inferior à unidade de cultura».

Vale a pena conservar desta disposição, embora há muito revogada[23], um subsídio interpretativo. De valor não apenas histórico, como também, e até principalmente, teleológico.
A finalidade do loteamento urbano, enquanto operação sujeita a licença, não é simplesmente a de acertar a descrição predial na conservatória, a matriz tributária e o cadastro com o inventário municipal. É, isso sim, prover a que as divisões materiais de terrenos, seja por simples trabalhos no solo ou por obras de edificação, levadas a cabo em conformidade ou à margem do direito privado, não surjam como um facto consumado diante da administração pública, em atropelo ao interesse público nas condições elementares de urbanização.
Sem condições de urbanização, designadamente infraestruturas, comprometem-se as incumbências do Estado no sentido de assegurar que os fogos para habitação apresentem «condições de higiene e conforto e que preserv[em] a intimidade pessoal e a privacidade familiar» (artigo 65.º, n.º 1, da Constituição), que as povoações e a vida urbana gozem de «qualidade ambiental» (artigo 66.º, n.º 2, alínea e]) e perturba-se «uma política de ordenamento e reconversão agrária e de desenvolvimento florestal» (artigo 93.º, n.º 2) por via da «racionalização das estruturas fundiárias» (n.º 1, alínea b]), do «uso e gestão racionais dos solos» (alínea d)].
Portanto, interessa reter que, não é tanto a divisão fundiária a justificar a operação de loteamento, como, pelo contrário, é sobretudo a consecução dos fins da operação de loteamento a exigir a divisão dos terrenos em lotes. São os efeitos diretos ou colaterais de uma nova frente de edificações a exigi-la.

3.2. – Ao ordenamento do território convém proibir ou conter, pelo menos, que se dispersem ou concentrem várias edificações num mesmo prédio ou em prédios contíguos anexados, salvo se o promotor urbanizar o local, ordenar uma delimitação equilibrada do espaço e assumir outros custos que aproveitem à zona circundante, designadamente reservar fogos para arrendamento social ou criar equipamentos de uso público. Fica ao seu critério. Há de prognosticar as vantagens patrimoniais decorrentes da futura alienação, oneração ou uso e fruição dos lotes edificados ou em condições de o virem a ser.
Estas são as linhas essenciais da figura do loteamento. Como se vê, permite fazer convergir diretamente uma iniciativa económica privada com o interesse público, pois o deferimento da licença pressupõe satisfazer os seguintes deveres, ónus e encargos:

a) Execução de obras de urbanização (artigo 49.º, n.º 2, artigo 71.º, n.º 1, alíneas a] e b] e n.º 2, a contrario sensu, artigo 77.º, n.º 1, alínea b], do RJUE) legalmente definidas como «as obras de criação e remodelação de infraestruturas destinadas a servir diretamente os espaços urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, eletricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva» (artigo 2.º, alínea h]) e que ingressam no domínio público por receção provisória e definitiva (artigo 87.º, n.º 3) sem prejuízo de contrato administrativo de concessão a terceiros (artigos 46.º e 47.º);

b) Constituição de caução adequada para garantir o cumprimento das obrigações e seu eventual reforço (artigo 54.º, do RJUE);

c) Garantia das obras de urbanização contra vícios e defeitos, por cinco anos (artigo 87.º, n.º 5, do RJUE);
d) Dotação de áreas mínimas para utilização coletiva no perímetro da operação de loteamento, consignadas privativamente aos lotes, ou melhor, aos seus futuros proprietários (artigo 43.º, do RJUE);

e) Cedência gratuita de terrenos ao município, adstritos a uma concreta utilidade pública (artigo 44.º, n.º s 1 a 3, do RJUE) ou,

f) Compensação, nos termos a definir por regulamento municipal, em dinheiro ou em espécie (artigo 44.º, n.º 4, do RJUE):

- Se o prédio a lotear já estiver servido pelas infraestruturas adequadas; ou,
- Se for impossível ou superabundante instalar algum equipamento público, criar ou ampliar zonas verdes públicas; ou,
- Se «os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada» (artigo 43.º, n.º 4) embora adstritos aos lotes como partes comuns e sob o regime da propriedade horizontal, com as devidas adaptações, permanecerem abertos ao público[24];

g) Especificações obrigatórias de ordenação arquitectónica com eficácia real e quase regulamentar de alguns parâmetros de edificação para cada lote, v.g. implantação, número de fogos ou outras unidades de utilização, finalidade e cércea das edificações (artigo 77.º, n.º 1, alínea e] e artigo 68.º, alínea a], ambos do RJUE);

h) Especificações eventuais (quota de fogos destinados a habitação a custos controlados[25]) e autovinculação por meio de especificações facultativas (v.g. aspetos de desenho urbano e de tipologia dos fogos).
Daí, a necessidade de uma licença ou, pelo menos, de um outro controlo administrativo prévio (v.g. informação prévia qualificada favorável a habilitar simples comunicação prévia, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, do RJUE).
Algo, cuja razão de ser já se expunha no preâmbulo do primeiro regime dos loteamentos urbanos – o Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965 – na parte em que se cuida das finalidades tidas em vista pelo legislador:

« (…) [O]bstar a criação de núcleos habitacionais que contrariem o racional desenvolvimento urbano do território e a evitar que se efetuem operações de loteamento sem que previamente estejam asseguradas as indispensáveis infraestruturas urbanísticas.
Estas atividades especulativas, além de lesarem, por vezes, os compradores de boa-fé, criam para as câmaras municipais sérios problemas de ordem financeira, pois mais cedo ou mais tarde elas serão chamadas a realizar importantes obras de urbanização, impostas pela necessidade de se dotarem os referidos núcleos habitacionais com os indispensáveis acessos, redes de abastecimento de água e de drenagem de esgotos, espaços livres, etc., e procederem à sua conservação, assumindo encargos que não têm qualquer compensação e que, na maior parte dos casos, não podem ser suportados pelo erário municipal sem prejuízo dos seus programas normais de atividade».

A bem dizer, a operação de loteamento encerra um vínculo sinalagmático, posto que o órgão municipal estipula ao requerente da licença, e com ampla margem de discricionariedade administrativa[26], as contrapartidas adequadas às necessidades coletivas de bem-estar, segurança e cultura do local[27].
O sinalagma, de resto, serviu de base a este Conselho Consultivo, no Parecer n.º 89/1946[28] para se pronunciar contra a validade do que qualificou como contratos administrativos atípicos de urbanização, outorgados entre um município e um particular, pelo menos, até que um diploma legal conferisse às câmaras municipais poderes especiais.
Com efeito, o primeiro regime[29] aludia ao poder discricionário de obrigar à cedência de terreno para equipamento urbano e a um encargo de mais-valia, em alternativa à execução direta de obras de urbanização sob fiscalização municipal (artigo 6.º, n.º 1).
Já o regime subsequente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, previa um programa de obras de urbanização (artigo 13.º e artigo 19.º, n.º 1) e áreas mínimas a ceder aos municípios, em conformidade com portaria a publicar, «para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos» (artigo 19.º, n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de novembro, admitiria o acréscimo de outros ónus e encargos, alguns de cariz social, desvinculando as cedências de uma direta utilidade para os adquirentes dos lotes:

«Artigo 35.º
Na concessão de licenças de loteamento podem ser impostas, além de outras condições que se mostrem convenientes:
a) A observância, para todos ou parte dos fogos a construir nos lotes, de valores máximos para as rendas ou preços de venda a praticar;
b) A programação da construção dos fogos permitidos;
c) A cedência à Administração de determinadas áreas destinadas a equipamentos de interesse coletivo.»

Diferentemente da licença para loteamento urbano, a licença de obras de edificação, precedida pela aprovação do projeto de arquitetura (artigo 20.º do RJUE) representa, geralmente, um nihil obstat, uma vez verificada pelas autoridades municipais (e pelos demais poderes públicos chamados a prestar parecer) a conformidade com as pertinentes prescrições legais e regulamentares.
O promotor vincula-se ao projeto de arquitetura e aos projetos das especialidades que apresenta, sem prejuízo de estes poderem vir a conhecer alterações e de, com o deferimento da licença poderem ser fixadas algumas especificações e condições à própria obra (artigos 24.º a 27.º do RJUE).
Mas, não nos iludamos. A operação de loteamento, apesar dos elementos sinalagmáticos e a ponto até de poder ter consigo um contrato de urbanização associado[30], não é em si mesma um negócio jurídico.
Se fosse um contrato administrativo[31], a resposta ao pedido de consulta poderia simplesmente devolver-se à disciplina da modificação dos contratos administrativos enunciada nos artigos 311.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos[32].
A operação de loteamento é objeto de um ato administrativo – a licença municipal[33] – ato administrativo esse que é constitutivo de direitos[34] e, como tal, insuscetível de revogação, salvo pressupostos limitados[35].
A ter sido prestada, há menos de um ano, informação prévia favorável, basta o procedimento simplificado de comunicação prévia (artigo 14.º, n.º 2 ex vi do artigo 17.º, n.º 1, 1.ª parte, do RJUE).

3.3. – É por entre estas premissas – novas edificações autónomas sobre imóveis parcelados ou reparcelados – que se descortina o interesse público essencial no loteamento urbano e no licenciamento da respetiva operação.
Uma vez que ao loteador será permitido vir a construir novas edificações, parece razoável exigir-lhe que suporte os encargos com a necessária urbanização do local e com a cedência de solos em favor de zonas deficitárias. Se o local já se encontrar servido por infraestruturas, a figura da compensação visa introduzir maior igualdade na repartição dos custos com a cidade.
O loteamento procura, pois, garantir a precedência da urbanização sobre a edificação.
As áreas urbanas de génese ilegal[36] surgem, justamente, por contraste, como a melhor ilustração das necessidades coletivas que o loteamento urbano visa satisfazer.
Nessas áreas, edificou-se, quase sempre, sem o mínimo de programação – nem sequer o alinhamento das edificações – e sem estarem criadas infraestruturas básicas (ligação às redes de fornecimento de água, de energia elétrica, de descarga de águas residuais).
Pela angariação de promitentes-compradores ou pela alienação de prédios rústicos em compropriedade, a edificação nos talhões, abusivamente demarcados no terreno como sendo privativos, precedeu a urbanização e só a reconversão urbanística permite reverter o quadro deprimente, embora a custos muito superiores. Reordenar os arruamentos e fazer recuar fachadas ou diminuir volumetrias, fazer guardar afastamentos mínimos entre vãos das edificações, distanciar utilizações incompatíveis e demolir o que foi surgindo sobre leitos de cheia ou em terrenos escarpados, é todo um esforço que se prolonga por muito tempo e com elevado sacrifício para todos.
Até lá, os detentores dos aparentes lotes não podem alienar nem onerar um bem que consideravam exclusivamente seu.
Para esse efeito, consideram-se áreas urbanas de génese ilegal, nos termos do respetivo regime jurídico[37] o que vai seguidamente transcrito:
«Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
1 – (…).
2 - Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e que, nos respetivos planos territoriais, estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º.
3 - São ainda considerados AUGI os prédios ou conjuntos de prédios parcelados anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965, quando predominantemente ocupados por construções não licenciadas».

A reconversão urbanística segue, com as múltiplas adaptações necessárias, o procedimento administrativo da licença municipal para loteamento, se for da iniciativa dos proprietários ou comproprietários, e até mesmo, em alguns casos de iniciativa municipal ou intermunicipal (artigo 4.º).
E se estas áreas são ainda suscetíveis de reconversão urbanística, outras há que estão (ou deviam estar) irremediavelmente condenadas à demolição e à reposição dos solos.
É o que se determina no Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de novembro[38], e em cujo artigo 1.º pode ler-se o seguinte:

«Artigo 1.º
1 – Consideram-se áreas de construção clandestina aquelas em que se verifique acentuada percentagem de construções efetuadas sem licença legalmente exigida, incluindo as realizadas em terrenos loteados sem a competente licença.
2 – As áreas de construção clandestina poderão, consoante as circunstâncias, ser objeto de medidas tendentes à legalização das mesmas, à sua manutenção temporária ou à sua imediata ou próxima demolição.
3 – As medidas previstas no número anterior poderão ser aplicadas conjuntamente dentro da mesma área se esta apresentar zonas com diferentes condições».

Ao loteamento cumpre, na generalidade dos casos[39], garantir que a criação de um novo núcleo urbano ou a ampliação de um perímetro edificado já existente só terão lugar depois de provido o local das infraestruturas necessárias. São as obras de urbanização, estipuladas como condição modal para obter o deferimento da licença de loteamento.
E, considerando os proventos que o parcelamento traz consigo a quem o promove, desde logo porque os preços de aquisição de solos não urbanizados foram decerto inferiores, entende-se justo obrigar o loteador a reparti-los com a comunidade, através da cedência de parcelas de imóveis para fins concretos de utilidade pública.
A figuração jurídica do loteamento apresenta, com isto, uma fragilidade: fugir ao loteamento e aos encargos que ele constitui, através da simulação de que surge apenas uma edificação autónoma, de que não ocorre divisão do solo.
Alguns viram uma porta aberta na designada propriedade horizontal de conjuntos de edifícios (artigo 1438.º-A do Código Civil[40]) como alternativa à operação de loteamento urbano[41], sem atender a que essa extensão das relações jurídicas reais de propriedade horizontal (ou por andares) em nada desobriga os promotores ao cumprimento das normas de direito público.
A ideia mostrar-se-ia simples: criar a aparência de uma única edificação, não obstante repartida por vários blocos ou torres, dotados de acessos e partes comuns privativos, fixando-lhes um traço de interdependência que, do ponto de vista funcional, é puramente adjetivo.
Alguns exemplos de artifícios falam por si.
Comecemos por uma escala modesta, mas ilustrativa, a partir da descrição traçada em acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, tirado em 23 de março de 2015[42]:

«Resulta dos Autos que as duas habitações – moradias (identificadas, respetivamente como fração “A” e “B”) terão entradas independentes e individualizadas, sendo desniveladas entre si, cerca de meio metro, apenas ligadas pela estrutura de betão armada dos alpendres, sendo que nestes, as paredes contíguas se encontram parcialmente justapostas, sendo as redes de telecomunicações, de abastecimento de água, eletricidade e gás independentes para cada uma das moradias, ligando às respetivas redes localizadas em espaço público, havendo um coletor comum quer nas águas pluviais, quer na rede de saneamento, no limite frontal do terreno para ligação aos coletores públicos.
Estamos assim em presença de duas unidades autónomas, apesar de apresentarem alpendres contíguos, colocados entre as casas».

Na mesma linha, mas já com maior impacto urbanístico, veja-se o caso relatado em trecho de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de fevereiro de 2007[43]:

«Na verdade, o caso dos autos demonstra o desencadear de um procedimento que, relativamente a um prédio rústico, levou à sua divisão em oito moradias inteiramente individualizadas de rés-do-chão e andar, o que é facilmente apreensível, desde logo, pelas plantas (…) sendo os maiores indicadores dessa autonomia, “a entrada própria a partir da rua” e “um terreno de logradouro, uma garagem e um espaço de aparcamento situados nas traseiras das habitações”».

O citado acórdão tem presente o locupletamento que o promotor alcança com a pluralidade de edificações num mesmo imóvel e adverte contra os riscos de o aplicador só indiciar a necessidade de loteamento perante uma divisão imobiliária formal:

«Outro entendimento legitimaria que, face à edificação de um conjunto de vários fogos inteiramente autónomos mas ao qual fosse afetada uma área de comunhão (de espaços ou serviços) estivesse encontrado o caminho para contornar o que decorre de um pedido de licenciamento de uma operação de loteamento».

Segundo tal conceção pródiga, que no acórdão se verbera, a operação não representaria uma divisão formal do solo e, por conseguinte, estaria fora da incidência do ónus de urbanizar para edificar.
À margem da imposição do loteamento ficariam as obras de urbanização, as cedências imobiliárias ao domínio municipal e a reserva de um mínimo de áreas de utilização coletiva que, embora adstritas à operação (zonas verdes, passeios pedonais, lugares de estacionamento) aliviam as zonas em redor, havendo de obedecer aos parâmetros regulamentares próprios, designadamente os planos municipais de ordenamento do território.
Se alguns obtiveram amplas vantagens por este meio, pelo contrário, a cidade ficava sempre a perder. Confrontada com novas manchas intensivas de edificação, a eliminação do impacto era deixada à mercê do orçamento municipal e das receitas tributárias para reforço de infraestruturas urbanísticas[44], cujo destino de aplicação é, em princípio, o conjunto das zonas limítrofes e não a própria área a edificar.
Ora, o fim visado pelo legislador no artigo 1438.º-A do Código Civil é o de permitir que as partes comuns a vários edifícios – porventura construídos no contexto de um loteamento urbano – obedeçam ao regime das partes comuns na propriedade horizontal, sem embargo até de, acrescidamente, em cada edifício, dotado de frações autónomas, poder ter sido adotado o regime da propriedade horizontal[45].
Como persistisse a atribuição de natureza pública a esta norma civil, importava dissipar a vulnerabilidade a que se expunha a ordem pública urbanística, algo a que o legislador esteve atento, pois com a versão originária do RJUE introduziu e tem vindo a aperfeiçoar o regime jurídico dos «edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nos termos a definir por regulamento municipal» (artigo 57.º, n.º 5, do RJUE[46]) e a onerar os promotores com alguns dos encargos característicos do loteamento[47].
Bem assim, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo 57.º consignou-se que, não havendo loteamento, as obras que contemplem, para uso privativo, áreas de circulação (viária e pedonal), espaços verdes ou outro equipamento obrigam-se ao pagamento de compensação ao município, nos termos do artigo 44.º, n.º 4, do RJUE.
E com isto, uma nota. A operação de loteamento já não se encontra sozinha no âmbito das operações que reclamam a imposição de encargos de urbanização. Por outras palavras, o impacto urbanístico não é exclusivo das operações de loteamento.
Embora historicamente a ciência do direito tenha captado no loteamento a modalidade mais comum de originar sobrecargas urbanísticas, soube também ir identificando outras operações que se escudavam por entre a complexidade das formulações linguísticas destinadas a exprimir o surgimento de novas frentes de edificação.

3.4. – Prosseguindo em direção a uma mais completa perceção do loteamento urbano no quadro do direito urbanístico, cremos que vale a pena retratar, ainda que brevemente, duas outras figuras que o legislador adotou e tem vindo a aperfeiçoar.
Numa primeira, o legislador isenta certos parcelamentos com fins urbanísticos de licença e de comunicação prévia. Na outra, independentemente de haver ou não loteamento, faculta aos órgãos municipais poderem condicionar o licenciamento de certas operações, em especial aquelas que façam aumentar o povoamento disperso pela execução, não de um inteiro programa, mas de algumas obras de urbanização.
Veremos o que têm em comum estas duas figuras e em que medida ajudam o intérprete a captar com maior nitidez a correlação entre urbanização e edificação.
O destaque[48], já o antecipámos, representa uma isenção da licença para loteamento urbano. À outra previsão chamaremos operações urbanísticas dispersas ou em zonas saturadas e que devam ser impedidas por constituírem «comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas ou serviços gerais existentes ou implicar[em], para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia ou de saneamento[49]».
Da isenção de loteamento urbano por via do destaque pode dizer-se que surge por um imperativo de proporcionalidade e de razoabilidade. Reconhece-se que alguns parcelamentos para edificação, pela diminuta expressão que permitem prognosticar, em pouco ou nada alteram as necessidades coletivas de urbanização e o seu nível de satisfação.
O RJUE agrupa diferentes pressupostos típicos para admitir o destaque segundo a localização em perímetro urbano (artigo 6.º, n.º 4) ou fora dos perímetros urbanos (n.º 5).
No primeiro caso, da cisão só pode resultar uma nova parcela. Exige-se a esta – a parcela destacada – que permaneça a confrontar com um arruamento público; característica que a parcela originária – e doravante, remanescente – já possuía e deverá conservar.
Uma nova parcela permite, pois, uma nova edificação.
O pressuposto da confrontação com arruamentos públicos é, em princípio, garantia contra o povoamento disperso, contra o indesejado encravamento de parcelas de terreno e joga a favor da proximidade às infraestruturas coletivas, designadamente às redes de abastecimento de água, de energia elétrica ou de drenagem das águas residuais.
No segundo caso, de solos rústicos, acresce uma outra preocupação: evitar o desaproveitamento agrícola.
Por conseguinte, só uma das parcelas pode vir a ser urbanizada e edificada e com o limite de uma edificação com não mais de dois fogos. A outra permanece adstrita a um uso compatível com a sua classificação rústica e há de preservar «a área mínima fixada no projeto de intervenção em espaço rural» ou, na sua falta, «a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva».
Nos termos do disposto pelo artigo 3.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Estruturação Fundiária[50] (RJEF) define-se prédio rústico nos termos seguintes:

«Entende-se por prédio rústico toda a parte delimitada do solo com autonomia física, ainda que ocupada por infraestruturas, que não esteja classificada como urbana e que se destine a atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como os espaços naturais de proteção ou de lazer, exceto para o efeito da aplicação das isenções fiscais previstas na presente lei, em que a definição de prédio rústico é a que consta do artigo 3.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis».

Por sua vez, as unidades de cultura encontram-se fixadas no anexo I à Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, por região, segundo o peso dominante do regadio ou sequeiro, continuando a aplicar-se, transitoriamente, os valores enunciados no artigo 1.º do regulamento aprovado pela Portaria n.º 202/70, de 21 de abril, aos prédios rústicos sujeitos a instrumentos de gestão territorial ainda não revistos em conformidade (artigo 4.º, do RJEF).
Em ambos os casos, ficam interditos, ao longo de dez anos, novos destaques nas parcelas já destacadas e nas remanescentes (artigo 6.º, n.º 6, do RJUE), tal como se proíbe a construção nas parcelas sem que o interessado prove ter já inscrito aquele ónus no registo predial (n.º 7). Trata-se de evitar que a isenção de licença para loteamento urbano seja defraudada por meio de sucessivos destaques.
Aludiremos seguidamente às operações urbanísticas[51] em áreas sem condições de urbanização suficientes (ou já saturadas), cuja licença municipal pode ser recusada, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, do RJUE.
A estas operações acrescem, com um regime excecional vinculado, as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento «na ausência de arruamentos ou de infraestruturas de abastecimento de água e saneamento» ou de que se prognostique fundamentadamente constituírem «uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes» (artigo 24.º, n.º 5, do RJUE).
Regime excecional porque, diante destes pressupostos mais estritos, o órgão municipal está vinculado, e não simplesmente habilitado, a indeferir o pedido de licença.
A nota destes condicionamentos contribui para ilustrar o nexo entre urbanização e edificação.
Contribui ainda para nos darmos conta de que a divisão ou o reparcelamento predial, embora sejam indícios a não subestimar, devem tomar outros fatores em linha de conta, na hora de admitir ou recusar determinadas operações urbanísticas por razões de densidade e sustentabilidade. Seja por se agravarem as características de dispersão ou, ao invés, por se rumar a uma concentração demasiada do povoamento, no contexto local.
Não menos importante é confirmar que o direito urbanístico tem vindo progressivamente a criar instrumentos para reduzir a clivagem que tradicionalmente separava lotear e não lotear, em termos de tudo ou nada. Tem vindo a empreender um notório aperfeiçoamento das garantias de precedência da urbanização.
E isto sem regressar ao expediente, tão facilitista quanto pernicioso, da mera imposição de contrapartidas pecuniárias às obras particulares em situação deficitária para com a envolvente urbanística, instrumento que o Regime Jurídico do Licenciamento Municipal das Obras Particulares proscreveu[52], primeiro na redação originária, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, depois, de forma mais perentória, na redação do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro.
Assim, o primeiro pôs termo às compensações e contribuições por mais‑valias sobre obras particulares e que se multiplicavam nas posturas e regulamentos municipais ou resultavam, simplesmente, de uma criação arbitrária, sob a aparência de um juízo de equidade.
O segundo, por aditamentos ao artigo 68.º, reforçou vigorosamente a proibição, nos termos que se reproduzem:

«Artigo 68.º
(Taxas)
(…)
4 - A exigência, por parte da câmara municipal ou de qualquer dos seus membros, de mais-valias não previstas na lei ou de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença de construção, quando dê cumprimento àquelas exigências, o direito a reaver as quantias indevidamente pagas ou, nos casos em que as contrapartidas, compensações ou donativos sejam realizados em espécie, o direito à respetiva devolução e à indemnização a que houver lugar.
5 - As situações previstas no número anterior constituem ilegalidade grave para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 9.° e na alínea g) do n.º 1 do artigo 13.° da Lei n.º 87/89, de 9 de setembro».

Insiste-se. Embora o ónus de obter licença de loteamento a partir da multiplicação de edificações (e consequente divisão material dos terrenos) tenha constituído um primeiro e primordial passo, não é menos certa a conveniência e justeza de condicionar a encargos de urbanização outras operações materiais de edificação.
Já nos referimos aos edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si com impacto semelhante ao de um loteamento (artigo 57.º, n.º 5, do RJUE).
Há, bem assim, outras obras cujo impacto relevante, a definir por regulamento municipal, justificam cedências ou compensações (artigo 44.º, n.º 5, do RJUE).
E é nesta linha de orientação que também deve ser compreendida a reapreciação do pedido de licença, prevista no artigo 25.º do RJUE, e que permite ao município imputar ao dono da obra a execução de trabalhos de urbanização ou os encargos respetivos, a fim de suprir o défice de pressupostos urbanísticos da edificação a que se propõe:

«Artigo 25.º
(Reapreciação do pedido)
1 - Quando exista projeto de decisão de indeferimento com os fundamentos referidos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 5 do artigo anterior, pode haver deferimento do pedido desde que o requerente, na audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infraestruturas por um período mínimo de 10 anos.
2 - [Revogado].
3 - Em caso de deferimento nos termos do n.º 1, o requerente deve, antes da emissão do alvará, celebrar com a câmara municipal contrato relativo ao cumprimento das obrigações assumidas e prestar caução adequada, beneficiando de redução proporcional ou isenção das taxas por realização de infraestruturas urbanísticas, nos termos a fixar em regulamento municipal.
4 - A prestação da caução referida no número anterior bem como a execução ou manutenção das obras de urbanização que o interessado se compromete a realizar ou a câmara municipal entenda indispensáveis devem ser mencionadas expressamente como condição do deferimento do pedido.
5 - À prestação da caução referida no n.º 3 aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 54.º.
6 - Os encargos a suportar pelo requerente ao abrigo do contrato referido no n.º 3 devem ser proporcionais à sobrecarga para as infraestruturas existentes resultante da operação urbanística».

Nestas situações, a licença municipal, ainda que circunscrita a uma obra de construção ou de ampliação, reveste-se de um traço que é típico da licença de loteamento: ser um ato modal[53]. É precisamente esta característica que pode, como vimos, precipitar uma qualificação contratual do loteamento. Contrato e licença não se excluem mutuamente. O contrato de urbanização pode integrar o procedimento administrativo sem lhe pôr termo.

3.5. – Julgamos conveniente, ainda, fazer notar que a operação de loteamento urbano constitui material e funcionalmente um instrumento de gestão territorial, desde a programação das obras de urbanização até à especificação dos usos futuramente permitidos para cada um dos lotes ou para os espaços de utilização coletiva.
Não por acaso, a autorizzazione di lotizzazione é, em muitos aspetos, tratada de par com o plano de pormenor no direito transalpino[54]. Por seu turno, no direito francês o ato que especifica as condições do lotissement é expressamente qualificado como regulamentar[55].
A consulta pública, precedendo as operações de loteamento que a câmara municipal estatuir em regulamento (artigo 22.º do RJUE) é mais um ponto de aproximação.
Desempenham funções análogas e, embora em termos diferentes (propter rem) as especificações do loteamento vinculam terceiros – privados e públicos[56] (artigo 77.º, n.º 3, do RJUE[57]).
Daí, poder afirmar-se com propriedade que a licença municipal de loteamento possui natureza real[58]. As características pessoais do seu titular pouco relevam, de modo que a transmissão da propriedade da parcela ou do lote determinam a transmissão do alvará. Apenas cumpre ao transmissário fazer prova do ato de transmissão junto do presidente da câmara municipal «para que este proceda ao respetivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da substituição» (artigo 77.º, n.º 7, do RJUE).
Além de poder enunciar um programa de obras de urbanização e de guardar determinados espaços para fins de utilização coletiva (pública e privada) a licença de loteamento define os parâmetros da edificação nos lotes, a sua implantação e utilização, e vai publicitá-lo no alvará, cujo aviso é afixado no local, divulgado na imprensa e em boletim municipal ou por edital (artigo 78.º do RJUE), além do registo predial.
Para o que diz respeito à economia da consulta, são estas as especificações obrigatórias:
«Artigo 77.º
(Especificações)
1 - O alvará de licença de operação de loteamento ou de obras de urbanização deve conter, nos termos da licença, a especificação dos seguintes elementos, consoante forem aplicáveis:
(…)
e) Número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos;
f) Cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio municipal;
g) Prazo máximo para a conclusão das operações de edificação previstas na operação de loteamento, o qual deve observar o prazo previsto no instrumento de programação da execução do plano territorial de âmbito municipal ou intermunicipal aplicável e não pode ser superior a 10 anos;
h) Prazo para a conclusão das obras de urbanização;
i) Montante da caução prestada e identificação do respetivo título.
2 - O alvará a que se refere o número anterior deve conter, em anexo, as plantas representativas dos elementos referidos nas alíneas e) e f).
3 - As especificações do alvará a que se refere o n.º 1 vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio, bem como os adquirentes dos lotes.
(…)».

A faceta regulamentar da licença de loteamento urbano, sugerida pelo facto de servir de parâmetro da legalidade urbanística às sucessivas operações a executar no perímetro loteado, sempre convocaria os princípios da inderrogabilidade singular dos regulamentos e da irretroatividade dos regulamentos lesivos, princípios hoje acolhidos expressamente, no Código do Procedimento Administrativo[59] (artigos 142, n.º 2, e 141.º, n.º 1).
Se pudéssemos considerar, sem mais, que a licença de loteamento com o respetivo alvará constituísse um regulamento administrativo, então, teríamos de excluir o poder de a administração pública desaplicar singularmente alguma das suas prescrições[60], mesmo que em nome de um outro regulamento posterior, v.g. um plano de ordenamento da orla costeira. E teríamos de excluir a sua aplicação restritiva a situações jurídicas ativas, consolidadas no passado[61].
As similitudes, contudo, não significam identidade.
Não vale afirmar que a licença de loteamento e as especificações enunciadas no alvará respetivo constituem um plano de pormenor e que, por conseguinte, as vicissitudes unilateralmente decretadas pelos poderes públicos sobre um plano de pormenor possam ser transpostas, linearmente, para o campo das alterações ou supressões das operações de loteamento urbano.
A primeira diferença está no facto de a iniciativa e a execução do loteamento serem exógenas ao município, ao passo que o plano de pormenor surge da iniciativa pública e é, em grande parte, de execução municipal.
Não obstante o loteamento urbano convergir para o interesse público, não deixa de ser uma ação privada[62].
O município só é chamado a executar o loteamento nos casos de incumprimento pelo titular da licença e em que se imponha salvaguardar um interesse público seriamente comprometido ou proteger os adquirentes de lotes[63]. Em todo o caso, fá-lo-á por conta do loteador e da caução. É o que se consigna no RJUE:
«Artigo 84.º
(Execução das obras pela câmara municipal)
1 - Sem prejuízo do disposto no presente diploma em matéria de suspensão, caducidade das licenças, autorizações ou comunicação prévia ou de cassação dos respetivos títulos, a câmara municipal, para salvaguarda do património cultural, da qualidade do meio urbano e do meio ambiente, da segurança das edificações e do público em geral ou, no caso de obras de urbanização, também para proteção de interesses de terceiros adquirentes de lotes, pode promover a realização das obras por conta do titular do alvará ou do apresentante da comunicação prévia quando, por causa que seja imputável a este último:
a) Não tiverem sido iniciadas no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará ou do título da comunicação prévia;
b) Permanecerem interrompidas por mais de um ano;
c) Não tiverem sido concluídas no prazo fixado ou suas prorrogações, nos casos em que a câmara municipal tenha declarado a caducidade;
d) Não hajam sido efetuadas as correções ou alterações que hajam sido intimadas nos termos do artigo 105.º
2 - A execução das obras referidas no número anterior e o pagamento das despesas suportadas com as mesmas efetuam-se nos termos dos artigos 107.º e 108.º.
3 - A câmara municipal pode ainda acionar as cauções referidas nos artigos 25.º e 54.º.
4 - Logo que se mostre reembolsada das despesas efetuadas nos termos do presente artigo, a câmara municipal procede ao levantamento do embargo que possa ter sido decretado ou, quando se trate de obras de urbanização, emite oficiosamente alvará, competindo ao presidente da câmara dar conhecimento das respetivas deliberações, quando seja caso disso, à Direção-Geral do Território, para efeitos cadastrais, e à conservatória do registo predial».

O plano de pormenor, sem prejuízo de poder contar, na sua formação, com um contrato administrativo[64], é um regulamento administrativo[65], enquanto a licença para loteamento é um ato administrativo constitutivo de direitos e interesses legalmente protegidos.
Algo que o RJUE não deixou escapar e consignou de forma expressa nos termos que se reproduzem:

«Artigo 73.º
(Revogação)
1 – Sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte, a licença ou as autorizações de utilização só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os atos constitutivos de direitos.
2 – Nos casos a que se refere o n.º 2 do artigo 105.º, a licença pode ser revogada pela câmara municipal decorrido o prazo de seis meses a contar do termo do prazo estabelecido de acordo com o n.º 1 do mesmo artigo».

3.6. – A operação de loteamento forma uma rede complexa e heterogénea de situações jurídicas que visa constituir relações de coordenação e de subordinação entre atos jurídicos: uns públicos, outros de direito privado. O objetivo é sempre o de garantir que não é em vão nem com prejuízo do interesse público que se viabiliza um novo conjunto de edificações.
Para esse efeito, incardinam‑se, uns nos outros, atos administrativos antecedentes e consequentes. Impõem-se termos e condições escalonadamente, a fim de que a desconformidade ou o incumprimento de um encargo, de um modo, de um termo ou de uma condição se projetem negativamente na validade ou na eficácia dos atos, assim como na licitude de operações materiais ou negócios jurídicos.
Nessa medida, podemos reconhecer na licença de loteamento um belíssimo exemplo do ato administrativo como fonte de direito, o que decerto não é despiciendo para perceber as razões da sua qualificada estabilidade.
Vale a pena reproduzir um trecho do que escreveram JOÃO CAUPERS/ ANTÓNIO LORENA DE SÈVES[66] acerca do ato administrativo como fonte de direito:

«Dos significados do ato administrativo para os sistemas económico e político apenas de pode dizer, neste âmbito, o que resulta óbvio das implicações latentes sobre as respetivas traduções em lucros ou perdas e em poder e falta dele: aquilo a que se tem designado como a função estabilizadora do ato administrativo. Esta é, porém, a consequência que se projeta do “ato constitutivo de normatividade específica” através da sua “determinante individualização constitutiva”».

Muito significativos são os controlos judicial, notarial e registal que vieram paulatinamente a incidir nos negócios jurídicos que indiciem parcelamento fundiário.
Em especial, os notários, mercê das exigências de forma como condição de validade (v.g. artigo 875.º do Código Civil[67]) desempenham um papel muito importante na garantia do regime jurídico dos loteamentos urbanos.
Estão em causa os atos ou negócios jurídicos de que resulte, direta ou indiretamente, a constituição ou transmissão de lotes, seja para asseverar que há precedência de operação de loteamento (artigo 49.º, n.º 1, do RJUE) seja para garantir que as obras de urbanização foram rececionadas ou subsiste devidamente garantida a sua execução (n.º 2)[68]:

«Artigo 49.º
(Negócios jurídicos)
1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a atos ou negócios jurídicos de que resulte, direta ou indiretamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devem constar o número do alvará ou da comunicação prévia, a data de emissão do título, a data de caducidade e a certidão do registo predial.
2 - Não podem ser realizados atos de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de frações autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante a entidade que celebre a escritura pública ou autentique o documento particular, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da receção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 54.º é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização.
3 - Caso as obras de urbanização sejam realizadas nos termos dos artigos 84.º e 85.º, os atos referidos no número anterior podem ser efetuados mediante a exibição de certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras, devidamente executadas em conformidade com os projetos aprovados.
4 - A exibição das certidões referidas nos n.os 2 e 3 é dispensada sempre que o alvará de loteamento tenha sido emitido ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 289/73, de 6 de junho, e 400/84, de 31 de dezembro».

Último contraforte deste sistema de controlos encadeados é o Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho[69], pois impede «atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular» (artigo 1.º, n.º 1).
Com efeito, só a autorização de utilização (artigo 62.º do RJUE) permite presumir que a licença de obras foi cumprida e, assim, por sua vez, sendo esse o caso, também a licença de loteamento, na pertinente especificação.
Por outro lado, a quebra da conformidade em cadeia que assegure o primado da licença de loteamento projeta-se na validade.
São nulos os atos favoráveis a operações urbanísticas que violem as prescrições anteriormente fixadas para o local em operação de loteamento (artigo 68.º, alínea a], do RJUE).
E, por maioria de razão, devem ser consideradas nulas as licenças ou outros atos favoráveis a operações urbanísticas praticados sem prévio loteamento quando este se mostrasse necessário, designadamente por inculcar uma divisão material do terreno[70].
Há muito que este Conselho Consultivo, ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, valorizou a relação funcional de subordinação entre a licença de loteamento e os atos consequentes, mesmo no silêncio do legislador. Nesta linha, construiu importante doutrina segundo a qual as licenças de obras desconformes com a licença de loteamento padeceriam do mesmo valor jurídico negativo que as próprias licenças de loteamento deferidas sem parecer da ex-Direção-Geral dos Serviços de Urbanização: a nulidade, retirada por maioria de razão do artigo 14.º. Seriam modificações da licença de loteamento com preterição de uma formalidade absolutamente essencial.
A um tempo em que a cominação da nulidade era verdadeiramente excecional no direito administrativo geral e mesmo no direito do urbanismo, a possibilidade de impugnar licenças de construção desconformes com o loteamento adquiria uma importância redobrada.
Transcrevem-se pelo interesse ilustrativo as conclusões do Parecer n.º 124/90, de 21 de março de 1991[71]:

«1 - As condições a que ficam obrigados o requerente, ou aqueles que tomarem a posição de titular do alvará e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes, correspondem às prescrições constantes do alvará (artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, e 47.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro);
2 - Entre as prescrições ou condições constantes do alvará de loteamento n.º 40/78, emitido pela Câmara Municipal de Barcelos, figura a de todos os lotes se destinarem à construção de habitações;
3 - A licença de construção de uma unidade fabril a instalar num dos lotes definidos no alvará referido na conclusão anterior, desrespeita as condições constantes da licença de loteamento, implicando uma desconformidade com as prescrições do alvará de loteamento para habitação;
4 - Na medida em que a operação de loteamento concernente ao alvará n.º 40/78 estava sujeita a prévio parecer da Direção-Geral dos Serviços de Urbanização, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 289/73, a licença de construção a que alude a conclusão 3 envolveu também desrespeito por aquele parecer;
5 - As prescrições constantes do alvará podem ser alteradas a requerimento do interessado, a qualquer momento, devendo, porém, a alteração seguir o processo previsto para o requerimento inicial da licença de loteamento (artigo 53, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 400/84;
6 - Como a operação de loteamento licenciada pelo alvará n.º 40/78 obteve parecer favorável da ex-Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, o processo de alteração não podia dispensar nova audição da (atual) Direção-Geral do Ordenamento do Território;
7 - É nulo o ato da Câmara Municipal de Barcelos que concedeu a licença de construção referida na conclusão 3 (artigos 65.º, n.º 1, e 53.º, n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 400/84)».

Depois, há uma rede articulada de pressupostos e condições para a eficácia de certos atos administrativos por via da qual se pretende garantir o pleno cumprimento da sequência que a operação de loteamento inspira.
O incumprimento dos deveres próprios de uma fase impede o interessado de passar à fase seguinte (v.g. começar a edificar sem ter executado as obras de urbanização) com um particular alcance compulsório obtido pela concatenação com a invalidade dos atos e negócios jurídicos de que vimos ocupar-se o artigo 49.º do RJUE.
Ao caducar a licença de loteamento, já não se poderá construir nos lotes, como abreviadamente se explicou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2.ª Secção), de 27 de novembro de 2013[72]:

«A caducidade da licença de loteamento, ao extinguir os direitos a que se reporta, produz efeitos nos lotes criados por força do licenciamento».

Isto, uma vez mais, com a finalidade de garantir a precedência das condições de urbanização sobre a edificação e com o desiderato de impedir divisões materiais fraudulentas nos prédios[73].
Desde logo, as obras de edificação – razão de ser primordial do loteamento urbano – só podem iniciar-se, uma vez obtida licença ou apresentada comunicação prévia, depois de as obras de urbanização estarem provisoriamente recebidas pelo município ou, pelo menos, prestada a caução (artigo 57.º, n.º 4, do RJUE).
Um dos meios preferenciais para assegurar a continuidade das operações, na sequência complexa que vai até à utilização das edificações é a caducidade por incumprimento de prazos, condições, ónus ou encargos, de forma a obstar à prática válida de atos subsequentes que interessem ao loteador.
Vale a pena recensear as previsões normativas de caducidade da licença ou da comunicação prévia de operação de loteamento orientadas para o referido escopo. Tais atos caducam:

a) Se, no prazo de um ano, não for apresentada comunicação prévia para início das obras de urbanização estipuladas (artigo 71.º, n.º 1, alínea a]) ou,

b) Se não for requerido o alvará único (artigo 76.º, n.º 3) um ano após a comunicação prévia das obras de urbanização (artigo 71.º, n.º 1, alínea b]);
c) Quando as obras de edificação nos lotes constituídos não forem sequer iniciadas (artigo 71.º, n.º 1, alínea c]) ou não forem concluídas dentro do prazo previsto na licença de loteamento, prazo esse que não pode ser superior a dez anos (artigo 77.º, n.º 1, alínea g]);

d) Caso sejam desnecessárias obras de urbanização, se não for requerida a passagem do alvará ou, pelo menos, a liquidação das taxas (artigo 71.º, n.º 2) ou,

e) Na hipótese inversa – de serem necessárias obras de urbanização – se estas não forem iniciadas nos 12 meses subsequentes (artigo 71.º, n.º 3, alínea a]);

f) Se, por motivo imputável ao urbanizador, forem suspensas ou abandonadas por mais de seis meses (artigo 71.º, n.º 3, alínea b] e alínea c]) ou não forem concluídas no prazo devido (artigo 71.º, n.º 3, alínea d]), para o que releva a receção provisória, depois, definitiva, das obras de urbanização, precedendo vistoria (artigo 87.º, n.º 2).

O título da licença (alvará) ou da comunicação prévia (comprovativo) serão cassados pelo presidente da câmara municipal (artigo 79.º, n.º 1, do RJUE) e desse facto é dado conhecimento à conservatória do registo predial (n.º 3)[74].
Especialmente significativa, pela recente inovação, é a caducidade prevista para a licença de loteamento no termo de dez anos, se não for dada como integralmente executada a operação de loteamento: obras de urbanização e obras de edificação.
É que nos regimes anteriores não se determinava a caducidade da licença por conta de lotes que permanecessem indefinidamente devolutos ou com obras inacabadas.
No Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965, apenas se determinava a caducidade da licença de loteamento se as obras de urbanização não fossem iniciadas ou concluídas no prazo ou executadas em desconformidade (artigo 9.º).
No Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, a caducidade só resultava de um excessivo hiato entre o deferimento da licença e o requerimento do alvará, ou da mora no início e conclusão das obras de urbanização, para além da desconformidade com as especificações (artigo 24.º).
No Decreto-lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, acrescentar-se-ia a própria inação do loteador perante a inércia administrativa, o incumprimento do dever de reforçar a caução e o incumprimento do contrato de urbanização, próprio dos loteamentos sob processo especial (artigo 54.º).
Por último, o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, não trouxe grandes inovações (artigo 38.º).
Ora, não raras vezes, o programa das edificações avançava de forma avulsa ou errática, com ou sem propósitos especulativos.
Sem prejuízo de algumas salvaguardas consignadas pelo artigo 71.º, n.º 7, do RJUE, a inovação do termo de dez anos vem acabar com a eficácia tendencialmente perpétua das licenças de loteamento deferidas ao abrigo de anteriores regimes jurídicos e não cumpridas, contando-se o prazo decenal da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro.
As salvaguardas, por seu turno, parecem decorrer de exigências de proibição do excesso e de proteção da confiança:

i) Aproveitamento, nos respetivos lotes, das licenças já deferidas e das comunicações já rececionadas para obras de edificação (alínea a]) até elas próprias caducarem, se for caso disso;

ii) Consolidação das cedências de parcelas «para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas que sejam indispensáveis» aos lotes para os quais tenha sido obtida licença de obras de edificação ou rececionada comunicação prévia, nos termos a especificar na declaração de caducidade (alínea b]);

iii) Definitividade da divisão fundiária, se o caso for de inacabamento das obras de edificação nos lotes, «mantendo-se os lotes constituídos por esta operação, a respetiva área e localização e extinguindo-se as demais especificações relativas aos lotes» (alínea c]).

Quer isto dizer, nas palavras de FERNANDA PAULA OLIVEIRA/ MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES/ DULCE LOPES[75], que:

«Operada a caducidade, deixa de ser possível (…) a construção ao abrigo desse loteamento, ainda que o seja à luz das regras gerais aplicáveis, designadamente as previstas nos instrumentos de planeamento aplicáveis e no RJUE».

Durante muito tempo, o único esteio que permitia sustentar a caducidade de uma licença urbanística era o enunciado das Observações ao artigo 14.º da Tabela a que se referia o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 49 438, de 11 de novembro de 1969, e que revogou a Tabela B, anexa ao Código Administrativo (1940):

« (…) 5.ª As licenças caducam no dia que for indicado, tendo, porém, a tolerância de:
a) Cinco dias nas licenças de prazo igual ou inferior a trinta dias;
b) Dez dias nas de prazo superior a trinta dias.
6.ª As licenças concedidas por tempo superior a trinta dias caducam quando a obra esteja interrompida por mais de trinta dias sem justificação aceite pelo presidente da câmara. Tratando-se de obra dependente de projeto, caduca a validade da deliberação municipal que concedeu a licença, pelo que a obra não pode ser iniciada ou prosseguir sem que que o projeto seja novamente apreciado. Igual caducidade se opera quando a licença não seja solicitada dentro do prazo de um ano a contar da data do deferimento do pedido».

A verdade é que nem sequer estas tímidas disposições se aplicavam aos loteamentos e respetivas licenças.
O Decreto-Lei n.º 19/90, de 11 de janeiro[76], veio ordenar com rigor a caducidade de licenças urbanísticas, embora apenas das licenças de construção, ponderando-se no preâmbulo respetivo o que vai parcialmente transcrito:

«A legislação urbanística atualmente em vigor é omissa no que respeita ao regime de caducidade das licenças municipais de obras na construção civil.
Tal lacuna tem conduzido, na prática, à sucessiva renovação de licenças de construção há muito emitidas, apesar de, em inúmeros casos, se terem radicalmente alterado as condições existentes à data da aprovação dos respetivos projetos.
Verifica-se, ainda, que o não exercício do direito de construir, em prazo razoável, contribui para a existência de solos em situação indefinida, o que, para além de dificultar uma adequada gestão do território, propicia a especulação imobiliária».

Mais importante, ainda. Este diploma iria determinar, pela primeira vez, que, depois de caducar a licença de obras particulares, a concessão de nova licença obedeceria ao direito novo (tempus regit) e não mais às prescrições anteriores, designadamente dos planos já revogados ou modificados (artigo 2.º, n.º 1[77]). E mandou contar os prazos de caducidade – em caso de licenças precedentes – a partir do início da sua própria vigência.
Porém, as licenças de loteamento e as de obras de urbanização compreendidas em loteamento urbano, essas continuaram de fora deste regime, mais severo[78], segundo orientações dimanadas do Governo, através do Despacho n.º 6/91, de 20 de junho, do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território[79].
Daí, a relevância que julgamos ser de atribuir à inovação trazida ao artigo 71.º do RJUE pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro.
Com a caducidade no termo de dez anos encontramos um elemento, certamente relevante, para sopesar as críticas justamente desferidas nas prescrições de loteamentos vetustos e inacabados (ao mesmo tempo) mas aparentemente incólumes à dinâmica de novos e sucessivos instrumentos de gestão territorial.
Aqui ficaram alguns traços que cremos terem contribuído para melhor perceber do que falamos quando falamos de operação de loteamento. Permitem-nos um melhor discernimento das razões que possam fazer sobrestar o aproveitamento edificatório ou que, pelo contrário, justifiquem salvaguardar a confiança e património investidos em face de um novo rumo para a orla costeira, veiculado por um plano de ordenamento ou pela sua modificação.
(4)
Caracterização dos atuais Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC).

Passaremos a caracterizar os planos de ordenamento da orla costeira (POOC) e o seu regime, à luz da questão principal suscitada no pedido de consulta: a de estes planos poderem, ou não, postergar o que se encontra estabelecido, a título de edificação, numa licença de loteamento.
Não obstante a previdência das medidas iniciadas com artigo 2.º do Real Decreto de 31 de dezembro de 1864[80], afetando ao domínio público as zonas mais sensíveis da orla marítima (os portos de mar e praias) a pressão urbanística sobre os imóveis costeiros continuaria inexoravelmente a crescer.
Ao tempo, o interesse público no litoral não era determinado tanto por razões ambientais quanto por imperativos de defesa nacional e de segurança da navegação marítima. Talvez por isso as inconsequências da afetação de uma vastíssima parte do litoral marítimo ao domínio público apenas despertassem o interesse, aqui e ali, de algumas capitanias.
A expansão urbana de pequenas vilas piscatórias, de par com a fundação de novos núcleos urbanos sem obstáculos ao desfrute de vistas sobre o mar, umas e outros intensamente procurados para vilegiatura e turismo, apesar do inadequado ordenamento e sem o incremento das magras infraestruturas, trouxeram consigo um caudal muito interessante de lucros imobiliários para os promotores e de receitas tributárias para os municípios litorais. Foram raras as exceções com o resultado à vista de todos um pouco por toda a costa marítima: devastação dos cordões dunares, atrofiamento das matas e pinhais atlânticos, sobrecarga das arribas, erosão acentuada das falésias, recuo dos areais de muitas praias, a que não foi alheia a retenção de sedimentos por novas barragens, poluição das águas balneares, especulação sobre o valor dos terrenos e saturação dos acessos viários.
Por outro lado, o turismo em larga escala, com os ritmos sazonais que impõe às economias locais, incentiva formas demasiado intensivas de exploração estival e cria dependências no emprego.
O Regulamentos dos Serviços Hidráulicos, aprovado por decreto de 1 de dezembro de 1892, e os aperfeiçoamentos visados pelo Decreto n.º 5789-IIII, de 10 de maio de 1919, deram passos relevantes em prol do domínio público hídrico, em geral, ao passo que o marítimo, em especial, urgia pela garantia da afetação.
É que a extensão da costa atlântica continental (845 Km) por confronto com os escassos meios de polícia administrativa não auspiciava um cumprimento rigoroso das prescrições legais e regulamentares.
Estas cedo se multiplicaram em torno das contingências e particularismos regionais e locais da hidrografia. Com efeito, são múltiplos e variados os chamados acidentes costeiros: costas altas e baixas interpoladas, rias, tômbolos, restingas, lagunas, costas de lido, ilhas-barreira.
Um ponto que não tardou em suscitar controvérsia foi o da extensão das praias para efeitos dominiais[81].
Viria a pacificar-se tendencialmente com o Decreto n.º 12 445, de 29 de setembro de 1926:

«Art. 14.º – Enquanto se não proceder à demarcação das margens das correntes de água referida no §2.º do artigo 124.º da lei de águas e a fim de definir a margem sujeita ao domínio público, como prescreve o n.º 2 do artigo 1.º da mesma lei, considera-se como margem sujeita à fiscalização dos Serviços Hidráulicos:
(…)
3.º Nas águas marítimas, uma faixa mínima com 50 metros de largura contada a partir do máximo preiamar».

Passado quase meio século, o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro[82], no preâmbulo, não se coíbe de considerar o regime dos terrenos do domínio público «uma autêntica manta de retalhos», acrescentando à proteção dominial pública das margens marítimas, numa extensão de toda a praia, se a houver, ou de pelo menos, 50 metros (artigo 3.º, n.º 5) as zonas adjacentes, repartidas entre zonas ameaçadas pelo mar (artigo 13.º) ou pelas cheias fluviais (artigo 14.º) – «figura nova, caracterizada pela sujeição a determinadas restrições de utilidade pública dos terrenos situados para além das margens, mas em posição tal que tenham de ser considerados como terrenos ameaçados pelo mar ou como terrenos ameaçados pelas cheias (dos rios)».
Todavia, a classificação de cada zona adjacente haveria de fazer-se por decreto. Sem os decretos de classificação, de pouco terá servido que o licenciamento municipal de operações de loteamento urbano dependesse de parecer favorável da administração central do Estado (artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro).
Compreende-se, pois, que, na falta de aprovação desses decretos, o Decreto-Lei n.º 513-P/79, de 26 de dezembro, repusesse em vigor o artigo 261º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos, aprovado pelo já citado Decreto de 1 de dezembro de 1892, e o artigo 5º, do Decreto-Lei n.º 23 925, de 29 de maio de 1934, mantendo a sua vigência até à publicação dos que viessem a definir as zonas adjacentes dos cursos de água, lagos e lagoas. Mais determinou que se aplicassem as disposições do artigo 5º do Decreto-Lei nº 468/71, caso não se encontrassem ainda definidas as zonas adjacentes, aos campos marginais tradicionalmente inundados pelas águas, quer ordinárias, quer de cheias.
Ulteriormente, ainda se reforçaria o regime das zonas adjacentes através do Decreto-Lei n.º 89/87, de 26 de fevereiro, mas de forma especialmente orientada para as zonas de defesa ameaçadas pelas cheias (tradicionalmente, enxurradas em linhas obstruídas e subida do leito dos rios). Com o Decreto-Lei n.º 364/98, de 21 de novembro, instituíram-se planos de risco das zonas inundáveis em meio urbano.
A preocupação com o avanço do mar, contudo, estava prestes a ingressar na ordem do dia.
O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 302/90, de 26 de setembro, traça um diagnóstico, se não sombrio, no mínimo, alarmante, deixando antever a necessidade de planos próprios para ordenar o litoral atlântico:

«Em Portugal, o que se verifica ao longo da faixa costeira suscita sérias e justificadas preocupações, havendo áreas que não poderão suportar as múltiplas pressões a que têm estado sujeitas sem atingir um estado de degradação irreversível e outras em que, inclusivamente, se chegou a uma situação de rotura.
A solução adequada para obstar aos desequilíbrios que se vêm registando e às suas graves consequências passa necessariamente pela definição de um enquadramento legal que estabeleça, com clareza e rigor, as regras a que deve obedecer a ocupação dos solos da faixa costeira, designadamente através da elaboração de planos municipais de ordenamento do território que tenham em conta os princípios estabelecidos no presente diploma.
Na ausência de planos que contemplem estes aspetos e enquanto eles não existirem, tem o Governo o dever de estabelecer tais regras, sempre que o considere justificado, sem prejuízo do respeito que as autarquias locais devem sempre assegurar, no exercício das suas atribuições, em relação aos princípios atrás referidos».

Iria ser definida como faixa costeira[83] «a banda ao longo da costa marítima, cuja largura é limitada pela linha de máxima pr[e[84]]ia-mar de águas vivas equinociais e pela linha situada a 2 Km daquela para o interior» (artigo 1.º, n.º 2).
Receando a proverbial morosidade na execução regulamentar dos atos legislativos, mais concretamente, na elaboração e aprovação de planos, determinou-se a aplicação direta e imediata aos poderes públicos e aos operadores privados de algumas restrições de interesse público e a fixação, no anexo, de parâmetros construtivos.
Transcreve-se um sumário dos princípios relativos ao uso do solo costeiro, que FERNANDO ALVES CORREIA/ ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ[85] consignaram a partir do regime legal:

«[A]s edificações devem ser afastadas, tanto quanto possível, da linha da costa; o desenvolvimento linear das edificações ao longo da costa deve ser evitado; as novas ocupações do solo devem localizar-se preferencialmente nos aglomerados existentes, devendo os instrumentos de planeamento prever, sempre que se justifiquem, zonas destinadas a habitação secundária, bem como aos necessários equipamentos de apoio, reservando-se espaço rural para as atividades que lhe são próprias; a ocupação urbana próxima do litoral deve ser desenvolvida preferencialmente em forma de “cunha”, ou seja, a estreitar na proximidade da costa e a alargar para o interior do território; entre as zonas urbanizadas, deve ser acautelada a existência de zonas naturais ou agrícolas suficientemente vastas; e não deve ser permitida qualquer construção em zonas de elevados riscos naturais, tais como: zonas de drenagem natural, zonas com risco de erosão intensa e zonas sujeitas a abatimento, escorregamento, avalanches ou outras situações de instabilidade».

Como é bem de ver, estamos longe de verdadeiros índices ou standards urbanísticos. Trata-se de um corpo de diretrizes programáticas, empregando conceitos demasiado vagos que sem uma rigorosa identificação cartográfica, acompanhada por planos, ao menos por simples regulamentos, dificilmente poderiam passar do tinteiro.
Como se registou em Espanha, a respeito da legislação costeira nacional (1988), «mais do que chegar tarde, veio parcialmente desarmada[86]».
Era preciso ir mais longe. No perímetro da faixa costeira, o Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de setembro[87], veio salvaguardar qualificadamente uma faixa marítima de proteção com o limite máximo definido pela batimétrica – 30, e uma zona de proteção terrestre – com 500 metros de largura – aquém da faixa do domínio público marítimo, subsidiária, contudo, da Reserva Ecológica Nacional (artigo 12.º, n.º 4).
O citado diploma veio, por fim, instituir e regular os planos de ordenamento da orla costeira (POOC), qualificados inicialmente como planos sectoriais (artigo 2.º, n.º 1).
De fora, ficavam as zonas sob jurisdição portuária (artigo 3.º, n.º 3) e que o Decreto-Lei n.º 201/92, de 29 de setembro, demarcara.
A verdade é que a orla costeira já se encontrava demasiado onerada por edificações com cérceas e volumetrias exorbitantes. Em boa parte, até, por loteamentos urbanos que, na falta de planos eficazes, ao tempo do seu licenciamento, não havia como ter impedido validamente. A gestão urbanística levava décadas de falta de ordenamento e era praticada na orla costeira sem um tratamento integrado que cuidasse ao mesmo tempo da vulnerabilidade e da sustentabilidade.
Enfim, os POOC, embora tardiamente, surgem, ou melhor, têm condições para surgir.
Expressamente qualificados como regulamentos administrativos (artigo 10.º, n.º 3) não põem em causa a eficácia de licenças de construção ou de loteamento. Não se previu sequer um regime transitório que abrisse caminho à negociação com os proprietários a fim de reduzirem as áreas de implantação e de construção. Apenas se determinou a caducidade das licenças e contratos de concessão de usos privativos do domínio público existentes com a aprovação de cada um «quando este não preveja a possibilidade de ocupação da área em causa» (artigo 17.º, n.º 3).
Com o Decreto-Lei n.º 151/95, de 24 de junho, os POOC ingressam na órbita dos planos especiais de ordenamento do território[88], vinculando diretamente todas as entidades públicas e privadas, «devendo com eles ser compatibilizados os planos municipais de ordenamento do território, programas ou projetos de carácter nacional, regional ou local» (artigo 3.º, n.º 3), de modo a garantir um primado de conformidade ­– e não de simples compatibilidade – dos primeiros sobre os demais (n.º 5).
Todavia, somente com a Portaria n.º 767/96, de 30 de dezembro, seriam publicadas as indispensáveis normas técnicas de referência a observar na elaboração dos POOC. Sinal de que ainda nenhum estaria prestes a ver a luz do dia.
O primeiro POOC, quase dois anos passados, viria a ser o Plano de Ordenamento da Orla Costeira para o troço Cidadela – Forte de São Julião da Barra, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98, de 19 de Outubro[89].
E, apenas com o Plano Vilamoura/Vila Real de Santo António (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2005, de 27 de junho[90]) a faixa litoral do continente ficaria inteiramente a coberto de planos de ordenamento da orla costeira: Caminha/Espinho (Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/99, de 7 de abril[91]), Ovar/Marinha Grande (Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/2000, de 20 de outubro[92]), Alcobaça/Mafra (Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2002, de 17 de janeiro), Sintra/Sado (Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 25 de junho),Sado/Sines (Resolução do Conselho de Ministros n.º 136/99, de 29 de outubro[93]), Sines/Burgau (Resolução do Conselho de Ministros n.º 152/98, de 30 de dezembro) e Burgau/Vilamoura (Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de abril).
Por seu turno, na Região Autónoma dos Açores, foram publicados os planos de ordenamento da Orla Costeira da Terceira (Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2005/A, de 15 de fevereiro) de São Miguel (um pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 6/2005/A, de 17 de fevereiro, para o troço Feteiras/Fenais da Luz/Lomba de São Pedro, e outro, aprovado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 29/2007/A, de 5 de dezembro, para a Costa Sul[94]), de São Jorge (Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2005/A, de 26 de outubro[95]) da Graciosa (Decreto Regulamentar Regional n.º 13/2008/A, de 25 de junho) do Corvo (Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2008/A, de 25 de junho), de Santa Maria (Decreto Regulamentar Regional n.º 15/2008/A, de 25 de junho) das Flores (Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2008/A, de 26 de novembro) da Ilha do Pico (Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2011/A, de 23 de novembro) e do Faial (Decreto Regulamentar Regional n.º 19/2012/A, de 3 de setembro). Já na Região Autónoma da Madeira, encontram-se por aprovar: um POOC para a ilha da Madeira e outro para o Porto Santo[96].
Sob a vigência da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto (Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo – LBPOTU), no desenvolvimento operado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro[97], os POOC sempre foram considerados planos especiais de imediata e direta aplicação universal nas áreas a inspirarem maiores cuidados.
Assim, no artigo 11.º, n.º 2, da LBPOTU, acrescentou-se à vinculação direta e imediata das entidades públicas (n.º 1) a dos particulares, a par dos planos municipais sobre que prevaleciam (artigo 10.º, n.º 4).
Com a Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, previu-se que fossem também aprovados, na categoria dos planos especiais, os planos de ordenamento dos estuários, depois de se constatar que estas zonas – aquém da orla costeira e com necessidades singulares entre o domínio hídrico – reclamavam instrumentos próprios de ordenamento do território[98].
Observa FERNANDO ALVES CORREIA[99] que não se estatuiu – e bem – nenhuma indemnização para os proprietários de imóveis impedidos de edificar por efeito dos POOC. É que, nestas zonas, é a própria natureza a opor-se à edificação, em termos que a doutrina, por inspiração germânica, qualifica como vínculos situacionais. A indemnização só se justifica, «no caso de existirem licenças ou admissões de comunicações prévias de operações urbanísticas no momento da entrada em vigor do POOC e este as afetar, revogando-as ou fazendo-as caducar». Nesses casos, o autor identifica como princípio geral o da expropriação do plano.
Se a Lei n.º 49/2006, de 29 de agosto, visou «a proteção da orla costeira através de um sistema de alimentação artificial das praias» (artigo 1.º) faltava um programa mais amplo de obras públicas, destinadas a recuperar a orla costeira, a começar pelos troços que mais precisassem.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2008, de 3 de junho, aprovou o designado programa Polis Litoral – Operações Integradas de Requalificação e Valorização da Orla Costeira[100]. Criaram-se empresas públicas investidas de poderes de autoridade e incumbidas de elaborar planos estratégicos.
A fim de transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2007/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/2010, de 22 de outubro.
Estabelece o enquadramento jurídico a que obedecem a avaliação e gestão dos riscos de inundações com o objetivo de reduzir as consequências associadas às inundações prejudiciais para a saúde humana, incluindo perdas humanas, o ambiente, o património cultural, as infraestruturas e as atividades económicas, e institui os planos de gestão dos riscos de inundações, os quais[101], de acordo com o artigo 9.º, n.º 4 «abrangem os aspetos da gestão dos riscos de cheia e inundações provocadas pelo mar».
Trata-se, diversamente dos POOC, de planos sectoriais (artigo 12.º, n.º 1). Os POOC devem com eles articular-se, como também sucede com os planos municipais, a adaptarem-se, de forma a guardarem entre si uma relação de compatibilidade (artigo 12.º, n.º 3 e n.º 6).
O Decreto-Lei n.º 159/2012, de 24 de julho, trouxe consigo um novo regime aos POOC.
Teve como propósito atender à Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2009, de 8 de setembro, propondo-se adotar «uma nova abordagem da orla costeira, numa lógica de maior flexibilidade e de gestão integrada e adaptativa, conferindo aos POOC, para além do carácter normativo e regulamentar, os meios de identificação e programação de medidas de gestão, proteção, conservação e valorização dos recursos hídricos e sistemas naturais associados[102]».
Pela primeira vez, são abrangidas as zonas sob jurisdição portuária e permite-se, em determinados casos, estender a zona terrestre de proteção até aos 1000 metros.
Como objetivos dos POCC, consignaram-se os seguintes:

«Artigo 6.º
(Objetivos a observar pelos POOC)
1 - Na elaboração dos POOC deve-se atender aos seguintes objetivos gerais:
a) Fruição pública em segurança do domínio público marítimo;
b) Proteção da integridade biofísica do espaço e conservação dos valores ambientais e paisagísticos;
c) Valorização dos recursos existentes na orla costeira;
d) Flexibilização das medidas de gestão;
e) Integração das especificidades e identidades locais;
f) Criação de condições para a manutenção, o desenvolvimento e a expansão de atividades relevantes para o país, tais como atividades portuárias e outras atividades socioeconómicas que se encontram dependentes do mar e da orla costeira, bem como de atividades emergentes que contribuam para o desenvolvimento local e para contrariar a sazonalidade.
2 - Constituem objetivos específicos dos POOC:
a) Estabelecer regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, bem como o regime de gestão sustentável do território da orla costeira;
b) Potenciar um desenvolvimento sustentável da zona costeira através de uma abordagem prospetiva, dinâmica e adaptativa que fomente a sua competitividade enquanto espaço produtivo, gerador de riqueza e de emprego;
c) Compatibilizar os diferentes usos e atividades específicos da orla costeira, visando potenciar a utilização dos recursos próprios desta área com respeito pela capacidade de carga dos sistemas naturais e o respetivo saneamento básico;
d) Promover a requalificação dos recursos hídricos, tendo em atenção as conectividades e interdependências entre os meios hídricos interiores e costeiros e sistemas naturais associados;
e) Valorizar e qualificar as praias, em particular as consideradas estratégicas por motivos ambientais e turísticos;
f) Classificar e disciplinar o uso das praias especificamente vocacionadas para uso balnear;
g) Proteger e valorizar os ecossistemas marinhos e terrestres, assegurando a conservação da natureza e da biodiversidade;
h) Identificar e estabelecer regimes para salvaguarda das faixas de risco face aos diversos usos e ocupações, numa perspetiva de médio e longo prazo;
i) Garantir a articulação entre os instrumentos de gestão territorial, planos e programas de interesse local, regional e nacional, aplicáveis na área abrangida pelo POOC.
3 - Quando a área de intervenção de um POOC abranger uma área ou zona portuária, constituem ainda objetivos do plano assegurar as condições para o desenvolvimento da atividade portuária e garantir as respetivas acessibilidades marítimas e terrestres, em conformidade com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis e sem prejuízo das competências das administrações portuárias».

Não obstante serem impostas alterações aos POOC em vigor, nada se dispôs acerca das operações urbanísticas já licenciadas, sem embargo de cada plano pressupor o seu levantamento na denominada planta da situação existente, enquanto parcela documental obrigatória (artigo 7.º, n.º 2, alínea i]).
Presentemente, os POOC já se encontram sob uma nova e relevantíssima transição por força do artigo 78.º da Lei de Bases da Política Pública de Solos de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPPSOTU[103]). Deixarão, em breve, de vincular diretamente os particulares.
Com efeito, o legislador não se satisfez em desgraduar os instrumentos especiais de ordenamento do território que viessem a ser aprovados no futuro, já não mais a título de planos, mas de simples programas de ordenamento do território. Mais determinou que os atuais planos se reduzam a programas, importando transpor para os planos plurissubjetivos (apenas os planos municipais e os intermunicipais) ou para outros regulamentos autónomos as normas dos atuais POOC que devam continuar a ter aplicação universal direta.
Se, doravante, virão a ser apenas programas, como também os planos das áreas protegidas, dos parques arqueológicos, das albufeiras de águas públicas e os planos dos estuários (artigo 40.º, n.º 5) os atuais planos especiais de ordenamento do território permanecem diretamente aplicáveis aos particulares, até ao decurso do prazo de três anos, contados da entrada em vigor da LBPPSOTU, ou seja, até 30 de junho de 2017.
É o que resulta da citada disposição:
«Artigo 78.º
(Planos especiais)
1 - O conteúdo dos planos especiais de ordenamento do território em vigor deve ser vertido, nos termos da lei, no plano diretor intermunicipal ou municipal e em outros planos intermunicipais ou municipais aplicáveis à área abrangida pelos planos especiais, no prazo máximo de três anos, a contar da data da entrada em vigor da presente lei.
2 - Compete às comissões de coordenação e desenvolvimento regional, com o apoio das entidades responsáveis pela elaboração dos planos especiais de ordenamento do território em vigor e das associações de municípios e municípios abrangidos por aqueles, a identificação, no prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor da presente lei, das normas relativas aos regimes de salvaguarda de recursos territoriais e valores naturais diretamente vinculativas dos particulares que devam ser integradas em plano intermunicipal ou municipal.
3 - As normas identificadas pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional nos termos do número anterior, são comunicadas à associação de municípios ou município em causa, para efeitos de atualização dos planos intermunicipais e municipais, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 46.º.
4 - Findo o prazo definido no n.º 1, os planos especiais continuam a vigorar mas deixam de vincular direta e imediatamente os particulares, sem prejuízo do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 46.º[104]».

A necessidade de uma expressa novação, como requisito da vinculação plurissubjetiva, foi confirmada pelo desenvolvimento legislativo das bases, operado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que consignou o seguinte:
«Artigo 198.º
(Planos especiais em vigor)
1 - O conteúdo dos planos especiais em vigor deve ser integrado no prazo e nas condições estabelecidas pelo artigo 78.º da lei bases de política pública de solos, do ordenamento do território e urbanismo.
2 - Na transposição dos planos especiais para os planos municipais ou intermunicipais, deve ser assegurada a conformidade entre os dois planos ao nível dos regulamentos e das respetivas plantas.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo são aplicáveis as regras previstas no n.º 4 do artigo 3.º[105] e no artigo 91.º[106], com as necessárias adaptações».

Poderia julgar-se, então, que a questão controvertida no pedido de consulta estivesse em vias de ser ultrapassada a breve trecho. Perdida a chamada eficácia plurissubjetiva, a afetação de operações de loteamento por desconformidade superveniente com um plano de ordenamento da orla costeira estaria derradeiramente comprometida.
Acontece, todavia, que, além do tempo que nos separa do termo final assinalado (30 de junho de 2017) sempre falta saber da relação das operações de loteamento com os planos especiais de ordenamento do território aplicados nessa condição, ou seja, ao longo da sua eficácia diretamente vinculante dos particulares. Saber se teriam feito soçobrar o direito a obter licenças de construção em conformidade com as especificações de anterior alvará de loteamento.
Entretanto, muitos dos problemas do litoral marítimo subsistem quando não se agravam. Vejamos um estudo de caso, apontado pelos autores como paradigma da antropização do litoral[107]:

«A Praia da Rocha tem pouco mais de um século de existência no que toca à sua ocupação com vista à utilização dos banhos marítimos. Durante este tempo, a localidade transformou-se radicalmente passando de um pequeno povoado à beira-mar com meia dúzia de casas a um grande centro urbano que, durante o verão, atrai milhares de turistas. Este crescimento urbano desmedido, registado sobretudo nas últimas décadas do século XX, mostra-se muito semelhante ao que ocorreu na maioria dos núcleos costeiros do Algarve Central. O caso da Praia da Rocha, porém, revela-se paradigmático, uma vez que no arranque da expansão turística, no princípio dos anos 70, se procedeu à alimentação artificial da praia, com vista ao alargamento do areal para aumentar a sua capacidade de utilização balnear e para evitar que as vagas atingindo as falésias pusessem em risco as construções edificadas ali na última década. O sucesso das operações de enchimento (1970, 1983 e 1996) faz da Praia da Rocha um caso único no país e um magnífico exemplo de antropicosta. O êxito alcançado na ampliação do areal na Rocha teve, contudo, um lado perverso no que toca à ocupação humana daquele litoral: possibilitou a expansão do turismo de massas, ao criar uma praia com maior capacidade de carga e ao permitir – graças à subtração da arriba aos processos marinhos – um crescimento da volumetria das construções, dando origem, a partir dos anos 80, ao aparecimento de uma frente contínua de edificações de grandes dimensões adjacentes à costa. (…) Grande parte das populações que ocupam hoje o litoral não possuem – pelo desenraizamento face àquele espaço – a noção da sua instabilidade. Mas, os técnicos e autoridades com responsabilidade na gestão da orla litoral não podem ignorar a história e memória da erosão costeira, sob pena de num futuro recente enfrentarem graves problemas em consequência do seu alheamento face à intensificação da ocupação humana de zonas de risco e da não aplicação de medidas de adaptação».

O desfasamento temporal entre a plena cobertura do litoral por planos e o deferimento de licenças para a construção dispersa e de licenças para novos loteamentos que os POOC teriam impedido, se já se encontrassem em vigor (tempus regit) deu origem, um pouco por toda a orla costeira continental, a divergências sérias entre os objetivos dos novos instrumentos e a confiança depositada pelos particulares na eficácia constitutiva de direitos e interesses legalmente protegidos.
Algo de semelhante ocorreu com os planos regionais de ordenamento do território (PROT), envolvendo porém medidas legislativas específicas, como veremos em seguida.
Mostra-se demasiado linear fazer do loteamento a causa de todos os males na (des)ordem do território. É verdade que muitos ficaram por executar, deixando vastas áreas com sérios problemas de infraestruturas, mas não é menos certo que as garantias exigidas aos promotores foram, por demasiado tempo, claramente exíguas. É verdade que as licenças de loteamento comprometeram por muito tempo a disciplina de vastas zonas do território, mas não é menos correto admitir que, ao tempo em que foram deferidas, o chamado bloco de legalidade que as condicionava era absolutamente rarefeito, quando não inexistente. É verdade que em muitos casos, foram os precedentes loteamentos a conformar o planeamento urbanístico tardio, graças à consolidação de direitos entretanto produzida, mas não pode deixar de reconhecer-se que, em alguns locais, sem estas iniciativas, possivelmente, nem a criação de condições mínimas de urbanização teria tido lugar.
Com raríssimas exceções[108], as tentativas de ordenar o território segundo instrumentos de planeamento falharam até à última década do século XX: o Decreto‑Lei n.º 24 802, de 21 dezembro de 1934, o Decreto-Lei n.º 33 921, de 5 de setembro de 1944, o Decreto-Lei n.º 35 931, de 4 de novembro de 1946, os decretos-leis n.º 560/71 e 561/71, de 17 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 208/82, de 26 de maio. O Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de março, teria de recorrer à aplicação de sanções aos municípios[109]. Ainda assim, só depois da viragem do século o território continental disporia de um plano diretor por cada município.
Ora, escrevia com pleno acerto MANUEL VEIGA DE FARIA[110], há quatro décadas, o seguinte:
«Diremos que sem plano a ordenação territorial tonar-se-á forçosamente desordenada, – e disso temos uma longa e inequívoca experiência – que o plano de urbanização é o pressuposto essencial, o ponto de partida de um aproveitamento racional do território».

Se, em muitas zonas, o loteamento se assumiu como o único instrumento de gestão territorial, dificilmente podia exigir-se-lhe que privilegiasse os interesses públicos territoriais, em detrimento das expectativas patrimoniais dos investidores.

(5)
Da relação entre loteamentos constituídos e instrumentos de gestão territorial supervenientes.

Trataremos de recensear algumas situações pretéritas em que o conflito entre novos planos e anteriores licenças de loteamento se agudizou, nos planos legislativo, jurisprudencial e doutrinário.

5.1. – Começaremos pela suspensão das licenças municipais de loteamento operada com o Decreto-Lei n.º 511/75, de 20 de setembro.
Ao longo do período revolucionário 1974/75, a reação contra o loteamento chega a assumir força de lei, havendo consciência de que a falta de planeamento urbano criara um vazio quase irreversível.
É significativo o exórdio do Decreto-Lei n.º 511/75, de 20 de setembro, em que pode ler-se:

«1 – A inexistência de planeamento quer a nível nacional, quer a nível regional, de um adequado ordenamento do território, com vista ao desenvolvimento harmónico e coordenado de várias regiões, e a circunstância de os promotores terem tido, praticamente, a possibilidade de comandarem, em larga medida, a gestão urbanística, orientando a expansão da urbanização para as áreas que lhes proporcionavam maiores lucros, permitiram a concessão de licenças de loteamentos em localizações e condições manifestamente prejudiciais para o desenvolvimento equilibrado das zonas em que se integram e, numa perspetiva mais ampla, para o harmónico desenvolvimento do território.
Desse facto resultaram já inconvenientes muito graves para a coletividade, como, por simples exemplos, as carências e insuficiências que essas inadequadas localizações projetam nos sistemas viários e de transportes públicos e nos vários equipamentos sociais indispensáveis.
Muitas das localizações desses loteamentos afetam gravemente a potencialidade produtiva do País em alimentos frescos na proximidade dos maiores centros consumidores e comprometem a possibilidade de implantação de espaços verdes de manutenção viável que permitam, ainda, a solução dos problemas biofísicos próprios das áreas urbanizadas.
Por outro lado, a construção em terrenos de aptidão agrícola excecional exige, muitas vezes, fundações de custo muito elevado que comprometem o possível objetivo social do empreendimento.
A execução de loteamentos já licenciados ou em vias de licenciamento poderá agravar intensamente tais inconvenientes, avolumando as assimetrias já existentes no desenvolvimento regional e impondo, no futuro, investimentos públicos e outros custos sociais muito elevados, para a correção ou até a simples atenuação dos prejuízos e dificuldades que tais loteamentos determinam.
Daí, a manifesta conveniência de dotar a Administração de instrumentos legais que permitam evitar a consolidação e o desenvolvimento de situações tão prejudiciais para a coletividade, obstando à execução dos loteamentos que se mostrem nocivos, embora já licenciados».

Por via deste diploma iria admitir-se a suspensão da validade das licenças de loteamento (artigo 1.º) bastando considerar-se a operação «prejudicial para o desenvolvimento ordenado da zona, para o harmonioso ordenamento do território, para o equilíbrio ecológico da região ou por abranger solos de excecional aptidão agrícola» (alínea a]) ou (alínea b]) por simplesmente lhes faltar mérito próprio («O respetivo projeto apresentar graves deficiências de estrutura ou de natureza da ocupação nele prevista»). Todavia, deixavam-se à margem os lotes onde já tivesse sido começada a edificação (artigo 1.º, n.º 3).
O legislador estava ciente de o poder fazer num período de rarefação constitucional, designadamente ao relegar para momento mais oportuno a questão das indemnizações a abonar aos loteadores:

«2 – Não existindo impossibilidade de ordem constitucional, tem-se por legítimo atuar naquele sentido.
Pensa-se, contudo, que as providências a adotar devem ter a maleabilidade suficiente para permitir atender à diversidade de condicionalismos existentes.
Difere-se para ulterior diploma a solução dos problemas relativos às indemnizações que sejam de atribuir pela extinção ou modificação dos direitos resultantes das licenças concedidas.
E isto porque tal questão tem de ser ponderada com cautela, de modo a limitar as indemnizações aos prejuízos ou danos que se considere socialmente justo ressarcir.
Nestas condições, julgou-se preferível relegar a matéria das questões relativas àquelas indemnizações para a altura em que venham a apreciar‑se os problemas ligados às indemnizações devidas pelas expropriações, de forma a aproveitar o resultado da discussão destas outras questões, apesar dos seus diferentes ou específicos condicionalismos.
3 – A eventual incidência, das providências previstas no presente diploma, na não realização de obras já projetadas e até na suspensão de obras de urbanização já em curso, como na subtração de certos terrenos à edificação de construções, torna ainda mais premente, face à atual conjuntura económica e às volumosas carências habitacionais, a necessidade de com a maior urgência se conseguir a disponibilidade efetiva de terrenos para construção, de molde, até, a poderem ser oferecidas alternativas aos promotores atingidos pelas medidas.
Aqueles eventuais efeitos aconselham, por isso, um uso equilibrado das providências adotadas, dentro da ideia de uma correta apreciação relativa dos prejuízos que o seu emprego poderá, simultaneamente, causar e evitar.
Mas afigura-se claro que essa avaliação deve ser feita numa perspetiva voltada ao futuro, sem atender exclusivamente, pois, à situação presente.
É que a atual contemporização com certas situações anómalas, embora evitando alguns efeitos inconvenientes, decorrentes do uso das providências adotadas, poderá acarretar no futuro - e até a curto prazo - prejuízos e custos sociais, de vária ordem, bastante mais elevados do que os correspondentes aos que o emprego das providências poderá agora ocasionar».

Mais se determinava que o termo da suspensão da licença não produzisse automaticamente a renovação do conteúdo (artigo 5.º, n.º 1) cumprindo à administração pública optar entre a confirmação, a revisão ou a extinção (n.º 2).
Menos de quatro anos após, o Governo conclui que as medidas adotadas tinham sido mais nefastas do que convenientes. Por seu turno, a entrada em vigor da Constituição de 1976 e a assunção de compromissos convencionais ao nível da proteção internacional da propriedade privada, mal conviviam com as indemnizações que continuavam por pagar. Assim, no preâmbulo ao Decreto-Lei n.º 341/79, de 27 de agosto, admitia-se o seguinte:

«As implicações decorrentes do Decreto-Lei n.º 511/75, de 20 de setembro, nas disponibilidades de terrenos para construção vieram a revelar-se negativas, devido à retração do crédito hipotecário para obras de urbanização, produzindo uma escassez da oferta e a consequente subida de preços dos lotes disponíveis. Daí a publicação do Decreto-Lei n.º 467/76, de 11 de Junho, em cujo artigo 2.º se fixou o prazo limite para o exercício da faculdade de suspensão da validade de licenças de loteamento.
Decorridos cerca de quatro anos sobre a data do primeiro diploma, pode considerar-se esgotado o prazo necessário para a reformulação dos critérios que deveriam presidir à decisão a tomar sobre os loteamentos atingidos pela suspensão determinada ao abrigo dos diplomas referidos anteriormente.
A crescente falta de habitações no mercado e a continuada crise económica do setor da construção civil aconselham, portanto, a que se reveja o regime do Decreto-Lei n.º 511/75 e diplomas subsequentes, evitando-se assim, concomitantemente, que o Estado venha a ter quaisquer responsabilidades sobre possíveis prejuízos motivados por um desnecessário alongamento do prazo».

Deliberou-se, consequentemente, fazer caducar a generalidade das suspensões de licenças de loteamentos (artigo 1.º) e circunscrever a um prazo muito reduzido o poder de nelas introduzir modificações fundadas apenas em critérios de oportunidade e conveniência (artigo 3.º).
Seguidamente, passaremos em revista algumas das demais situações de tensão entre o conteúdo de licenças de loteamento já outorgadas e as necessidades coletivas de cariz ambiental, cultural e social que começam a despontar em exigências de ordenamento do território, tanto pela preservação de áreas protegidas e restrições de interesse público (Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional) como também pela aprovação de planos.

5.2. – A situação mais controversa foi porventura a da (in)compatibilidade de licenças de loteamento com PROT supervenientes, por via do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
Julgamos que vale a pena transcrever quase integralmente o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro:

«(…) À medida que estes regimes[111] vão entrando em vigor, verifica-se que existem situações de incompatibilidade entre as soluções por eles propostas e alguns atos praticados, anteriormente à data da sua vigência, pelas câmaras municipais e outras entidades que, nos termos da lei, autorizam, aprovam ou licenciam usos e ocupações do solo.
Estas situações ocorrem não só em relação aos planos regionais de ordenamento do território que já estão em vigor, como podem também vir a verificar-se no que respeita a planos ainda não aprovados e publicados.
É, assim, forçoso concluir que esta sucessão de regimes veio operar a caducidade dos direitos conferidos por atos praticados anteriormente à entrada em vigor das novas normas de uso e ocupação do solo e cujo conteúdo seja contrário ao regime instituído.
Acontece, no entanto, que há situações em que não é clara a incompatibilidade entre o conteúdo dos atos praticados e o regime decorrente de cada plano regional de ordenamento do território, o que pode gerar incerteza sobre a efetiva caducidade dos direitos conferidos por aqueles atos, não constituindo esta, manifestamente, uma situação desejável.
Entende, assim, o Governo que deve facultar aos particulares um meio expedito de verificação da compatibilidade do conteúdo dos atos com as regras de uso e ocupação do solo decorrentes de plano regional de ordenamento do território.
A instituição deste procedimento vem permitir uma avaliação casuística da compatibilidade com os planos referidos, possibilitando a definição clara de todas as situações em causa.
Considerando que os planos regionais de ordenamento do território são da iniciativa do Governo, e atendendo ao relevante interesse público da matéria em apreço, entendeu-se que seria o Ministro do Planeamento e da Administração do Território a entidade a quem deveriam ser dirigidos os pedidos de verificação de compatibilidade.
(…)

Artigo 1.º
1 - As licenças de loteamento, de obras de urbanização e de construção, devidamente tituladas, designadamente por alvarás, emitidas anteriormente à data da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território ficam sujeitas a confirmação da respetiva compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes de plano regional de ordenamento do território.
2 - A confirmação da compatibilidade é feita por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território ou por despacho conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, nos casos previstos no artigo 3.º.
3 - Caso seja confirmada a compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes de plano regional de ordenamento do território, entende-se que os direitos resultantes das licenças referidas no n.º 1 não caducaram.
4 - Sempre que o titular do alvará de licença de construção comprove que a obra se iniciou e não se suspendeu anteriormente à data da entrada em vigor do plano regional de ordenamento do território, ou dentro do prazo de validade fixado na respetiva licença, entende-se que esta é compatível com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes daquele plano.
Artigo 2.º
1 - A confirmação da compatibilidade ou da verificação dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo anterior deve ser solicitada no prazo de 90 dias, a contar da data da entrada em vigor do presente diploma ou da data da entrada em vigor do plano regional de ordenamento do território, consoante já exista ou não aquele instrumento de planeamento para a área em questão.
2 - A confirmação da compatibilidade é emitida no prazo de 90 dias.
3 - A ausência de decisão expressa no prazo referido no número anterior consubstancia uma declaração tácita de compatibilidade.
Artigo 3.º
O regime previsto no presente diploma é igualmente aplicável às aprovações de localização, às aprovações de anteprojeto ou de projeto de construção de edificações e de empreendimentos turísticos, emitidas pela Direção-Geral do Turismo ou pelas câmaras municipais em data anterior à da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território.

Artigo 4.º
Os pedidos de licença de construção em terrenos loteados ao abrigo de alvará de loteamento emitido anteriormente à data da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território devem ser instruídos com documento comprovativo da confirmação da compatibilidade prevista no presente diploma.
Artigo 5.º
A realização de obras de urbanização e de construção efetuadas em violação ao disposto no presente diploma é passível de embargo e demolição, nos termos do disposto nos artigos 57.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, e 61.º e 62.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro.
Artigo 6.º
A confirmação da compatibilidade é válida pelo prazo de um ano, findo o qual caducam automaticamente todos os direitos derivados dos atos ou títulos objeto da confirmação que não possuam prazo de validade e que não tenham sido exercidos.
Artigo 7.º
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação».

Instalada a polémica, pontuada, aqui e ali, por focos de alguma crispação, o Decreto-Lei n.º 61/95, de 7 de abril, fez recuar o âmbito da medida:

«A entrada em vigor de um grande número de planos diretores municipais, ocorrida desde a publicação do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, até à presente data, bem como a experiência adquirida com a aplicação do citado decreto-lei, aconselham a que o regime aí fixado seja claramente articulado com a vigência daqueles planos.
Definindo o plano diretor municipal as áreas urbanas do concelho, e sempre que os planos regionais de ordenamento do território não contenham regras específicas para essas áreas, não será possível verificar a compatibilidade com as suas disposições das licenças municipais de loteamento, de obras de urbanização e de construção emitidas anteriormente à entrada em vigor do plano, pelo que não faz sentido aplicar, nestes casos, o regime do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
Deste modo, os planos regionais de ordenamento do território poderão indicar as áreas excluídas do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
São ainda alargados os prazos previstos no Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, permitindo aos particulares que não tenham solicitado a verificação de conformidade estabelecida nesse diploma uma nova oportunidade para o fazer desde que comprovem justo impedimento.
Por outro lado, o presente diploma determina a prorrogação do prazo de atuação da Comissão Permanente de Apreciação dos Planos Diretores Municipais.
Esta Comissão, criada pelo Decreto-Lei n.º 281/93, de 17 de agosto, viu o referido prazo prorrogado até 31 de dezembro de 1994 pelo Decreto-Lei n.º 68/94, de 3 de março.
Entre o dia 1 de setembro de 1993 e o final do ano de 1994, a Comissão examinou 91 planos diretores municipais, o que representa cerca de 65% do universo que lhe estava destinado, tendo conferido maior celeridade ao processo de aprovação daqueles planos.
Existe presentemente um número significativo de planos diretores municipais em fase final de elaboração, justificando-se, deste modo, nova prorrogação do prazo de atuação inicialmente fixado.
(…)
Artigo 1.º
1 - O regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, não se aplica às áreas urbanas consolidadas.
2 - Para os efeitos do número anterior, considera-se área urbana consolidada o conjunto coerente e articulado de edificações multifuncionais e terrenos contíguos, desenvolvido segundo uma rede viária estruturante, dispondo de vias públicas pavimentadas e de redes de abastecimento de água e de saneamento.
3 - As áreas previstas no número anterior são as identificadas nos diplomas que aprovem os planos regionais de ordenamento do território.
Artigo 2.º
São elevados para o dobro todos os prazos previstos no Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
Artigo 3.º
1 - A confirmação da compatibilidade ou a verificação dos pressupostos a que alude o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, pode ser requerida posteriormente ao termo do prazo fixado para o efeito no referido diploma, desde que o interessado demonstre ter havido justo impedimento, que será apreciado pela entidade competente.
2 - Configuram-se como justo impedimento as situações descritas no n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Civil.
Artigo 4.º
É prorrogado até 31 de dezembro de 1995 o prazo previsto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 281/93, de 17 de agosto.
Artigo 5.º
O artigo anterior reporta os seus efeitos a 31 de dezembro de 1994».

A exigência de precedentes operações de loteamento terem de conformar-se com planos de ordenamento do território posteriores, apesar dos direitos constituídos por licenças válidas e insuscetíveis de revogação ou de impugnação, conheceu um prolongado episódio ao qual já aludimos[112] e que lançou ampla discussão nos meios doutrinários[113], na jurisprudência administrativa[114] e constitucional[115]: a aplicação do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
Numa claríssima síntese de FERNANDO ALVES CORREIA[116], «o que o DL n.º 351/93 trouxe de novo foi permitir que os atos praticados ao abrigo de certo bloco de legalidade vejam a sua eficácia questionada em função de normas regulamentares supervenientes».
Vejamos melhor o que representou esta medida legislativa, pois nela descortina-se uma notória afinidade com a questão suscitada, a título principal no pedido de consulta. Os desenvolvimentos que suscitou têm certamente um interesse significativo para o parecer.
Assim, é inteiramente conveniente verificar se o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, representou um conjunto de normas excecionais ou se, ao invés, pode adivinhar-se, na medida com que o Tribunal Constitucional o caucionaria, um princípio geral atinente à aplicação de novos instrumentos de gestão territorial no tempo.
Até porque este Conselho Consultivo, embora anteriormente à jurisprudência constitucional suscitada, admitiu no Parecer n.º 68/94, de 7 de fevereiro de 1996[117], poder retirar-se um princípio geral de caducidade das licenças urbanísticas por incompatibilidade com novos planos, a menos que as obras respetivas (v.g. de urbanização ou de construção) já tivessem sido iniciadas. Por outras palavras, os planos seriam, por definição, retrospetivos, uma vez que abstraíam dos factos que tivessem dado origem às licenças subsistentes à data da sua entrada em vigor. E abstraíam por se tratar de atividades relativamente proibidas (lotear, urbanizar, construir) que só a licença e a conformidade com a regulamentação vigente ao tempo permitia desenvolver.
Pouco tempo depois, esta instância consultiva foi, de novo, requisitada acerca da aplicação do mesmo diploma, vindo a aprovar o Parecer n.º 52/96, de 9 de julho de 1997[118]. Desta vez, no centro das questões controvertidas posicionou-se a aplicação do artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 351/93. Reafirma-se a mesma doutrina, embora com subtis matizes. O Conselho Consultivo deliberou que o ponto de concordância entre a proteção da confiança e os imperativos de aplicação nos novos PROT estaria no facto de terem, ou não, já sido iniciadas e não suspensas as obras de edificação nos lotes. Pode ler-se na fundamentação do parecer:

«A interpretação da norma parece conduzir à conclusão de que deverão ser declaradas compatíveis as obras que, tendo-se iniciado antes da entrada em vigor do PROT, não sofreram suspensão, não só até à entrada em vigor do plano regional, quer dentro do prazo de validade da respetiva licença.
Por outro lado, as obras iniciadas depois da entrada em vigor do PROT também serão consideradas compatíveis se não forem suspensas durante o prazo de validade fixado na respetiva licença. O caso agora em presença ajuda a testar a solução interpretativa que se aponta. Com efeito, o PROTAL, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 11/91, entrou em vigor em 22 de março de 1991 – dia imediato ao da sua publicação. Sendo o Decreto-Lei n.º 351/93 posterior ao PROTAL, o prosseguimento das obras até uma data posterior à entrada em vigor deste diploma é, de certo modo, condição necessária da sua integral aplicação.
Se a “sanção” da incompatibilidade decretada pelo Decreto-Lei n.º 351/93 consiste na declaração da caducidade das licenças desconformes com o Plano, é razoável – e nada tem de “desproporcional” – que o juízo de presunção de compatibilidade decorrente da verificação dos pressupostos seja formulado em referência a um marco temporal situado posteriormente à data da entrada em vigor do diploma».

Entendeu o legislador de então que a execução dos planos regionais de ordenamento do território (PROT) estaria comprometida, em larga medida, por efeito dos designados direitos adquiridos, que avulsamente resultavam de numerosas operações de loteamento (em alguns casos de grande extensão territorial) aprovadas segundo os mais variados regimes jurídicos pretéritos.
Alguns loteamentos tinham sido aprovados décadas atrás sem que as licenças tivessem caducado. Como tal, determinou-se que o direito a edificar nos lotes caducaria se não fosse atestada a sua compatibilidade com os novos PROT.
Já o dissemos, mas importa aprofundá-lo. O Tribunal Constitucional, quer em recursos como também em fiscalização abstrata sucessiva, admitiu que não feria norma nem princípio constitucional a reapreciação de licenças de loteamento – ainda não executadas – à luz de planos regionais de ordenamento do território, ulteriormente aprovados e entrados em vigor, contanto que o lesado fosse ressarcido, nos termos do artigo 9.º do então Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Pessoas Coletivas Públicas[119]:
«Art. 9.º
1 – O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
2 – Quando o Estado ou as demais pessoas coletivas públicas tenham, em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemnizá-lo».

Assim, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 329/99, de 2 de junho de 1999[120], a bem dizer, resgatou da inconstitucionalidade as normas do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, ao fixar-lhes uma interpretação conforme com as pertinentes normas constitucionais, em especial com a garantia de justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2), sem embargo de tratar-se de uma ablação atípica, de uma expropriação material[121] que se limita a extinguir ou comprimir deveras um direito sem ocorrer investidura no domínio ou sequer na posse de um bem.
Por outras palavras, condicionou a validade das normas impugnadas à garantia de indemnização dos lesados por ato lícito, garantia essa que era omitida no diploma, mas que o Tribunal vislumbrou como suficiente no citado artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967. Transcreve-se parte da fundamentação do aresto:

«Pois bem: uma das situações que, por via da gravidade e da intensidade dos danos que produz na esfera jurídica dos particulares, impõe o pagamento de uma indemnização é, justamente, aquela em que as licenças ou autorizações de loteamento, urbanização ou construção já concedidas são postas em causa por um plano urbanístico posterior, designadamente, em virtude de, como é o caso, uma lei posterior vir retirar eficácia a licenças de loteamento, urbanização ou construção já concedidas, desde que se não prove que essas licenças já concedidas são compatíveis com as regras de uso, ocupação ou transformação dos solos, constantes desse plano. Esta perda de eficácia, importando a ablação de faculdades ou direitos antes reconhecidos aos particulares, não pode ter lugar senão mediante o pagamento de uma indemnização. (…)
Ora, no caso, o que conduz à perda de eficácia das licenças anteriormente concedidas é um encadeamento de atos que se iniciou com a aprovação de um novo plano de ordenamento; prosseguiu com a edição de normas que, ao exigirem a prova da compatibilidade das licenças anteriormente concedidas, afetam situações jurídicas criadas pela outorga dessas licenças – e, por isso, nessa parte, podem dizer-se ‘leis medida’; continua, nalguns casos, com o indeferimento do pedido de certificação daquela compatibilidade ou com a não aprovação de projetos de obras de urbanização de loteamentos anteriormente licenciados (e assim, com a não emissão do respetivo alvará); e culmina, a final, com a perda de eficácia das licenças que antes foram validamente atribuídas.
Sendo isto assim, uma interpretação do mencionado artigo 9.º [do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967] à luz do artigo 22.º da Constituição não pode deixar de impor ao Estado o dever de indemnizar o particular que assim se viu ‘expropriado’ de faculdades ou direitos que antes lhe foram validamente reconhecidos».

A verdade é que do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal dos Loteamentos Urbanos e das Obras de Urbanização, desde a versão originária aprovada pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, já constava uma solução aproximada – a modificação potestativa da licença de loteamento para execução de plano – em que se reconhece, sem dificuldades de maior, uma expropriação em sentido material:



«Artigo 37.º
(Execução de instrumentos de planeamento territorial)
1 - As condições de licenciamento de operações de loteamento e de obras de urbanização podem ainda ser alteradas por iniciativa da câmara municipal, desde que tal alteração seja necessária à regular execução do plano regional ou municipal de ordenamento do território, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área crítica de recuperação e reconstrução urbanística e tenham decorrido pelo menos dois anos desde a emissão do alvará.
2 - A deliberação da câmara municipal que aprovar as alterações referidas no número anterior é devidamente fundamentada e implica a emissão de novo alvará, sua publicitação e registo predial a expensas do município.
3 - A deliberação é precedida da notificação ao titular do alvará e demais interessados, que dispõem do prazo de 30 dias para se pronunciarem.
4 - O exercício da faculdade prevista no n.º 1 confere aos interessados direito à indemnização, aplicando-se, nesta situação, o disposto no Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado e de outras pessoas coletivas públicas por atos administrativos legais ou atos materiais lícitos».

Admite-se uma ablação modificativa ou extintiva dos direitos em que certos particulares se encontram investidos com base em licenças de loteamento urbano válidas e eficazes. Pressupõe-se um juízo fundamentado de necessidade (utilidade pública inadiável) para executar um plano, designadamente regional. Garante-se uma indemnização segundo o regime próprio da reparação dos prejuízos imputados a atos lícitos do estado ou de outra pessoa coletiva pública.
O Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, além de confiar a verificação da compatibilidade de atos municipais com planos estaduais ulteriores à administração central do Estado (algo que o Tribunal Constitucional não identificou como excedendo os limites da tutela administrativa sobre atos das autarquias locais) continha como precípua inovação abster-se de prever a garantia de uma indemnização.
Despoletado pelo Tribunal Constitucional o alcance desta omissão, o regime excecional parece ter-se esboroado. Embora nunca expressamente revogado, a verdade é que o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, não obstante a moderação que lhe impôs o Decreto-Lei n.º 61/95, de 7 de abril, mostrar-se-ia incompatível com as bases da política de ordenamento do território, cuja discussão estava prestes a dar frutos.
Um deles foi precisamente o regresso dos PROT à sua matriz nuclear: diretrizes programáticas e de enquadramento de outros planos.
A expressa revogação do Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de maio[122], determinou implicitamente a revogação consequente do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro. Os PROT deixaram de vincular diretamente os particulares três anos após a entrada em vigor do RJIGT, algo que deitava por terra um pressuposto essencial do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro[123].
E aquilo que se fixaria como princípio geral seria o disposto no artigo 18.º da primeira Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo[124] – um dever de indemnizar por expropriação em sentido material sempre que a perequação compensatória não se mostrasse possível ou não lograsse a reparação:
«Artigo 18.º
1 – Os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares devem prever mecanismos equitativos de perequação compensatória, destinados a assegurar a redistribuição entre os interessados dos encargos e benefícios deles resultantes, nos termos a estabelecer na lei.
2 – Existe o dever de indemnizar sempre que os instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares determinem restrições significativas de efeitos equivalentes a expropriação, a direitos de uso do solo preexistentes e juridicamente consolidados que não possam ser compensados nos termos do número anterior.
3 – A lei define o prazo e as condições de exercício do direito à indemnização previsto no número anterior».

Terminaremos a análise deste ponto, observando os termos, algo restritivos em que se operou o desenvolvimento legislativo do n.º 2, por via do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial[125]. Em todo o caso, consolidava-se um princípio de estabilidade das licenças e autorizações urbanísticas em face de planos ulteriores:
«Artigo 143.º
(Dever de indemnização)
1 - As restrições determinadas pelos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas geram um dever de indemnizar quando a compensação nos termos previstos na secção anterior não seja possível.
2 - São indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização de efeitos equivalentes a uma expropriação.
3 - As restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido.
4 - Nas situações previstas nos números anteriores, o valor da indemnização corresponde à diferença entre o valor do solo antes e depois das restrições provocadas pelos instrumentos de gestão territorial, sendo calculado nos termos do Código das Expropriações.
5 - Nas situações previstas no n.º 3, são igualmente indemnizáveis as despesas efetuadas na concretização de uma modalidade de utilização prevista no instrumento de gestão territorial vinculativo dos particulares se essa utilização for posteriormente alterada ou suprimida por efeitos de revisão ou suspensão daquele instrumento e essas despesas tiverem perdido utilidade.
6 - É responsável pelo pagamento da indemnização prevista no presente artigo a pessoa coletiva que aprovar o instrumento de gestão territorial que determina direta ou indiretamente os danos indemnizáveis.
7 - O direito à indemnização caduca no prazo de três anos a contar da entrada em vigor do instrumento de gestão territorial ou da sua revisão».

Esta norma em nada alterou o disposto no artigo 37.º do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal dos Loteamentos Urbanos e Obras de Urbanização, pelo que se entendeu que as restrições singulares a possibilidades objetivas de aproveitar o solo contidas em licenças de loteamento (ou nos respetivos alvarás) sempre teria de ser precedida por uma iniciativa municipal fundamentada na necessidade de execução de novo plano e mediante o pagamento de indemnização aos lesados.
Por seu turno, marca o carácter excecional, mas não irrepetível, das medidas contidas no Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro. As posições jurídicas ativas dos proprietários de lotes ficaram acima das meras expectativas jurídicas.

5.3. – Uma outra questão deflagrou com a emissão pela Câmara Municipal de Sesimbra do alvará de licença de loteamento n.º 5/99, franqueando a urbanização e edificação em 67 hectares numa frente costeira de cerca de 1,5 Km, sobre a falésia marítima, na Aldeia do Meco, com 216 lotes e a previsão de 2227 novos fogos, malgrado um indeferimento municipal praticado em 11 de agosto de 1975, e que se julgava ter derradeiramente inviabilizado a operação.
É que, por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da 1.ª Secção) de 23 de junho de 1991[126], esse indeferimento foi anulado, e reconhecido um deferimento tácito que precedentemente se constituíra, sob o regime do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho.
Subitamente, uma operação que se julgava travada há quase duas décadas irrompia em colisão frontal com toda a proteção ambiental que entretanto fora conferida ao local. Proteção da orla costeira e conservação da natureza, através da Rede Natura 2000.
Em todo o caso, não foi sustentado – sê-lo-ia, mais tarde[127] – que as prescrições da licença de loteamento tivessem caducado ou devessem ver aferida a sua validade por confronto com os instrumentos de gestão territorial publicados, entretanto.
De resto, será mesmo afirmado um verdadeiro princípio de intangibilidade da operação de loteamento[128], conquanto admitindo exceções.
Entre estas situam-se as alterações unilateralmente impostas pela administração pública por necessidade de fazer executar um novo plano:

«São alterações que fogem à filosofia interna da operação de loteamento requerida pelo particular, à liberdade de iniciativa privada, e, logo, não podem ser compreendidas como fazendo parte dela. Dão, por isso, origem a uma operação de loteamento nova; sujeita a uma ideia diferente[129]».

Ao que leva a crer o relato dos antecedentes, nem sequer havia por onde apontar ao promotor imobiliário um comportamento abusivo ou contrário à boa-fé, posto que, desde o indeferimento expresso, em 11 de agosto de 1975, procurara fazer valer os seus direitos a lotear, urbanizar e edificar nos terrenos que adquirira, valendo-se dos meios contenciosos próprios.
Em parecer prolatado acerca dos instrumentos de direito privado ao alcance do Estado, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO[130] traça muito claramente o paradoxo da situação:

«À partida, deparamos com um loteamento em área ecologicamente protegida, conseguido na base de falhas formais facultadas por uma legislação arcaica. A morosidade da justiça administrativa leva a que esse loteamento vá ser executado um quarto de século depois dos factos: numa altura em que a cultura dominante e o sentimento sociojurídico já não se compadecem com a destruição maciça de áreas ambientais sensíveis para, aí, instalar empreendimentos ‘turísticos’».

Uma vez confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão da 1.ª Secção, de 18 de junho de 1998[131], a vinculação municipal a passar o alvará, só a aquisição pelo Instituto de Conservação da Natureza de uma pequena parcela, indevidamente abarcada pelo loteamento, conseguiu sobrestar o registo predial do alvará e impedir o avanço do empreendimento.
Algo que a doutrina não põe em causa, justamente com base na aludida natureza real da licença de loteamento. Assim, nas palavras de MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO DIAS GARCIA[132]:

«(…) [C]omo o direito de lotear um terreno só pode configurar-se na esfera jurídica de quem seja proprietário do terreno a que o loteamento respeita, porque o direito de lotear é indissociável do direito de propriedade do solo, só o titular do direito de propriedade do terreno a lotear ou quem possui poderes para o representar pode dar início a um procedimento administrativo de licenciamento de uma operação de loteamento».

E, abonando a validade da aquisição pública de uma parcela cuja compra fora descurada pelo loteador, como meio legítimo para impedir a operação, prossegue a citada Autora[133]:

«Um dos pressupostos do procedimento administrativo licenciador, o que se refere à legitimidade ativa, consiste na especial titularidade de um direito, o direito de proprietário do terreno no qual se pretende proceder à operação de loteamento.
Em suma, a individualização do pedido por quem é proprietário do terreno ou por quem tenha título bastante para o representar não atribui natureza pessoal à licença de lotear. A licença de loteamento tem natureza real. A exigência legal do direito de propriedade do solo de quem requer a licença de loteamento traduz somente a necessidade de delimitar quem pode dar início ao procedimento administrativo licenciador».

Este caso reflete bem a posição tradicional relativa à consolidação dos direitos emergentes de uma licença de loteamento urbano e, por outro lado, ajuda-nos a compreender como, apesar de a simples inovação do direito de propriedade não bastar para assegurar o chamado jus aedificandi, o inverso também não é verdade: não basta deter uma licença de loteamento para a poder exercer plenamente, pois é necessário adquirir e conservar em seu poder todos os terrenos emparcelados a lotear[134].

5. 4. – Analisaremos em seguida a interdição de novas edificações em zona de risco (arriba costeira), segundo determinado POOC, desconsiderando anterior licença de operação de loteamento e, mesmo até, uma licença de construção que viria a ser desaplicada por nulidade.
Esta questão controvertida é diretamente convocada no pedido de parecer, em cujo teor vem referido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2008, 3.ª Secção, de 9 de outubro de 2008[135], como tendo virado do avesso a mais ou menos pacífica intangibilidade das prescrições enunciadas em alvarás de licenças de loteamento urbano, desde que não caducadas nem invalidadas.
E, com efeito, uma primeira leitura sugere uma viragem radical na jurisprudência.
Em breves palavras, o Tribunal Constitucional parece aquiescer com a aplicação das normas de um novo POOC pelo Governo, ao ignorar tudo aquilo que a proprietária de um lote julgava protegido a título de direitos adquiridos (licença de loteamento, verificação da compatibilidade com PROT, licença municipal de construção, autorização de utilização). Mais ainda, o Governo ordenara a demolição da moradia edificada, no lote, sobre uma arriba marítima, em nome de interdição contida no POOC superveniente.
Parece pôr-se em causa o arquétipo que vinha do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, que fora conservado sem grandes alterações no artigo 48.º do RJUE e que o Tribunal Constitucional, como vimos, sancionara a título de princípio geral, relativamente ao Decreto‑Lei n.º 351/93, de 7 de outubro, para atos ablativos sobre licenças de loteamento por parte de ulteriores instrumentos de gestão territorial.
Recapitulando, eram estes os pressupostos e requisitos que parecia terem-se consolidado:

a) Norma legislativa a permitir a afetação retrospetiva de relações jurídicas urbanísticas;

b) Plano superveniente diretamente oponível aos proprietários;

c) Procedimento administrativo próprio; e

d) Indemnização pelos danos imputados à alteração introduzida na ordem jurídica.

No caso a que nos referimos. a então recorrente vira postergadas pela jurisdição administrativa a licença de construção e a autorização de utilização obtidas, em 2000 e em 2002, respetivamente, ao abrigo de uma licença de loteamento urbano de 1986, cuja compatibilidade com o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL[136]) fora reconhecida, nos termos e para os efeitos do supra reproduzido Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
O Governo, através do Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, ordenara a demolição do edificado, desaplicando por suposta nulidade os despachos e deliberações municipais.
Isto, porque, entretanto, o POOC Burgau/Vilamoura (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 27 de abril[137]) viera proibir novas construções nos espaços naturais das arribas. Como tal, as autoridades municipais não deveriam ter deferido a licença de construção e, ao terem-no feito, deliberaram um ato nulo.
O citado aresto foi encarado com surpresa pela doutrina[138].
Julgar-se-ia, porém, que o acórdão do Tribunal Constitucional, nos seus fundamentos, tivesse seguido um raciocínio que, teríamos de reconhecer, demolidor.
Mas, não é tanto assim. O Tribunal Constitucional retoma a dissociação entre a garantia institucional da propriedade privada e o âmbito de proteção civil do direito de propriedade privada sobre imóveis. Depois, e seguindo de perto o enunciado constitucional do artigo 62.º, confere o cumprimento do requisito essencial dos atos de conformação restritivos da edificação, enquanto atos ablativos de direitos patrimoniais – «os termos da Constituição» – para o que se revê inteiramente nas tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.º, alínea e]) e nas incumbências públicas em matéria de ordenamento do território e proteção ambiental (artigos 65.º e 66.º).
É que o Tribunal Constitucional retém dos acórdãos recorridos do Supremo Tribunal Administrativo a conclusão de que a licença municipal para construir uma moradia no lote adquirido era nula. Sendo nula, vinha invocada debalde pela recorrente a proteção da confiança depositada nos comportamentos concludentes de um Estado de direito.
Certamente por isso, em momento algum, o acórdão se detém na expropriação por via do plano ou na reparação de danos ocorridos na esfera patrimonial da adquirente do lote. E se a verdade é que o Tribunal Constitucional não fora convocado para a questão indemnizatória, não é menos certo que o acórdão se louva expressa e especificadamente na jurisprudência firmada – e que já passámos em vista – relativamente à aplicação das normas do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro.
Jurisprudência essa que, recorde-se, tinha condicionado a conformidade constitucional deste tipo de ablações ao pagamento de uma indemnização por prejuízos anormais e especiais imputados a certo ato lícito ou justificado por necessidade da parte do Estado ou de outra pessoa coletiva pública (n.º 1 e n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967).
Onde julgamos encontrar-se a inovação jurisprudencial é ao nível do Supremo Tribunal Administrativo, precisamente na invalidade atribuída à licença para obras de construção que a Câmara Municipal de Albufeira tinha deferido no pressuposto da prevalência das especificações do alvará da licença de loteamento sobre as interdições do POOC superveniente.
E, de facto, a descontinuidade encontra-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Subsecção, de 11 de novembro de 2004[139]:

«A simples existência de um loteamento, bem como a declaração da sua compatibilidade com o PROT, não confere, sem mais, um direito adquirido à construção, cujo licenciamento está dependente, não só da conformação com as prescrições do respetivo alvará de loteamento, como também, e entre outras coisas, das imposições decorrentes dos instrumentos de planeamento territorial em vigor à data da respetiva aprovação (art. 63.º, n.º 1, alínea a), do DL n.º 445/91, de 20 de novembro – Regime de Licenciamento de Obras Particulares)».

Por outras palavras, entendeu a 1.ª Subsecção que o facto de se edificar num lote já devidamente urbanizado, onerado pelos pertinentes encargos e a executar um programa de edificações há muito previsto e licenciado não desobrigava a operação urbanística de satisfazer cumulativamente aos requisitos definidos por ulteriores instrumentos de gestão territorial.
E, a serem antinómicas as prescrições de um e do outro (do alvará e do plano) ou se impunha a alteração da licença de loteamento, nos termos do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE[140], com reparação dos danos causados pelo Estado (enquanto autor e responsável pelo POOC – artigo 48.º, n.º 4[141]) ou, de outro modo, a licença seria nula.
As condições de estabilidade das arribas, muito provavelmente, tinham sido alvo de deterioração acelerada, entre a emissão do alvará de loteamento (1986) e a publicação do POOC Burgau/Vilamoura (1999).
E, por conseguinte, poderiam as autoridades municipais ter reconhecido a estrita necessidade de alterar a licença da operação de loteamento, emitido um novo alvará (artigo 48.º, n.º 2 do RJUE[142]) e devolvido à administração central do Estado a reparação dos prejuízos ocorridos no património da adquirente do lote.
Tão-pouco relevaria neste caso excecional a pretérita declaração de compatibilidade com o PROTAL, uma vez que, como se afirmaria no acórdão do Pleno da 1.ª Secção, de 6 de março de 2007, o plano regional «nenhuma estatuição continha sobre construção em arribas[143]».
Acontece que, cada vez mais, os desmoronamentos sucederam-se, alguns com vítimas a lamentar, determinando a Agência Portuguesa do Ambiente, IP, a delimitação de faixas de risco[144]:

«O Algarve apresenta em alguns locais da zona costeira uma paisagem que se caracteriza pelo recorte irregular da erosão. A beleza natural procurada pelos utentes destas áreas é, no entanto, indissociável do risco decorrente da instabilidade das arribas.
Nas costas rochosas chamam-se arribas às vertentes que são permanentemente ou periodicamente expostas à ação do mar.
A evolução (erosão) natural das arribas processa-se numa sequência intermitente e descontínua de derrocadas instantâneas, dinâmica que constitui perigo para os utentes das praias.
Os desmoronamentos são muito variáveis no espaço e no tempo, dependendo de inúmeros fatores, como a intensidade e frequência da ação de agentes climáticos, a fraturação e o tipo de rocha em que a arriba é talhada, a ocupação humana, a presença de vegetação, a vibração, a sismicidade, entre outros.
Neste sentido, a APA, IP - ARH do Algarve procedeu à colocação de placas de risco nas praias integradas nos concelhos a seguir discriminados, onde foram identificadas faixas de risco das arribas, como forma de informar e sensibilizar os utentes dessas zonas balneares.
A faixa de risco corresponde à área passível de ser ocupada pelos resíduos de desmoronamentos e tem largura igual a 1.5 vezes a altura da arriba.»

O Decreto-Lei n.º 96/2010, de 30 de julho, cujo teor seria vertido, pouco depois no Decreto-Lei n.º 159/2012, de 24 de julho, viria criar um regime sancionatório para os comportamentos perigosos na orla costeira. Um funesto acidente ocorrido na praia Maria Luísa, município de Albufeira, cerca de um ano antes, causara vítimas mortais[145].
Em nosso entender, a sequência de acórdãos tirados sobre a demolição ordenada pelo Governo, em 4 de março de 2003, deve ser enquadrada na singularidade do contexto e não entendida como uma rutura (ou quebra, sequer) no alinhamento com o princípio geral de conservação das prescrições contidas em licença de loteamento.
Vinculada ao POOC, bem mais do que a proprietária do lote, estava a Câmara Municipal de Albufeira que, desde a sua publicação e entrada em vigor, tinha ao seu alcance o poder de modificar potestativamente as licenças de loteamento urbano que abrangessem zonas consideradas non aedificandi por motivos imperiosos de segurança ambiental.
A segurança das edificações é, sem dúvida alguma, o primeiro dos interesses públicos que o direito do urbanismo prossegue[146], chegando a coordenar-se em muitos aspetos com as incumbências estaduais e municipais de proteção civil.
Tanto quanto disposições especiais ou excecionais de ordenamento do território concitem esse interesse público, mais vinculado se torna o poder municipal de alterar precedentes licenças de loteamento, segundo o procedimento previsto no artigo 48.º, n.º 2 e n.º 3, do RJUE.
Apesar da crítica que desfere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de novembro de 2004, FERNANDA PAULA OLIVEIRA[147] acaba por esboçar uma possível solução distinta[148], determinada pelo vínculo situacional[149]:

«Não obstante o que acabámos de referir, admitimos que se possa alcançar uma solução diferente se assumirmos que as proibições de construir impostas pelos planos de ordenamento da orla costeira nas faixas de proteção à costa (no caso, estão em causa espaços naturais de arribas) não são uma verdadeira opção planificadora – que pressupõe discricionariedade quanto à determinação do uso admitido –, mas o resultado da vinculação situacional do solo. Se assim for, pensamos que (…) os únicos direitos adquiridos nestas áreas, para efeitos de manutenção da situação existente, são os que incidem sobre construções ou edificações realizadas anteriormente à vigência do POOC e ao abrigo de licenciamentos válidos».

Sinal claro de que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 11 de novembro de 2004 e de 6 de março de 2007 fora marcada pelos particularismos excecionais do caso e não se generalizaria como um novo princípio, em ordem à desconsideração sistemática das prescrições contidas em licenças de loteamento, foi a jurisprudência subsequente.

5. 5. – É justamente o que veio a confirmar-se diante de novos casos até de menor garantia, designadamente a privação da (simples) possibilidade objetiva de edificação, de acordo com um plano diretor municipal (PDM) por constituição de zona de risco em arribas, nos termos de um POOC. A jurisdição administrativa não viria a retomar a posição daqueles dois acórdãos, mesmo apesar de não estar em causa nenhuma licença de loteamento, mas apenas o que decorria, a título de potencialidade edificatória, a partir da aplicação de um PDM e que se gorou por aplicação superveniente de um POOC, na sua qualidade de plano especial de ordenamento do território, vinculando direta e imediatamente as autoridades públicas e os particulares.
Um bom exemplo do que acabámos de dizer é o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Subsecção, de 21 de maio de 2009[150].
Afirma-se claramente o primado das prescrições contidas em licença de loteamento (e especificadas direta ou indiretamente no alvará respetivo) como parâmetro da legalidade urbanística na área que constitui o seu perímetro:

«Nas áreas abrangidas por alvará de loteamento em vigor, a apreciação dos projetos de construção incide sobre a respetiva conformidade com aquele alvará de loteamento, e não sobre a sua compatibilidade com as prescrições de PDM posteriormente aprovado».

E explica-se na fundamentação que o parâmetro de conformidade da operação de loteamento é, em princípio, o plano territorial em vigor ao tempo em que a licença tiver sido deferida.
Neste mesmo aresto, o Supremo Tribunal Administrativo refuta categoricamente a revogação implícita da licença de loteamento por um novo plano diretor, no que representaria uma conclusão excessiva a partir das semelhanças – e não mais do que semelhanças – entre um loteamento e um plano municipal:

«Importa referir que os atos de licenciamento de operações de loteamento são verdadeiros atos administrativos (artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 28 de dezembro, e 23.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro), não tendo, ao contrário do que sucede com os planos municipais de ordenamento do território, concretamente os planos de urbanização e os planos de pormenor, a natureza de ato normativo ou de regulamento administrativo».

De modo não menos categórico, recusa admitir que uma câmara municipal se permita ignorar as especificações de uma licença de loteamento à margem do procedimento próprio de modificação unilateral do seu teor (hoje, o do artigo 48.º do RJUE).
Não há formas reflexas ou atípicas de o fazer: é preciso fundamentar a necessidade da alteração, viabilizar a participação dos interessados e providenciar pela indemnização dos danos, se os houver.
É o que dirá o Tribunal Central Administrativo Sul por acórdão de 17 de maio de 2012[151], a respeito da aplicação de normas provisórias que se deparam com licença de loteamento anterior, mas com índices incompatíveis. Dirá que o procedimento adequado é o da alteração municipal da licença, aplicando o disposto no artigo 48.º do RJUE:

«A redução da capacidade edificativa de um lote por entrada em vigor das normas provisórias do Plano de Urbanização da Vila de Sines, ratificadas por resolução do Conselho de Ministros, implica, à data, por aplicação do artigo 37.º, n.ºs 1 e 4, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, a indemnização do particular por expropriação de sacrifício».

Com especial relevância, por se retomar a aplicação dos POOC, cumpre ainda recensear o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (2.º Juízo), de 18 de outubro de 2012[152].
Desta feita, a questão controvertida surge – fora de um contexto de loteamentos – por motivo, simplesmente, de uma reformatio in pejus empreendida pelo POOC Alcobaça/ Mafra[153], em termos que levam a proprietária de um terreno a pedir a condenação no pagamento de uma indemnização pelo sacrifício.
Deixara de poder edificar em imóvel seu, onde há bem pouco o Plano Diretor Municipal de Alcobaça o permitia.
Muito aquém de um direito constituído por licença válida e eficaz, a proprietária limita-se a invocar a perda de capacidade edificatória, antes de transcorrer o prazo de cinco anos contados da entrada em vigor do POOC (artigo 143.º, n.º 5, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial[154]) prazo esse julgado razoável como tempo de estabilidade dos instrumentos de gestão territorial.
Se uma parcela do imóvel, por aplicação do Plano Diretor Municipal de Alcobaça (1997[155]), era classificada como ‘espaço urbano de nível V’, já por força de medidas preventivas (2001[156]) e, em definitivo, por força do POOC (2002) passou a ser considerada ‘faixa de risco’.
Sem ingressar na controvérsia hermenêutica em torno do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, mormente na disjunção[157] ou cumulação[158] de requisitos, o Tribunal Central Administrativo Sul acordou em revogar a sentença e admitir que, mesmo sem um ato permissivo consolidado, a proprietária fora privada de uma «possibilidade objetiva de aproveitamento do solo», de um verdadeiro direito urbanístico adquirido a construir, porque ancorado em norma de plano suficientemente densa e específica, aderindo expressamente ao ensino de FERNANDO ALVES CORREIA que obtempera a cumulatividade literal dos requisitos com esta equiparação[159].
O Autor, de resto, não hesitará em adjetivar o aresto como sendo o «leading case da consagração pela nossa jurisprudência administrativa da figura da expropriação de sacrifício». Nas suas palavras, «ele é, por esta razão, um acórdão pioneiro[160]».
(6)
A proteção de situações jurídicas ativas do loteador e dos adquirentes de lotes.

6.1. – É hoje relativamente consensual admitir que o direito de propriedade privada de imóveis, cujo conteúdo é definido nos termos do artigo 1305.º do Código Civil[161], não é pressuposto suficiente para o titular poder construir, ainda que, usando a expressão da norma, o terreno lhe pertença «de modo pleno e exclusivo» e lhe assistam os «direitos de uso, fruição e disposição».
Assistem-lhe estes direitos, por ser proprietário, «dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas». Todavia, segundo a orientação dominante, deste conteúdo não resulta originariamente o denominado jus aedificandi[162].
Num primeiro limiar, o proprietário é livre no uso, fruição e disposição da coisa, segundo a forma que mais lhe convenha, contanto que não ponha em causa relações jurídicas reais com os proprietários vizinhos (v.g. artigos 1339.º e seguintes, do Código Civil) nem infrinja normas de polícia administrativa.
Num segundo limiar, ao proprietário não é consentido que use, frua ou disponha da coisa em termos tais que «exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito» (artigo 334.º do Código Civil). Do mesmo modo, perante eventual colisão com direitos de terceiros, há de ceder no uso, fruição ou disposição, em medida razoável, anuindo à prevalência de direitos considerados superiores (artigo 335.º, n.º 2, do Código Civil) ou à concordância com direitos iguais e da mesma espécie, em ordem à otimização recíproca no aproveitamento dos bens (artigo 335.º, n.º 1, do Código Civil).
Neste plano, de limitações tópicas – algumas, abertas à autonomia privada – dir-se-á que o proprietário apenas está vinculado a um gozo compatível com a ordem jurídica, compreendendo a proteção de eventuais interesses da ordem pública territorial. Assim, o fim social ou económico do direito pode justificar que o uso de certos imóveis tire proveito, para o bem comum, das melhores aptidões que a natureza ou a história lhe atribuíram. São os chamados vínculos sociais, entre os quais se classificam os situacionais[163], muitos deles a fundamentarem restrições de direito público (v.g. a Reserva Agrícola Nacional).
Já a transformação do imóvel, designadamente por meio de obras de urbanização e de edificação, transcende o âmbito de exclusividade do proprietário.
A paisagem não é privativa, a segurança não é apenas sua nem tão-pouco a salubridade. Os recursos naturais afetados não lhe pertencem, pelo menos, em exclusivo.
É pertinente registar a fundamentação prestada por HANS J. WOLF/ OTTO BACHOF/ ROLF STOBER[164] e que se encontra na matriz desta conceção:

«Os direitos de domínio (direitos de dominação, direitos “absolutos”) conferem ao seu titular o domínio sobre determinados objetos (coisas, pessoas, produtos intelectuais, direitos), na medida em que lhes reconhecem um poder de agir sobre os objetos, nos limites impostos pelo direito objetivo, e de excluir intervenções que causem perturbação. Os mais importantes direitos de domínio do direito público são direitos de liberdade. Assim, a propriedade não tem de ser entendida (apenas) como direito de liberdade e, em qualquer caso, não pode ser entendida como um direito no sentido de liberdade “originária”. A propriedade já pressupõe a imputação (jurídica) de uma coisa a uma pessoa. Só dessa forma uma pessoa recebe o poder de excluir outras pessoas da posse e da utilização da coisa, pelo que com a propriedade a liberdade natural destas outras pessoas é simultaneamente limitada».

O direito de transformar o imóvel pode ou deve, por isso, ficar reservado a uma ampliação dos direitos do proprietário, confiada aos poderes públicos e aos instrumentos de que dispõem para o efeito: o plano, as licenças e autorizações ou simples declarações que facultem à administração pública um controlo sucessivo qualificado.
As transformações do imóvel, pelo menos, aquelas que invertam o seu uso e fruição, hão de fazer-se secundum legem, em conformidade com o plano ou instrumento equivalente (v.g. a operação de loteamento) e com a licença municipal, cujo teor, por sua vez, congrega vinculações múltiplas a pareceres e autorizações de outras autoridades administrativas.
Constitucionalmente, parece-nos ser este um quadro de referência conforme com as exigências da garantia constitucional da propriedade privada e com as incumbências públicas neste domínio:

«Artigo 62.º
(Direito de propriedade privada)
1 – A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2 – A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»
«Artigo 65.º
(Habitação e urbanismo)
(…)
4 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística».
(…)».
«Artigo 66.º
(Ambiente e qualidade de vida)
(…)
2 – Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da proteção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
(…)».

Um modelo ajustado, segundo o qual a lei há de tratar o jus aedificandi é descrito no pensamento de FERNANDO ALVES CORREIA, em termos que refletem uma possível coordenação razoável entre as citadas normas constitucionais. Escreve o Autor[165]:

«[É] um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidos pelas normas jurídico-urbanísticas, em particular pelos planos dotados de eficácia plurissubjetiva».

Mas, se o proprietário não tem o direito de, sem mais, urbanizar ou de edificar nos solos que lhe pertencem, nem por isso fica sem proteção o interesse legítimo em obter esse direito, de ver o seu património real ampliado pela atribuição administrativa de direitos subjetivos públicos.
Essa esfera de proteção sugerimos que se encontra na liberdade de iniciativa económica:

«Artigo 61.º
(Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária)
1– A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
(…)».

A iniciativa económica privada, enquanto interesse na dinâmica do direito de propriedade, não se confunde com o próprio direito de propriedade privada, mas depende inexoravelmente de um património que há de ser objeto da propriedade privada de alguém.
Há um nexo incindível entre esta liberdade económica e o direito de propriedade privada, até porque o proprietário dispõe livremente na transmissão da propriedade privada «em vida ou por morte», de acordo com o citado artigo 62.º, n.º 1, da Constituição.
Contudo, retira-se do enunciado do artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, que a livre iniciativa, embora consagrada como direito fundamental e pese beneficiar do regime de proteção dos direitos, liberdades e garantias, graças à análoga natureza imunitária em face do poder (artigo 17.º da Constituição) recebe constitucionalmente um estatuto menor. A bem dizer, é porventura a única liberdade constitucionalmente comprometida. Tem de mover-se nos limites da lei e em função do interesse geral, em contraponto com a generalidade das liberdades fundamentais, elas próprias a circunscreverem a margem de leis restritivas (artigo 18.º da Constituição).
Ali podemos reconhecer o jus aedificandi e estabelecer o nexo com os direitos reais de gozo sobre imóveis. O direito de propriedade privada pode nunca ter sido nem vir a ser ampliado com este conteúdo, como é próprio do solo rústico. Mas, para ser exercido, o jus aedificandi carece radicalmente de um proprietário, ao menos de um possuidor determinado, quanto mais não seja determinável[166].
Essa ampliação do conteúdo do direito de propriedade privada, na conceção constitucional, far-se-á em ordem a que as iniciativas do proprietário, ao lotear, urbanizar, construir ou reabilitar, em conformidade com as regras definidas para certos usos que inculquem a transformação dos solos, prossiga concomitantemente o interesse geral, designadamente ao concorrerem de forma ativa para a execução de políticas públicas veiculadas nos instrumentos de gestão territorial.

6.2. – E nada impede, antes aconselha que o acréscimo de faculdades urbanísticas se faça progressiva e condicionadamente.
A Lei de Bases da Política Pública de Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo (LBPPSOTU[167]) vem precisamente estabelecer que «a aquisição das faculdades urbanísticas que integram o conteúdo do aproveitamento do solo urbano é efetuada de forma sucessiva e gradual e está sujeita ao cumprimento dos ónus e deveres estabelecidos na lei e nos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal» (artigo 15.º, n.º 1).
Por seu turno, e em sinal de que o conteúdo da propriedade privada de solos não se esgota no aproveitamento urbanístico, garante, no n.º 2, que «a inexistência das faculdades urbanísticas referidas no número anterior não prejudica o disposto na lei em matéria de justa indemnização devida por expropriação».
Ora, o loteamento é talvez a melhor ilustração da aquisição progressiva de faculdades urbanísticas, desde a informação prévia requerida pelo interessado em lotear até à autorização de utilização para cada uma das edificações construídas nos lotes.
Uma aquisição progressiva que, como tivemos oportunidade de ver[168], depende inexoravelmente do cumprimento de ónus, deveres e encargos, além de se encontrar encadeada numa sucessão de atos administrativos antecedentes e consequentes que sustentam a validade e a eficácia uns dos outros.
Como direitos que podem ingressar na esfera jurídica dos proprietários, dispôs-se na LBPPSOTU, o seguinte:


«Artigo 13.º
(Direitos dos proprietários)
1 – Os proprietários do solo têm o direito a utilizar o solo de acordo com a sua natureza, e com observância do previsto nos programas e planos territoriais.
2 – Os proprietários do solo rústico têm o direito de utilizar os solos de acordo com a sua natureza, traduzida na exploração da aptidão produtiva desses solos, diretamente ou por terceiros, preservando e valorizando os bens culturais, naturais, ambientais, paisagísticos e de biodiversidade.
3 – Os proprietários do solo urbano têm designadamente, os seguintes direitos, nos termos e condições previstos na lei:
a) Reestruturar a propriedade;
b) Realizar obras de urbanização;
c) Edificar;
d) Promover a reabilitação e regeneração urbanas;
e) Utilizar as edificações».

O legislador parece ter adotado, aqui, um conceito amplo de utilização dos solos, de modo, justamente, a compreender direitos que integram, por natureza, o direito de propriedade privada, e direitos que podem vir a integrá-lo, por atribuição.
A utilização do solo «de acordo com a sua natureza» surge duplamente – no n.º 1, de forma genérica, para o solo rústico como para o solo urbano, e no n.º 2, apenas para o solo rústico. No n.º 3, relativamente ao solo urbano, o legislador absteve-se de retomar a expressão.
O sentido parece ser o de excluir um jus aedificandi originário (ou natural) ínsito na propriedade de todos os solos, mas cuja vocação é ser atribuído aos proprietários de solos urbanos.
Com efeito, se a vocação natural dos solos rústicos vem enunciada como um aproveitamento produtivo (ou reprodutivo) inculcando utilizações próprias do setor primário (n.º 2) nem sequer pode descortinar-se um direito a obter a conversão do solo rústico em solo urbano.
Para os solos urbanos o legislador optou por um enunciado exemplificativo de faculdades urbanísticas (n.º 3), inclinando-se para que a lei e os instrumentos de gestão territorial venham prever, qualitativa e quantitativamente o objeto e extensão do aproveitamento urbanístico.
É esse o sentido de uma outra disposição da LBPPSOTU, ao consignar o seguinte:

«Artigo 20.º
(Uso do solo e edificabilidade)
1 – O uso do solo é definido exclusivamente pelos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, através da definição de áreas de construção ou, na impossibilidade dessa definição, pela aplicação de parâmetros e índices quantitativos e qualitativos, de aproveitamento ou de edificabilidade, nos termos da lei.
2 – A edificabilidade pode ser objeto de direitos subjetivos autónomos do solo, nomeadamente para viabilizar a transferência de edificabilidade nos termos da lei».

O disposto no n.º 1 parece empregar a expressão «uso do solo» desta feita como «transformação do solo» e vem cortar cerce qualquer leitura da lei de bases que procurasse favorecer a ideia de um jus aedificandi originariamente contido no direito de propriedade privada.
Por seu turno, o n.º 2, ao qualificar este mesmo jus aedificandi como direito subjetivo autónomo do solo, vem justamente ao encontro do que já considerámos acerca da sua esfera de proteção própria: a livre iniciativa económica, a permitir ao proprietário a ceder direitos edificatórios sem se privar do domínio do solo.
Nessa linha, a autonomia destes direitos, cuja transferência vem regulada no artigo 21.º, aponta para uma vinculação ao interesse geral. De acordo com esta norma, a transferência – no todo ou em parte – de direitos de edificação há de obedecer, nos termos do plano, a fins de interesse geral:
«Artigo 21.º
(Transferência de edificabilidade)
1 - Os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal podem permitir que a edificabilidade por eles atribuída a um lote ou a uma parcela de terreno seja transferida para outros lotes ou parcelas, visando prosseguir, designadamente, as seguintes finalidades:
a) Conservação da natureza e da biodiversidade;
b) Salvaguarda do património natural, cultural ou paisagístico;
c) Prevenção ou minimização de riscos coletivos inerentes a acidentes graves ou catástrofes e de riscos ambientais;
d) Reabilitação ou regeneração;
e) Dotação adequada em infraestruturas, equipamentos, espaços verdes ou outros espaços de utilização coletiva;
f) Habitação com fins sociais;
g) Eficiência na utilização dos recursos e eficiência energética.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal regulam a previsão da edificabilidade transferida, definindo os termos e condições em que os valores do direito concreto de construir podem ser utilizados, bem como os mecanismos para a respetiva operacionalização, de acordo com o procedimento previsto na lei.
3 - A transferência de edificabilidade deve ser objeto de inscrição no registo predial do lote ou parcela de terreno a que essa edificabilidade estava atribuída, nos termos a definir em legislação específica».

O facto de as faculdades urbanísticas serem constituídas na esfera jurídica dos proprietários, pela administração pública e de terem a sua fonte num ato administrativo, assim como o de, até lá, aos proprietários poder assistir um interesse constitucional e legalmente protegido, subsumido de uma concreta aplicação do plano, nem por isso ficam desprovidos de garantias de estabilidade.
Na linha da proteção constitucional dos direitos e interesses legalmente protegidos contra ingerências administrativas (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição) e sob a esfera de proteção da livre iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição) a LBPPSOTU veio, de algum modo, reforçar a consolidação de tais situações jurídicas ativas. Situações jurídicas que ingressaram no conteúdo do direito de propriedade privada
Transcrevem-se as normas que encabeçam a restrição às restrições:
«Artigo 17.º
(Sacrifício de direitos preexistentes e juridicamente consolidados)
1 - O sacrifício de direitos preexistentes e juridicamente consolidados só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei ou nos planos territoriais aplicáveis e mediante o pagamento de compensação ou indemnização.
2 - A compensação ou indemnização a que se refere o número anterior é prevista, obrigatoriamente e de forma expressa, no plano territorial de âmbito intermunicipal ou municipal que fundamenta a imposição do sacrifício, nomeadamente através da definição de mecanismos de perequação deles resultantes.
3 - Independentemente do disposto nos números anteriores são indemnizáveis quaisquer sacrifícios impostos aos proprietários do solo que tenham efeito equivalente a uma expropriação».

Nos termos deste preceito ­ – base da lei para satisfazer ao disposto pelo artigo 62.º, n.º 2, da Constituição – entre a imposição de restrições a situações jurídicas ativas importa distinguir:

– A privação de direitos já constituídos e consolidados, designadamente por ato administrativo insuscetível de revogação ou de anulação; e
– Outros sacrifícios impostos aos proprietários do solo que, sem o removerem do seu domínio, impedem a constituição de direitos urbanísticos, nomeadamente quando ocorra a afetação de solos urbanizados a jardins, parques ou outras zonas verdes da cidade;

Em todo o caso, a imposição das restrições encontra-se sempre sujeita:

– A reserva de lei, ou
– A reserva de plano territorial (intermunicipal ou municipal);

E justifica sempre uma reparação:

– Por compensação, ou
– Por indemnização.

6.3. – Ora, o que dizer da estabilidade das operações de loteamento e que se encontra no centro do pedido do órgão consulente?
O instituto jurídico do loteamento urbano parecera conhecer, nas últimas décadas, aquilo a que, metaforicamente podia chamar-se uma crise de impopularidade.
A irredutibilidade das suas prescrições contra ventos e marés criara uma representação coletiva de oposição entre lotear e proteger os recursos naturais.
Ao contrariar a premência na salvaguarda das arribas costeiras ou a conservação da natureza, o loteamento apresentava-se como uma peça indesejada no xadrez do ordenamento do território. Sobretudo quando era notório, em alguns casos, que as obras de urbanização tinham ficado por concluir e muitas das infraestruturas por instalar. Em outros casos, que essas operações eram seriamente lesivas dos bens ambientais, pois raramente se tinham estipulado aos loteadores encargos de fomento da paisagem, da preservação das linhas de água ou simplesmente de plantação de espécies florestais deficitárias.
Os picos de tensão que pudemos identificar supra[169], tanto ao nível legislativo como jurisprudencial, refletem um movimento de relativização das situações jurídicas ativas constituídas com o loteamento urbano, a ponto de, embora singularmente, terem chegado a ser desatendidas.
A verdade é que o regime dos loteamentos urbanos conheceu modificações muito significativas e que, por outro lado, tomou-se consciência de impactos urbanísticos significativos poderem vir de outras operações urbanísticas[170] suscetíveis de viabilizarem, sem loteamento, extensos condomínios fechados e grandes superfícies comerciais.
As licenças de loteamento encontram-se hoje sujeitas a regras bem precisas acerca da caducidade no exercício de direitos, a qual compromete o desenvolvimento sucessivo das operações (artigo 71.º do RJUE).
Isto significa, ao mesmo tempo, que o cumprimento dos deveres, ónus e encargos pelo loteador vai produzindo na sua esfera jurídica a consolidação do interesse principal que o move: a edificação. Sem vicissitudes nem percalços, irá consolidar progressivamente a aquisição das faculdades urbanísticas proporcionadas.
Ressaltam ainda o reforço das condições de garantia da execução das obras de urbanização em torno da caução (artigo 54.º, do RJUE) e a caducidade da licença de loteamento com uma inovação essencial: o termo de dez anos para concluir, não apenas o programa de urbanização, como também a edificação nos lotes (artigo 71.º, n.º 1, alínea c), e artigo 77.º, n.º 1, alínea g), do RJUE).
Compreende-se, a esta luz, que as normas e princípios básicos de ordenamento do território tenham podido confirmar a estabilidade das licenças de loteamento.
De outro modo, o investimento nas obras de urbanização e nos demais encargos com a coletividade, além das despesas com a caução e com o planeamento da edificação nos lotes deixariam de ser minimamente interessantes do ponto de vista económico. Transcrevemos o que expôs recentemente FERNANDA PAULA OLIVEIRA[171] a este propósito:

«Porque estabiliza aquelas regras e parâmetros de edificabilidade, o licenciamento de uma operação de loteamento introduz um fator de segurança e estabilidade no mercado imobiliário, criando uma mais-valia que não é descurada por terceiros que adquirem os lotes. Esta mais-valia decorre, para estes adquirentes, da garantia:
- De concretizar no lote a operação urbanística (edificação) para ele prevista e nas condições definidas no respetivo título (em regra, o alvará): para o efeito basta apresentar uma comunicação prévia;
- Da execução efetiva das obras de urbanização, já que, caso o promotor do loteamento as não realize (como é seu dever), pode solicitar que a câmara, ao abrigo do disposto no artigo 84.º[172], as realize em substituição daquele (à custa da caução por ele prestada) ou pode, nos termos previstos no artigo 85.º, requerer autorização judicial para promover diretamente a execução de obras de urbanização;
- Do cumprimento das condições estabelecidas no alvará por parte dos restantes adquirentes dos lotes, do promotor e da própria câmara (artigo 77.º, n.º 3);
- De uma certa estabilidade das regras constantes do alvará, uma vez que as respetivas alterações estão sujeitas a regras mais rígidas de legitimidade, em que os adquirentes dos lotes têm uma palavra a dizer (cfr. o disposto no n.º 3 do artigo 27.º), e tratando-se de alterações de iniciativa da câmara (artigo 48.º), as que prejudiquem os adquirentes dos lotes dão lugar a indemnização».

O reforço da estabilidade nas operações de loteamento surge evidenciado no aditamento do n.º 6 ao artigo 48.º do RJUE, por via da revisão levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro.
Resulta hoje da articulação entre as diversas normas do artigo 48.º que as especificações contidas na licença ou comunicação prévia de loteamento, não obstante as vicissitudes imputáveis ao seu titular que possam sofrer, garantem o direito a edificar em conformidade com o seu teor, não sendo afetadas por plano territorial posterior (n.º 6), salvo necessidade ou indispensabilidade de o fazer executar (n.º 1), o que obriga a adotar um procedimento próprio de iniciativa municipal (n.º 2 e n.º 3), dando lugar a um novo alvará, a atos registais subsequentes (n.º 2) e à reparação dos prejuízos que tenham causa adequada na modificação, seja a título de indemnização pelo sacrifício (n.º 4) seja, nas situações de maior intensidade e gravidade da lesão, a «indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringido» (n.º 5).

6.4. – Antes de prosseguir, importa saber, porém, de um eventual concurso entre o disposto no artigo 48.º do RJUE e as normas que, no desenvolvimento da Lei de Bases, por meio do novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), cuidam das «restrições impostas aos proprietários pelos planos territoriais» (artigo 171.º, n.º 1) e que geram um dever de indemnizar quando não seja possível a compensação.
Uma e outra desenvolvem o disposto no já citado artigo 17.º da LBPPSOTU, em matéria de restrições a direitos constituídos e juridicamente consolidados.
Reproduz-se o teor integral do artigo 171.º do novo RJIGT[173]:
«Artigo 171.º
(Dever de indemnização)
1 - As restrições impostas aos proprietários pelos planos territoriais geram um dever de indemnizar nos termos dos números seguintes, quando a compensação não seja possível.
2 - O sacrifício de direitos preexistentes e juridicamente consolidados que determine a caducidade, revogação ou a alteração das condições de licença, da comunicação prévia ou informação prévia válidos e eficazes determina o dever de justa indemnização.
3 - A restrição ao aproveitamento urbanístico constante da certidão de um plano de pormenor com efeitos registais, determinada pela sua alteração, revisão ou suspensão, durante o prazo de execução previsto na programação do plano, determina o dever de justa indemnização.
4 - De acordo com o princípio da proteção da confiança, são, ainda, indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo impostas aos proprietários, resultantes da alteração, revisão ou suspensão de planos territoriais, que comportem um encargo ou um dano anormal, desde que ocorram no decurso do período de três anos a contar da data da sua entrada em vigor.
5 - Estão excluídas do número anterior, as restrições, devidamente fundamentadas, determinadas pelas características físicas e naturais do solo, pela existência de riscos para as pessoas e bens ou pela falta de vocação do solo para o processo de urbanização e edificação que decorre da respetiva classificação prevista no plano territorial.
6 - A indemnização a que se refere os números anteriores segue o regime previsto no Código das Expropriações.
7 - Nas situações previstas nos n.os 2 a 4 são igualmente indemnizáveis as despesas efetuadas na concretização de uma modalidade de utilização prevista no plano territorial se essa utilização for posteriormente alterada ou suprimida por efeitos de revisão ou suspensão daquele instrumento e essas despesas tiverem perdido utilidade.
8 - Quando a perequação compensatória não seja possível, é responsável pelo pagamento da indemnização prevista no presente artigo a pessoa coletiva que aprovar o programa ou plano territorial que determina direta ou indiretamente os danos indemnizáveis.
9 - O direito de indemnização caduca no prazo de três anos a contar da data de entrada em vigor do plano territorial nos termos dos números anteriores».

Do confronto destas disposições com as do artigo 48.º do RJUE, surgem, de imediato, duas dúvidas:
Se, no artigo 171.º, n.º 2, se prevê a eventualidade de um novo plano territorial determinar «a caducidade, revogação ou a alteração das condições de licença», podem aqui caber as licenças de loteamento urbano?
Se no n.º 4 são admitidas «restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo impostas aos proprietários, resultantes da alteração, revisão ou suspensão de planos territoriais», ficarão compreendidas as faculdades urbanísticas inerentes a cada lote, a ponto, designadamente de inviabilizar obras de edificação, ainda que em conformidade com as especificações contidas no alvará do loteamento?
Dúvidas essas que ganham corpo diante do fenómeno descrito por FERNANDA PAULA OLIVEIRA[174] de «um conjunto de planos diretores municipais recentemente elaborados [que] tem vindo a introduzir, no âmbito das suas disposições, por um lado, normas específicas que visam regular a sua própria aplicação no tempo e, por outro, normas que instituem um regime especial para situações (jurídicas ou de facto) criadas em momento anterior à sua entrada em vigor[175]».
Apesar de o novo RJIGT (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio) ser posterior à revisão do RJUE operada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, é de afastar a revogação.
Em nosso entender, trata-se de um concurso aparente, apresentando-se as normas do artigo 48.º do RJUE como especiais diante do âmbito geral do disposto no artigo 171.º do novo RJIGT.
É certo que as normas do artigo 171.º do novo RJIGT podem sugerir como âmbito de aplicação todas as restrições edificatórias direta ou indiretamente impostas por novos planos territoriais ou suas revisões.
Porém, ao consignarem-se no artigo 48.º do RJUE normas que, não sendo opostas, são porém distintas, não restam dúvidas quanto à sua prevalência, nos termos do artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.
A operação de loteamento manifesta traços peculiares, especialmente pela natureza modal e de instrumento de gestão territorial que lhe apontámos[176], que justificam um tratamento normativo especial, como o enunciado no artigo 48.º do RJUE.
Pela sua posição de generalidade, o disposto no artigo 171.º do novo RJIGT, à partida, não serve de fundamento para diretamente extinguir ou alterar as especificações de uma operação de loteamento[177], ultrapassando os pressupostos e requisitos – mais apertados – do artigo 48.º do RJUE. E, muito menos, por planos especiais de ordenamento do território (até perderem a eficácia horizontal que conservam transitoriamente), uma vez que o citado artigo refere-se unicamente às restrições vindas de planos territoriais, ou seja, planos municipais e intermunicipais.
Como tal, há de ter lugar sempre uma iniciativa concreta da parte da câmara municipal – e com alguma margem de livre apreciação na interpretação do conceito de ‘necessidade de execução’ – para deliberar alterar, ou não, determinada licença de loteamento que se oponha a um novo plano (artigo 48.º, n.º 1, do RJUE).
De outro modo, vale integralmente o disposto na segunda parte do artigo 48.º, n.º 6, do RJUE: «(…) as obras de construção, de alteração ou de ampliação, na área abrangida por aquelas operações de loteamento, não têm que se conformar com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território ou áreas de reabilitação urbana posteriores à licença ou comunicação prévia da operação de loteamento».
Não estaremos longe do que sustenta CLÁUDIO MONTEIRO[178], apoiando-se na natureza real da licença e comunicação prévia de loteamento urbano, quando escreve o seguinte:

«As condições da licença ou comunicação prévia de loteamento urbano têm inclusive natureza real, pelo que se incorporam no direito de propriedade do lote, e conferem ao seu proprietário, enquanto aquela licença ou comunicação se mantiver em vigor, o direito de obter uma licença ou comunicação prévia de obras de edificação que se conforme com elas».

O citado Autor não hesita em afirmar que, mesmo com garantias de indemnização, em caso algum pode ocorrer revogação ou caducidade do todo ou parte da licença, automaticamente, sem expressa previsão da lei ou do próprio plano[179].

6.5. – Apesar de tudo, e como tivemos oportunidade de antecipar na delimitação do objeto da consulta[180], a atual redação do artigo 48.º do RJUE não se limitou a acrescer certezas. Pelo contrário, suscita dúvidas significativas pelo facto de abster-se de referir, no seu enunciado, os planos especiais de ordenamento do território, cujas normas se mantêm transitoriamente em vigor, nos termos do já transcrito artigo 78.º, da LBPPSOTU.
O aditamento do n.º 6 a este artigo 48.º toma, no contexto histórico e sistemático, um sentido interpretativo. A occasio legis da norma parece não ser alheia às incertezas que despertaram os já tratados[181] acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de novembro de 2004 (1.ª Sub.) e de 6 de março de 2007 (Pleno) os quais, recorde-se, consideraram que uma nova edificação, embora sita em área abrangida por operação de loteamento, tem de subordinar-se a um plano posterior. O ato que a tiver licenciado é nulo e, a ter sido construída, justifica-se a demolição.
Por comodidade de leitura, voltamos a reproduzir o novo preceito:

«6 - Enquanto não forem alteradas as condições das operações de loteamento nos termos previstos no n.º 1, as obras de construção, de alteração ou de ampliação, na área abrangida por aquelas operações de loteamento, não têm que se conformar com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território ou áreas de reabilitação urbana posteriores à licença ou comunicação prévia da operação de loteamento.»

Há quem considere até que a rotura empreendida pela citada jurisprudência apenas foi sanada por este aditamento[182].
Todavia, ao mesmo tempo que o preceito confirma não estarem as licenças e comunicações prévias de loteamento à mercê das vicissitudes dos planos municipais e intermunicipais, deixou de fora os planos especiais de ordenamento do território, o que justifica perguntar se isso modificou as suas relações com anteriores operações de loteamento.
Dir-se-á que, ao aditar esta disposição, o legislador teve presente que os planos especiais de ordenamento do território, em breve, deixariam de existir, enquanto tal[183], e que, por isso, seria inútil incluí-los na nova redação.
Surgirão programas especiais de ordenamento do território, mas que não vinculam diretamente os particulares (artigo 3.º, n.º 1, a contrario sensu, do novo RJIGT). Apenas mediatamente por via da atualização dos planos territoriais preexistentes (artigo 28.º, n.º 1). Estes, sim, direta e imediatamente vinculativos dos particulares (artigo 3.º, n.º 2).
Algumas das normas dos planos especiais – «relativas aos regimes de salvaguarda de recursos territoriais e valores naturais» – já terão sido selecionadas pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional ao longo do ano imediatamente seguinte à entrada em vigor da LBPPSOTU (artigo 78.º, n.º 2) a fim de serem transpostas para os planos municipais e intermunicipais nos dois anos subsequentes (artigo 78.º, n.º 1) período em que nos encontramos.
Se este procedimento não estiver concluído dentro dos referidos prazos e se, por conseguinte, ao cabo de três anos, esse conteúdo não estiver transposto, «os planos especiais continuam a vigorar, mas deixam de vincular direta e imediatamente os particulares» além de se suspenderem as normas municipais que devessem ter sido alteradas, de ficarem proibidas transitoriamente as operações urbanísticas conexas (artigo 46.º, n.º 5, da LBPPSOTU) e de recaírem sobre os municípios medidas compulsórias de natureza financeira (artigo 46.º, n.º 6).
Os programas especiais irão limitar-se a estabelecer diretrizes e a definir normas de execução por conta de outros instrumentos (artigo 45.º, n.º 1, do novo RJIGT), de sorte que a enunciação no artigo 48.º, n.º 6, do RJUE, rapidamente perderia sentido útil.
O conteúdo material dos programas especiais presta-se a esclarecer a função que lhes reservaram a lei de bases e o novo RJIGT, do qual se transcreve o pertinente artigo:

«Artigo 44.º
(Conteúdo material dos programas especiais)
1 - Os programas especiais estabelecem regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e o regime de gestão compatível com a utilização sustentável do território, através do estabelecimento de ações permitidas, condicionadas ou interditas, em função dos respetivos objetivos.
2 - As normas que estabelecem ações permitidas, condicionadas ou interditas, relativas à ocupação, uso e transformação do solo, devem ser integradas nos planos territoriais, nos termos do n.º 5 do artigo 3.º
3 - As normas de gestão das respetivas áreas abrangidas, nomeadamente, as relativas à circulação de pessoas, veículos ou animais, à prática de atividades desportivas ou a quaisquer comportamentos suscetíveis de afetar ou comprometer os recursos ou valores naturais a salvaguardar podem ser desenvolvidas em regulamento próprio, nas situações e nos termos que o programa admitir.
4 - O regulamento a que se refere o número anterior está sujeito a discussão pública e deve ser aprovado pela entidade responsável pela elaboração do programa, no prazo de 30 dias a contar da data da publicação deste, sendo publicitado no seu sítio na Internet e no dos municípios abrangidos.
5 - Sempre que incidam sobre a mesma área ou sobre áreas que, pela interdependência estrutural ou funcional dos seus elementos, necessitem de uma coordenação integrada, os programas especiais identificam, ainda, o instrumento de ordenamento do espaço marítimo, bem como as respetivas medidas de articulação e de coordenação de usos e atividades.
6 - As normas dos programas especiais que procedam à classificação ou à qualificação do uso do solo são nulas».

Ao contrário do que sucedia com os planos especiais, o alcance dos novos programas, em boa parte, encontra-se dependente da atualização dos planos municipais e intermunicipais (n.º 2). No mais – ou seja, as normas ambientais sem expressão urbanística – podem, ou não, vir a incorporar os regulamentos independentes a que se referem os n.ºs 3 e 4.
Não se vê que possam vir a impor restrições aos proprietários e aos seus direitos preexistentes e juridicamente consolidados ou às demais possibilidades objetivas de aproveitamento do solo, visto que o artigo 171.º, n.º 1, do novo RJIGT, como assinalámos, concentra nos planos territoriais (o que não é o caso) as imposições admissíveis.
Seria demasiado paradoxal que o artigo 48.º, n.º 6, do RJUE, ao ter deixado de enunciar os planos especiais remanescentes, estivesse circunstancialmente a robustecê‑los, logo quando justamente se encontram prestes a ser convolados em simples programas.
A verdade é que, embora transitoriamente, os planos especiais de ordenamento do território, em que se incluem os da orla costeira, continuam a vigorar com a força jurídica que possuíam: até serem vertidos para os planos intermunicipais ou municipais (artigo 78.º, n.º 4, da LBPPSOTU) ou até se cumprir o prazo de três anos fixado para o efeito (n.º 1).
E, não menos verdade é ter o legislador, em outras normas do RJUE, conservado o enunciado expresso dos planos especiais de ordenamento do território.
Conservou-os em cinco disposições que se reproduzem, seguidamente:
«Artigo 17.º
(Efeitos)
(…)
5 - Não se suspendem os procedimentos de licenciamento ou comunicação prévia requeridos ou apresentados com suporte em informação prévia nas áreas a abranger por novas regras urbanísticas, constantes de plano municipal, intermunicipal ou especial de ordenamento do território[184] ou sua revisão, a partir da data fixada para o início da discussão pública e até à data da entrada em vigor daquele instrumento».
«Artigo 20.º
(Apreciação dos projetos de obras de edificação)
1 - A apreciação do projeto de arquitetura, no caso de pedido de licenciamento relativo a obras previstas nas alíneas c) a f) do n.º 2 do artigo 4.º, incide sobre a sua conformidade com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território[185], medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e à inserção urbana e paisagística das edificações, bem como sobre o uso proposto.
(….)».
«Artigo 21.º
(Apreciação dos projetos de loteamento, de obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos)
A apreciação dos projetos de loteamento, obras de urbanização e dos trabalhos de remodelação de terrenos pela câmara municipal incide sobre a sua conformidade com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território[186], medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como sobre o uso e a integração urbana e paisagística».
«Artigo 24.º
(Indeferimento do pedido de licenciamento)
1 - O pedido de licenciamento é indeferido quando:
a) Violar plano municipal e intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território[187], medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis;
(…)».
«Artigo 68.º
(Nulidades)
Sem prejuízo da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos nos termos gerais de direito, bem como do disposto no artigo 70.º, são nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação prévia previstos no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território[188], medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
(…)».

Ao referir os planos especiais de ordenamento do território em algumas normas, e em outras não, e no quadro da unidade do sistema, elemento interpretativo qualificado (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil) somos confrontados com um argumento de ordem sistemática ponderoso: ubi lex voluit, dixit; ubi non voluit, tacuit.
Mais ainda. Literalmente, os planos especiais já não podem ser invocados entre os instrumentos de gestão territorial cuja necessidade de execução reclame alterações a uma licença ou comunicação prévia de loteamento urbano. O legislador suprimiu-os do n.º 1 do artigo 48.º do RJUE, em cuja redação anterior figuravam expressamente.
Como tal, nem sequer vale dizer que a afetação por plano especial posterior das operações urbanísticas em área abrangida por operação de loteamento só pode ter lugar por estrita necessidade de execução do plano, mediante procedimento próprio e reparação dos prejuízos.

Tudo visto, surgiriam as conclusões seguintes:

(i) – Embora transitoriamente, as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por licença ou comunicação prévia de operação de loteamento, teriam de conformar-se com os planos especiais de ordenamento do território posteriores à licença ou comunicação prévia da operação de loteamento (artigo 48.º, n.º 6, do RJUE);

(ii) – Tal conformação nem sequer dependeria do procedimento de modificação municipal da licença da operação de loteamento, porquanto, suprimidos os planos especiais de ordenamento do território da previsão do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, só a execução de um plano municipal ou intermunicipal (ou de área de reabilitação urbana) preenche os pressupostos legais;

(iii) – Por conseguinte, a ablação de direitos ou interesses legalmente protegidos, ancorados em licença ou comunicação prévia de loteamento, desde que operada por aplicação transitória de norma contida em plano especial de ordenamento do território, far-se-ia de modo imediato e sem garantia de reparação dos prejuízos.

Teria, afinal, ocorrido um sério retrocesso, embora transitório, na proteção das operações de loteamento enquanto parâmetros de legalidade urbanística e, ao mesmo tempo, depositárias da confiança investida pelos agentes urbanizadores e pelos adquirentes dos lotes.
Os planos especiais de ordenamento do território, justamente no termo da sua eficácia horizontal, teriam adquirido um primado que nunca lhes fora definitivamente reconhecido: o de alterarem de forma imediata o conteúdo das anteriores licenças e comunicações prévias das operações de loteamento urbano que não se revelassem inteiramente conformes consigo.
O paradoxo mostra-se demasiado exuberante no sistema para o aceitarmos, sem mais. Impõe-se ir mais longe, de olhos postos no legislador e «[n]as soluções mais acertadas» que há de ter procurado, ainda que possa não ter vindo a «exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).
É certo que se consignou uma norma transitória no Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, e cujo teor aqui se reproduz:
«Artigo 11.º
(Aplicação no tempo)
1 – O presente decreto-lei aplica-se aos procedimentos que se iniciem após a sua entrada em vigor.
2 – O disposto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo presente decreto-lei, no que respeita à conformidade das operações urbanísticas com os planos especiais de ordenamento do território só se aplica enquanto estes forem vinculativos dos particulares».

Norma essa que logo foi objeto da crítica doutrinária, por parte de GONÇALO REINO PIRES[189]:
«Quanto aos planos especiais de ordenamento do território, a forma como os mesmos foram tratados no âmbito da alteração ao RJUE denota alguma dificuldade do legislador em lidar com a definição de regimes transitórios.
De facto, o n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 136/2014 estabelece que “o disposto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo presente decreto-lei, no que respeita à conformidade das operações urbanísticas com os planos especiais de ordenamento do território só se aplica enquanto estes forem vinculativos dos particulares”, ao mesmo tempo que as normas relativas ao controlo administrativo de operações urbanísticas mantêm a alusão aos planos especiais de ordenamento do território.
Ora, a redação em causa implica assim que a menção aos planos especiais de ordenamento do território vai manter-se mesmo quando estes planos já não forem vinculativos dos particulares, pelo que a técnica legislativa utilizada deveria ter sido outra, retirando-se essas menções do articulado e remetendo-se, em sede de direito transitório, para o disposto no artigo 78.º da lei de bases».

É importante notar que, porém, o legislador não se limitou a dispor que as normas respeitantes a planos especiais de ordenamento do território só se aplicam enquanto estes forem vinculativos dos particulares.
Aditou um inciso explicativo: «no que respeita à conformidade das operações urbanísticas».
Terá querido assegurar que a transposição de normas dos planos especiais para os planos municipais ou intermunicipais não deixaria um hiato nem abriria uma descontinuidade no controlo da legalidade das operações urbanísticas.
E, se voltarmos a percorrer, agora a esta luz, todas as normas já transcritas e em que o RJUE conservou no enunciado os planos especiais de ordenamento do território, vemos que têm em comum, justamente, inclui-los «no que respeita à conformidade das operações urbanísticas»:

(i) Na prevalência do interesse legalmente protegido com base em informação prévia favorável sobre a suspensão de licenciamentos e procedimentos de comunicação prévia, de modo a impedir a aplicação de novas regras urbanísticas (artigo 17.º, n.º 5, do RJUE);

(ii) Na aprovação do projeto de edificação (artigo 20.º, n.º 1);

(iii) Na aprovação do projeto de loteamento ou de obras de urbanização (artigo 21.º);

(iv) No deferimento da licença (artigo 24.º, n.º 1, alínea a]); e,

(v) Na estatuição da nulidade por desconformidade de licenças e informações prévias favoráveis com plano especial (artigo 68.º, alínea a]).

Quer isto dizer que o legislador enunciou expressamente o plano especial de ordenamento do território em normas tidas como necessárias para, ao longo do período transitório, não ocorrer um vazio nos atos de controlo.
O disposto no artigo 11.º, n.º 2, do diploma preambular deixou implícito, mas suficientemente incontroverso, que só permaneceriam no RJUE referências aos planos especiais onde e quando tivesse de assegurar-se que conformariam novas operações urbanísticas ao longo do período transitório. Algo que parece bater certo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, a regular a aplicação da lei nova aos procedimentos iniciados depois de entrado em vigor o Decreto-lei n.º 136/2014, de 9 de setembro.
E assim, nem sequer brigaria com a supressão que teve lugar, ao mesmo tempo, no artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, pois uma eventual necessidade de executar novo plano especial de ordenamento do território, como fundamento para alterar certa licença de loteamento, não respeita à conformidade (de novas) operações urbanísticas[190] com os planos especiais de ordenamento do território. Respeita sempre a um motivo de força maior para fazer ceder uma operação de loteamento pretérita à execução de um novo plano.
Veja-se, por outro lado, que a valoração da necessidade de executar um plano especial de ordenamento do território como fundamento para impor a modificação municipal de uma licença de loteamento urbano há de compreender um juízo circunstancial de tempo.
Ora, desde a entrada em vigor da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, em 29 de junho de 2014, cessou a produção de novos planos especiais de ordenamento do território e de novas revisões dos anteriores[191]. A prioridade está – a necessidade, diríamos – na sua transposição para os planos territoriais e é nesta sede que ocorrerá a sua execução.
Nem por isso, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, ocorrida em 7 de janeiro de 2015, as câmaras municipais perderam competência para modificar as licenças e comunicações prévias que impedissem a necessária execução de planos especiais de ordenamento do território posteriores às operações de loteamento, pois encontrava-se em vigor a anterior redação do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, com menção expressa daqueles instrumentos. Dispuseram de sete meses desde a publicação oficial das novas contingências.
Desde então, a execução deixou de ser possível. Mas certamente que o decurso do tempo já não permitiria considerá-la necessária.
Contudo, se porventura alguma conveniência recrudescer como necessidade de executar um plano especial de ordenamento do território, há como alterar a licença de loteamento.
Impõe-se, primeiro, a transposição para plano territorial, para depois a câmara municipal tomar a iniciativa de modificar a operação de loteamento, mediante o procedimento previsto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 48.º do RJUE, e o pagamento da indemnização a que der lugar (n.ºs 4 e 5).
De outro modo, ocorreria uma prática administrativa incerta e imprevisível em relação às operações de loteamento e às operações urbanísticas a executar no interior dos respetivos perímetros.
Com efeito, um mesmo plano especial de ordenamento do território aplica-se, quase sempre, a segmentos territoriais de vários municípios vizinhos.
Contudo, o ritmo dos procedimentos de transposição para os planos municipais é inevitavelmente diferente de município para município.
À igual aplicação da lei, acrescem razões de segurança jurídica para relegar, para depois da transposição, as eventuais alterações de licenças de loteamento.
Na verdade, a iniciarem-se alterações às licenças e comunicações prévias de loteamentos, ainda com fundamento na execução de um plano especial em vias de transposição, é elevadíssima a probabilidade de, em certo momento do procedimento, o plano especial ter deixado de vincular diretamente os particulares: ou por ter sido transposto, entretanto, ou por se ter esgotado o prazo para o efeito (artigo 78.º, n.º 1 e n.º 4, da LBPPSOTU). A pressa redundaria em invalidade da alteração em vista.
Pelo contrário, desencadear a alteração já a partir do plano territorial, em cujo conteúdo tenham sido vertidas as normas dos antigos planos especiais que o justificassem, significa dispor de uma base certa e definitiva.
E não se oponha que ao relegar para momento ulterior à transposição o exercício da competência atribuída no artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, abre-se um compasso de espera propício a tirar partido do hiato, pois, de acordo com o artigo 145.º, n.º 1, do novo RJIGT, «[n]as áreas a abranger por novas regras urbanísticas constantes de plano intermunicipal ou plano municipal ou da sua revisão, os procedimentos de informação prévia, de comunicação prévia e de licenciamento ficam suspensos, a partir da data fixada para o início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles planos».

6.6. – Por último, falta-nos saber se esta ordem de razão vale também para o artigo 48.º, n.º 6, do RJUE, em cujo enunciado, como vimos por repetidas ocasiões, o legislador se absteve de mencionar os planos especiais de ordenamento do território.
Aqui, a sua omissão pode produzir um efeito de sentido oposto, qual seja o de entender que as obras de edificação em área abrangida por operação de loteamento só estão a salvo de vicissitudes supervenientes decorrentes de planos territoriais e de áreas de reabilitação urbana.
Parece-nos que se justifica nesta norma admitir que, por interpretação extensiva, o conceito de planos municipais ou intermunicipais chame a si os demais planos que transitoriamente partilhem a vinculação direta e imediata dos particulares. Em suma, também os planos especiais, a título transitório. O legislador disse menos do que queria, importando «corrigir a expressão imprecisa, adaptando-a e estendendo-a no significado real que a lei quis atribuir-lhe[192]».
Enunciaremos as razões que nos levam a alvitrar este recurso.
Trata-se de norma aditada pelo mesmo ato legislativo que suprimiu do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, a menção aos planos especiais de ordenamento do território.
O legislador terá pretendido criar uma norma geral que dissipasse dúvidas acerca da incolumidade do conteúdo das licenças e comunicações prévias de operações de loteamento em face de planos posteriores diretamente aplicáveis a particulares. Porém, ao fazê-lo, ter-se-á limitado a trasladar simetricamente da norma excecional (o n.º 1 do artigo 48.º do RJUE) os instrumentos de gestão territorial contidos na sua previsão e cuja prevalência, justamente é viabilizada: os planos municipais e intermunicipais e as áreas de reabilitação urbana.
Não se terá dado conta de que a nova norma (n.º 6 do artigo 48.º do RJUE) não seria geral apenas diante da disposição excecional que lhe serviu de modelo (por antonímia), como também fora deste peculiar contexto. Na verdade, a norma releva para verificar a legalidade das operações urbanísticas a empreender em área abrangida por operação de loteamento urbano, mas sobre a qual pode incidir concorrentemente um plano especial de ordenamento do território.
O que significa relevar na aplicação de cada uma das cinco normas em que o legislador considerou estar em causa a conformidade das operações urbanísticas com os planos especiais de ordenamento do território, na linha da disposição transitória do artigo 11.º, n.º 2, do diploma preambular da revisão do RJUE, «enquanto estes forem vinculativos dos particulares».
Em cada um destes casos, o aplicador tem de saber se a legalidade de uma obra, em área abrangida por operação de loteamento, deve ser aferida a partir da licença ou comunicação prévia que permitiu esta última ou se vai aplicar um ulterior plano especial de ordenamento do território.
De resto, tivemos oportunidade de identificar a contradição sistemática que consubstanciaria robustecer a força jurídica de um conjunto de planos na vinculação dos particulares, precisamente quando a perda dessa força jurídica está iminente.
Tivemos oportunidade de assinalar a falta de racionalidade que teria o facto de se operar uma profunda alteração por omissão e através de um regime transitório, sujeito, aliás, a um termo certo resolutivo.
(7)

A constituição do direito a edificar em lote.

Aqui chegados, resta-nos determinar como e quando se constitui o direito a edificar nos lotes criados regularmente por uma operação de loteamento urbano.
Por meio da licença ou comunicação prévia do loteamento, que já especificaram algumas vinculações arquitectónicas para cada lote ou, apenas mais tarde, através da licença ou comunicação prévia respeitantes aos trabalhos de construção ou de ampliação a iniciar?
A admitirmos que aquele direito surge com a licença ou com a comunicação prévia de loteamento, então o efeito da comunicação prévia (por via de regra) ou da licença (eventualmente) relativas às obras de edificação a executar nos lotes seria declarativo.
Em coerência com a posição que adotámos no capítulo que imediatamente precede, antecipámos, de algum modo, valer o entendimento segundo o qual o direito a edificar se constitui com o ato fundador do loteamento e com a fixação das especificações urbanísticas para cada um dos lotes. Isto, porém, dito assim, pode revelar-se excessivamente linear.
Assinalámos, por isso, na delimitação do objeto da consulta[193], que um dos motivos expostos na informação homologada pela Senhora Secretária de Estado prestava-se a provar demasiado.
Esse argumento, recorde-se, é o de as obras de construção, de ampliação ou de alteração em área abrangida por operação de loteamento não estarem sujeitas a licença, mas a mera comunicação prévia (artigo 4.º, n.º 4, alínea c], do RJUE) e, como tal, encontrar-se o órgão municipal inteiramente vinculado a nada obstar.
Propomo-nos expor por que consideramos remontar à licença de loteamento a constituição do direito a edificar, mas também por que julgamos de rejeitar que essa constituição seja absoluta e definitiva. Trata-se de um direito condicional e condicionado, não de um direito potestativo.
Logo após, veremos que função tem o controlo municipal prévio das obras de edificação em áreas abrangidas por loteamentos e teremos ocasião de verificar que nem a licença nem a comunicação prévia dessas obras se limitam a executar a licença ou a comunicação prévia em que a operação de loteamento se firmou. Explicar-se-á, então, por que se adiantou que o aludido argumento da comunicação prévia presta-se a levar o aplicador demasiado longe. É que o direito a edificar, mesmo no mais estrito cumprimento das especificações fixadas para o lote, não é um direito absoluto.

7.1. – A ideia de as especificações da licença de loteamento representarem um parâmetro exaustivo da legalidade urbanística dessas obras, corolário da estabilidade adquirida pelo loteamento, vem implícita numa das motivações enunciadas pela informação que a Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza sufragou.
Referimo-nos ao argumento da suficiência da mera comunicação prévia para viabilizar obras de edificação em locais abrangidos por operações de loteamento urbano com o que isso poderia significar de absoluta vinculação municipal e, por conseguinte, de falta de competência para impedir a sua execução em tudo o que não fosse violação das especificações do alvará. Pode ler-se no teor da informação que esse controlo passa a ser «um ato vinculado que se limita a verificar se o direito que se pretende exercer coincide com o que consta das prescrições do loteamento».
Esta ideia surge, de algum modo, no pensamento de FERNANDA PAULA OLIVEIRA[194], quando, ao explicar as vantagens de estabilidade associadas às operações de loteamento exemplifica a «de concretizar no lote a operação urbanística (edificação) para ele prevista e nas condições de edificabilidade definidas no respetivo título (em regra, o alvará): para o efeito basta apresentar uma comunicação prévia».
Vale a pena ter presente que a comunicação prévia é – depois da revisão do RJUE levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro – uma simples declaração sem dar lugar, necessariamente, a um procedimento administrativo próprio que permita à câmara municipal opor-se à operação antes de iniciadas as obras (artigos 34.º e 35.º do RJUE), ou, pelo menos, antes da emissão do título comprovativo. O órgão municipal competente não a pode indeferir nem sequer vetar[195], mas tem o dever de a fiscalizar nos 10 anos subsequentes (artigo 35.º, n.º 9, cujo teor se reproduzirá infra).
E, uma vez emitido o comprovativo eletrónico, acompanhado pelos documentos identificados no artigo 74.º, n.º 2, do RJUE[196], é possível ao presidente da câmara municipal cassá-lo[197] (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RJUE) e embargar os trabalhos (artigo 102.º-B, n.º 1, alínea c), do RJUE).
Ora, os motivos para o fazer não se ficam pela desconformidade com as especificações enunciadas no título da operação de loteamento. Por um lado, estas – pelo menos, as obrigatórias[198] – deixam múltiplos aspetos arquitectónicos de fora e que só surgem com a apresentação da comunicação prévia, acompanhada pelo projeto de arquitetura.
Contudo, o regime da comunicação prévia apresenta um parâmetro de legalidade urbanística bem mais vasto.
Vejam-se as pertinentes disposições do RJUE:


«Artigo 34.º
(Âmbito)
(…)
4 - As operações urbanísticas realizadas ao abrigo de comunicação prévia observam as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as relativas às normas técnicas de construção e o disposto nos instrumentos de gestão territorial.
5 - Sempre que seja obrigatória a realização de consultas externas nos termos previstos na lei, a comunicação prévia pode ter lugar quando tais consultas já tenham sido efetuadas no âmbito de pedido de informação prévia, de aprovação de planos de pormenor ou de operações de loteamento urbano, ou se o interessado instruir a comunicação prévia com as consultas por ele promovidas nos termos do artigo 13.º-B».
«Artigo 35.º
(Regime da comunicação prévia)
(…)
8 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a câmara municipal deve, em sede de fiscalização sucessiva, inviabilizar a execução das operações urbanísticas objeto de comunicação prévia e promover as medidas necessárias à reposição da legalidade urbanística, quando verifique que não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares, ou que estas não tenham sido precedidas de pronúncia, obrigatória nos termos da lei, das entidades externas competentes, ou que com ela não se conformem.
9 - O dever de fiscalização previsto no número anterior caduca 10 anos após a data de emissão do título da comunicação prévia».

Como bem se vê, o parâmetro de legalidade urbanística das obras de edificação a executar num lote é semelhante ao parâmetro de outra qualquer operação: normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente normas técnicas de construção e o disposto nos instrumentos de gestão territorial.
A única diferença está no primado de que beneficia a disciplina fixada para cada lote e que já foi objeto de apreciação pela câmara municipal na constituição da operação de loteamento. A obra não pode ser impedida por motivos que colidam com definições urbanísticas e arquitectónicas já assentes.
Dois exemplos: o uso próprio de cada edificação já se encontra especificado, mas se houver lugar a várias frações autónomas, a individualização concretizada de cada uma e respetiva utilização só surgem neste momento; a apreciação estética da edificação já teve lugar, mas só com a comunicação prévia e com os projetos de arquitetura e das especialidades é possível apreciar, concretamente, o cumprimento das normas legais e regulamentares relativas ao aspeto exterior e à inserção paisagística.
Temos, pois que, apesar da simplificação administrativa que se pretendeu incutir, as obras de edificação a empreender em cada um dos lotes não se limitam a executar o conteúdo da licença ou a comunicação prévia do loteamento respetivo. Tão-pouco a comunicação prévia de obras de edificação constitui mero ato de execução da licença ou da comunicação prévia do loteamento urbano. A operação de loteamento não converte a área abrangida num enclave alheio à demais ordem pública urbanística.
Por fim, há de reparar-se que, no pressuposto de que as «obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor» (artigo 4.º, n.º 4, alínea c]) seriam sempre objeto de comunicação prévia, deixou-se passar em claro que o interessado pode sempre, no requerimento inicial, «optar pelo regime de licenciamento» (artigo 4.º, n.º 6). E há razões de prudência para o fazer: a licença tem um valor acrescido em termos de segurança jurídica quando comparada com a simples comunicação prévia, cujo controlo sucessivo é diferido para um futuro incerto.
Todavia, a desconformidade com as prescrições do loteamento não consta dos motivos que justificam recusar a aprovação do projeto de arquitetura (artigo 20.º, n.º 1, do RJUE) ou de indeferimento da licença (artigo 24.º).
Eis por que não parece dever retirar-se da comunicação prévia mais do que ela permite dar, em especial por que motivo não é de considerar que a sua apresentação representa o exercício de um direito absoluto.

7.2. – Em último lugar, cuidar-se-á do direito a edificar nos lotes como direito constituído a partir da licença ou comunicação prévia de loteamento, mas, ao mesmo tempo, como direito condicionado.
Julgamos que o princípio da progressiva aquisição das faculdades urbanísticas[199] favorece claramente esta leitura (artigo 15.º, n.º 1, da LBPSSOTU). Não se justifica retomar a descrição do encadeamento da validade e eficácia de sucessivos atos e negócios jurídicos a partir do cumprimento dos ónus, encargos, modos, termos e condições fixados com a licença ou na comunicação prévia de loteamento urbano[200].
Assim, com efeito, a operação de loteamento não apenas delimita os lotes, de par com as áreas de uso coletivo, como antecipa boa parte do controlo urbanístico sobre as obras de edificação a executar futuramente:

«Daqui se pode concluir que o loteamento não confere apenas o direito a proceder à divisão/transformação fundiária da sua área de intervenção, conferindo também o direito à edificabilidade nele prevista» (FERNANDA PAULA OLIVEIRA[201]).

O lote oferece garantias de urbanização que outros prédios não estão em condições de apresentar e é por isso que, ao obter a licença para nele construir ou apresentar a comunicação prévia, o proprietário não tem de pagar taxa de urbanização[202] (artigo 116.º, n.º 3, do RJUE, a contrario sensu).
Se a informação prévia constitui na esfera jurídica do requerente, pelo prazo de um ano, o interesse legalmente protegido de não ver recusada uma licença de obras de edificação por motivo já expressamente excluído na apreciação antecedente (artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, do RJUE) por maioria de razão, o conteúdo da licença de loteamento constitui o direito ao aproveitamento edificatório do lote, pelo menos, se respeitar as especificações obrigatórias fixadas para o efeito: finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes.
Direito condicionado ao cumprimento de certas opções edificatórias: «As especificações do [alvará de loteamento] vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio, bem como os adquirentes dos lotes», nos termos do artigo 77.º, n.º 3, do RJUE. Sem obter alteração da licença de loteamento (artigos 27.º, n.º 3, e 48.º-A, do RJUE) o proprietário não pode desenvolver um projeto de arquitetura desconforme.
Justamente para assegurar essa conformidade (e as demais com normas legais e regulamentares aplicáveis) a edificação no lote ainda terá de ser licenciada ou precedida de comunicação (prévia, bem se vê).
Temos, na terminologia de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE[203], um direito incompleto: «sendo mais que uma simples expectativa jurídica, resulta da vinculação material de decisões interlocutórias em procedimentos complexos».
Em todo o caso, um direito, gozando, como tal, de proteção qualificada, a começar pela estabilidade.
No perímetro de operações de loteamento, o princípio tempus regit actum (artigo 67.º do RJUE) vale para o licenciamento ou comunicação prévia da própria operação de loteamento, fixando um bloco de legalidade que perdura sobre as operações urbanísticas sucessivas. O conteúdo da licença ou da comunicação prévia do loteamento apresenta-se com a função e algumas características regulamentares que vimos possuir[204]:
«Artigo 67.º
(Requisitos)
A validade das licenças ou das autorizações de utilização depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60.º».

Perguntamo-nos, então, pelo sentido útil de um plano territorial cujo alcance, para determinadas zonas, constitui letra-morta. Por que motivo o plano não deixa simplesmente em branco as zonas às quais não se aplica, ordenadas que se encontram por operações de loteamento urbano?
A resposta não anda longe do que sucede com a proteção dispensada às edificações já existentes, ainda quando não cumpram o que hoje se exigiria para o seu licenciamento (artigo 60.º do RJUE).
A serem demolidas tais edificações, as que lhes sucedam hão de subordinar-se aos novos parâmetros, hão de executar o plano que assim adquire plena vitalidade.
O mesmo vale para as operações de loteamento. O plano territorial não perde a aptidão de vir a aplicar-se à área loteada, pois pode suceder que a licença de loteamento caduque, seja revogada ou anulada.
Para terminar, uma breve explicação sobre a natureza condicional do direito a edificar em lotes regularmente constituídos.
Este direito subsiste, a não ocorrer caducidade nem anulação ou declaração de nulidade da licença de loteamento urbano ou cassação da comunicação prévia, a ser esse o caso.
Podemos afirmar que o direito a edificar constituído com a operação de loteamento está sujeito a uma multiplicidade de condições resolutivas e a uma fundamental condição suspensiva.
As primeiras respeitam à subsistência da licença ou comunicação prévia, ao longo de toda a série de atos administrativos que controlam faseadamente o cumprimento dos deveres, ónus e encargos assumidos pelo loteador, assim como o respeito pelos prazos de caducidade.
A segunda impede o adquirente de um lote de iniciar trabalhos de construção, até mesmo de apresentar comunicação prévia para o efeito, sem estarem criadas as infraestruturas e demais condições de urbanização. Assim, nos termos do artigo 57.º, n.º 4, do RJUE, «a comunicação prévia para obras em área abrangida por operação de loteamento não pode ter lugar antes da receção provisória das respetivas obras de urbanização ou da prestação de caução a que se refere o artigo 54.º».
(8)

Conclusões.

No termo e como resultado da investigação exposta, apresentam-se as seguintes conclusões:

1.ª – As operações urbanísticas, na generalidade, integram o conceito de transformação dos solos, ultrapassando o simples uso ou fruição, ambos compreendidos na esfera originária de proteção do direito de propriedade privada (cfr. artigo 62.º da Constituição e artigo 1305.º do Código Civil).
2.ª – As pertinentes normas constitucionais, em especial o disposto no n.º 4 do artigo 65.º, não consentem um arquétipo legislativo que tome o designado jus aedificandi como inato às coisas imóveis e correlativos direitos reais de gozo. Só a administração pública pode legitimar as transformações do solo, através do plano, por ato administrativo ou sobre comunicação prévia, acrescentando ao conteúdo do direito civil de propriedade um direito subjetivo público de caráter real.
3.ª –Não obstante, a pretensão dos proprietários de solos a obterem tal ampliação do conteúdo do seu direito é protegida pela livre de iniciativa económica (cfr. artigo 61.º, n.º 1, da Constituição). Esta, contudo, possui um estatuto diminuído, uma vez que, ao contrário das demais liberdades fundamentais – elas próprias a demarcarem a ingerência de restrições, inclusivamente legislativas (cfr. artigo 18.º, n.º 2 e n.º 3 da Constituição) – a liberdade de iniciativa económica há de mover-se na órbita que o legislador e a administração pública lhe traçarem.
4.ª – A necessidade de os conjuntos de edificações autónomas num mesmo prédio ou em prédios contíguos terem de ser precedidos por uma operação de loteamento e respetiva licença municipal (ou, nos casos previstos na lei, de mera comunicação prévia) deve-se, fundamentalmente, à necessidade de afirmar a precedência da urbanização sobre a edificação, ou seja, garantir que um conjunto de novas edificações autónomas dispõe de infraestruturas adequadas, beneficia de espaços e equipamentos de utilização coletiva próprios, contribui para o bem comum com a cedência de terrenos a favor do domínio público ou do património municipal e assume um programa de edificação nos lotes ao qual se vinculam o promotor, os adquirentes de lotes e o município.
5.ª – A licença de loteamento não deve ser qualificada como regulamento, nem como um plano nem como um negócio jurídico, conquanto o seu conteúdo revele traços normativos, em especial as especificações obrigatoriamente fixadas para a edificação em cada lote, apesar da função de instrumento de gestão territorial que desempenha e não obstante assumir uma natureza jurídica modal, evidenciada nos deveres, ónus, encargos, termos e condições que recaem sobre o loteador.
6.ª – A licença de loteamento é um ato administrativo e é constitutiva de direitos e interesses legalmente protegidos, gozando da proteção constitucionalmente devida a estas posições jurídicas ativas ora por força de limites à revisão destes atos, ora por condicionar eventuais efeitos retroativos de outros atos administrativos, de regulamentos ou contratos administrativos e até da lei.
7.ª – A construção nos lotes é permitida pelo direito que se constitui com as especificações do alvará ou título equivalente das operações de loteamento, posto que se antecipa para o licenciamento ou para os atos preparatórios da comunicação prévia a verificação da conformidade com a lei e com os planos aplicáveis por parte das obras a executar.
8.ª – Vale isto por dizer que o tempo que rege o ato é, no caso das licenças e comunicações prévias de obras de edificação, em área abrangida por operação de loteamento, antecipado para o momento em que esta se constitui, na parte que seja especificada no alvará ou título equivalente.
9.ª – O direito a edificar, porém, revela-se um direito incompleto, condicional e condicionado.
10.ª – Não obstante garantir o aproveitamento de cada lote, segundo os parâmetros arquitectónicos e construtivos fixados nas especificações do título do loteamento, é um direito incompleto, pois só adquire plenitude com a comunicação prévia ou com a licença para início de obras de edificação no lote.
11.ª – E, essa plenitude, de harmonia com o princípio da aquisição progressiva das faculdades urbanísticas (artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio) é condicional, pois o direito a edificar em cada lote encontra-se sujeito às vicissitudes que atinjam a licença da operação de loteamento, designadamente na validade e eficácia respetivas, no seu conteúdo ou no objeto.
12.ª – O referido direito encontra-se sujeito, fundamentalmente, a duas condições. A primeira, de natureza suspensiva, impede o início das obras de construção nos lotes sem estarem concluídas – ou devidamente garantida a conclusão – das obras de urbanização. A segunda é de natureza resolutiva e impede a comunicação prévia (ou o licenciamento) de obras de edificação nos lotes se a licença de loteamento tiver caducado, designadamente por incumprimento de prazos fixados ao loteador, se tiver sido anulada ou declarada nula ou se o objeto e conteúdo respetivos tiverem sido alterados restritivamente.
13.ª – O direito a edificar nos lotes é ainda condicionado, com o sentido de a edificação a empreender estar salvaguardada apenas pelas especificações contidas no título da operação de loteamento, o que significa que as obras não ficam desobrigadas de cumprir as prescrições legais e regulamentares a que pela sua natureza, características e localização devam subordinar-se. Por outras palavras, o controlo administrativo de obras em área abrangida por operação de loteamento não se esgota em verificar a conformidade com a licença ou comunicação prévia de loteamento.
14.ª – As alterações e aditamentos introduzidos no artigo 48.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, através do Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, tiveram em vista, por um lado, no n.º 1, a adaptação à Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, que determina sejam os planos especiais de ordenamento do território convolados em simples programas territoriais; por outro, no n.º 6, interpretar anteriores normas, de modo a reforçar o princípio da estabilidade das operações de loteamento urbano em face de planos posteriores com eficácia direta horizontal. Fê-lo, porém, em ambos os casos, sem referência aos planos especiais de ordenamento do território, apesar de estes manterem a vinculação direta dos particulares enquanto não ocorrer a transposição para os planos territoriais ou até se esgotar o prazo previsto na lei para o efeito.
15.ª – Abstendo-se o legislador de mencionar no n.º 6, aditado ao artigo 48.º, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, os planos especiais de ordenamento do território, deve a norma ser interpretada extensivamente, de modo a compreender todos os planos que, a título definitivo ou transitório, produzam idêntica vinculação direta e imediata de sujeitos públicos e particulares. É que esta omissão, em norma geral, parece apostada em refletir simetricamente a nova redação da norma excecional (cfr. n.º 1 do artigo 48.º) que suprimiu os planos especiais de entre os instrumentos cuja execução permitia às câmaras municipais alterar potestativamente as operações de loteamento anteriormente constituídas.
16.ª – Por seu turno, esta última norma não reclama idêntico método hermenêutico, de modo que deixou de poder ser invocada para não frustrar a execução de planos especiais. Isto não significa que as normas dos planos especiais tenham ficado comprometidas derradeiramente na sua execução.
17.ª – Cumpre às câmaras municipais começarem por efetuar a transposição para os planos municipais das normas dos planos especiais, selecionadas pela administração central do Estado, suspendendo-se o licenciamento e a receção de comunicações prévias para novas operações urbanísticas (cfr. artigo 145.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio), para, depois, então, confirmarem se ainda se mantém a necessidade de modificar unilateralmente anteriores operações de loteamento, nos termos do artigo 48.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, ou seja, através de procedimento administrativo próprio (n.ºs 2 e 3) e com garantia da reparação dos prejuízos a que a alteração dê lugar.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 02 DE FEVEREIRO DE 2017, DIGO, 2 DE MARÇO DE 2017.

Maria Joana Raposo Marques Vidal – Eduardo André Folque da Costa Ferreira (Relator) – Com declaração de voto – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Fernando Bento – Maria manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – João Eduardo Cura Mariano Esteves – Maria Isabel Fernandes da Costa – Vinício Augusto Pereira Ribeiro.


(Eduardo André Folque da Costa Ferreira)

DECLARAÇÃO DE VOTO
I
Pela minha parte, iria mais longe na resposta ao pedido de parecer, adiantando algumas previsíveis circunstâncias de facto e de direito que reclamam dos órgãos municipais e de alguns órgãos da administração pública estadual, maxime do Governo, impedir certas obras de edificação em lotes regularmente constituídos.
Pode, e por boas razões, julgar-se prematuro ou superabundante um tal pronunciamento da parte deste corpo consultivo e considerar-se que extravasa da questão concretamente suscitada no pedido de consulta.
Eis a razão de ser da presente declaração, da lavra do relator. Pretende-se aclarar obiter dicta o exato sentido e alcance da estabilidade concedida pela ordem jurídica às prescrições da licença ou da comunicação prévia de loteamento.
A estabilidade dos direitos de edificação consequentes a uma operação de loteamento cifra-se em não poder a câmara municipal recusar o licenciamento nem opor-se a obras sob comunicação prévia por motivos incompatíveis com as prescrições ordenadas para cada um dos lotes da operação. Esta salvaguarda, como se afirma no parecer, não concede, porém, ao alvará da licença de loteamento (ou título equivalente) o estatuto de único e exclusivo parâmetro da legalidade urbanística.
Por outro lado, importa delinear o papel que as denominadas medidas cautelares, designadamente as medidas preventivas, podem assumir como fundamento para modificar potestativamente direitos constituídos ao abrigo de operações de loteamento urbano.
E são duas as motivações para formular as considerações que se seguem, ainda que ultra vel extra petitum.
Por um lado, a inteira pertinência das preocupações reveladas pela posição da IGAMAOT. São preocupações de vinculação ao interesse público e à defesa da legalidade, importando alinhar referências que habilitem aquele órgão a discernir até onde vai a salvaguarda das obras executadas ou a executar e que encontram na conformidade com o alvará de loteamento, apenas, o seu limiar mínimo.
Diante de lotes sitos em zonas de avançada erosão de arribas e demonstrada instabilidade, é importante que os órgãos de fiscalização estejam cientes dos meios que se descortinam para impedir o início dos trabalhos de construção ou de ampliação, principalmente quando não contem ou não possam contar com a intervenção municipal para que a licença de loteamento seja alterada e para arcar com as despesas de uma provável indemnização.
A outra razão diz respeito à ideia de que as especificações da licença de loteamento, por representarem um parâmetro exaustivo da legalidade urbanística dessas obras, e tendo como corolário a opção tomada pelo legislador de as condicionar por mera comunicação prévia, significariam uma vinculação absoluta da parte da câmara municipal a abster-se de adotar providências.
II
Em primeiro lugar, julgamos ser de admitir, embora limitadamente e sem nunca perder de vista o disposto no artigo 48.º do RJUE, que a aprovação de medidas preventivas pode constituir fundamento válido para impedir certas obras de edificação nos lotes.
Por outras palavras, reconhecer às medidas preventivas, para salvaguardar a execução de um futuro plano, aptidão para prescreverem a necessidade de introduzir vicissitudes à disciplina privativa de um ou de vários loteamentos.
A par das normas provisórias (artigo 135.º do novo RJIGT) trata-se de medidas cautelares com a natureza de regulamentos administrativos, de acordo com o artigo 136.º do novo RJIGT, e cuja disciplina essencial vem consignada no artigo 134.º que se reproduz:
«Artigo 134.º
(Medidas preventivas)
1 - Em área para a qual tenha sido decidida a elaboração, a alteração ou a revisão de um plano de âmbito intermunicipal ou municipal podem ser estabelecidas medidas preventivas destinadas a evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do programa ou plano de âmbito intermunicipal ou municipal.
2 - O estabelecimento de medidas preventivas nos termos do número anterior determina a suspensão da eficácia do plano na área abrangida por aquelas medidas e, ainda, quando assim seja determinado no ato que as adote, a suspensão dos demais programas e planos territoriais em vigor na mesma área.
3 - Em área para a qual tenha sido decidida a suspensão de plano municipal ou intermunicipal, são estabelecidas medidas preventivas nos termos do n.º 7 do artigo 126.º.
4 - As medidas preventivas podem consistir na proibição, na limitação ou na sujeição a parecer vinculativo das seguintes ações:
a) Operações de loteamento e obras de urbanização, de construção, de ampliação, de alteração e de reconstrução, com exceção das que sejam isentas de controlo administrativo prévio;
b) Trabalhos de remodelação de terrenos;
c) Obras de demolição de edificações existentes, exceto as que, por regulamento municipal, possam ser dispensadas de controlo administrativo prévio;
d) Derrube de árvores em maciço ou destruição do solo vivo e do coberto vegetal.
5 - Ficam excluídas do âmbito de aplicação das medidas preventivas, as ações validamente autorizadas antes da sua entrada em vigor, bem como aquelas em relação às quais exista já informação prévia favorável ou aprovação do projeto de arquitetura válidas.
6 - Em casos excecionais, quando a ação em causa prejudique de forma grave e irreversível a finalidade do plano, a disposição do número anterior pode ser afastada, sem prejuízo do direito de indemnização a que houver lugar.
7 - Quando as medidas preventivas envolvam a sujeição a parecer vinculativo, o órgão competente para o seu estabelecimento determina quais as entidades a consultar.
8 - Para salvaguardar situações excecionais de reconhecido interesse nacional ou regional, nomeadamente a execução de empreendimentos de relevante interesse público, situações de calamidade pública ou outras situações de risco, bem como para garantir a elaboração, alteração ou revisão de programas especiais, o Governo pode estabelecer medidas preventivas, sendo aplicáveis as disposições previstas nos números anteriores».

Objetar-se-ia, à partida, que às medidas preventivas, porque funcionalizadas a um novo plano territorial, não poderia ser reconhecido um estatuto qualificado em relação ao próprio plano. Considerando o que reconhecemos como estabilidade dos loteamentos licenciados (ou sob ato equivalente) seria incongruente conceder a um instrumento menor (as medidas preventivas) o que se veda a um instrumento maior (o novo plano).
A verdade, porém, é que a menoridade das medidas preventivas pode bem revelar-se uma petição de princípio. Se têm por função obstar a que o futuro plano seja antecipadamente frustrado e se, de algum modo, antecipam alguns dos seus efeitos, é porque o transcendem, conquanto que por um breve período: até o novo plano entrar em vigor.
E não é pelo facto de a norma contida no artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, ser uma norma excecional que é afastada a sua interpretação extensiva. A interpretação extensiva de normas excecionais é expressamente ressalvada no artigo 11.º do Código Civil, ao contrário do que ali se dispõe em matéria de analogia.
Haveria, contudo, outra possível ordem de objeções. Por aplicação do artigo 134.º, n.º 5, do novo RJIGT, as medidas preventivas não podem restringir «ações validamente autorizadas antes da sua entrada em vigor» nem tão-pouco «aquelas em relação às quais exista já informação prévia favorável ou aprovação do projeto de arquitetura válidas».
E, nesta linha, pronunciam-se FERNANDA PAULA OLIVEIRA/ MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES/ DULCE LOPES[205] contra a possibilidade de uma câmara municipal poder modificar unilateralmente o conteúdo de licenças de loteamento com fundamento na necessidade de executar simples medidas preventivas. Vejamos as razões determinantes que invocam.
Primeiro, o carácter taxativo do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, que só o permite às câmaras municipais a título de condição necessária para executar planos territoriais ou áreas de reabilitação urbana. Ora, acabámos de ver que não é a excecionalidade da norma a impedir a interpretação extensiva.
Depois, por se tratar de medidas transitórias, ao passo que no artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, os instrumentos enunciados (planos municipais ou intermunicipais e áreas de reabilitação urbana) possuem carácter definitivo.
Todavia, às normas provisórias já admitem o alcance que negam às medidas preventivas:
«Já o mesmo não diremos das normas provisórias, que, por se apresentarem como uma antecipação da vigência dos planos, devem a eles ser equiparados, permitindo, assim, a aplicação do regime previsto [neste artigo 48.º do RJUE]».

Creio que esta argumentação deita por terra os motivos que levam as Autoras citadas a refutarem o alcance, que não vemos por que excluir, das medidas preventivas.
Afinal, também as normas provisórias escapam ao carácter taxativo do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, e também elas são transitórias.
Admitamos, como hipótese, que, para a futura execução de um plano territorial, ainda em elaboração, já se reconheceu a necessidade imperiosa de impor unilateralmente modificações a certa operação de loteamento e de, prioritariamente, vir a ser desencadeado o procedimento consignado no artigo 48.º do RJUE. O exercício deste poder municipal corre o sério risco de ficar comprometido. Basta ao loteador, antevendo que irá ser modificada a licença, apresentar de imediato comunicação prévia e abreviar o início das obras no lote ou nos lotes em risco de sacrifício, de modo a já beneficiar da incolumidade do existente quando o novo plano entrar em vigor. De preferência, antes da discussão pública e da consequente suspensão da apresentação de novas comunicações prévias.
Quando o plano territorial entrasse em vigor e a câmara municipal desse início ao procedimento de alteração da licença de loteamento, já não iria confrontar-se com uma ação validamente autorizada. Confrontar-se-ia com o edificado existente, acabado de construir, e com a proteção reforçada que, justamente, o RJUE lhe concede:
«Artigo 60.º
(Edificações existentes)
1 – As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes. (…)».

Será então demasiado tarde para a câmara municipal exercer o poder que supostamente lhe conferia o artigo 48.º do RJUE. Este permite alterar licenças de loteamento, mas não permite alterar o edificado existente. A câmara municipal terá, provavelmente, de lançar mão da expropriação por utilidade pública, nos termos gerais, com encargos muito mais elevados.
É para impedir este tipo de factos consumados que as medidas preventivas há muito estão consignadas no direito do urbanismo e do ordenamento do território e é nesta linha de raciocínio que admitimos seja antecipado o exercício da competência de alteração do loteamento para a entrada em vigor das medidas preventivas, sem prejuízo de ser adotado o procedimento devido e ressarcido o proprietário, segundo o previsto no artigo 48.º do RJUE.
Até porque o n.º 6 do artigo 134.º do novo RJIGT, como se viu, prevê para «casos excecionais, quando a ação em causa prejudique de forma grave e irreversível a finalidade do plano» que a intangibilidade das ações validamente autorizadas «pode ser afastada, sem prejuízo do direito de indemnização a que houver lugar».
Trata-se, nem mais nem menos, de confirmar a interpretação extensiva do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, de modo a incluir as medidas preventivas de planos territoriais cuja alteração se encontre em marcha.
As medidas preventivas visam, precisamente, «evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do programa ou plano de âmbito intermunicipal ou municipal» (artigo 134.º, n.º 1, do novo RJIGT).
Acresce a tudo isto uma outra razão que julgamos ponderosa.
A alteração unilateral de uma licença de loteamento, nos termos do artigo 48.º, n.º 1, do RJUE, exclui perentoriamente a iniciativa do Governo. Só a câmara municipal pode exercer este poder. E só o pode exercer como condição necessária à execução de planos municipais ou intermunicipais (e áreas de reabilitação urbana), i.e. se o desenvolvimento da operação de loteamento, no todo ou em parte, frustrar a execução de tais instrumentos.
Dir-se-ia que, sendo estes planos territoriais, dentro em breve, os únicos com efeito direto horizontal e onde se condensa a execução dos demais instrumentos de gestão territorial (programas regionais, especiais, setoriais e nacional) nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do novo RJIGT[206], cumpre às câmaras municipais zelar pelos interesses públicos de alcance regional ou nacional que tenham expressão nos respetivos planos municipais (plano diretor, planos de urbanização e planos de pormenor).
Desta sorte, cumpriria às câmaras municipais introduzir alterações às licenças de loteamento que se impusessem como indispensáveis, por exemplo, para salvaguarda de determinada zona da orla costeira. Todavia, há uma vasta margem de livre decisão que proporciona divergência com os critérios de oportunidade e conveniência dos órgãos do Estado.
Todavia, num Estado unitário, embora descentralizado (artigo 6.º, n.º 1, da Constituição) o interesse público nacional não pode ficar absolutamente dependente de um poder discricionário dos órgãos municipais, alheio, por completo, aos órgãos da administração estadual[207].
Há, por fim, um aspeto muito pragmático a não ser subestimado. Trata-se da indemnização por conta dos prejuízos imputados à alteração de uma operação de loteamento. O seu pagamento constitui encargo do município.
Com efeito, dispõe-se no artigo 48.º, n.º 4, do RJUE, o que seguidamente se transcreve:
«A pessoa coletiva que aprovar os instrumentos referidos no n.º 1 que determinem direta ou indiretamente os danos causados ao titular do alvará e demais interessados, em virtude do exercício da faculdade prevista no n.º 1, é responsável pelos mesmos nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício. (…)».

Temos, pois, que é a pessoa coletiva responsável pelos «danos causados ao titular do alvará e demais interessados» aquela cujos órgãos aprovaram os instrumentos enunciados no n.º 1: planos municipais ou intermunicipais e áreas de reabilitação urbana. Em suma, os municípios, individual ou associadamente, em todos os casos.
Só o artigo 134.º, n.º 8, do novo RJIGT permite ao Governo salvaguardar «situações excecionais de reconhecido interesse nacional ou regional», designadamente situações de risco, ou providenciar por que vinguem as estratégias de programas especiais em elaboração, alteração ou revisão.
E o único meio adequado para o fazer consiste na aprovação de medidas preventivas, aplicando-se as disposições previstas nos números anteriores. Desses números anteriores ressalta o já citado e transcrito n.º 6, a facultar a ablação de ações validamente autorizadas, «sem prejuízo do direito de indemnização a que houver lugar».
A indemnização, nestes casos, de medidas preventivas aprovadas por resolução do Conselho de Ministros (artigo 137.º, n.º 3, do novo RJIGT) constitui encargo do Estado e não dos municípios.
III
A comunicação prévia, conquanto represente uma simples declaração, é acompanhada pelos eventuais pareceres e autorizações da administração pública do Estado (direta ou indireta) e necessariamente pelas peças escritas e desenhadas especificadas na Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril. Estes elementos vinculam também o dono da obra e permitem às autoridades investidas em poderes de fiscalização iniciarem, de imediato, a verificação da conformidade, não só com as especificações fixadas na operação de loteamento urbano, mas também com as demais normas legais e regulamentares aplicáveis.
Ora, justamente, são essas demais normas legais e regulamentares aplicáveis que interessa identificar. Não de modo exaustivo, naturalmente, mas de acordo com a pertinência que adquirem neste contexto.
Dir-se-ia fútil este exercício em vista do estatuto hoje atribuído aos termos de responsabilidade dos autores dos projetos, afiançando o cumprimento das normas de direito público aplicáveis.
Com efeito, dispõe-se sobre esta matéria, no RJUE, o seguinte:

«Artigo 13.º
(Disposições gerais sobre a consulta a entidades externas)
(…)
9 - Os projetos de arquitetura e os de especialidades, bem como os pedidos de autorização de utilização, quando acompanhados por termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projeto legalmente habilitado nos termos da lei da qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, fiscalização de obra e direção de obra que ateste o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, incluindo a menção a plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território em vigor ou licença de loteamento, ficam dispensados da apresentação na câmara municipal de consultas, certificações, aprovações ou pareceres externos, sem prejuízo da necessidade da sua obtenção quando legalmente prevista.
10 - A realização de vistoria, certificação, aprovação ou parecer, pelo município ou por entidade exterior, sobre a conformidade da execução dos projetos das especialidades e outros estudos com o projeto aprovado ou apresentado é dispensada mediante emissão de termo de responsabilidade por técnico legalmente habilitado para esse efeito, de acordo com o respetivo regime legal, que ateste essa conformidade.
11 - O disposto no número anterior não se aplica às especialidades de eletricidade e de gás que são reguladas por legislação especial que assegure a segurança das instalações.
(…)».
«Artigo 20.º
Aprociação dos projetos de obras de edificação
(…)
8 – As declarações de responsabilidade dos autores dos projetos de arquitetura, no que respeita aos aspetos interiores das edificações, bem como dos autores dos projetos das especialidades e de outros estudos nos termos do n.º 4 do artigo 10.º, constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, excluindo a sua apreciação prévia, salvo quando as declarações sejam formuladas nos termos do n.º 5 do artigo 10.º».
O alcance do termo de responsabilidade dos autores é menor do que podia parecer à primeira vista. Assim, do projeto de arquitetura apenas se exclui aos órgãos municipais o controlo prévio sistemático daquilo que respeita aos interiores das edificações.
E, a bem dizer, em todo o mais, a garantia de respeito pela lei e outras prescrições regulamentares que decorre dos termos de responsabilidade é uma presunção: «Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz». (artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil). Contudo, uma presunção legal ou juris tantum pode ser ilidida mediante prova em contrário (artigo 350.º, n.º 2).
A licença deve ser recusada se for encontrada violação de normas legais e regulamentares que o autor do projeto afirma cumprir (artigo 24.º, n.º 1, do RJUE) até por serem frequentes os conceitos indeterminados cuja aplicação concita valorações próprias da função administrativa e que os autores dos projetos não estão em condições de chamar a si. Tão-pouco a comunicação prévia afasta, antes pressupõe, a fiscalização concomitante às obras ou posterior ao seu acabamento (artigo 93.º do RJUE), nos termos seguintes:
«Artigo 35.º
(Regime da comunicação prévia)
(…)
8 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a câmara municipal deve, em sede de fiscalização sucessiva, inviabilizar a execução das operações urbanísticas objeto de comunicação prévia e promover as medidas necessárias à reposição da legalidade urbanística, quando verifique que não foram cumpridas as normas e condicionantes legais e regulamentares, ou que estas não tenham sido precedidas de pronúncia, obrigatória nos termos da lei, das entidades externas competentes, ou que com ela não se conformem».

A não ser assim, mostrar-se-ia desprovido de sentido prever a responsabilidade contraordenacional por «falsas declarações dos autores e coordenador de projetos no termo de responsabilidade relativamente à observância das normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projeto» (artigo 98.º, n.º 1, alínea e), do RJUE) e não haveria fundamento para anular ou declarar a nulidade de uma licença inválida por infração de normas aplicáveis ao projeto (artigos 68.º e 69.º, do RJUE) ou para cassar o título comprovativo de uma comunicação prévia em desconformidade com as mesmas disposições (artigo 74.º, n.º 1, do RJUE). Por seu turno, as medidas de tutela da legalidade urbanística ficariam circunscritas – contra a letra dos artigos 102.º e seguintes do RJUE – às obras absolutamente clandestinas (aquelas que não se encontrando isentas de controlo prévio sejam levadas a cabo sem licença nem comunicação prévia).
IV
Regressando ao encontro do âmbito dessas prescrições legais e regulamentares, consideramos cumprir às autoridades públicas obstar à construção em solos que manifestamente tenham perdido as condições de segurança ou de salubridade, o que vale tanto para obras de edificação a empreender em áreas abrangidas por uma operação de loteamento como para a generalidade das operações urbanísticas.
Podem e devem fazê-lo, em primeiro lugar, com base em prescrições legais e regulamentares de natureza construtiva.
O conteúdo da licença de loteamento e as suas especificações obrigam a edificar em estrita conformidade com a implantação prevista, com os índices de construção fixados e com eventuais configurações de desenho arquitectónico que possam ter sido enunciadas nas especificações.
Mas, basta passar em revista as especificações obrigatórias enunciadas no artigo 77.º, n.º 1, alínea e), do RJUE, para perceber que este parâmetro é exíguo, que há ainda uma ampla margem de liberdade deixada aos autores dos projetos e ao dono da obra e que, por conseguinte, há também uma vasta margem do bloco de legalidade a poder ser infringido.
Rececionada uma comunicação prévia para obras de edificação em determinado lote[208], a câmara municipal não tem de relegar a verificação do cumprimento da lei para mais tarde, nem sequer tem de limitar-se a conferir o cumprimento das especificações enunciadas no alvará de loteamento[209].
Tem de fazer valer aquilo que se aplica à generalidade das obras de edificação a começar pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas[210] (RGEU) .
Não obstante a progressiva revogação de muitas das disposições deste diploma, subsistem em pleno vigor importantíssimas prescrições com especial relevância no domínio da segurança das edificações urbanas.
Assim, nos artigos 18.º e 128.º do RGEU dispõe-se o seguinte:

«Art. 18.º – As fundações dos edifícios serão estabelecidas sobre terreno estável e suficientemente firme, por natureza ou por consolidação artificial, para suportar com segurança as cargas que lhe são transmitidas pelos elementos da construção, nas condições de utilização mais desfavoráveis».

«Art. 128.º – As edificações serão delineadas e construídas de forma a ficar sempre assegurada a sua solidez e serão permanentemente mantidas em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos».

Por outro lado no § único[211] do artigo 3.º determina-se o que vai igualmente transcrito:
«Artigo 3.º (…)
§ único. A concessão de licença para a execução de quaisquer obras será sempre condicionada à observância das demais prescrições do presente regulamento, dos regulamentos municipais em vigor e bem assim de quaisquer outras disposições legais cuja aplicação incumba à administração municipal assegurar».

Registe-se, em especial, o reenvio para «quaisquer outras disposições legais cuja aplicação incumba à administração municipal assegurar».
Por fim, o enunciado do artigo 4.º não se limita a consignar a ineficácia jurídico-privada das licenças urbanísticas, designadamente em matéria de relações jurídicas reais:

«Artigo 4.º – A concessão da licença para a execução de qualquer obra e o próprio exercício da fiscalização municipal no seu decurso não isentam o dono da obra, ou o seu preposto ou comitido, da responsabilidade pela condução dos trabalhos em estrita concordância com as prescrições regulamentares e não poderão desobrigá-los da obediência a outros preceitos gerais ou especiais a que a edificação, pela sua localização ou natureza, haja de subordinar-se».

Resulta claro do teor deste preceito que a própria licença de obras – o que vale a fortiori para a licença de loteamento – não constitui uma permissão incondicional. O estrito cumprimento do projeto de arquitetura, dos projetos das especialidades e das condições eventualmente fixadas com a licença não bastam para assegurar a conformidade da obra com a legalidade urbanística. É esse o sentido «da obediência a outros preceitos gerais ou especiais» de cujo cumprimento o dono da obra não fica desobrigado.
As especificações do alvará de loteamento – pelo menos, as obrigatórias (artigo 77.º, n.ºs 1 a 3, do RJUE) – abstêm-se, pela sua própria função elementar, de enunciar regras de ordem construtiva atinentes à segurança e à salubridade, como se abstêm de regular os requisitos dos projetos de engenharia.
As autoridades públicas não podem descurar o controlo de uma obra por ser levada a cabo num lote e conformarem-se, sem mais, à comunicação prévia. A obra, sob licença ou comunicação prévia, convoca muitas outras disposições que vão desde a estabilidade estrutural[212] à segurança contra o risco de incêndios[213], desde o comportamento térmico[214] às redes prediais de água e esgotos[215], do condicionamento acústico[216] às infraestruturas de telecomunicações[217].
A segurança das edificações, nomeadamente contra os riscos de sobrecarga em arribas ou em outros locais de instabilidade reconhecida aconselha um especial controlo e fiscalização das fundações (artigos 18.º e seguintes do RGEU), dos pavimentos e coberturas (artigos 35.º e seguintes) e do cumprimento de outras condições especiais relativas à segurança das edificações (artigos 128.º e seguintes).
E a tal ponto assim é, que compete às câmaras municipais «ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas» (artigo 33.º, n.º 1, alínea w], do Anexo I à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro[218]).
Não faria sentido que a ordem jurídica só consentisse a intervenção dos poderes públicos em ordem a evitar a ruína de uma construção (e porventura das edificações vizinhas) depois de a obra se achar concluída.
É certo que as disposições do RJUE concernentes a este interesse público parecem concentrar-se no existente, no que se encontra já edificado. Assim, veja-se o enunciado de duas dessas normas:

«Artigo 89.º
(Dever de conservação)
(…)
3 – A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública ou para a saúde das pessoas».
«Artigo 102.º
(Reposição da legalidade urbanística)

(…)
3 – Independentemente das situações previstas no n.º 1, a câmara municipal pode:
a) Determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança e salubridade ou à melhoria do arranjo estético;
b) Determinar a demolição, total ou parcial, das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas».

Disponham ou não de licença, seja esta válida ou inválida, eficaz ou ineficaz e tenham ou não respeitado as prescrições da licença e os projetos de arquitetura e das especialidades, as construções sujeitam-se à demolição por razões de segurança.
A insegurança, por seu turno, pode ter sido revelada nos trabalhos preparatórios de um plano ou de um programa de ordenamento da orla costeira, ao exporem fenómenos geológicos ou hidrológicos reconhecidos em levantamentos no local.
Ora, se uma licença municipal ou uma comunicação prévia permitem iniciar obras de construção em condições que, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, preenchem os pressupostos de ruína iminente, a ponto de justificarem uma intimação para demolir, então, havemos de reconhecer uma contradição insanável nos termos.
Se assim acontecer, a licença deve considerar-se nula por impossibilidade jurídica do objeto[219]. Uma obra de construção não pode, ao mesmo tempo, estar em condições de ser licenciada e em condições de criar ou agravar o seu próprio estado de ruína, preenchendo os pressupostos de facto que determinariam a sua demolição.

«São de objeto impossível os atos cujos efeitos ou medida seja jurídica ou fisicamente impossível e não quando se trata apenas de efeitos proibidos pela ordem jurídica. Casos de objeto juridicamente impossível, têmo-los, por exemplo, na revogação de um ato nulo ou na expropriação de um bem que já foi vendido à Administração expropriante; de atos de objeto fisicamente impossível, a ordem de demolição de um prédio que já ruiu ou a ordem de cessação de fabrico a uma empresa que ainda não tem instações[220]».

Há quem oponha, todavia, que a impossibilidade do objeto para atingir a validade dos atos tem de ser originária[221]. Nesta linha, a nulidade só atingiria as licenças deferidas sobre pressupostos originariamente contraditórios, a ponto de a impossibilitarem juridicamente. As obras licenciadas e em execução ficariam de fora.
Contudo, as que percam o seu objeto, caducam. Uma licença de construção e a subsequente autorização de utilização podem ver-se privadas de eficácia (caducarem) depois de se verificar que o terreno (loteado ou não) ficou privado das condições regulares de estabilidade e segurança. Sendo as licenças urbanísticas atos administrativos de natureza real convivem com as vicissitudes materiais da coisa, seja por força de eventos puramente naturais, seja por ação humana. O perecimento da coisa ou das suas aptidões naturais podem determinar a pura e simples extinção do direito real que ingressara na propriedade do lote[222]. Extinto o direito real, a licença segue-lhe o caminho.
Em suma, se a obra não pode ser impedida por desconformidade com plano territorial superveniente, por se encontrar sob a esfera de proteção de um loteamento urbano, pode porém justificar-se o embargo (artigo 102.º-B, n.º 1, alínea c) do RJUE) e a cassação do título (artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do RJUE) na eventualidade de infringir ou, simplesmente, não poder cumprir normas técnicas de construção.
V
Por seu turno, em face de construções a executar nas imediações de arribas marítimas, não será despiciendo confirmar que o lote se encontra fora do domínio público marítimo ou, achando-se na delimitação respetiva, que o proprietário obteve reconhecimento de que o imóvel já se encontrava sob domínio privado em 31 de dezembro de 1864.
Pode suceder que uma determinada operação de loteamento urbano tenha sido constituída na aparência de todos os terrenos compreendidos se encontrarem no comércio jurídico, no domínio privado. Na aparência, porque alguns podem encontrar-se detidos por sujeitos privados, eventualmente com inscrição registral, mas integrarem o domínio público marítimo.
A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro[223](que estabelece a titularidade dos recursos hídricos) determina no artigo 3.º, alínea e), que «as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés» fazem parte do domínio público marítimo.
Vejamos por onde se estendem estas margens, transcrevendo o que, de relevante para o caso, vem consignado no artigo 11.º:

«Artigo 11.º
(Noção de margem; sua largura)
1 - Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 metros.
3 – (…)
4 – (…)
5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil.
7 – (…) ».

Considerando o objeto da consulta, relevam sobremaneira o n.º 2 e o n.º 6, dispondo que o domínio público marítimo se estende, nas arribas, por 50 metros aquém da crista do alcantil.
É consabido que, por via de regra, quem invoque direitos reais de gozo sobre imóveis nesta faixa tem de obter nos tribunais comuns o reconhecimento de que, antes de 22 de março de 1868, aqueles já eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum, cabendo ao Ministério Público contestar nessas ações (artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2).
O facto de se ter edificado sobre estes terrenos, tão-pouco o de terem sido loteados, não os subtrai ao domínio público. Veja-se o que determina o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto[224]:

«Artigo 18.º
(Inalienabilidade)
Os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado.
Artigo 19.º
(Imprescritibilidade)
Os imóveis do domínio público não são suscetíveis de aquisição por usucapião».

Aliás, este Conselho Consultivo teve já oportunidade de se pronunciar acerca do reconhecimento de direitos de propriedade privada reclamados por um particular que, em 1933, simplesmente edificara uma moradia em terreno costeiro marginal, o qual tomara erroneamente como seu, a partir de uma cedência municipal.
Refiro-me ao Parecer n.º 10/2006, de 17 de janeiro de 2008[225], em que se concluiu que, embora com direitos sobre a edificação, os quais podia o Estado expropriar sem necessidade de declaração de utilidade pública, o solo perdurava no domínio público marítimo, pois nada permitia provar um título legítimo de propriedade privada ou comum válido a 31 de dezembro de 1864.
E vale a pena ter presente que uma licença municipal que permita edificar sobre imóvel alheio (de terceiros ou do domínio público) não é necessariamente atingida na sua a validade por esse motivo[226].
É nulo o negócio jurídico relativo a coisas do domínio público (artigo 280.º, n.º 1) mas não é nulo o ato administrativo que indevidamente permita um seu uso privativo. O que sucede, todavia, é que a licença não é oponível ao Estado nem a outra pessoa coletiva pública a cujo domínio a coisa esteja afeta. Cumpre-lhes, com ou sem licença municipal de obras, exercer os meios de autotutela declarativa e executiva que a lei lhes proporciona. Contudo, a licença, cujo objeto é ilícito mas juridicamente possível, não é forçosamente inválida.
VI
Por último, e apenas como ponto para reflexão futura, não pode ignorar-se aquilo que o Novo Código do Procedimento Administrativo trouxe de mais redutor em matéria de estabilidade dos atos administrativos constitutivos de direitos.
Faculta-se, hoje, a revogação «com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados» (artigo 167.º, n.º 2, alínea c]).
Reproduz-se do Código do Procedimento Administrativo o teor dos condicionalismos próprios da revogação com estes fundamentos:

«Artigo 167.º
(Condicionalismos aplicáveis à revogação)
(…)
4 – A revogação prevista na alínea c) do n.º 2 deve ser proferida no prazo de um ano, a contar da data do conhecimento da superveniência ou alteração das circunstâncias, podendo esse prazo ser prorrogado, por mais dois anos, por razões fundamentadas.
5 – Na situação prevista na alínea c) do n.º 2, os beneficiários de boa-fé do ato revogado têm direito a ser indemnizados, nos termos do regime geral aplicável às situações de indemnização pelo sacrifício, mas quando a afetação do direito, pela sua gravidade ou intensidade, elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, o beneficiário de boa-fé do ato revogado tem direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do direito que tiver sido restringida.
6 – Para efeitos do disposto no número anteror, consideram-se de boa-fé os beneficiários que, à data da prática do ato revogado, desconheciam sem culpa a existência de fundamentos passíveis de determinar a revogação do ato».

É bem certo que, como escreve MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[227], «[o] preceito não admite (…) revogações apenas baseadas numa nova ponderação das circunstâncias, segundo critérios de interesse público, nem no puro reexercício de poderes discricionários à luz das circunstâncias supervenientes».
Contudo, vai muito além do que se permitia anteriormente à revogação de atos administrativos válidos e constitutivos de direitos.
Por isso, mais tarde ou mais cedo, haverá que ponderar se estas normas permitem revogar licenças urbanísticas, designadamente por se alterarem as condições geológicas de estabilidade dos terrenos, a ponto de demonstrar-se que não teriam sido deferidas se retrospetivamente fossem conhecidas tais vicissitudes ou que desculpavelmente foi ignorada uma determinada mais-valia ecológica que só depois de outorgada a licença veio a ser tecnicamente possível identificar.














[1] Aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na atual redação, conferida pela 14ª alteração (Lei n.º 9/2011, de 12 de abril).
[2] Ofício n.º 4949, de 9 de novembro de 2016.
[3] Não dispomos, contudo, de parecer ou informação da IGAMAOT em cujo teor a sua posição seja fundamentada.
[4] Por despacho de 24 de março de 2016, proferido sobre a Informação n.º 22/SEOTCN/2016.
[5] A versão originária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, e corrigida nos termos da Declaração de Retificação n.º 5-B/2000, de 29 de fevereiro, foi suspensa pela Lei n.º 13/2000, de 20 de julho, que repristinou o direito anterior. Esta suspensão foi prorrogada pela Lei n.º 30-A/2000, de 20 de dezembro, até à publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, logo retificado (Declaração n.º 13-T/2001, de 30 de junho) e que imprimiu uma profunda revisão ao RJUE. Seguiram-se alterações muito circunscritas, introduzidas pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto. A Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, reviu amplamente o RJUE, seguindo-se alterações ligeiras, primeiro, pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, depois, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro. O Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, consistiu em nova revisão, pontuada pelas alterações da Lei n.º 28/2010, de 2 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro. A quarta revisão deve-se ao citado Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, com as correções identificadas na Declaração de Retificação n.º 46-A/2014, de 10 de novembro, e que entretanto já conheceu alterações de pormenor por via do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

[6] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro.
[7] Cfr. Artigo 78.º, n.º 1, da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio (Lei de Bases da Política Pública de Solos, do Ordenamento do Território e Urbanismo).
[8] Cfr. Pedido de parecer.
[9] V. Fernanda Paula Oliveira, Loteamentos Urbanos e Dinâmica das Normas de Planeamento: breve reflexão sobre as operações de loteamento urbano e as posições jurídicas decorrentes dos respetivos atos de controlo, Ed. Almedina, 2009, Coimbra, pp. 162-163; Mais uma Alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (O Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro), Ed. Almedina, Coimbra, pp. 45-46.
[10] Dispõe-se o seguinte nestes dois números do artigo 14.º (Pedido de informação prévia):
2 – O interessado pode em qualquer circunstância, designadamente quando o pedido respeite a operação de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor, ou a obra de construção, ampliação ou alteração em área não abrangida por plano de pormenor ou operação de loteamento, requerer que a informação prévia contemple especificamente os seguintes aspetos, em função da informação pretendida e dos elementos apresentados:
a) A volumetria, alinhamento, cércea e implantação da edificação e dos muros de vedação;
b) Projeto de arquitetura e memória descritiva;
c) Programa de utilização das edificações, incluindo a área total de construção a afetar aos diversos usos e o número de fogos ou outras unidades de utilização, com identificação das áreas acessórias, técnicas e de serviço;
d) Infraestruturas locais e ligação às infraestruturas gerais;
e) Estimativa de encargos urbanísticos devidos;
f) Áreas de cedência destinadas à implantação de espaços verdes, equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas viárias.
3 – Quando o interessado não seja o proprietário do prédio, o pedido de informação prévia inclui a identificação daquele bem como dos titulares de qualquer outro direito real sobre o prédio, através de certidão emitida pela conservatória do registo predial. (…)»
[11] 1ª Subsecção, proc. 518/08 (www.dgsi.jsta.pt/jsta.nsf – consultado em 28 de dezembro de 2016).
[12] Pleno da 1.ª Secção, proc. 873/03 (www.dgsi.pt/jsta.nsf – consultado em 28 de dezembro de 2016).
[13] 3.ª Secção, proc. 523/2007, in Diário da República, n.º 219, Série II, de 11 de novembro de 2008.
[14] Recorde-se que o Decreto-Lei n.º351/93, de 7 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 61/95, de 7 de abril, determinara a caducidade de algumas licenças de loteamentos urbanos que não lograssem obter confirmação de compatibilidade com planos regionais de ordenamento do território posteriormente entrados em vigor. A aplicação deste regime jurídico deu lugar a amplíssima polémica na doutrina e justificou vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional. V. por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional (Plenário) n.º 329/99, de 2 de junho de 1999, in Diário da República, Série II, n.º 167, de 20 de julho de 1999.
[15] Despacho de 17 de novembro de 2016, de Sua Excelência a Conselheira Procuradora‑Geral da República.
[16] De fora, ficam os loteamentos industriais, cujas particularidades não reclamam uma análise ex professo na economia do presente parecer. O seu regime consta do Decreto-Lei n.º 232/92, de 22 de outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 133/73, de 28 de março. De fora, ficam também as operações de parcelamento ou reparcelamento de solos rústicos para fins próprios do setor primário, designadamente agrícolas e florestais. Ainda assim, por uma ou por outra vez, justificar-se-á aludir à Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto (Regime da Estruturação Fundiária) que, além de ter alterado o artigo 1379.º do Código Civil, revogou o Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de outubro, e o Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 55/91, de 30 de janeiro. Não se cuidará das operações de reestruturação fundiária de solos urbanos, previstas nos artigos 164.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, desde logo porque, a serem de iniciativa particular, seguem o regime dos loteamentos urbanos (artigo 166.º, n.º 2).
[17] 1.º – O Decreto-Lei n.º 46 673, de 29 de novembro de 1965;
2.º – O Decreto-Lei n.º 289/73, de 9 de outubro, com as vicissitudes operadas pelo Decreto-Lei n.º 511/75, de 20 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 220/76, de 13 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de novembro, e pelos decretos-leis n.º 341/79 e 342/79, de 27 de agosto;
3.º – O Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro;
4.º – O Regime Jurídico do Licenciamento Municipal das Operações de Loteamento e Obras de Urbanização, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, alterado, a título de recusa parcial de ratificação parlamentar pela Lei n.º 25/92, de 31 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 302/94, de 19 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de dezembro, por sua vez alterado, a título de recusa parcial de ratificação parlamentar pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto;
5.º – O Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com todas as vicissitudes já enunciadas supra (nota 4).
[18] Apenas o Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de abril, dispunha, entre os motivos de recusa de aprovação do projeto e de indeferimento do pedido de licença de obras particulares, «a falta de licença de loteamento» (artigo 15.º, n.º 1, alínea c]).
[19] Entendemos que se a infração das prescrições de uma operação de loteamento por uma licença de obras gera nulidade (artigo 68.º, alínea a), do RJUE), por maioria de razão é nula a licença que, pura e simplesmente, tiver preterido a necessidade de lotear e de obter a respetiva licença. V. André Folque, Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, Coimbra Ed., 2007, pp. 58-59. Cfr. Acórdão do STA, 1ª Secção, de 17 de maio de 1994 (Rec. 33641) in www.dgsi.pt/jsta. Durante muito tempo, foi o único aresto publicado a ocupar-se da questão.
[20] Por exemplo, a conjunção «ou» surge por cinco vezes no enunciado.
[21] Não obriga a loteamento, por conseguinte, «o desmembramento que se destina a retificar estremas ou a alargar alguma via, bem como a cessão de uma ou várias bandas de terreno que, em si mesmas, não sejam edificáveis, dada a sua configuração ou superfície» (Osvaldo Gomes, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª edição, Coimbra Ed., 1983, Coimbra, p. 92).
[22] No direito francês agrupam-se as operações sobre as quais não incide o dever de lotear e as que se encontram isentas. Assim, dispõe-se no Artigo R-442-1 do Código de Urbanismo (com a redação do artigo 5.º do Decreto n.º 2012/274, de 28 de fevereiro de 2012, o seguinte [tradução do relator]:
«Não constituem loteamentos no sentido do presente título e não se encontram sujeitas a declaração prévia nem a licença para ordenar:
a) As divisões (…) efetuadas por um proprietário em proveito daqueles que obtiveram licença para construir ou ordenar com vista à criação de um conjunto de edificações ou de um outro imóvel que não uma moradia unifamiliar no sentido do artigo L. 231-1 do Código da Construção e da Habitação;
b) As divisões efetuadas no quadro de uma operação de reparcelamento levada a cabo por uma associação fundiária autorizada ou constituída oficialmente, regida pelo capítulo II do título II do livro III;
c) As divisões efetuadas pelo promotor no interior de uma zona consertada de ordenamento;
d) As divisões de terrenos efetuadas em conformidade com uma licença de construção prevista no artigo R*431-24;
e) Os destaques de terrenos que sirvam de implantação a edificações não destinadas a serem demolidas;
f) Os destaques de parcela de uma propriedade com vista á sua anexação a uma propriedade contígua;
g) Os destaques de terreno por efeito de uma expropriação, de uma aquisição amigável por meios de direito privado, consentida após declaração de utilidade pública e, conquanto decretada pelo juiz da expropriação, de um acordo de cessão anterior a uma declaração de utilidade pública;
h) Os destaques de parcelas adquiridas pelas autarquias locais nas condições previstas nos artigos L. 230-1 a L. 230-6;
i) Os destaques de parcelas que resultem da aplicação do artigo L. 332-10 na sua redação anterior à Lei n° 2010-1658 de 29 de dezembro de 2010, orçamento retificativo para 2010, ou da aplicação do artigo L. 332-11-3.»
Já por seu turno, o artigo R 442-2 retoma a incidência para não deixar de fora eventuais parcelamentos sucessivos: «Sempre que uma construção seja edificada sobre parcela de uma unidade fundiária que haja sido objeto de uma divisão, o requerimento de licença de construção dá lugar a uma declaração prévia de loteamento se o requerimento indicar que o prédio surgiu de uma divisão».
[23] O Decreto-Lei n.º 275/76, de 13 de abril, foi revogado expressa e globalmente pelo artigo 84.º do Decreto-lei n.º 400/84, de 31 de dezembro. Este, contudo, também proibia as operações preparatórias de loteamento clandestino, nomeadamente a terraplanagem e marcações com estacas ou outros meios que indiciassem a configuração de lotes.
[24] Não se alcança outro sentido possível e razoável para a remissão do n.º 4 do artigo 44.º, para o n.º 4 do artigo 43.º, que ao mesmo tempo conserve um mínimo de correspondência verbal. Se os espaços de utilização coletiva, cumprindo os parâmetros devidos, ficarem abertos ao uso público comum, não se justificam cedências, mas justifica-se o pagamento de uma compensação, até por razões de tratamento diferenciado das operações que contribuíram com cedências, para o domínio público ou para o património municipal. Apesar da fruição pública (uso comum) essas parcelas continuam no património do loteador ou dos adquirentes de lotes. Em sentido convergente, v. Suzana Tavares da Silva, “Pagar a conta dos serviços e da manutenção”, in Pagar as Contas da Cidade (coordenação de Suzana Tavares da Silva/ Fernanda Paula Oliveira), Instituto Jurídico da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013, p. 57. Pelo contrário, apelando a uma interpretação abrogante, ao afirmar que o preceito deve ser lido com uma formulação negativa, de absoluta isenção de compensações, se os espaços de utilização coletiva ficarem abertos ao público, v. Fernanda Paula Oliveira/Maria José Castanheira Neves/Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação – Comentado, 4.ª ed., Ed. Almedina, Coimbra, 2016, p. 402.
[25] Cfr. Artigo 77.º, n.º 1, alínea e), in fine, do RJUE. Cfr. João Miranda, A Função Pública Urbanística e o seu Exercício por Particulares, Coimbra Ed., Coimbra, 2012, p. 393. Por aplicação do artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 608/73, de 14 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 194/83, de 17 de maio, obrigavam‑se as operações de loteamento urbano com área superior a dois hectares que destinassem uma quota para casas de renda limitada; quota essa a definir por regulamento. Este diploma foi revogado pela Lei n.º 81/2014, de 19 de novembro.
[26] V. contudo a Portaria n.º 216-B/2008, de 3 de março (com redação corrigida nos termos da Declaração de Retificação n.º 24/2008, de 2 de maio) em que se estatuem os Parâmetros para o Dimensionamento das Áreas destinadas a Espaços Verdes e de Utilização Coletiva, Infraestruturas Viárias e Equipamentos de Utilização Coletiva nas Operações de Loteamento, a aplicar supletivamente se o plano nada dispuser.
[27] Acerca da trilogia das necessidades coletivas a cargo da Administração Pública, v. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª edição, Ed. Almedina, Coimbra, 2015, pp. 25 e seguintes.
[28] Votado em 17 de outubro de 1946 (www.dgsi.pt/pgr). Considerava-se ao tempo que a tipologia dos contratos administrativos enunciados no §2.º do artigo 815.º do Código Administrativo de 1940 não se limitava ao âmbito contencioso: «Consideram-se contratos administrativos unicamente os de empreitada e de concessão de obras públicas, os de concessão de serviços públicos e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrados entre a administração e os particulares para fins de imediata utilidade pública». Todo e qualquer outro contrato com indícios administrativos seria nulo, por natureza ou por falta de atribuições da pessoa coletiva pública.
[29] Sobre cujo projeto se pronunciou favoravelmente este Conselho Consultivo, mas não sem dúvidas e comentários, através do Parecer n.º 22/1965, de 7 de junho de 1965. Não publicado.
[30] Nos termos do artigo 56.º, n.º 1, do RJUE, se a execução das obras de urbanização envolver «em virtude de disposição legal ou regulamentar ou por força de convenção», mais de um responsável, a realização das mesmas pode ser objeto de contrato de urbanização. Nesse contrato, outorgarão o município e o proprietário e podem eventualmente outorgar as empresas prestadoras de serviços públicos e terceiros, nomeadamente os interessados em adquirir lotes (n.º 2).
[31] A jurisprudência francesa mostrou-se flutuante, neste ponto, motivo por que o legislador interveio para excluir a natureza e o regime contratual, mesmo na presença de elementos característicos da empreitada, como o caderno de encargos (Código de Urbanismo, artigo L 115-5: «A mera reprodução ou menção de um documento de urbanismo ou de uma resolução de loteamento num caderno de encargos, um ato ou uma promessa de venda não conferem a esse documento ou resolução carácter contratual», Ordonnance n.º 2015-1174, de 23 de setembro de 2015).
[32] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, com as correções assinaladas na Declaração de Retificação n.º 18-A/2008, de 28 de março, alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.
[33] Cfr. Artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do RJUE.
[34] Cfr. Artigo 73.º, n.º 1, do RJUE.
[35] Salvo, nos termos do artigo 167.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, a saber: «a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários; b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis; c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados; d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o circunstancialismo previsto na própria cláusula.». Referimo-nos a atos constitutivos de direitos praticados depois da entrada em vigor do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, porquanto os anteriores beneficiam de maiores garantias de irredutibilidade perante a então designada revogação por razões de mérito ou de legalidade (cfr. artigo 140.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, com a redação do Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro).
[36] Sobre áreas urbanas de génese ilegal, v. António José Rodrigues, Loteamentos Ilegais. Áreas Urbanas de Génese Ilegal – AUGI, 4.ª ed., Almedina Ed., Coimbra, 2010; Fernanda Paula Oliveira/ Dulce Lopes, As Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGIs) no contexto da “política de legalização”, Almedina Ed., Coimbra, 2016.
[37] Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, com alterações introduzidas pela Lei n.º 165/99, de 14 de setembro, pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, pela Lei n.º 10/2008, de 20 de fevereiro, pela Lei n.º 79/2013, de 26 de dezembro, e pela Lei n.º 70/2015, de 16 de julho.
[38] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/77, de 9 de março.
[39] Não dizemos sempre, pois, embora raramente, ocorre o loteamento de áreas já urbanizadas e edificadas ancestralmente (antes de ser exigido o loteamento à edificação plúrima) e em que o proprietário ou os comproprietários pretendem simplesmente fracionar um prédio segundo a autonomia de cada uma das edificações já construídas, sem se justificarem obras de urbanização.
[40] Aditado pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, e com a redação que seguidamente vai transcrita: «O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem.»
[41] Fernanda Paula Oliveira, Direito do Urbanismo, 2.ª edição, Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 2001, p. 128; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, 2.ª edição, Associação de Estudos de Direito Regional e Local, Braga, 2015, pp. 302 e seguintes; Fernanda Paula Oliveira / Sandra Passinhas, “Loteamento e propriedade horizontal, Guerra e Paz” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 9, Ano V (2002), Almedina Ed., Coimbra, pp. 46 e seguintes; Maria José Castanheira Neves/ Fernanda Paula Oliveira/ Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: comentado, 1ª ed., reimpr. Almedina Ed., Coimbra, 2006, p. 43;
[42] 1.ª Secção, Processo 00015/10.0BEAVR (www.dgsi.pt/jtcn.nsf, consultado em 17/1/2017).
[43] 2.ª Sub., Processo n.º 1038/06 (www.dgsi.pt/jsta, consultado em 17/1/2017).
[44] Fundamento da taxa para reforço das infraestruturas urbanas, hoje alargada à sua realização e manutenção (artigo 116.º do RJUE).
[45] O referido preceito, como explica António Pereira da Costa permite a coordenação da propriedade horizontal a dois níveis. Um primeiro, para as partes comuns ao conjunto dos edifícios, ficcionados, por adaptação, como frações autónomas. Um segundo, em cada edificação por andares com as respetivas partes comuns. Privativas, contudo, em face do conjunto maior (“Propriedade horizontal e loteamento: compatibilização” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Ano II (1.99), Coimbra, pp. 65 e seguintes.
[46] Aperfeiçoamento a que não foi alheia a intervenção do Provedor de Justiça. Cfr. Recomendação n.º 10/B/2000, de 10 de março, em cujo teor se alertava para a insuficiência do critério da semelhança do impacto ao de um loteamento, por este poder assumir as mais variadas extensões e intensidades urbanísticas (www.provedor-jus.pt). Com efeito, do loteamento não pode dizer-se que tem um impacto determinado, a título de padrão. Um loteamento pode não ir além de duas moradias unifamiliares, como pode estender-se a uma vasta área e prever um número elevadíssimo de edificações multifamiliares ou destinadas a fins comerciais ou de serviços. O sentido mais útil desta equiparação, a desenvolver por regulamento municipal, talvez se possa retirar da expressão quantitativa do conjunto de edifícios, na eventualidade de se apresentarem inteiramente autónomos e sem ligações.
[47] Assim, a previsão de cedências, como de áreas privativas por remissão do artigo 57.º, n.º 5, do RJUE, para o disposto no artigo 43.º e no artigo 44.º, n.º 1 a n.º 3.
[48] Artigo 6.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 e seguintes, do RJUE.
[49] Artigo 24.º, n.º 2, alínea b), do RJUE.
[50] Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, que revogou os decretos-leis n.ºs 384/88, de 25 de outubro, e 103/90, de 22 de março, além de ter alterado o disposto no artigo 1379.º do Código Civil.
[51] Incluindo loteamentos urbanos e, em solos não loteados, obras de urbanização e trabalhos de remodelação, posto que o artigo 24.º, n.º 2, do RJUE, ao remeter para a tipologia das operações sujeitas a licença refere expressamente as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º.
[52] V. com particular interesse, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 236/94, de 16 de março (Diário da República, I Série-A, n.º 106, de 7 de maio de 1994) que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de um segmento de certa norma do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, aprovado pela Portaria n.º 274/77, de 29 de maio, em que se dispunha o seguinte: «Caso o município reconheça que as condições locais tornam impossível ou inconveniente a aplicação das presentes disposições, o construtor poderá ser dispensado do seu cumprimento, mediante pagamento ao município de uma quantia a fixar, mediante aplicação à área deficitária de estacionamento de um preço por metro quadrado equivalente a 15% do custo unitário médio estimado para a construção».
[53] Sobre a licença de loteamento como ato modal, v. Diogo Freitas do Amaral, Direito do Urbanismo (Sumários), 1993, Lisboa, p. 120.
[54] V. por todos, Nicola Assini, Trattato di diritto amministrativo, volume XXX (Pianificazione urbanística e governo del territorio), Ed. CEDAM, Milão, 2000, pp. 154 e seguintes; Diritto urbanístico (Governo del territorio, ambiente e opere pubbliche), Ed. CEDAM, Milão, 2003, pp. 130 e seguintes.
[55] V. por todos, Jean-Bernard Auby/Hugues Périnet-Marquet/Rozen Noguellou, Droit de l’urbanisme et de la construction, 8.ª edição, Montchrestien Ed., Paris, 2008, p. 297.
[56] Entre nós, v. António Duarte de Almeida/ Cláudio Monteiro/ Gonçalo Capitão/ Jorge Gonçalves/ Luciano Marcos/ Manuel Jorge Goes/ Pedro Siza Vieira, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo – Anotada e comentada, vol. II, Lex Ed., Lisboa, 1994, p. 612; Diogo Freitas do Amaral/ Cláudio Monteiro, “Transferência dos Direitos de Urbanização e de Edificação da Aldeia do Meco (Parecer)” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 20 (2003), p. 142; André Folque, Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, Coimbra Ed., Coimbra, 2007, p. 70; João Miranda, A Função Pública Urbanística e o seu Exercício por Particulares, Coimbra Ed., Coimbra, 2012, p. 217.
[57] E já anteriormente o disposto no artigo 29.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro: «As condições estabelecidas no alvará vinculam a câmara municipal e o proprietário do prédio e ainda, desde que constantes do registo predial, os adquirentes dos lotes».
[58] Acerca da natureza real dos atos de licenciamento urbanístico, v. Por todos, António Pereira da Costa, Regime Jurídico de Licenciamento de Obras Particulares – Anotado, Coimbra Ed., Coimbra, 1993, pp. 29 e seguinte: «Outra característica é o seu carácter real ou objetivo, sendo indiferente as condições subjetivas do titular, pois decisivo são as circunstâncias e características do objeto e da atividade a desenvolver sobre ele, que a licença trata de controlar (…). Este carácter real implica que a licença se transmita com o prédio (…). Do carácter real da licença de construção deriva uma outra consequência: ela é outorgada com a cláusula ‘salvo o direito de propriedade e sem prejuízo de terceiro’».
[59] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.
[60] Cfr. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Almedina Ed., Coimbra, 2013, pp. 635 e seguintes.
[61] Sobre a proibição de retroatividade regulamentar anterior ao novo CPA, v. José Miguel Sardinha, in Fausto de Quadros/ José Manuel de Sérvulo Correia/ Rui Chancerelle de Machete/ José Carlos Vieira de Andrade/ Maria da Glória Dias Garcia/ Mário Aroso de Almeida/ António Políbio Henriques/ José Miguel Sardinha, Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina Ed., Coimbra, 2016, pp. 280 e seguinte.
[62] João Miranda, A Função Pública Urbanística .., cit, pp. 214 e seguintes.
[63] Estes gozam de legitimidade, nos termos do artigo 85.º do RJUE, para, sob autorização judicial, executarem os trabalhos em falta, se o município o não tiver feito (n.º 1).
[64] Cfr. Artigo 47.º da LBPPSOTU.
[65] Cfr. Artigo 69.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
[66] “O ato administrativo como fonte de direito” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim José Gomes Canotilho, IV (Stvdia Iuridica – 105), Coimbra Ed., 2012, pp. 182-183.
[67] «Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado».
[68] Note-se que, porém, nos termos do artigo 49.º, n.º 5, do RJUE, o controlo da perfeita conclusão das obras de urbanização não tem lugar em loteamentos cujo alvará de licença tiver sido emitido ao abrigo de certos regimes pretéritos: o Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, ou o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro.
[69] Com a redação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho.
[70] Sobre este aspeto, Cfr. Supra, nota 19.
[71] Homologado por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e publicado no Diário da República, II Série, n.º 155, de 9 de julho de 1991.
[72] Proc. 076/13 (www.dgsi.pt/jsta.nsf, consultado em 6/1/2017).
[73] Fundamentalmente, nos prédios urbanos, pois para os rústicos há outros meios de conter o fenómeno, justificados sobretudo por razões de ordenamento agrário. Primeira das quais, conservar dimensões prediais compatíveis com as culturas praticadas (RJEF, aprovado pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto).
[74] O que pode ter como consequência a inutilização da descrição dos lotes constituídos. Cfr. José Lorenzo Gonzalez, “Inutilização da descrição predial devido à caducidade do alvará de loteamento” in Revista Direito Lusíada, n.º 13 (2015), pp. 119 e seguintes.
[75] Ob. cit., p. 551.
[76] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 382/90, de 10 de dezembro.
[77] O que o RJUE prevê no artigo 72.º a propósito da renovação de licenças e comunicações prévias caducadas. Já se permite é que o interessado utilize os elementos que instruíram o processo anterior, desde que não deixe passar mais de 18 meses sobre a caducidade «ou, se este prazo estiver esgotado, não existirem alterações de facto e de direito que justifiquem nova apresentação» (artigo 72.º, n.º 2, do RJUE).
[78] Todavia, por Acórdão da 1.ª Subsecção, de 10 de outubro de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo (www.dgsi.pt/jsta, consultado em 7/2/2017) considerou que o novo regime de caducidade, já com as alterações do Decreto-Lei n.º 382/90, de 10 de dezembro, era de aplicar às licenças de loteamento e respetivos alvarás.
[79] Diário da República, 2.ª Série, n.º 157, de 11 de julho de 1991.
[80] E pelo artigo 380.º do Código Civil aprovado pela Carta de Lei de 1 de julho de 1867, entrado em vigor em 22 de março de 1868.
[81] V. Afonso Rodrigues Queiró, “As praias e o domínio público” in Estudos de Direito Público, vol. II, Tomo I, Acta Universitatis Conimbrigensis, Universidade de Coimbra, 2000, pp. 365 e seguintes. Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, Almedina Ed., Coimbra, 2005, pp. 178 e seguintes.
[82] Alterada a redação pelo Decreto-Lei n.º 53/74, de 15 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 89/87, de 26 de fevereiro, e pela Lei n.º 16/2003, de 4 de junho. Ampliado o seu âmbito pelo Decreto-Lei n.º 145/80, de 22 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 324/94, de 30 de dezembro, e reduzido pelo Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de fevereiro. Os capítulos I e II viriam a ser revogados pela Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro; os demais, pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro.
[83] Não bastava ao direito importar, sem mais, os termos usados pela geografia e pelas ciências da natureza. A indefinição concetual, designadamente entre «litoral», «faixa costeira», «orla costeira» e até «zonas húmidas» denotava a dificuldade do legislador em identificar os diferentes problemas nos vários cortes do espaço terrestre/marinho (cfr. Fernando Alves Correia, “Linhas Gerais do Ordenamento e Gestão da Zona Costeira em Portugal” in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3956, Ano 138.º (2009), p. 252.
[84] Praia-mar, na redação originária.
[85] Estudo sobre os Regimes Jurídicos das Zonas Costeiras da Região Autónoma dos Açores, Instituto Jurídico & Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 45.
[86] Maria del Carmen Nuñez Lozano, Legislación de Costas y Planificación Urbanística, Cuadernos Universitarios de Derecho Administrativo, Derecho Global Ed., Sevilha, 2009, p. 37.
[87] Seria alterado substancialmente pelo Decreto-Lei n.º 218/94, de 20 de agosto, de depois pelo Decreto-Lei n.º 151/95, de 24 de junho, e pelo Decreto-Lei n.º 113/97, de 10 de maio.
[88] Juntamente com os planos de ordenamento florestal, com os planos de ordenamento e expansão dos portos, com os planos integrados de habitação, com os planos de salvaguarda do património cultural, com os planos de ordenamento das áreas protegidas e com os planos de ordenamento das albufeiras de águas públicas (cfr. Anexo ao diploma).
[89] Cfr. Declaração de retificação nº 22-H/98, in Diário da República, Série I-B, n.º 277, de 30 de Novembro de 1998 (2.º suplemento). Com alterações aprovadas pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2012, de 3 de outubro, na redação assente com a Declaração de Retificação n.º 64/2012, de 14 de novembro, e com alterações introduzidas pela Resolução do Conselho de Ministros nº 64/2016, de 19 de outubro.
[90] Alterado nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2016, de 19 de outubro.
[91] Alterado nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 154/2007, de 2 de outubro.
[92] Parcialmente suspenso, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2012, de 29 de março.
[93] Parcialmente suspenso, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2013, de 28 de outubro.
[94] Parcialmente suspenso, nos termos do Decreto Regulamentar Regional n.º 16/2009/A, de 16 de dezembro.
[95] Parcialmente suspenso, nos termos do Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/A, de 12 de agosto.
[96] Vigora contudo uma adaptação regional do Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de setembro, levada a cabo pelo Decreto Legislativo Regional n.º 7/2002/M, de 15 de maio.
[97] Com alterações do Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de abril, do Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de dezembro, da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, da Lei nº 56/2007, de 31 de agosto, do Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de setembro, do Decreto-Lei nº 46/2009, de 20 de fevereiro, do Decreto-Lei nº 181/2009, de 7 de agosto, do Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro, até à revogação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
[98] Chegou a ser publicado um regime jurídico próprio – o Decreto-Lei n.º 129/2008, de 21 de julho. Para os estuários do Tejo e do Vouga chegou a ser determinada a elaboração de planos de ordenamento (Despachos do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional n.º 21 020/2009, de 10 de setembro, in Diário da República, n.º 182, 2.ª Série, de 18 de setembro de 2009, e n.º 22 550, de 30 de setembro de 2009, in Diário da República, n.º 198, 2.ª Série, de 13 de outubro de 2009). Até ao momento, porém, nenhum plano de estuário tinha sido publicado.
[99] “Linhas Gerais do Ordenamento…” loc. cit., pp. 259-260, nota 21.
[100] Ficaria para trás a iniciativa gorada do Programa Finisterra, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 22/2003, de 18 de fevereiro. Regista FERNANDO ALVES CORREIA que «pese embora os seus bons propósitos e a sua qualidade, esse Programa não chegou a ser concretizado, devido a falhas de natureza institucional, entre as quais a mudança de Governo ocorrida pouco tempo depois» (“Linhas Gerais do Ordenamento…”, loc. cit., p. 261).
[101] Quase seis anos depois, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 51/2016, de 20 de setembro, com a redação corrigida, nos termos da Declaração de Retificação n.º 22-A/2016, de 18 de novembro, veio aprovar os seguintes Planos de Gestão dos Riscos de Inundações e os respetivos relatórios técnicos: Plano de Gestão dos Riscos de Inundações do Minho e Lima (RH1); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações do Cávado, Ave e Leça (RH2); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações do Douro (RH3); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações Vouga, Mondego e Lis (RH4); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações Tejo e Ribeiras do Oeste (RH5); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações Sado e Mira (RH6); Plano de Gestão dos Riscos de Inundações Algarve (RH8).
[102] Cfr. Preâmbulo.
[103] Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
[104] Que dispõem como se transcreve:
«Artigo 46.º
(Vinculação)
(…)
5 - Findo o prazo estabelecido nos termos do número anterior, se a associação de municípios ou o município não tiver procedido à referida atualização, suspendem-se as normas do plano territorial intermunicipal ou municipal que deveriam ter sido alteradas, não podendo, na área abrangida, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a alteração do uso do solo, enquanto durar a suspensão.
6 - Sem prejuízo de outras sanções previstas na lei, a falta de iniciativa, por parte de associação de municípios ou município, tendente a desencadear o procedimento de atualização do plano intermunicipal ou municipal referida no número anterior, bem como o atraso da mesma atualização por facto imputável às referidas entidades, implica a rejeição de candidaturas de projetos a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou comunitários, bem como a não celebração de contratos-programa, até à regularização da situação».
[105] Cujo teor se transcreve: «4 - São nulas as orientações e as normas dos programas e dos planos territoriais que extravasem o respetivo âmbito material».
[106] Cujo teor se reproduz:

«Artigo 91.º
(Ratificação)
1 – A ratificação do plano diretor municipal implica a revogação ou a alteração das disposições constantes do programa setorial, especial ou regional em causa e dos respetivos elementos documentais, de modo a que traduzam a atualização da disciplina vigente.
2 – A ratificação pelo Governo do plano diretor municipal é excecional e ocorre, por solicitação do órgão responsável pela respetiva elaboração, quando no âmbito do procedimento de elaboração e aprovação tiver sido suscitada, por si ou pelos serviços ou entidades com competência consultivas, a incompatibilidade referida no número anterior.
3 – Recebida a proposta de ratificação, o membro do Governo responsável pela área do ordenamento do território solicita à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente pela elaboração do programa territorial, parecer fundamentado, a emitir no prazo de 15 dias, que inclui a identificação das disposições inerentes a cada programa, a publicar no ato de aprovação referido no número seguinte.
4 – A ratificação do plano diretor municipal pode ser total ou parcial, devendo adotar a forma prevista para a aprovação do programa setorial, especial ou regional».
[107] Joana Gaspar de Freitas/J. A. Dias, “Praia da Rocha (Algarve, Portugal): um paradigma da antropização do litoral” in Revista da Gestão Costeira Integrada, 12 (1), pp. 31-42 (2012).
[108] V.g. o Plano de Urbanização da Costa do Sol, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 251, de 28 de dezembro de 1948; o Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto, delineado segundo o Decreto-Lei n.º 40 616, de 28 de maio de 1956; a Lei n.º 2 099, de 14 de agosto de 1959 (Bases do plano diretor do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa); o Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, aprovado pela Portaria n.º 274/77, de 19 de maio.
[109] Cfr. Sanções obtemperadas pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 25/92, de 25 de fevereiro, Decreto-Lei n.º 281/93, de 17 de agosto, e Decreto-Lei n.º 402/99, de 14 de outubro.
[110] Elementos de Direito Urbanístico (I – A atuação urbanística das câmaras municipais), Coimbra Ed., Coimbra, 1977, P. 67
[111] Os planos regionais de ordenamento do território.
[112] Cfr. Supra, nota 14.
[113] No sentido da inconstitucionalidade das normas, ora por infringirem os limites da tutela administrativa sobre atos municipais (artigo 243.º, n.º 2 da Constituição), ora por constituírem medidas restritivas com alcance retroativo de direitos constituídos (artigo 18.º, n.º 3), porventura análogos aos direitos, liberdades e garantias (artigos 62.º e 17.º), ora por implicarem uma expropriação sem indemnização (artigos 22.º e artigo 62.º, n.º 2), ora ainda por invadirem a reserva parlamentar (artigo 165.º, n.º 2) v. Diogo Freitas do Amaral/Paulo Otero/Marcelo Rebelo de Sousa/José Manuel Sérvulo Correia/Jorge Bacelar Gouveia/José Menéres Pimentel, Direito do Ordenamento do Território (A Inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro), Coimbra Editora, Coimbra, 1998; João Caupers, “Estado de direito, ordenamento do território e direito de propriedade” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 3, 1995, pp. 100 e seguintes; Sofia Galvão, “Alguns tópicos para uma reflexão sobre política de ordenamento do território em Portugal” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 7, 1997, pp. 193 e seguintes; Fernando Alves Correia, “Caducidade de licenças e aprovações urbanísticas incompatíveis com as disposições de um superveniente PROT: uma solução constitucionalmente admissível? Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 30 de setembro de 1997 (Proc. 35751)” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 14 (1999), pp. 33 e seguintes.
Pelo contrário, sustentando a conformidade constitucional, v. Jorge Miranda, “Ordenamento do território e constituição: sobre a constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 351/93” in Revista do Ministério Público, Ano 16, n.º 61, 1995, pp. 83 e seguintes; Mário Esteves de Oliveira, “O direito de propriedade e o jus aedificandi no direito português” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 3, 1995, pp. 161 e seguintes; Rui Chancerelle de Machete, “Constitucionalidade do regime de caducidade previsto no Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 3, 1995, pp. 241 e seguintes; Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Direito do Urbanismo – Relatório, Lex Ed., Lisboa, 1999, pp. 103 e seguintes.
[114] Admitindo a recorribilidade do ato que declara a incompatibilidade, v. Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 9 de novembro de 1995, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 4, 1995, pp. 203 e seguintes; Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 1 de junho de 1995, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 4, 1995, pp. 247 e seguintes; Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 17 de janeiro de 1995, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 5/6, 1996, pp. 267 e seguintes. Admitindo que o Decreto-Lei n.º 309/95, de 20 de novembro, ao retroagir os seus efeitos à publicação do Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de maio (PROT) apenas o interpretou autenticamente, v. Acórdão do STA, 1.º Secção, de 19 de março de 1998, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 10, 1998, pp. 201 e seguintes; Recusando desaplicar as normas por inconstitucionalidade, v. Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 1 de março de 2001, in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, Ano IV, 2001, (2.01) pp. 93 e seguintes.
[115] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 329/99 (Plenário) de 2 de junho de 1999, in Diário da República, Série II, n.º 167, de 20 de julho de 1999, que não julgou inconstitucionais as normas, considerando não afastarem, antes pressuporem, a indemnização por dano especial e anormal imputado a facto lícito (artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967). Contou com significativas declarações de voto de vencido. Através do Acórdão n.º 517/99, de 22 de setembro de 1999, o Tribunal Constitucional apreciou o pedido de fiscalização abstrata do Provedor de Justiça, deliberando não declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas «no entendimento de que elas se hão de ter por integradas pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de novembro de 1967, por forma a impor-se ao Estado o dever de indemnizar, nos termos deste último diploma legal, os particulares que, por aplicação de tais normas, vejam ‘caducar’ as licenças que antes obtiveram validamente (Proc. 61/95); V. ainda Acórdão n.º 194/99, 2.ª Secção, de 23 de março de 1999 (Proc. 824/97); Acórdão n.º 602/99, 2.ª Secção, de 9 de novembro de 1999 (www.tribunalconstitucional.pt/acordaos).
[116] “Caducidade de licenças e aprovações urbanísticas incompatíveis com as disposições de um superveniente PROT”, loc. cit., p. 40.
[117] O Parecer não foi homologado e mantém-se inédito. Encontra-se na base de dados (www.dgsi.pgr.pt) mas sob acesso reservado. Note-se ainda que foi deliberado antes de aprovada a Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto). Louvava-se, por sua vez, no Parecer n.º 239/77, de 30 de março de 1978, homologado por despacho de 26 de janeiro de 1978, e publicado in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 280, pp. 184 e seguintes. Transcreveu-se, entre outros, o passo seguinte: «Se uma lei nova vem suprimir um tipo de situação jurídica até ali admitido, há que distinguir conforme a lei nova tenha em vista o meio de chegar a essa situação ou, ao contrário, o conteúdos e os efeitos da mesma. Essa última é assimilável àquelas leis que regem os efeitos de uma situação jurídica pelo que se aplica imediatamente às situações jurídicas preexistentes daquele tipo, para lhes pôr termo; neste caso, às conceções da lei opõe-se a própria existência de certos vínculos criados à sombra do instituto que o legislador decidiu suprimir (com Savigny, diremos que estamos em presença de uma lei relativa à existência e natureza de uma situação jurídica ou de um instituto jurídico). Assim, a lei que veio abolir a escravatura queria sem dúvida aplicar-se às situações anteriores».
[118] O Parecer não foi homologado e mantém-se inédito. Encontra-se na base de dados www.dgsi.pgr.pt, mas sob acesso reservado.
[119] Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
[120] Loc. cit.
[121] V. Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, separata do vol. XXIII do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1982, pp. 77 e seguintes. Colhendo o ensino da doutrina publicista alemã, o Autor explica que o sentido da distinção está em não fazer perder a afinidade ancorada na «presença de um ato consciente e intencionalmente dirigido contra os direitos patrimoniais do particular» (p. 78). Pelo contrário, «os meros factos jurídicos e os comportamentos da Administração que, de um modo indireto, causam danos na esfera patrimonial do cidadão terão de ser deixados para outras figuras nomeadamente a da responsabilidade civil» (ibidem). E por seu turno, alguns sacrifícios nem sequer seriam dignos de reparação ou por mais não constituírem do que a delimitação do objeto do direito a partir dos seus vínculos sociais, naturais ou culturais, ou não serem graves nem especiais (pp. 82 seguintes). V. ainda, Gonçalo Capitão, Expropriação e Ambiente, Universidade Lusíada Ed., Lisboa, 2004, pp. 101 e seguintes.
[122] Artigo 159.º do RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro (v. infra, nota 125).
[123] Cfr. Sofia Galvão, A cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de outubro” in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 13 (2000), p. 152.
[124] Lei n.º 48/98, de 11 de agosto. Viria a conhecer apenas uma alteração, por via da Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto, até à sua revogação global pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
[125] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, e até ser globalmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, conheceu alterações por via dos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 53/2000, de 22 de setembro, Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de dezembro, Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, Decreto-Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto (cuja redação foi emendada nos termos da Declaração de Retificação n.º 104/2007, de 6 de novembro), pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro.
[126] Transcrito in António Menezes Cordeiro/Maria da Glória Garcia/Luís de Lima Pinheiro, O Caso Meco (Pareceres jurídicos e peças processuais), 2.º volume, Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, Lisboa, 2002, pp. 21 e seguintes.
[127] Cfr. Infra, nota 134.
[128] Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia (Parecer), loc. cit, p. 209.
[129] Idem, p. 211.
[130] Idem, p. 135.
[131] Ibidem, pp. 47 e seguintes.
[132] Ibidem, p. 197.
[133] Cfr. p. 198.
[134] Este Conselho Consultivo seria ulteriormente chamado a pronunciar-se acerca da validade de um acordo entre o Estado, o município de Sesimbra e a Aldeia do Meco – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico, SA, em 17 de março de 2003, na parte em que se estipulava transferir para terrenos sitos na Mata de Sesimbra a operação inviabilizada. Concluiu-se que o contrato seria ilegal. Trata-se do Parecer n.º 115/2003, de 23 de setembro de 2004, homologado pelo Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, por despacho de 7 de dezembro de 2004, (Diário da República, Série II, n.º 39, de 24 de fevereiro de 2005). Seguir-se-ia o Parecer n.º 115/2003CA, de 27 de julho de 2006 (inédito). Considerou este corpo consultivo que a licença de loteamento titulada pelo alvará n.º 5/99 caducara por incompatibilidade com o plano regional de ordenamento do território, entretanto aprovado e publicado. Não obstante, haveria que indemnizar a sociedade promotora em caso de rescisão do contrato administrativo outorgado em 17 de março de 2003.
[135] Diário da República, II Série, n.º 219, de 11 de novembro de 2008.
[136] Aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 11/91, de 21 de março.
[137] Diário da República, Série I-B, n.º 98-99, de 27 de abril de 1999.
[138] Tecendo crítica incisiva, v. Cláudio Monteiro, “A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, p. 25.
[139] Proc. 873/03 (www.dgsi.pt/jsta, consulta em 2/2/2017). Anotado por Fernanda Paula Oliveira, “Quem dá, pode voltar a tirar...? Novas regras de ordenamento e direitos adquiridos”, in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, 13, VII, 141.
[140] Era esta, ao tempo dos factos, a redação do n.º 1: «As condições da licença ou autorização de operação de loteamento podem ser alteradas por iniciativa da câmara municipal, desde que tal alteração se mostre necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou área crítica de recuperação e reconversão urbanística.»
[141] Era esta, ao tempo dos factos, a redação do n.º 4: «A pessoa coletiva que aprovar os instrumentos referidos no n.º 1 que determinem direta ou indiretamente os danos causados ao titular do alvará e demais interessados, em virtude do exercício da faculdade prevista no n.º 1, é responsável pelos mesmos nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, em matéria de responsabilidade por atos lícitos.»
[142] Era esta, ao tempo dos factos, a redação do n.º 2: «A deliberação da câmara municipal que determine as alterações referidas no número anterior é devidamente fundamentada e implica a emissão de novo alvará, e a publicação e submissão a registo deste, a expensas do município.»
[143] §1.º do Sumário (www.dgsi.pt/jsta, consulta em 2/2/2017).
[144] www.apambiente.pt/index (consulta em 2/2/2017 ).
[145] Cfr. Carla Amado Gomes/Heloísa Oliveira, “E um dia a falésia veio abaixo … Risco de erosão da orla costeira, prevenção e responsabilização” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 24, Ano XII, 2.09, pp. 15 e seguintes.
[146] V. Diogo Freitas do Amaral, Direito do Urbanismo (Sumários), Lisboa, 1993, p. 44.
[147] “Quem dá, pode voltar a tirar…? Novas regras de ordenamento e direitos adquiridos: anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de novembro de 2001, Processo n.º 873/03” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 13, Ano VII, 1.04, pp. 141 e seguintes.
[148] Idem, p. 161. Itálico no original.
[149] Acerca desta construção iniciada na doutrina germânica, v. José Joaquim Gomes Canotilho, Proteção do Ambiente e Direito de Propriedade (Crítica de jurisprudência ambiental), Coimbra Ed., Coimbra, 1995, pp. 96 e seguintes.
[150] Proc. 518/08 (www.dgsi.pt/jsta, consultado em 7/2/2017).
[151] 2.º Juízo (Contencioso Administrativo), Proc. 8176/11 (ww.dgsi.pt/jtca.nsf, consulta em 15/2/2017).
[152] Proc. 01597/06, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 142.º, n.º 3977 (2012), pp. 132 e seguintes, sob comentário de Fernando Alves Correia, “A expropriação de sacrifício: finalmente, a sua consagração jurisprudencial)”.
[153] Aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2002, de 17 de janeiro.
[154] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro. O Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que o revogou, exige como pressuposto o decurso de apenas três anos (artigo 171.º, n.º 4). Contudo, introduz-se uma inovação significativa como exceção a este dever de indemnizar, de forma a relegar os casos de vinculação situacional que podem ser dinâmicos, como se vê pela erosão costeira: «Estão excluídas do número anterior as restrições, devidamente fundamentadas, determinadas pelas características físicas e naturais do solo, pela existência de riscos para as pessoas e bens ou pela falta de vocação do solo para o processo de urbanização e edificação que decorre da respetiva classificação prevista no plano territorial» (artigo 171.º, n.º 5).
[155] Ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 177/97, de 25 de setembro de 1997, in Diário da República, n.º 248, Série I-B, de 25 de outubro de 1997.
[156] Resolução do Conselho de Ministros n.º 31/2001, de 22 de fevereiro de 2001, in Diário da República, n.º 69, Série I-B, de 22 de março de 2001.
[157] V. Fernanda Paula Oliveira, “O direito de edificar: dado ou simplesmente admitido pelo plano? Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de fevereiro de 2001 (Proc. 46 825)” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43 (2004), pp. 56 e seguintes. João Miranda, A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial (A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos), Coimbra Ed., Coimbra, pp. 346 e seguintes: «o conceito de ‘restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas’, pode permitir uma outra interpretação que salva a constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 143.º do RJIGT. Essa interpretação é a de que, para efeitos de responsabilidade da Administração, a solução deve ser idêntica nos casos em que o particular já é detentor de um ato administrativo favorável e naqueles em que a concretização do direito conferido pelo plano é inviabilizada pela Administração. Nestes últimos, tudo se passa como se já se tivesse concretizado o direito de construir e o particular fosse detentor de uma licença para a realização da operação urbanística, tendo o particular direito à indemnização correspondente à sua ablação».
[158] V. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 4.ª edição, Almedina Ed., vol. I, pp. 781 e seguinte.
[159] Essa cumulatividade, segundo o mesmo Autor, só podia ser afastada por desaplicação fundada em violação de lei com valor reforçado, porquanto o disposto no artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, infringia o enunciado do artigo 18.º da LBPOTU Ob. cit., pp. 785 e seguinte.
[160] “(A expropriação de sacrifício: finalmente, a sua consagração jurisprudencial), Anotação ao Acórdão do 2.º Juízo do TCAS de 18 de outubro de 2012” in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 142.º, n.º 3977 (2012), p. 139. Itálico do autor que, contudo, sustenta ter o acórdão desaplicado por inconstitucionalidade (implicitamente?) o segmento da norma que pressupõe a privação de um direito constituído por ato administrativo permissivo e consolidado na ordem jurídica.
[161] Tomamos o direito de propriedade privada como paradigma dos direitos reais de gozo.
[162] V. na jurisprudência constitucional (www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) entre tantos outros, os seguintes arestos (alguns já citados) – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/99, 2.ª Secção, de 9 de novembro de 1999 (Proc. 625/96), o Acórdão n.º 517/99 (Plenário) de 22 de setembro de 1999; o Acórdão n.º 329/99, (Plenário) de 2 de junho de 1999. Mas nem sempre o Tribunal Constitucional afirmou categoricamente que o jus aedificandi seja alheio ao conteúdo originário do direito de propriedade privada: v. Acórdão n.º 194/99, 2.ª Secção, de 23 de março de 1999; Acórdão n.º 331/99, Plenário, de 2 de junho de 1999; No Supremo Tribunal Administrativo (www.dgsi.pt/jsta), e a título meramente exemplificativo, v. Acórdão da 1.ª. Subsecção, de 1 de fevereiro de 2001 (Proc. 46 825), Acórdão da 2.ª Subsecção, de 2 de julho de 2002 (Proc. 48 390); Acórdãos da 1.ª Subsecção, de 10 de outubro de 2002 (Proc. 912/02) de 12 de dezembro de 2002 (Proc. 828/02), Acórdão da 3.ª Subsecção, de 27 de outubro de 2004 (Proc. 581/02); Acórdãos da 1.ª Subsecção de 18 de maio de 2006 (Proc. 167/05) e de 22 de janeiro de 2009 (Proc. 720/08), Acórdão do Pleno da 1.ª Secção, de 6 de março de 2007 (Proc. 873/03), Acórdão da 1.ª Secção, de 5 de novembro de 2013 (Proc. 466/13). Do Tribunal Central Administrativo Sul (www.dgsi.pt/jtca.nsf), v. Acórdão do 2.º Juízo, de 26 de setembro de 2013 (Proc. 9663/13). Ao nível doutrinário, pontifica o entendimento de Fernando Alves Correia, para quem o jus aedificandi é atribuído ao proprietário por normas e atos de direito público (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina Ed., Coimbra, 1990, pp. 372 e seguintes). Há contudo um setor minoritário, mas nem por isso menos ínclito, que sustenta encontrar-se o jus aedificandi compreendido, por natureza, no conteúdo do direito de propriedade privada. E nesse sentido, tudo o que surge por acréscimo são limitações, condicionalismos ou restrições: V. Diogo Freitas do Amaral, “Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1991), pp. 99 e seguintes; José de Oliveira Ascensão, “O Urbanismo e o Direito de Propriedade”, in Direito do Urbanismo (coord. Diogo Freitas do Amaral/ Marta Tavares de Almeida), Instituto Nacional de Administração, 1989, Oeiras, p. 320 e seguintes; Maria Elizabeth Moreira Fernandez, Direito ao Ambiente e Propriedade Privada (Aproximação ao estudo da estrutura e das consequências das ‘leis reserva’ portadoras de vínculos ambientais), Stvdia Iuridica (57), Universidade de Coimbra, Coimbra Ed., 2001, pp. 186 e seguintes; Miguel Nogueira de Brito, A Justificação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional, Almedina Ed., 2007, Coimbra, pp. 740 e seguintes. Gonçalo Reino Pires, A Classificação e a Qualificação do Solo por Planos Municipais de Ordenamento do Território, Alumni FDL, Lisboa, 2015, pp. 116 e seguintes; José Alberto Vieira, Direitos Reais, Almedina Ed., Coimbra, 2016, pp. 297 e seguintes. E não falta, por outro lado, quem alcance uma proteção qualificada do jus aedificandi sem o inscrever no conteúdo (pelo menos, essencial) do direito fundamental à propriedade privada. Assim, v. Jorge Reis Novais, “Ainda sobre o jus aedificandi (… mas agora como problema dos direitos fundamentais)” in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António Sousa Franco, Coimbra Ed., Coimbra, 2006, pp. 493 e seguintes; Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos, Almedina Ed., Coimbra, 1992, pp. 266-269; Por último, sustentando um conceito variável de propriedade privada de solos, segundo a localização de cada prédio e os fatores históricos e culturais, v. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2.ª ed., Principia Ed., Cascais, 2007, p. 76; Cláudio Monteiro, para quem o direito de construir apenas está pressuposto no estatuto constitucional da propriedade imobiliária urbana (“A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 91, 2012, pp. 3 e seguintes; Cidade e Domínio. A Propriedade à Prova no Direito do Urbanismo, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa Ed., Lisboa, 2013, pp. 281 e seguintes).
[163] Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, I, 4.ª ed., Almedina Ed., Coimbra, 2008, pp. 819 e seguintes.
[164] Direito Administrativo, I, Fundação Calouste Gulbenkian Ed., 2006, Lisboa, p. 657 (tradução portuguesa da 11.ª edição de Verwaltungsrecht, I, Munique, 1989).
[165] Manual…, loc. cit., p. 847.
[166] Para este sentido apontou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 2.º Juízo, de 19 de dezembro de 2013 (Proc. 10 491/13). Conquanto seja de exigir ao requerente de uma licença urbanística que comprove dispor «de alguma faculdade de fazer a edificação pretendida», admitiu porém «conceder-se a licença sob condição expressa (cf. o art. 121.º do CPA) de o interessado adquirir ao município prédio incluído no projeto a licenciar, o qual é domínio privado do município» (www.dgsi.pt/jtca.nsf, consultado em 8/2/2017).
[167] Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.
[168] Cfr. Supra, capítulo 3.
[169] Cfr. Supra, Capítulo 5.
[170] V. supra, capítulo 3: os conjuntos de edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si (artigo 57.º, n.º 5, do RJUE), as obras que tiverem criado áreas privativas de circulação, espaços verdes e equipamento (artigo 57.º, n.º 6, do RJUE) as demais operações urbanísticas consideradas por regulamento municipal «como de impacte relevante» (artigo 44.º, n.º 5, do RJUE) e as operações licenciadas sob condição de serem supridas insuficiências de infraestruturas urbanísticas (artigo 25.º do RJUE).
[171] “Loteamentos, Reparcelamentos e Destaques”, in A Interação do Direito Administrativo com o Direito Civil, Centro de Estudos Judiciários Ed., Lisboa, 2016, pp. 47 e seguinte.
[172] Os preceitos citados pela Autora dizem respeito ao RJUE.
[173] Que corresponde com alterações não despiciendas ao artigo 143.º do anterior RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro.
[174] “A regulamentação de situações intertemporais pelos planos diretores municipais”, in Revista de Direito Público e Regulação, n.º 2, (julho, 2009), p. 41.
[175] Sobre algumas das questões suscitadas pela aplicação no tempo de planos territoriais sucessivos, em especial, quando fixam remissões v. Deste Conselho Consultivo, Parecer n.º 37/2015, de 17 de dezembro de 2015, in Diário da República, II Série, n.º 103, de 30 de maio de 2016.
[176] Cfr. Supra, capítulo 3.
[177] Já se cuida porém da restrição ao aproveitamento urbanístico «constante da certidão de um plano de pormenor com efeitos registais, determinada pela sua alteração, revisão ou suspensão, durante o prazo de execução previsto na programação do plano» garantindo-se o pagamento de justa indemnização (artigo 171.º, n.º 3, do novo RJIGT). Ora, este é o lugar do plano de pormenor, ao passo que o loteamento urbano tem sede própria no RJUE.
[178] “A garantia constitucional…”, loc. cit., p. 24.
[179] Idem, p. 23.
[180] Cfr. Supra, capítulo 1.
[181] Cfr. Supra, capítulo 5.
[182] V. Fernanda Paula Oliveira, Mais uma Alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (o Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro), Ed. Almedina, 2015, Coimbra: «Fica assim afastada por via da lei a jurisprudência constante do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de novembro de 2004, proferido no âmbito do Processo n.º 0873/03; do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de março de 2007, emitido pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo no âmbito do mesmo processo e do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 496/2008, proferido no âmbito do Processo n.º 523/2007 (…)» (p. 46, nota 45).
[183] Cfr. Artigo 78.º da LBPPSOTU.
[184] Sublinhado nosso.
[185] Sublinhado nosso.
[186] Sublinhado nosso.
[187] Sublinhado nosso.
[188] Sublinhado nosso.
[189] “A eventual ilegalidade da comunicação prévia sem prazo face à Lei de Bases”, in A Revisão do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (Cláudio Monteiro/ Jaime Valle/ João Miranda), Almedina Ed., Coimbra, 2015, p. 59 e seguinte.
[190] E, em rigor, a operação de loteamento nem sequer cabe na definição legal de operação urbanística enunciada no artigo 2.º, alínea j), do RJUE:
«Artigo 2.º
(Definições)
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
(…)
j) «Operações urbanísticas», as operações materiais de urbanização, de edificação, utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso, para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água».
[191] Neste sentido, V. Fernanda Paula Oliveira, “O regime transitório da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio”, in Questões Atuais de Direito Local, n.º 3, 2014, Associação de Estudos de Direito Regional e Local Ed., pp. 136 e seguinte, nota 2.
[192] Manuel Domingos Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2.ª ed., Coimbra, 1963, p. 149.
[193] Cfr. Supra, capítulo 2.
[194] Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, 2.ª ed., Associação de Estudos de Direito Regional e Local Ed., Braga, 2015, p. 320.
[195] Sem embargo de poder impor o aperfeiçoamento, num momento liminar, a fim de suprimir vícios formais de instrução (cfr. artigo 11.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, do RJUE, ex vi do artigo 35.º, n.º 7).
[196] Documento comprovativo do pagamento das taxas, comprovativo da prestação de caução e instrumento notarial que formaliza as cedências ou declaração municipal que ateste a sua inexigibilidade, sendo caso disso.
[197] V. André Folque, “Medidas de tutela da legalidade urbanística e de regularização de operações urbanísticas” in A Revisão do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (coord. Cláudio Monteiro/ Jaime Valle/ João Miranda), Almedina Ed., 2015, pp. 180-181.
[198] Dispõe-se no artigo 77.º, n.º 1, alínea e), do RJUE, o seguinte «Número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos».
[199] Cfr. Supra, capítulo 6.
[200] Cfr. Supra, capítulo 3.
[201] Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, ob. cit., p. 321
[202] V. Fernanda Paula Oliveira, ob. cit., p. 323.
[203] A Justiça Administrativa, 14.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 64.
[204] Cfr. Supra, capítulo 3.
[205] Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Comentado, 4.ª ed., Almedina Ed., Coimbra, 2016, p. 419.
[206] «Os programas e os planos intermunicipais, bem como os planos municipais devem assegurar a programação e a concretização das políticas com incidência territorial, que, como tal, estejam assumidas pelos programas territoriais de âmbito nacional e regional.»
[207] V. André Folque, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios, Coimbra Ed., 2004, pp. 166 e seguintes, em especial, pp. 183-186.
[208] Cfr. artigo 4.º, n.º 4, alínea c), do RJUE.
[209] Ao invés, parecendo inclinar-se para um controlo restrito, v. Cláudio Monteiro, “A garantia constitucional …” loc. cit., p. 24, quando afirma: «Na verdade, em área abrangida por um loteamento urbano, as condições da respetiva licença ou ato de admissão da sua comunicação prévia constituem o parâmetro exclusivo do licenciamento ou da comunicação prévia de obras de edificação e da respetiva autorização de utilização, não sendo aplicáveis ao respetivo pedido quaisquer outras normas de planeamento posteriores à sua admissão». No segmento final, contudo, o Autor parece estar a referir-se apenas a normas planificatórias.
[210] V. Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951, com alterações introduzidas, nomeadamente pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 38 888, de 29 de agosto de 1952; Decreto-Lei n.º 44 258, de 31 de março de 1962; Decreto-Lei n.º 45 027, de 13 de maio de 1963; Decreto-Lei n.º 650/75, de 18 de novembro; Decreto-Lei n.º 43/82, de 8 de fevereiro; Decreto-Lei n.º 463/85, de 4 de Novembro; Decreto-Lei n.º 172‑H/86, de 30 de junho; Decreto-Lei n.º 64/90, de 21 de fevereiro; Decreto-Lei n.º 61/93, de 3 de março; Decreto-Lei n.º 409/98, de 23 de dezembro; Decreto-Lei n.º 410/98, de 23 de dezembro; Decreto-Lei n.º 414/98, de 31 de dezembro; Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho; Decreto-Lei n.º 290/2007, de 17 de Agosto; Decreto-Lei n.º 50/2008, de 19 de março; e Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro.
[211] Aditado pelo Decreto-Lei n.º 45 027, de 13 de maio de 1963.
[212] Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 349-C/83, de 30 de julho; Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes, aprovado pelo decreto-Lei n.º 235/83, de 31 de maio, e Regulamento de Estruturas de Aço para Edifícios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 211/86, de 31 de julho.
[213] Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, na redação do Decreto-Lei n.º 224/2015, de 14 de outubro.
[214] Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de agosto, na redação republicada com o Decreto-Lei n.º 28/2016, de 23 de junho.
[215] Regulamento geral dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de agosto.
[216] Artigo 12.º, n.º 5, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, com as alterações do Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de agosto. V. ainda o Decreto-Lei n.º 129/2002, de 11 de maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 96/2008, de 9 de junho.
[217] Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, cuja redação sofreu correções, nos termos da Declaração de Retificação n.º 43/2009, de 25 de junho, e alterações por via do Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembro, da Lei n.º 47/2013, de 10 de julho, e da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2015).
[218] Retificada nos termos da Declaração n.º 46-C/2013, de 1 de novembro, e da Declaração n.º 50-A/2013, de 11 de novembro. Alterada pela Lei n.º 25/2015, de 30 de março. Esta competência é desenvolvida nos artigos 89.º e seguintes do RJUE.
[219] Artigo 133.º, n.º 2, alínea c), do 1.º Código do Procedimento Administrativo; Artigo 161.º, n.º 2, alínea c), do Novo Código do Procedimento Administrativo
[220] Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – Comentado, 2.ª ed., Almedina Ed., Coimbra, 1998, p. 645.
[221] Neste sentido, Eduardo García de Enterría/ Tomás Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo, I, 6.º ed., Civitas Ed., Madrid, 1993, p. 595.
[222] V. Mónica Jardim/ Margarida Costa Andrade, “O desaparecimento e recomposição de imóveis – a perda, a acessão e a demarcação” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 24, Ano XII, 2.09, p. 57, e bibliografia da doutrina civilística ali citada.
[223] Cuja redação foi assente nos termos da Declaração de Retificação n.º 4/2006, de 11 de janeiro, e com alterações introduzidas pela Lei n.º 78/2013, de 21 de novembro, pela Lei n.º 34/2014, de 19 de junho, e pela Lei n.º 31/2016, de 13 de agosto.
[224] Na redação dada sucessivamente pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de março, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
[225] Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 21 de julho de 2008.
[226] V. com interesse o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, de 26 de maio de 2011 (proc. 4000/08) in www.dgsi.pt/tjca.nsf consultado em 22/2/2017. Embora se conclua que um antigo caminho público fora desafetado, não deixa, principalmente, a decisão recorrida, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de separar as águas entre validade de atos administrativos e validade de negócios jurídicos relativos a coisas dominiais públicas.
[227] in Fausto de Quadros/ José Manuel de Sérvulo Correia/ Rui Cancerelle de Machete/ José Carlos Vieira de Andrade/ Maria da Glória Dias Garcia/ Mário Aroso de Almeida/ António Políbio Henriques/ José Miguel Sardinha, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina Ed., Coimbra, 2016, p. 344.