Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002233
Parecer: P000132003
Nº do Documento: PPA15052003001300
Descritores: ESCOLA SECUNDÁRIA DO CARTAXO
ACIDENTE
EXPLOSÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ESTADO
INDEMNIZAÇÃO
ACÇÃO JUDICIAL
DANO PATRIMONIAL
DANO MORAL
PRESCRIÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
SEGURO ESCOLAR
COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS
AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS
HETEROCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS
TRANSACÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
TRANSACÇÃO EXTRAJUDICIAL
TRANSACÇÃO ADMINISTRATIVA
AUTORIZAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
Livro: 00
Numero Oficio: 943
Data Oficio: 02/06/2003
Pedido: 02/10/2003
Data de Distribuição: 03/13/2003
Relator: ESTEVES REMÉDIO
Sessões: R1
Data da Votação: 05/15/2003
Tipo de Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Sigla do Departamento 1: ME
Entidades do Departamento 1: SE DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 06/04/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 18-07-2003
Nº do Jornal Oficial: 164
Nº da Página do Jornal Oficial: 10793
Indicação 1: RECTIFICAÇÃO NO DR 178 DE 04-08-2003, PÁG. 11736, por ter saído errado o nº do Parecer
Indicação 2: ASSESSOR:MARTA PATRÍCIO
Área Temática:DIR CONST / DIR ADM *ADM PUBL / DIR CIV * DIR OBG * RESP CIV / DIR PROC CIV
Legislação:CONST76 - ART22 ART266 N1 N2 ART271 N1 N4; D48051 DE 1967/11/21 - ART2 N1 N2 ART3 N1 N2 ART4 N1 ART6 ART8 ART9 ; DL 129/84 DE 1984/04/27 - ART51 N1 H) ART52 ART54 ART55 N1; LPTA85 - ART1 ART7 ART9 F) ART71 ART72; L15/02 DE 2002/02/22 - ART5 N1 ART27 N1 E); CCIV66 - ART202 N2 ART300 ART303 ART304 N1 ART309 ART318 ART322 ART323 N1 ART326 N1 N2 ART327 N1 N2 ART402 ART404 ART483 ART487 ART494 ART496 N1 N3 ART498 N1 N2 N3 ART550 ART551 ART562 ART563 ART564 ART566 N2 ART569 ART805 N3 ART806 N1 ART1248 N1 N2 ART1249 ART1250 ; CPC67 - ART 3 N1 ART193 N2 A) ART268 ART272 ART 273 N1 N2 ART274 ART287 D) ART293 N1 N2 ART294 ART295 ART300 N1 N2 N3 N4 ART378 ART380 ART467 N1 D) ART471 N1 B) ART496 C) ART 506 N1 ART507 ART509 ART515 ART661 N1 N2; D20934 DE 1932/02/25 - ART7; DL24618 DE 1934/10/29; D20420 DE 1931/10/21; DL178/71 DE 1971/04/30 - ART7 N3 F); DL223/73 DE 1973/05/11 - ART 16 N1 N2 N4; PORT 739/83 DE 1983/06/29 - ART3 A) B) C) D) E) F) G) ART4; DL35/90 DE 1990/01/25 - ART17; PORT 413/99 DE 1999/06/08 - ART7 ART8 ART9 ART10 C) ART11 N1 N2 N3 N4; L47/86 DE 1986/10/15 - ART80 A) B) ; RCM 175/01 DE 2001/12/28 - N1 N2; EMP98 - ART80 A) B); CPADM91- ART6
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:LEI DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA DE 1960 - § ART106
LEI DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE 1976 - § 55
CÓDIGO CIVIL FRANCES - ART2045
CÓDIGO CIVIL ESPANHOL- ART1809 E SEGS.
CÓDIGO CIVIL ITALIANO - ART1965
L30/92 DE 1992/11/30 - ART88 N1
L 29/98 DE 1998/07/13
Jurisprudência:AC DO STJ DE 09/05/02
AC DO STJ DE 12/07/01
AC DO STJ DE 08/06/99
AC DO STJ DE 26/05/93 IN CJ ANO I N93 TOMO II PP. 130
AC DO STJ DE 06/07/2000
AC DO STJ 4/2002 IN DR N146 DE 27/06/2002
AC DO STJ DE 11/11/98
AC DO STJ DE 15/10/96 IN DR I S A N274 DE 26/11/96
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: 1. Nos termos da lei civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil);

2. Com perfil material idêntico ao do direito civil, a transacção é admissível nas relações jurídicas administrativas na medida em que a Administração disponha, segundo o ordenamento jurídico, de margem de disponibilidade do objecto da relação jurídica controvertida;

3. Na decisão de transigir por parte da Administração, é determinante a sua vinculação à prossecução do interesse público e o respeito pelos princípios rectores da actividade administrativa;

4. Na sequência de uma explosão de gás ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, foram propostas contra o Estado, por parte de vítimas, acções de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual:
a) na primeira, a acção ordinária n.º 672/95 (ainda pendente e que está na origem do pedido de parecer), oito ex-alunos pedem a condenação do Estado no pagamento de 6.000.000$ (29.927,87 €) a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, pedindo, ainda, um dos autores o pagamento de 3.595.660$ (17.935,08 €) referente a despesas com tratamentos prestados por médico particular;
b) nas duas acções subsequentes, já terminadas, o Estado foi condenado na 1.ª instância a pagar as quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais – 16.000.000$ (79.807,66 €) a favor de uma ex-aluna e 15.000.000$ (74.819,68) a favor de outra –, tendo-se conformado com as decisões;

5. As decisões referidas na precedente conclusão 4. b) e a sua aceitação pela Administração, a par das exigências resultantes dos princípios da justiça e da igualdade, aconselham a que a Administração encare a transacção como via adequada para a prossecução do interesse público na situação debatida na acção ordinária n.º 672/95, pendente no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra;

6. É competente para autorizar a transacção o Ministro da Justiça, ouvido o departamento governamental de tutela, no caso de transacção judicial, ou o Ministro da tutela, no caso de transacção extrajudicial.

Texto Integral:
Senhor Secretário de Estado da Administração Educativa,
Excelência:

I

«Com vista a habilitar a(s) entidade(s) decisora(s) a resolver em definitivo e fundadamente, em observância dos princípios da boa-fé e da justiça», a questão respeitante à eventual solução por via consensual da acção ordinária n.º 672/95, pendente no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra e que oito vítimas da explosão de gás ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, intentaram contra o Estado Português para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer urgente do Conselho Consultivo sobre as questões assim enunciadas:

«a) A viabilidade de o Ministério da Educação transaccionar, extrajudicialmente, um valor superior ao pedido para as indemnizações em causa ou acordar, judicialmente, na ampliação do pedido, nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil;
b) Em caso afirmativo, qual a via julgada mais adequada ao efeito pretendido;
c) No mesmo caso, se há lugar a diligências prévias que acautelem a execução do acordo ou da sentença e quais;
d) Quem tem competência para decidir.» ([1])
Cumpre emitir parecer ([2]).

II

Para uma melhor compreensão das questões suscitadas, entende-se conveniente recensear o acervo factual constante dos elementos documentais disponibilizados.


1. No dia 25 de Janeiro de 1985, pelas 16 horas, ocorreu uma explosão de gás na sala ANG-2 do 2.º piso, 1.º andar, do edifício B da Escola Secundária do Cartaxo, dependência projectada para funcionar como laboratório, mas utilizada para aulas de desenho, e onde se encontravam os alunos da turma C do 8.º ano.

Em consequência, vários alunos sofreram lesões corporais graves que demandaram prolongados tratamentos hospitalares e médicos, bem como a realização de intervenções cirúrgicas.

A explosão foi provocada por uma fuga de gás combustível proveniente de um terminal de alimentação integrado na rede geral de abastecimento da Escola e instalado naquela sala, dentro de uma bancada, sem torneira de segurança.

«O Estado nunca pôs em causa a verificação dos pressupostos da sua responsabilidade civil extracontratual pelo acidente (...), assumindo as correspondentes obrigações (despesas emergentes para os acidentados e ressarcimento dos danos patrimoniais)» ([3]).

De facto, o Instituto de Acção Social Escolar, através do seguro escolar, garantiu o pagamento de toda a assistência médica, cirúrgica e medicamentosa, de todas as despesas de transporte, tratamento ambulatório e material de protecção, tendo pago aos sinistrados indemnizações por danos patrimoniais calculadas com base no grau de incapacidade comprovado por junta médica.

O Estado apenas recusou pagar a assistência prestada por médico particular ao sinistrado Paulo Renato Fernandes Tavares «de acordo com a decisão tomada, em 17 de Julho de 1987, pela junta médica, que entendeu, em obediência ao princípio da igualdade, que a todos os sinistrados podia ser assegurada a assistência médica de que necessitavam nos hospitais civis de Lisboa» ([4]).


2. Entretanto, onze sinistrados da explosão ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo intentaram contra o Estado Português, no Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Coimbra, acções de indemnização para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, a saber:

– Os ex-alunos (1) Anabela Mealha Arcanjo, (2) Luís Vasco da Cunha Rebelo, (3) Maria Elisabete Neves da Cruz, (4) Paulo Renato Fernando Tavares, (5) Pedro António Jacinto Fialho, (6) Rosabela Maximiano Delgado Ferreira, (7) Rui Manuel Silva Colaço e (8) Vítor Manuel Figueiredo Lopes pediram, na acção ordinária n.º 672/95, a condenação do Estado no pagamento da quantia de 6.000.000$00 a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, pedindo, ainda, o aluno Paulo Renato Fernando Tavares, o pagamento da quantia de 3.595.660$00 referente a despesas com tratamentos prestados por médico particular;
– A ex-aluna Helena Isabel Sereno da Silva Sanches pediu, na acção ordinária n.º 395/96, a condenação do Estado no pagamento da quantia de 16.000.000$00, a título de danos não patrimoniais, acção julgada procedente por sentença de 10 de Dezembro de 1999, da qual o Ministério Público interpôs recurso, posteriormente objecto de desistência, porque o Ministério da Educação se conformou com a condenação, procedendo ao pagamento da quantia peticionada;
– A ex-aluna Maria de Fátima Jarego de Oliveira pediu, na acção ordinária n.º 311/96, a condenação do Estado no pagamento da quantia de 15.000.000$00 a título de danos não patrimoniais, acção julgada procedente por sentença de 23 de Maio de 2002, da qual não foi interposto recurso, porque o Ministério da Educação se conformou com a condenação, procedendo ao pagamento da quantia peticionada;
– A ex-aluna Ana Cristina Rodrigues Lopes pediu, na acção ordinária n.º 144/98, a condenação do Estado no pagamento da quantia de 16.000.000$00 a título de danos não patrimoniais, desconhecendo-se o estado actual do processo.


3. Na petição inicial da acção ordinária n.º 672/95, os autores afirmam que, em consequência da explosão, «ficaram com incapacidade permanente para o trabalho, sendo a da 1.ª Autora de 48,67%, a do 2.º Autor de 39,21%, a da 3.ª Autora de 60%, a do 4.º Autor de 88,78%, a do 5.º Autor de 33%, a da 6.ª Autora de 29,62%, a do 7.º Autor de 34,53% e a do 8.º Autor de 34,21%» (artigo 16.º) e também «ficaram com cicatrizes extensas e profundas em diversas zonas do corpo, designadamente na cara, mãos e braços e com aleijões e deformidades muito notáveis, que lhes determinam prejuízos estéticos e funcionais muito acentuados» (artigo 17.º), sendo que «essas lesões e o prolongado tratamento a que tiveram de ser submetidos, provocaram aos autores acentuado sofrimento físico e psíquico, dores dilacerantes e incómodos e perturbações significativas» (artigo 18.º), «além do profundo e irrecuperável desgosto de, ainda jovens, terem ficado irremediável e permanentemente deformados, nomeadamente nas zonas do corpo mais expostas, como a cara e as mãos» (artigo 19.º).

Ora, prossegue-se na petição inicial, «(...) o Réu Estado apenas indemnizou os Autores pelos prejuízos materiais relativos à incapacidade permanente para o trabalho que lhes reconheceu» (artigo 20.º); «contudo, o Réu tem o dever de indemnizá-los, também pelos prejuízos morais – incómodos, dores, angústia, desgosto – que sofreram e vão sofrer» (artigo 21.º), pelo que «afigura-se adequado atribuir a verba de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) a cada um dos Autores, para ressarcimento daqueles danos» (artigo 22.º).

Além do ressarcimento dos danos não patrimoniais, o Autor Paulo Renato Fernando Tavares reclama ainda a condenação do Estado no pagamento da quantia de 3.595.660$00, despendida em tratamentos prestados por médico particular (artigos 23.º e 24.º), o que perfaz o pedido total de 51.595.660$00.

O Estado, representado pelo Ministério Público, contestou a acção ordinária n.º 672/95, defendendo, em substância:

– É excessivo e inadequado arbitrar uma indemnização de igual valor a cada um dos Autores, porque são necessariamente diferentes, em função das sequelas do acidente, os danos estéticos e o desgosto de cada um deles (artigos 3.º a 5.º);
– O Estado desconhece se são verdadeiros os factos alegados nos artigos 23.º e 24.º da petição inicial, todavia, já pagou ao Autor Paulo Renato Fernando Tavares a quantia de 2.063.155$00, referente a tratamentos que lhe foram prestados por entidades particulares, conforme prova pelos documentos n.os 9 a 15 anexos à contestação (artigos 6.º e 7.º);
– A acção deve ser julgada parcialmente improcedente.

Em 10 de Junho de 2000, os autores ampliaram o pedido inicial de 51.595.660$00 para 166.595.660$00, asseverando que, posteriormente à propositura da acção verificaram, com consternação, que os danos não patrimoniais resultantes dos factos descritos na petição inicial, ao invés de cessarem, continuaram e até se agravaram, reclamando o pagamento dos seguintes montantes indemnizatórios pelos danos não patrimoniais:

– A 1.ª Autora, indemnização não inferior a 21.000.000$00;
– O 2.º Autor, indemnização não inferior a 19.000.000$00;
– A 3.ª Autora, indemnização não inferior a 24.000.000$00;
– O 4.º Autor, indemnização não inferior a 35.000.000$00;
– Os 5.º, 6.ª, 7.º e 8.º Autores, indemnização não inferior a 16.000.000$00.

O Estado, notificado da ampliação do pedido por parte dos autores, opôs-se à ampliação pretendida, aduzindo, em síntese:

– O articulado apresentado não se trata de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, mas antes de uma nova acção, com nova causa de pedir e novo pedido;
– Aliás, como acção autónoma ou como pretensa ampliação do pedido, sempre a prescrição impediria o exercício dos alegados direitos de indemnização (cfr. acórdão do STJ de 11-11-98, processo n.º 98S101 ([5]), in base de dados residente na DGSI, de que se transcreve a seguinte pronúncia «a citação interrompe a prescrição apenas relativamente aos pedidos formulados na petição inicial, mas não quanto aos direitos que só foram peticionados em momento processual posterior por ampliação do pedido inicial»);
– A alegada ampliação do pedido também não pode aceitar-se como articulado superveniente, porque não cumpre os requisitos do n.º 3 do artigo 506.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, atento o que se dispõe no artigo 16.º daquele Decreto-Lei, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, prazo cuja observância os autores não alegam, nem provam, sendo indispensável que o fizessem (cfr. acórdão do STJ de 17-12-74, BMJ 242-316, e acórdão da RE de 5-6-74, BMJ 238-293);
– Em todo o caso, impugna-se a matéria alegada nos artigos 1.º a 73.º do articulado, bem como os montantes pedidos.

Por despacho de 13 de Outubro de 2000, a ampliação do pedido formulada pelos autores foi indeferida com o fundamento de que «não se pode dizer que se trata de uma mera ampliação do pedido, isto porque os factos que fundamentam esta ampliação são diferentes dos anteriormente alegados; portanto, sempre teriam que ser submetidos a produção de prova para, assim, se decidir haver ou não lugar a indemnização por esse motivo».

Em 6 de Novembro de 2000, os autores interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que indeferiu a ampliação do pedido, recurso que foi admitido, por despacho de 13 de Novembro seguinte, «a processar como agravo, a subir com o que depois haja de subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo», ou seja, determinou-se que o recurso interposto teria subida diferida (sobe com o primeiro recurso que, depois do interposto, haja de subir imediatamente) e efeito meramente devolutivo.

Notificados do despacho que admitiu o recurso, os autores apresentaram, em 6 de Fevereiro de 2001, a correspondente alegação de recurso, em que formulam as seguintes conclusões:

«– É uma ampliação do pedido inicial a reclamação de novos danos morais, posteriormente constatados, mas com origem no mesmo acidente;
– Tal ampliação do pedido é permitida até ao encerramento da discussão em 1.ª instância (n.º 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil), pois que a mesma é o desenvolvimento do primeiro pedido: pagamento dos danos morais sofridos pelos Autores em consequência do acidente;
– Nos termos do artigo 569.º do Código Civil, é de admitir o pedido de quantia mais elevada do que a inicialmente pedida, uma vez que se vieram a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos;
– A ampliação pode revestir, como revestiu, a forma de um articulado novo que determine o aditamento de novos factos ao questionário;
– Decidindo-se, como se decidiu, violaram-se os artigos 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e 569.º do Código Civil, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada.»


4. Na sequência do indeferimento da ampliação do pedido deduzida na acção ordinária n.º 672/95, os respectivos autores solicitaram, em 4 de Dezembro de 2000, uma audiência ao Senhor Ministro da Educação, «destinada a expor a sua pretensão a receber uma reparação justa por parte do Estado, distinta da que requereram judicialmente (6000 contos para cada um dos sinistrados)» ([6]).

A audiência pretendida teve lugar em 2 de Março de 2001, sendo então assumidas as posições que se passam a enunciar:

«– No entendimento do advogado que presentemente se encontra mandatado para representar os autores, o valor da indemnização pedida originalmente (pelo anterior mandatário) é claramente irrisório e injusto, face ao que foi pedido e já arbitrado pelo Tribunal no caso Helena Isabel (16.000 contos de indemnização já paga pelo Ministério da Educação), apelando para o Senhor Ministro da Educação no sentido de aceitar rever, por acordo, o montante da indemnização, uma vez que muitos dos autores sofrem de incapacidade em grau superior à da autora no precedente invocado;
– O Senhor Ministro da Educação referiu que o erro ou injustiça decorrente de uma eventual condenação do Estado no valor do pedido não poderia ser imputado ao Ministério da Educação, uma vez que este nunca havia colocado qualquer objecção ao pagamento de indemnizações, sendo que é aos próprios autores que compete avaliar os danos sofridos e deles fazer prova em Tribunal, assim, não parece curial vir agora o Ministério da Educação interferir em relação a um montante que livremente tinha sido, oportunamente, requerido pelos sinistrados;
– O advogado dos sinistrados, reconhecendo que, de facto, o erro não podia ser imputável ao Ministério da Educação, insistiu todavia para que fosse reconhecida a discrepância entre as situações apontadas e [a] injustiça daí resultante, apelando no sentido de o Senhor Ministro da Educação vir a admitir, por acordo extrajudicial, uma alteração no montante solicitado para a indemnização.» ([7])

No seguimento da referida audiência e com o fundamento de que estava a ser ponderado eventual acordo extrajudicial, os autores requereram a suspensão da instância na acção ordinária n.º 672/95, o que foi deferido por despacho de 5 de Março de 2001.

Entretanto, não havendo evolução no tratamento do assunto apresentado, o mandatário judicial dos autores, por carta com registo de entrada em 24 de Julho de 2001 no Gabinete do Senhor Ministro da Educação (E-6915), propôs a resolução da questão através de uma das seguintes vias:

«– Acordar por transacção, nos termos do n.º 2 do artigo 293.º e do artigo 294.º e seguintes do Código de Processo Civil (aplicável por remissão da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos) um valor superior para a indemnização (mais consentâneo com os danos sofridos do que o constante da petição inicial), acordo esse a homologar, posteriormente, por sentença judicial;
– Admitir o Estado a ampliação do valor do pedido judicial de indemnização, nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil, prosseguindo, então, a acção os seus trâmites, sendo que o valor proposto para a indemnização a ter em conta pelo Ministério é o já requerido em processo autónomo ao Tribunal, no montante de 16 mil contos por sinistrado, a que corresponde um valor global de 128 mil contos.» ([8])

Reataram-se, então, as negociações entre o Gabinete do Senhor Ministro da Educação e o mandatário judicial dos oito autores, «no sentido de acordar extrajudicialmente um montante para a indemnização a atribuir pelos danos morais decorrentes do acidente ocorrido na Escola Secundária do Cartaxo, em 1985, conforme ofício n.º 9713, de 29 de Novembro de 2001, dirigido ao Ministério Público junto do TAC de Coimbra» ([9]).

Em 16 de Maio de 2002, o mandatário judicial dos oito autores solicitou uma audiência ao Senhor Ministro da Educação, «a fim de voltar a expor a situação, com vista à retoma do processo extrajudicial em curso», aproveitando para informar
que nas conversações mantidas com o Governo anterior «apenas tinha sido acordada e fixada a indemnização a atribuir ao mais brutalmente vitimado pelo acidente, de 16.000.000$00 (79.807,66 Euros), não tendo sido possível a fixação do valor mínimo», e ainda que «os autos se mantêm suspensos e os sinistrados continuam a aguardar uma solução que pretendem amigável e justa» ([10]).

Em 16 de Julho de 2002, o Senhor Chefe do Gabinete de Vossa Excelência recebeu os ex-alunos sinistrados, autores na Acção n.º 672/95, acompanhados do seu mandatário judicial, «transmitindo os representantes do Gabinete a determinação superior em resolver o assunto da forma mais favorável que a lei permitir, em conjugação, se possível, com o Tribunal e reconhecendo os interessados que a sua capacidade de exigência é limitada, neste passo, apenas podendo apelar para a compreensão e boa vontade do Governo» ([11]).

Posteriormente, Vossa Excelência determinou que fosse ouvida a Auditoria Jurídica do Ministério da Educação sobre a viabilidade e os termos de uma solução extrajudicial, tendo aquela Auditoria elaborado o parecer n.º 94/2002, de 15 de Outubro de 2002, que concluiu:

– «Afigura-se de toda a viabilidade uma solução do litígio por via consensual, de modo a minorar a situação de injustiça criada»;
– «Esse desiderato, poderá à partida ser alcançado por qualquer das duas vias alvitradas e de que o processo nos dá conta, ou seja: a) Acordar por transacção um valor superior para as indemnizações a pagar pelo Estado; b) Acordo das partes quanto à alteração do pedido, nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil, prosseguindo a acção seus trâmites»;
– «A solução preconizada na alínea b), apresentando como condicionante o valor de 16.000 contos a pedir por cada autor (cfr. Informação n.º 56/LR/G-ME/2002 de 30/10/2001), além de não se afigurar capaz de acorrer às mais flagrantes injustiças relativas que o caso comporta, sempre apresentaria o inconveniente das consabidas demoras dos tribunais, o que levaria objectiva, embora indirectamente, a um acréscimo dessas mesmas injustiças»;
– «Daí que a alternativa referida na alínea a) se nos afigure a mais consentânea com a possibilidade de se encontrar, em tempo razoável, uma solução para o problema, que, compatibilizando o interesse das partes com o propósito de minorar (que não eliminar, obviamente) as injustiças criadas, possa pôr termo ao processo»;
– «Se se optar pela via anteriormente expressa (acordo indemnizatório extrajudicial) e como contributo para a fundamentação da decisão a emitir, seria mister que o Gabinete estivesse na posse dos dados relativos aos relatórios médico-legais dos autores e que constem do processo judicial em causa”, “dados que são importantes não só como elementos, entre outros, de avaliação da intensidade do dano não patrimonial, como de aferição da situação dos sinistrados, tendo em vista a obtenção da solução equitativa, prevista nos artigos 496.º, n.º 3, e 4º, alínea a), do Código Civil»;
– «Uma vez na posse desses elementos, o Gabinete poderá, a nosso ver, ultimar as negociações já encetadas com os interessados, assentando com estes num critério de ressarcimento, considerado mais ajustado às circunstâncias e tendo em conta a situação de cada um»;
– «Atingida a composição extrajudicial, deverá a Ex.ma Procuradora da República junto do TAC de Coimbra ser informada da mesma, tendo em vista, designadamente, o disposto no artigo 300.º do Código de Processo Civil».

Face ao parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da Educação, a Senhora Assessora Jurídica do Gabinete de Vossa Excelência pronunciou-se no sentido de que «das duas alternativas aventadas pela Auditoria Jurídica, a que oferece maior garantia de equidade e de justiça – com eventual prejuízo da celeridade processual – é a do acordo das partes quanto à ampliação do pedido, nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil, prosseguindo a acção os seus trâmites, porquanto:

«a) Ao Ministério da Educação não assiste capacidade técnica para encontrar um valor a atribuir a cada um dos oito autores – o que supõe uma prévia análise do mérito da matéria de facto, com base em exames periciais e outras provas de que só o Tribunal dispõe;
b) A anuência à ampliação do pedido até determinado limite não significa o compromisso de satisfazer o pagamento das oito indemnizações em causa por esse valor, antes subentende a prova da extensão dos danos sofridos por cada um dos autores, sendo desta que depende o valor concreto de cada indemnização a decretar pelo Tribunal;
c) Este acordo permite ao Tribunal resolver com recurso à equidade (artigos 4.º e 496.º do Código Civil) a quantificação de cada indemnização, conforme jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos de 6.10.1994, de 5.03.1996, de 11.03.1997, de 11.11.1997 (BMJ n.º 471), de 10.02.1998, de 23.04.1998, de 17.11.1998, de 19.11.1998 e de 25.11.1998 (BMJ n.º 481 – Revista n.º 865/98).» ([12])

Atendendo, porém, «às dificuldades decorrentes da inexistência de lei que suporte, expressamente, uma decisão administrativa a permitir a ampliação do pedido para valores superiores ao proposto na acção pendente e do desconhecimento de precedente nesta matéria», a Senhora Assessora Jurídica sugeriu que o assunto fosse submetido a parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o que foi acolhido.

Assim, no que releva para o objecto do parecer, importa ter presente:

– O instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado;

– A indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais;

– O seguro escolar;

– As possibilidades de modificação do pedido previstas na lei;

– Os meios de autocomposição da lide, nomeadamente, a transacção.

O Estado, como vimos, nunca pôs em causa a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo acidente e satisfez, através do Instituto de Acção Social Escolar, o ressarcimento dos danos patrimoniais (com a ressalva já referida quanto ao pagamento de assistência prestada por médico particular ao sinistrado Paulo Renato Fernandes Tavares).

Paralelamente, o Estado mantém o propósito de «resolver o assunto pela forma mais favorável que a lei permitir, em conjugação, se possível, com o Tribunal».

Quer isto dizer que o acquis já alcançado entre as partes e o objecto da consulta colocam a centralidade do parecer nas questões relacionadas com os meios de auto-composição da lide e de resolução extrajudicial do litígio.

III

O caso que está na origem da consulta situa-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito culposo ([13]).


1. Na ordem jurídica portuguesa, a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública tem assento constitucional ([14]).

Na verdade, o artigo 22.º da Constituição, que estabelece o princípio geral da responsabilidade das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, dispõe, sob a epígrafe responsabilidade das entidades públicas:

«O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.»

Por sua vez, o artigo 271.º da Constituição, sob a epígrafe Responsabilidade dos funcionários e agentes, determina, no n.º 1, que «os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica»; segundo o n.º 4, a lei «regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes».


2. A responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio da função administrativa é ainda hoje regulada, nuclearmente, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, que define os termos da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos ilícitos culposos, por factos casuais e por factos lícitos ([15]).

No que respeita à responsabilidade por factos ilícitos, o Estado responde perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (n.º 1 do artigo 2.º), ficando com direito de regresso se os titulares do órgão ou os agentes culpados houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo (n.º 2 do artigo 2.º).

Ainda no campo dos factos ilícitos, o artigo 3.º refere-se à responsabilidade dos próprios titulares do órgão e agentes administrativos, quando excederem os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente, sendo, neste último caso, a pessoa colectiva solidariamente responsável com o titular do órgão ou agente (n.º 1); em caso de procedimento doloso, o Estado e as outras pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com os titulares dos órgãos ou agentes respectivos (n.º 2).

A articulação dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 48051 com os artigos 22.º e 271.º da Constituição tem suscitado dificuldades, defendendo-se quer a inconstitucionalidade daqueles artigos ([16]) quer a sua derrogação ([17]).

No actual quadro legal, podem configurar-se as seguintes situações ([18]):

«(a) responsabilidade exclusiva da Administração (actos praticados com negligência leve);
(b) responsabilidade exclusiva da Administração com direito de regresso (actos praticados com negligência grave);
(c) responsabilidade solidária da Administração (actos praticados com dolo);
(d) responsabilidade exclusiva dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes (actos que excedam os limites das funções).» ([19])

«A exemplo do que acontece no direito civil, são quatro os pressupostos do dever de indemnizar: o facto ilícito, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade, entendidos de modo idêntico à compreensão que deles é feita no direito civil.» ([20])

Consideram-se ilícitos, para este efeito, «os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração» (artigo 6.º).

A apreciação da culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48051, é feita de acordo com o disposto no artigo 487.º do Código Civil, ou seja, «a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso».

Quanto ao prejuízo, que tanto abrange o dano patrimonial como o dano não patrimonial, e no que respeita ao nexo de causalidade, «sempre se entendeu que se deviam aplicar ao caso os princípios gerais do direito civil» ([21]).

Os artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 48051 tratam, respectivamente, da responsabilidade fundada no risco e da responsabilidade por factos lícitos.


3. Havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública ([22]), o Estado responde por eles segundo as normas do Decreto-Lei n.º 48501 e perante os tribunais administrativos.

O Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ([23]), atribui aos Tribunais Administrativos de Círculo a competência para conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso [alínea h) do n.º 1 do artigo 51.º].

No que respeita à competência territorial para as acções relativas a responsabilidade civil extracontratual, o n.º 1 do artigo 55.º daquele Estatuto estabelece que devem ser propostas: a) No tribunal do lugar em que ocorreu o acto se tiverem por fundamento a prática de acto material; b) No tribunal determinado por aplicação dos artigos 52.º a 54.º se tiverem por fundamento a prática de acto jurídico; c) No tribunal da residência habitual do réu, se se tratar de acções de regresso com fundamento na prática de acto jurídico.

As acções propostas pelos particulares para efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração por danos resultantes de actos de gestão pública são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma ordinária, conforme o disposto no artigo 72.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho ([24]).

É de notar que a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, foi entretanto revogada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas que só entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2004 ([25]). De todo o modo, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 15/2002 prescreve que «as disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor», pelo que sempre estará excluído do seu âmbito de aplicação a acção de indemnização em apreço, que continuará a reger-se pela LPTA citada.


4. A lei reguladora do processo nos tribunais administrativos consta, pois, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, cujo artigo 1.º estatui:

«O processo nos tribunais administrativos rege-se pelo presente diploma, pela legislação para que ele remete e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações.»

Fazendo apelo à remissão feita no preceito transcrito, bem como no artigo 72.º da LPTA, quanto à fonte de direito subsidiário, dir-se-á que as acções propostas pelos particulares para efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração por danos resultantes de actos de gestão pública estão subordinadas ao princípio do dispositivo, de acordo com o qual as «partes dispõem do processo, como da relação jurídica material»; uma das consequências do princípio do dispositivo é que «só se inicia sob o impulso da parte (...) mediante o respectivo pedido, e não sob o impulso do próprio juiz: nemo judex sine actore; ne judex procedat ex-officio. A isto se chama, por vezes, o princípio do pedido» ([26]).

A necessidade do pedido está consagrada no artigo 3.º do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes».

Os princípios em causa fazem impender sobre os interessados o ónus do impulso processual e estendem-se à delimitação do objecto do processo, daí que o juiz não possa condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (n.º 1 do artigo 661.º do CPC).

Como corolário lógico do princípio do dispositivo, as partes, em regra, são livres de pôr termo ao processo (desistência da instância) e determinar o conteúdo da sentença de mérito, confessando o pedido, desistindo do pedido ou transigindo sobre o objecto da causa (artigo 293.º do CPC).

Em conexão com o princípio do dispositivo está, igualmente, o princípio da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual incide sobre elas todo o risco da condução do processo – as partes «é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum»([27]).

Resta aludir ao princípio da estabilidade da instância, expressamente consagrado no artigo 268.º do CPC, segundo o qual, com a citação do réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas e quanto ao objecto (pedido e causa de pedir), ressalvadas as possibilidades de modificação previstas na lei, concretamente nos artigos 272.º a 274.º do mesmo Código.

Aspecto que adiante retomaremos e melhor se desenvolverá.

IV

Tendo presentes os factos que servem de fundamento à acção ordinária n.º 672/95 intentada contra o Estado Português no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a indemnização das vítimas deverá comportar o ressarcimento de duas espécies de danos: danos patrimoniais e danos não patrimoniais.


1. No que respeita aos danos patrimoniais, está apenas em causa o pagamento da quantia de 3.595.660$00, despendida pelo autor Paulo Renato Fernando Tavares em tratamentos prestados por médico particular, tendo o Estado contestado, opondo que desconhecia se eram verdadeiros os factos alegados na petição inicial para fundamentar esse pedido e excepcionando o pagamento da quantia de 2.063.155$00 referente a esses mesmos tratamentos, conforme prova pelos documentos n.os 9 a 15 anexos à contestação.

Assim, quanto aos tratamentos prestados por médico particular ao autor Paulo Renato Fernando Tavares, estará ainda por pagar a quantia de 1.532.505$00, ou seja, 7.644,10 euros.

Não sofre dúvida que aqueles danos patrimoniais são indemnizáveis.

Efectivamente, o lesante está obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da lesão (n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil) e, como tal, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do Código Civil).

A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil) e compreende o prejuízo causado (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) e os danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564.º do Código Civil).

A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, e se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º do Código Civil).

Ora, o Estado garantiu, através do seguro escolar, o pagamento de toda a assistência médica, cirúrgica e medicamentosa, de todas as despesas de transporte, tratamento ambulatório e material de protecção, tendo pago aos sinistrados indemnizações por danos patrimoniais calculadas com base no grau de incapacidade comprovado por junta médica.

O Estado só não aceitou pagar a assistência prestada por médico particular ao sinistrado Paulo Renato Fernandes Tavares, aliás «de acordo com a decisão tomada, em 17 de Julho de 1987, pela junta médica, que entendeu, em obediência ao princípio da igualdade, que a todos os sinistrados podia ser assegurada a assistência médica de que necessitavam nos hospitais civis de Lisboa».


2. Relativamente aos danos não patrimoniais, os autores afirmam na petição inicial que o Estado «tem o dever de indemnizá-los, também pelos prejuízos morais – incómodos, dores, angústia, desgosto – que sofreram e vão sofrer» (artigo 21.º), pelo que «afigura-se adequado atribuir a verba de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) a cada um dos Autores, para ressarcimento daqueles danos» (artigo 22.º).

O Estado contestou, defendendo que é excessivo e inadequado arbitrar uma indemnização de igual valor a cada um dos autores, porque são necessariamente diferentes, em função das sequelas do acidente, os danos estéticos e o desgosto de cada um deles.

Vejamos.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais foi objecto de viva polémica na doutrina ([28]). O certo é que, actualmente, a maior parte das legislações modernas consagram pacificamente a tese da admissibilidade da indemnização dos danos não patrimoniais, embora assumindo configurações divergentes no que concerne aos limites do instituto ([29]).

A noção geral de dano não patrimonial está acolhida no artigo 496.º do Código Civil, que tem precisamente a epígrafe de danos não patrimoniais:

«1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – (...)
3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º (...).»

O artigo 494.º do Código Civil, dispõe sobre a limitação da indemnização no caso de mera culpa:

«Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.»

Portanto, serão indemnizáveis todos os danos de natureza não patrimonial sofridos pela vítima que, em atenção à sua gravidade, mereçam tutela do direito.

A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, nele distinguindo, como mais significativos e importantes, o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o dano estético, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, designadamente na vertente familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica, o prejuízo da saúde geral e da longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o encurtamento na expectativa de vida, o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida ([30]).

«As dores e sequelas que, do ponto de vista da perda da qualidade de vida, irão prolongar-se no tempo, são padecimentos subsumíveis à categoria dos prejuízos não patrimoniais» ([31]).

Considerando o sofrimento suportado pelos autores durante os tratamentos a que foram submetidos, os padecimentos posteriores e as sequelas que continuam a atormentá-los, é de admitir o direito à compensação desses danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, aplicando, dessa forma, o princípio do artigo 496.º do Código Civil.

Não é, porém, fácil avaliar na prática os danos não patrimoniais.

O cálculo do montante da compensação monetária por danos não patrimoniais é feito de harmonia com a regra da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil, isto é, por recurso à equidade ([32]), e tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se, ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda ([33]).

«Vê-se daqui que a reparação dos danos morais não reveste puro carácter indemnizatório: reveste, também, de certo modo, carácter punitivo. É indemnização, se bem que indirecta, na medida em que se apresenta como uma compensação em cuja fixação se atende à gravidade dos danos. É pena – pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado. Estamos assim verdadeiramente perante uma providência mista, que participa da natureza de indemnização e da natureza de pena.» ([34])

Deverá ter-se ainda presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º do CC e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar ([35]).

Para indemnizar a perda do direito à vida, o mais importante dos danos não patrimoniais, considerou-se, em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 1999, que a média oscilaria entre 4 e 5 milhões de escudos ([36]).

Já o Senhor Provedor de Justiça, ao apresentar os critérios para indemnização dos danos causados pela derrocada da ponte de Entre-os-Rios sobre o rio Douro ([37]), afirmou que os montantes médios mais recentes fixados pela jurisprudência para reparação do dano morte oscilavam entre 5000 e 6000 contos.


3. Em matéria de cálculo da indemnização em dinheiro, o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil consagra a teoria da diferença, que define como a medida da «diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».

Este critério de cálculo da indemnização em dinheiro não é, naturalmente, aplicável à indemnização por danos não patrimoniais.

«Em todo o caso, o método de aferir o cálculo da indemnização pela data mais recente que o tribunal puder atender, que é uma das traves mestras do princípio da diferença, deverá ser, também, um dos princípios basilares da indemnização dos referidos danos (não patrimoniais), uma vez que se trata de ideia que decorre do próprio princípio geral da indemnização, definido no artigo 562.º do Código Civil»([38]).

Ora, no cálculo da diferença relevam, como não podia deixar de ser, os danos derivados da demora da liquidação da indemnização.

E porque se trata de indemnizar em dinheiro, um dos componentes da diferença, como efeito pernicioso dessa demora, deverá ser, também, a inflação, a disparidade entre o valor da moeda à data da ocorrência do dano e o que se verifica na citada data mais recente.

De facto, sendo a obrigação de indemnização uma dívida de valor (i. e., uma dívida cujo objecto não é directamente uma soma em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro apenas como meio de liquidação), está, como tal, subtraída ao princípio nominalista do artigo 550.º, sendo, nos termos do artigo 551.º, ambos do Código Civil, passível de actualização no que toca ao cálculo da correcção monetária, com recurso, na falta de outro critério legal, aos índices de preços.

Mais problemático é compatibilizar a actualização da indemnização em função da taxa de inflação com a admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação.

Ou seja, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no n.º 2 do artigo 566.º, se atribua uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão, podem acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, referido ao n.º 1 do artigo 806.º, todos do Código Civil?

Sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Maio de 2002 ([39]), uniformizou jurisprudência com a seguinte norma interpretativa:

«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.»

A norma sobre a actualização da dívida de valor admite, ainda, limites processuais, decorrentes do princípio do pedido, que se manifesta em diversos preceitos do Código de Processo Civil [designadamente, os artigos 3.º, n.º 1, 193.º, n.º 2, alínea a), 467.º, n.º 1, alínea d), e 661.º, n.º 1] e se impõe a todos os tribunais.

Em particular, estabelece o n.º 1 do artigo 661.º do CPC, que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», donde resulta que, em princípio, o tribunal não pode ultrapassar o montante do pedido.

Acerca desta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Outubro de 1996 ([40]), uniformizou também a jurisprudência:

«O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor.»


4. O prazo de prescrição do direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública é fixado por remissão expressa do artigo 71.º da LPTA para o artigo 498.º do Código Civil, onde, com a epígrafe prescrição, se estabelece:

«1 – O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2 – Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3 – Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4 – (...).»

A lei fixa o prazo da prescrição em três anos, a contar do momento em que o lesado soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu, não estando o início do prazo dependente do conhecimento da pessoa do responsável, nem do conhecimento da extensão integral dos danos.

«Se no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 321.º do Código Civil» ([41]).

Por outro lado, tornando-se o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, a lei admite que o lesado não indique a importância exacta em que avalia os danos (artigo 569.º do CC) e permite a formulação de pedidos genéricos [artigos 378.º a 380.º, 471.º, n.º 1, alínea b), e 661.º, n.º 2, do CPC).

A disciplina da prescrição consta nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil.

A lei determina que a prescrição, para ser eficaz, deve ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (artigo 303.º) e define quais os efeitos da prescrição: «completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito» (n.º 1 do artigo 304.º).

Na subsecção referente aos prazos da prescrição, o prazo ordinário da prescrição é fixado em vinte anos (artigo 309.º).

São também objecto de minuciosa regulamentação, a suspensão da prescrição (artigos 318.º a 322.º) e a interrupção da prescrição (artigos 323.º a 327.º).

Ainda que brevemente, interessa analisar o regime da interrupção decorrente da citação judicial.

O n.º 1 do artigo 323.º, regendo sobre a interrupção promovida pelo titular, estipula que «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente»; por seu turno, o artigo 326.º define os efeitos da interrupção, determinando que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo» (n.º 1) e que «a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva» (n.º 2); finalmente, o artigo 327.º regula a duração da interrupção estabelecendo que, «se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo» (n.º 1); «quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo» (n.º 2).

Ora, conforme se referiu, o Estado, notificado da ampliação do pedido por parte dos autores, opôs-se à ampliação pretendida, aduzindo, que o articulado apresentado não constituía desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, mas antes uma nova acção, com nova causa de pedir e novo pedido, e que, como acção autónoma ou como pretensa ampliação do pedido, sempre a prescrição, à cautela logo invocada, impediria o exercício dos alegados direitos de indemnização, pois «a citação interrompe a prescrição apenas relativamente aos pedidos formulados na petição inicial, mas não quanto aos direitos que só foram peticionados em momento processual posterior por ampliação do pedido inicial» ([42]).

Em suma, o Estado invocou judicialmente a prescrição do direito às indemnizações reclamadas no mencionado articulado de ampliação do pedido.

V

Na perspectiva da consulta, convirá proceder ao enquadramento legal do seguro escolar ([43]).

O seguro escolar foi criado pelo Decreto n.º 20420, de 21 de Outubro de 1931, que aprovou a organização do ensino técnico profissional, destinando-se «a promover o seguro contra acidentes de trabalho de todo o pessoal e alunos da escolas de ensino técnico profissional».

A matéria relativa aos seguros em caso de acidentes consta do respectivo capítulo X (artigos 104.º a 114.º), sendo cometido à Comissão Permanente de Seguros Escolares, a funcionar junto da Direcção-Geral do Ensino Técnico, o encargo de administração e gerência dos fundos criados para garantir esse seguro.

O Decreto n.º 20934, de 25 de Fevereiro de 1932, deu execução às disposições do Decreto n.º 20420, especificando as funções daquela Comissão e definindo as normas a seguir para a consecução da acção social pretendida com a criação dos seguros escolares.

O preâmbulo do Decreto n.º 20934 é bem esclarecedor:

«Pretende-se com esta instituição – os seguros escolares – dar aos estudantes uma protecção material que a par da moral que lhes dispensam as caixas escolares forme um conjunto tão perfeito quanto possível de assistência aos alunos do Ensino Técnico Profissional.

«É a primeira vez que em Portugal se cuida, neste campo, da protecção ao estudante, pretendendo colocá-lo ao abrigo dos acasos que podem determinar que, por acidente ocorrido durante os seus trabalhos escolares profissionais, ele fique temporária ou permanentemente incapacitado, total ou parcialmente.

«O fundo destinado aos seguros, e administrado pela comissão permanente, é principalmente constituído pela cotização dos próprios estudantes, dando-lhes assim um exemplo e incentivo de mutualismo para que eles vejam como, com um pequeno sacrifício, se pode organizar uma instituição que por todos vele e a todos proteja.»

Do respectivo articulado merece destaque o preceituado no artigo 7.º: «As indemnizações devidas aos sinistrados são aquelas estabelecidas pela lei de desastres no trabalho».

O Decreto-Lei n.º 24618, de 26 de Outubro de 1934, modificou o Decreto n.º 20934, introduzindo as alterações sugeridas pelo favorável acolhimento e grande interesse manifestado por parte das escolas na implantação dos seguros escolares.

O Decreto-Lei n.º 178/71, de 30 de Abril, que cria no Ministério da Educação Nacional, sob a dependência directa do Ministro, o Instituto de Acção Social Escolar, prevê no âmbito da acção social escolar e como uma das modalidades de prestação de serviços aos alunos em geral, o seguro escolar [alínea f) do n.º 3 do artigo 7.º].

Através do Decreto-Lei n.º 223/73, de 11 de Maio, que reorganizou o Instituto de Acção Social Escolar, o Fundo Permanente de Seguros Escolares, criado pelo Decreto-Lei n.º 24 618, de 29 de Outubro de 1934, passou a designar-se Fundo Nacional do Seguro Escolar, continuando a gozar do regime especial consagrado naquele diploma (n.º 1 do artigo 16.º).

Segundo o referido artigo 16.º, o Fundo Nacional do Seguro Escolar «é um serviço que se destina a garantir, em regime de mutualidade, a actividade seguradora e a respectiva cobertura financeira, nas diversas modalidades de seguro aplicáveis ao estudante, enquanto tal» (n.º 2) e que fica dependente do Instituto de Acção social Escolar, o qual exercerá as funções anteriormente cometidas à Direcção-Geral do ensino Técnico Profissional (n.º 4).

Consagrou-se, então, o seguro escolar para todos os alunos em geral.

A matéria do seguro escolar foi objecto de desenvolvimentos ulteriores, com destaque para a Portaria n.º 739/83, de 29 de Junho, que reestrutura o Instituto de Acção Social Escolar e a Direcção-Geral de Pessoal, consagrando a noção de acidente escolar (3.º), enunciando os direitos reconhecidos ao acidentado (4.º) e definindo as competências da Divisão de Seguro Escolar ([44]).

De acordo com a Portaria n.º 739/83, «considera-se acidente escolar o evento resultante de causa externa, súbita, fortuita ou violenta, ocorrido no local e tempo de actividade escolar e que provoque ao aluno lesão corporal, doença ou morte» (3.º), sendo que, «em caso de acidente escolar, é reconhecido ao acidentado o direito a:

a) Assistência médica e cirúrgica, geral ou especial, incluindo todos os necessários elementos de diagnóstico e de tratamento;
b) Assistência farmacêutica e de enfermagem;
c) Transporte necessário para receber a assistência de que carecer e para comparência a actos determinados pela Direcção de Serviços de Medicina Pedagógica e Seguro Escolar;
d) Hospedagem sempre que, por imposição médica ou indicação da Direcção de Serviços de Medicina Pedagógica e Seguro Escolar, o sinistrado tenha de deslocar-se para fora da área da sua residência com demora que a justifique;
e) Próteses, incluindo aparelhos de ortopedia e meios auxiliares de visão, que se tornem necessários em consequência do acidente;
f) Pagamento do funeral, em caso de morte provocada por acidente escolar;
g) Pagamento de uma indemnização, em caso de incapacidade permanente, total ou parcial.»

Tudo para concluir que à luz da legislação vigente à data da explosão de gás ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo (25 de Janeiro de 1985), o seguro escolar abrangia apenas a cobertura de danos patrimoniais.

Esses danos, no caso concreto, foram ressarcidos através do seguro escolar.

Actualmente, o seguro escolar é disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro, e pela Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho.

O Decreto-Lei n.º 35/90, tem como âmbito de aplicação os alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo, ressaltando do respectivo preâmbulo, no que respeita aos apoios sócio-educativos, o seguro escolar «destinado a garantir a cobertura financeira na assistência a alunos sinistrados», modalidade de acção social escolar prevista no seu artigo 17.º

A Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, consagra uma das inovações mais relevantes do novo regulamento do seguro escolar, isto é, o eventual pagamento de indemnização por danos morais [alínea c) do artigo 10.º].

Assim, numa maior abrangência, o seguro escolar, para além de garantir ao aluno sinistrado assistência médica e medicamentosa (artigo 7.º), hospedagem, alojamento e alimentação (artigo 8.º), e transporte indispensável para garantir essa assistência (artigo 9.º), compreende ainda o pagamento de indemnização por incapacidade temporária, desde que se trate de aluno que exerça actividade profissional remunerada, de indemnização por incapacidade permanente e de indemnização por danos morais (artigo 10.º).

Referindo-se ao cálculo da indemnização, o artigo 11.º alarga a cobertura do seguro escolar:

«1 – A indemnização a que o sinistrado, vítima de incapacidade permanente, tem direito é calculada em função do grau de incapacidade que lhe seja atribuído.
2 – O montante é determinado com base no coeficiente de incapacidade, fixando-se o valor 100 em 300 vezes o salário mínimo nacional, em vigor à data do acidente.
3 – O coeficiente de incapacidade é fixado por junta médica, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, publicada em anexo à lei dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
4 – Pode, a requerimento do sinistrado e por decisão fundamentada do director regional de educação, ser atribuído, a título de indemnização por danos morais, montante no valor de 30% da indemnização calculada nos termos do n.º 1 do presente artigo.»

VI

Passemos a uma outra matéria, qual seja a do regime processual disciplinador da modificação do pedido.

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 467.º do Código de Processo Civil ([45]), o autor, ao concluir a sua petição inicial, deve formular o pedido, «dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção» ([46]).

«Ao autor incumbe, pois, formular e definir a pretensão. É um direito que lhe assiste, mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação (total ou parcial) sobre si reverte» ([47]).

Todavia, nos termos do disposto no artigo 569.º do Código Civil, o credor de uma dívida de valor «não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos».

Se o lesado não sabe ainda qual a extensão integral do danos, pode formular um pedido genérico.

Os artigos 569.º do Código Civil e 471.º, n.º 1, alínea b), do CPC autorizam a dedução de pedidos genéricos de indemnização.

«Além de ser admissível o pedido genérico em acções de indemnização, também o é a condenação ilíquida nessas acções: quer o autor tenha formulado um pedido genérico, ilíquido, de indemnização, quer haja feito um pedido líquido, concreto, de indemnização, o artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, obriga o tribunal a condenar no que se liquidar em execução de sentença, “se não houver elementos para fixar... a quantidade”» ([48]).

Por outro lado, se o demandante tem dúvidas quanto ao montante exacto dos danos, é lícito formular um pedido em parte líquido e em parte ilíquido: «se os seus danos só em parte são já avaliáveis com exactidão, pode deduzir pedido líquido relativamente a essa parte, e pedido genérico ou ilíquido em relação à outra» ([49]).

Se, na pendência da causa, o autor vier a apurar o montante exacto dos danos pode socorrer-se do incidente de liquidação, previsto nos artigos 378.º a 380.º do Código de Processo Civil, desde que o faça «antes de começar a discussão da causa».

Mas se o autor indica na petição inicial a quantia exacta em que avalia os danos, face ao princípio da estabilidade da instância (artigo 268.º do CPC), só é possível a modificação do pedido nos casos expressamente previstos na lei.

Analisemos as possibilidades de modificação do pedido previstas na lei.

Nos termos da 2.ª parte do artigo 569.º do Código Civil, o lesado, não obstante ter pedido um montante exacto na acção de indemnização, não está inibido de reclamar depois quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos inicialmente previstos.

«No caso previsto na 2.ª regra do artigo 569.º, como há-de o autor reclamar o suplemento indemnizatório fundado nos elementos revelados pelo processo?

«O artigo 273.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, permite ao autor que amplie o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, se a ampliação for o desenvolvimento do pedido primitivo; ora, desde que o lesado ao pedir certa quantia como indemnização, não tenha renunciado a exigir aquilo que ulteriormente os elementos do processo vierem a revelar, tendo, portanto, formulado, substancialmente, um pedido ilíquido ou genérico, parece que a ampliação prevista na 2.ª regra do artigo 569.º do Código Civil se apresenta como um desenvolvimento do pedido primitivo.

«Referiu-se que, segundo alguns autores, o meio mais idóneo de invocar factos revelados pelo processo e denunciadores de danos excedentes aos inicialmente previstos é o uso de articulado superveniente, sujeito ao condicionalismo do artigo 506.º do Código de Processo Civil. Os factos supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado até ao encerramento da discussão (Código de Processo Civil, artigo 506.º, n.º 1).

«Numa orientação, o caso é de ampliação do pedido primitivo (que foi um pedido ilíquido), sendo, por isso, aplicável o artigo 273.º do Código de Processo Civil; na de só ser permitida a exigência de indemnização mais elevada no caso do autor se ter enganado no cômputo dos danos e no de, após a petição, terem surgido outras consequências do acidente, partindo-se de que, em princípio, se o lesado tiver indicado logo em quantia certa os danos, nisso se concretiza o seu pedido, a via mais lógica será talvez a do articulado superveniente.» ([50])

Na acção ordinária n.º 672/95 intentada contra o Estado Português no TAC de Coimbra, os autores afirmam na petição inicial que o réu Estado «tem o dever de indemnizá-los, também pelos prejuízos morais – incómodos, dores, angústia, desgosto – que sofreram e vão sofrer» (artigo 21.º), pelo que «afigura-se adequado atribuir a verba de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos) a cada um dos AA., para ressarcimento daqueles danos» (artigo 22.º).

A indicação de uma quantia certa como montante dos danos não patrimoniais, que se reconhece como sendo a adequada para ressarcimento desses danos, pode significar a vontade de os autores limitarem a sua pretensão ao quantitativo indicado.

Pretendendo os autores reclamar uma quantia mais elevada sustentada na invocação de factos alegadamente supervenientes, dir-se-ia que o meio processual mais apropriado seria o admitido pelos artigos 506.º e 507.º do CPC. Na verdade, a ampliação do pedido inicial requerida pelos autores não consubstanciaria um caso típico de ampliação do pedido, tal como se prevê no artigo 273.º do CPC, já que não se trataria de mero desenvolvimento do pedido primitivo, mas antes resultaria de factos novos.

Mas pode igualmente afirmar-se que, quando os artigos 272.º e 273.º, n.os 1 e 2, do CPC falam em «alteração ou ampliação», estes termos tanto podem abranger «apenas as alterações ou ampliações de causa de pedir e do pedido que mantenham inalteradas a sua individualidade primitiva», como ter uma significação mais ampla, que abranja «todas e quaisquer alterações, mesmo que desrespeitadoras do primitivo perfil do pedido e da causa de pedir» ([51]).

Note-se, em aparte, que a reforma do processo civil de 1995/96 veio admitir expressamente a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não importe alteração da própria relação material controvertida ([52]).

No caso presente, o réu Estado opôs-se à pretendida ampliação do pedido e o tribunal indeferiu-a. Desta decisão foi interposto recurso, que foi admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo, inexistindo, por isso, sobre a matéria, caso julgado formal.

VII

A actividade de composição jurídica de conflitos desenvolve-se entre sujeitos que a concretizam e pressupõe um dado objecto e um iter de desenvolvimento lógica e funcionalmente dirigido à obtenção do resultado compositivo.

Distingue-se, neste domínio, entre instrumentos de autocomposição ou composição autónoma de conflitos, em que são as partes a autodeterminar o resultado compositivo do litígio, e meios de heterocomposição ou composição heterónoma, quando, por acordo das partes ou determinação da lei, um terceiro resolve o conflito mediante decisão que as vincula ([53]).

No primeiro caso, «os sujeitos das pretensões a compor detêm o poder compositivo das suas próprias pretensões»; no segundo, «o poder compositivo radica já não nos sujeitos das pretensões a compor, mas num terceiro dotado de heteronomia compositiva» ([54]).

Entre os instrumentos de autocomposição, referem-se a desistência, a confissão e a renúncia (autocomposição unilateral), bem como a transacção (autocomposição bilateral).

No campo da heterocomposição sobressaem dois sistemas.

Num, o arbitral, o poder compositivo radica numa entidade imparcial designada pelos titulares das pretensões; o paradigma da heterocomposição arbitral é constituído pelos processos arbitrais ou arbitragem; caberá também aqui a figura da conciliação, entendida como a audiência das partes em juízo por forma a compor o litígio ([55]).

No outro, o da heterocomposição neutral, intervém um árbitro impróprio (porque de designação neutra). Aqui destaca-se a heterocomposição estadual judicial, traduzida na actividade de composição concreta da conflitualidade de pretensões «desenvolvida por magistrados cuja imparcialidade é garantida pela neutralidade judicial da entidade que os designa» ([56]).

A acção ordinária n.º 672/95, pendente no TAC de Coimbra, enquadra-se justamente no âmbito da heterocomposição estadual judicial.

A autocomposição e a heterocomposição de conflitos não constituem domínios estanques, pois, em benefício da diminuição da litigiosidade, a própria lei consagra ou admite a utilização, no decurso da heterocomposição estadual judicial, de mecanismos de autocomposição; é justamente o que sucede com uma das modalidades da transacção, a transacção judicial.

VIII

A questão central submetida à apreciação do Conselho Consultivo prende-se com a «viabilidade de o Ministério da Educação transaccionar» na acção ordinária n.º 672/95, pendente no TAC de Coimbra.

Na óptica da consulta interessa, portanto, cuidar da figura da transacção.

A instância extingue-se por desistência, confissão ou transacção, nos termos da alínea d) do artigo 287.º do Código de Processo Civil.

No desenvolvimento desta norma, o artigo 293.º do mesmo diploma, com a epígrafe liberdade de desistência, confissão e transacção, atribui ao autor o poder de, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte dele, ao réu o de confessar todo ou parte do pedido (n.º 1) e reconhece ainda às partes o direito de, em qualquer estado da instância, transigirem sobre o objecto da causa (n.º 2).

«A confissão do pedido, a desistência do pedido e a transacção constituem, por isso, verdadeiros negócios jurídicos de direito privado, que as partes fazem valer no processo através dum acto, este de natureza processual, dirigido à extinção da instância. Este acto, que conceitualmente se distingue do negócio de autonomia privada celebrado (em liberdade, como diz a epígrafe do artigo), ainda quando este tem lugar por termo no processo, é manifestação do princípio dispositivo.» ([57])

Os negócios jurídicos processuais são expressão da autonomia das partes em processo civil, a qual «só pode manifestar-se no âmbito das normas dispositivas e está afastada da área das regras injuntivas» ([58]).


1. O contrato de transacção acha-se regulado nos artigos 1248.º a 1250.º do Código Civil (capítulo XVI do título II do livro I) pela forma seguinte:
«Artigo 1248.º
(Noção)
1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.

Artigo 1249.º
(Matérias insusceptíveis de transacção
As partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.

Artigo 1250.º
(Forma)
A transacção preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes.»


2. «Analisando a estrutura da transacção e pondo-a em confronto com a da renúncia (desistência do pedido) e a do reconhecimento (confissão), Carnelutti observa que a figura da transacção está no meio das figuras da renúncia e do reconhecimento.

«Ao passo que no caso de desistência o autor abandona a sua pretensão sem que receba, em troca, qualquer compensação, e no caso da confissão o réu reconhece a pretensão do autor, sem que este dê nem prometa qualquer vantagem àquele, no caso da transacção há cedência ou sacrifício recíproco: cada um dos litigantes cede em parte, mas lucra noutra parte.

«O que induz os litigantes a sacrificar em parte as suas pretensões é o risco do resultado. Estão perante um litígio cuja solução é incerta e duvidosa; em vez de correrem o risco de perder tudo, preferem sacrificar uma parte e assegurar-se do benefício correspondente à parte restante.» ([59])

A transacção pressupõe, pois, (i) um litígio, (ii) que as partes vão procurar prevenir ou fazer cessar, (iii) mediante concessões recíprocas ([60]).

O litígio (res litigiosa) traduz-se na existência, no momento da celebração do acordo, de uma controvérsia, de uma relação jurídica incerta ou duvidosa, de um «direito controvertido» (n.º 2, in fine, do artigo 1248.º), ao menos segundo a apreciação das partes.

Não é preciso que exista já um processo ou uma acção pendente em tribunal; basta a existência de uma divergência ou disputa, mesmo a sua possibilidade ([61]). Isto é, o litígio pode já existir ou ser apenas possível a sua existência. Em qualquer caso, a afirmação de uma pretensão e a sua contestação movem-se no plano do conflito jurídico e não apenas económico ([62]).

O fim do contrato de transacção reside em prevenir ou terminar um litígio ([63]); de outro modo, a intenção dos contratantes é substituir a relação controvertida por uma relação certa e incontestável ([64]); a transacção «substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transacção» ([65]).

Outro elemento constitutivo da transacção reside na existência de concessões recíprocas.

É característico da transacção que o litígio seja ultrapassado mediante um processo contratual fundado essencialmente em cedências, abandonos ou sacrifícios recíprocos.

Mesmo quando não obtém consagração expressa (como sucede no direito francês), reconhece-se que a verificação deste requisito se impõe «não só porque é preciso presumir que se quis distinguir a transacção de outros actos extintivos (por ex., da desistência do demandante ou da confissão do demandado, que igualmente põem fim ao processo), mas também porque tal exigência está de acordo com a tradição e o direito antigo» ([66]).

Não se exige que haja equivalência ou paridade entre as concessões, que não têm que ser de igual importância ou valor. Não se exige um juízo sobre a congruência, homogeneidade ou actualidade dos sacrifícios a suportar pelas partes ([67]), que podem até ser de ordem moral e não ter expressão económica. É, todavia, preciso (mas basta) que ambas as partes cedam alguma coisa das suas pretensões ([68]).

Apesar da interdependência existente entre as concessões, uma dada concessão não é determinada por outra, no sentido de que a específica intenção das partes não é a troca mas a eliminação da disputa ([69]).

Uma Autora considera que a causa do contrato de transacção, entendida como a função prático-social concreta querida pelas partes no momento da sua celebração, «não é, nem a exclusiva consecução do acordo na forma de recíprocas concessões, de um lado, nem a eliminação do conflito, introduzido ou não em juízo, do outro. É, pelo contrário, a soma de ambos os elementos, justificados pela existência de um terceiro requisito: a controvérsia jurídica qualificada existente entre as partes» ([70]).

Pires de Lima/Antunes Varela ([71]) afirmam sobre o requisito em análise:

«As concessões recíprocas podem revelar-se sob dois aspectos. Podem as partes transigir em reduzir o direito controvertido (por exemplo, em vez de uma delas entregar 100, entrega 50); em vez de uma delas reconhecer o direito de propriedade sobre todo o prédio, reconhece-o sobre metade dele). Podem, porém, as partes constituir, modificar ou extinguir um direito diverso do controvertido (discute-se, por exemplo, a propriedade de um prédio e uma das partes transige no reconhecimento desse direito mediante a constituição de um usufruto em seu benefício sobre o mesmo ou sobre outro prédio ou mediante remissão de uma dívida em que ela estava constituída). É neste sentido que deve ser interpretado o passo da lei segundo o qual as concessões podem envolver (como quem diz incluir) a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido.»

No primeiro caso, encontramo-nos perante uma transacção «pura», de tipo clássico, de natureza declarativa; no segundo, em que a prestação «vem de fora», fala-se em transacção de tipo translativo.

É a esta distinção que implicitamente se referem a 2.ª parte do artigo 1965.º do Código Civil italiano, e, na sua esteira, o n.º 2 do artigo 1248.º do Código Civil português, quando dispõe que as «concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido» ([72]).

«Parece dever entender-se – afirma-se ([73]) – que a transacção é, em princípio um acto declarativo, mas quando for complexa, isto é, quando além dos recíprocos reconhecimentos de direitos haja atribuição de direitos de uma parte à outra, então produzirá efeitos não só declarativos mas também translativos.»

Considerado por alguns como a «essência» da transacção ([74]), tem-se feito notar que o requisito das concessões recíprocas deve, cada vez mais, ser relativizado: decisivo é que as partes substituam a relação jurídica litigiosa por outra não discutida e que esta segunda relação valha enquanto e na medida em que é querida pelas partes e não pela sua semelhança, maior ou menor, com a relação litigiosa; acresce que as concessões podem não se referir à relação jurídica controvertida e materializar-se em direitos e obrigações que com ela nada têm a ver ([75]).

Quanto ao objecto da transacção, «as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos» (artigo 1249.º do Código Civil).

Entre os bens de que as partes não podem dispor, destaca-se os que são objectivamente indisponíveis. Estão compreendidos nesta categoria, além das coisas que se encontram fora do comércio (artigo 202.º, n.º 2, do Código Civil), os direitos de natureza pessoal, como por exemplo, os direitos de personalidade e os direitos de família ([76]).

Também as concessões recíprocas se hão-de referir a coisas de que as partes possam dispor.

Por fim, o artigo 1250.º do Código Civil dispõe sobre a forma: «A transacção preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes.»

Na expressão «transacção preventiva ou extrajudicial» (artigo 1250.º do Código Civil), a disjuntiva ou parece estabelecer entre preventiva e extrajudicial uma alternativa, não uma relação de sinonimia.

A transacção ocorrida na pendência da acção pode, nesta óptica, ter lugar dentro do processo (transacção judicial) ou fora do processo (transacção extrajudicial). No primeiro caso, produz efeitos processuais directamente; no segundo, produ-los de forma indirecta, seja porque as partes juntam ao processo a própria transacção para pronúncia do tribunal, seja porque nele manifestam tão-só o propósito de desistir do pedido ou da instância ([77]).

Dias Marques ([78]) afirma, neste contexto, que a transacção judicial ou transacção extintiva «pode ser feita por termo lavrado no processo (transacção intraprocessual) ou por documento que, depois, se lhe junta (transacção extraprocessual)».

A transacção pela qual as partes previnem um litígio, essa seria sempre extrajudicial.

A questão – há-de reconhecer-se –, reveste carácter predominanteente teórico. Na verdade, com a designação de extrajudicial ou de extraprocessual, a transacção continua a poder ser feita na pendência da acçã e fora do processo. E, de qualquer modo, continuaria a ser admissível como contrato atípico.

Atentemos, enfim, no teor do artigo 300.º do Código de Processo Civil:

«1 – A confissão, desistência ou transacção pode fazer-se por termo no processo ou por documento autêntico.
2 – O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.
3 – Lavrado o termo ou junto o documento, examinar-se-á se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, desistência ou transacção é válida, e, no caso afirmativo, assim será declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.
4 – A transacção pode também fazer-se em acta, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz. Em tal caso, limitar-se-á este a homologá-la por sentença ditada para a acta, condenando nos respectivos termos.
5 – (...).» ([79])

Julgada válida a confissão, desistência ou transacção, compete ao juiz homologar o determinado pelo confitente, pelo desistente ou pelos transaccionantes; a sentença homologatória «limitar-se-á a acolher, assimilar ou fazer seu o conteúdo do respectivo negócio»; conquanto reduzida a esta função de chancela, a sentença é, porém, indispensável, pois o processo só vem a acabar com a sentença que julga válida a confissão, a desistência ou a transacção ([80]).


3. Nos termos do artigo 80.º do Estatuto do Ministério Público ([81]) – disposição a que voltaremos adiante ([82]) –, compete ao Ministro da Justiça:

«a) Transmitir, por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado;
b) Autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte.
(...)»

IX

A transacção – tal como a arbitragem ([83]) – são institutos tradicionalmente colocados à margem da Administração Pública, por causa da vinculação desta à prossecução do interesse público e ao princípio da legalidade e também porque pareceria difícil de entender que o Estado, que moldara à sua medida o sistema judicial contencioso-administrativo, o deixasse de lado, procurando outros meios para a resolução dos conflitos que o opõem a outras pessoas jurídicas ([84]).

Entendia-se que os litígios que envolviam o Estado e outros entes públicos se encontravam subtraídos a procedimentos conciliatórios. Admitia-se sem mais que os problemas da conciliação e da transacção se colocavam de forma peculiar no direito público porque com a ordem pública não se transige ([85]).

O desenvolvimento da actividade administrativa e a sua crescente complexidade, a explosão do contencioso administrativo e a reivindicação de soluções melhores e mais céleres levaram à consagração de meios alternativos de resolução de litígios, de que interessa continuar a destacar a transacção ([86]).

Esta, no domínio das relações jurídicas administrativas, é hoje geralmente admitida em ordenamentos jurídicos com que temos afinidades, se bem que a partir de suportes normativos e com amplitude diferentes.


1. Na Alemanha, a transacção administrativa está prevista quer no § 106 da Lei da Jurisdição Administrativa de 1960 (VwGO) ([87]) quer no § 55 da Lei do Procedimento Administrativo de 1976 (VwVfG) ([88]).

Ambas as disposições se referem às transacções administrativas, entendidas como tais as que são celebradas pela Administração quando actua submetida ao direito administrativo. As transacções celebradas no âmbito da actividade administrativa que se rege pelo direito privado são contratos privados de transacção, submetidos em geral ao Código Civil e à jurisdição ordinária, sem prejuízo das modulações que possam resultar do respeito pelos direitos fundamentais ou outras vinculações jurídicas da Administração Pública, aplicáveis por igual na sua actuação pública e privada ([89]).

A transacção pode ter lugar a todo o tempo e é admitida tanto no quadro de relações horizontais de direito público (principalmente entre pessoas colectivas de direito público) como no de relações verticais (entre a administração e particulares).

As condições de validade da transacção decorrem da sua natureza jurídica.

Deve, desde logo, respeitar as condições gerais de validade dos contratos, definidas pela lei civil, mormente a verificação da existência de concessões recíprocas.

Deve, ademais, satisfazer condições específicas resultantes do facto de ser celebrada no domínio do direito público, designadamente, a escolha da oportunidade da transacção não pode ser reputada de arbitrária; esta condição é de verificação tanto mais severa quanto mais estreita for a subordinação da Administração à lei e, em qualquer caso, acarreta a proibição de transacção traduzida apenas numa medida de favor em benefício de um particular ([90]).


2. Em França, a terceira parte do artigo 2045.º do Código Civil faz depender de autorização expressa a possibilidade de as comunas e os estabelecimentos públicos transigirem ([91]).

Reconhece-se, todavia, que nenhuma disposição legal limita o poder de transigir por parte dos ministros, em nome do Estado, em matérias que relevam do respectivo ministério.

Utilizada mais ou menos frequentemente, consoante as épocas, a transacção administrativa foi objecto de promoção por parte do Conselho de Estado, mediante relatório elaborado em 1993 sobre os meios de regulação de conflitos ([92]).

Entende-se que a transacção reveste a natureza de contrato de direito público quando o litígio a que põe termo deu lugar ou poderia ter dado lugar a uma acção da competência dos tribunais administrativos ([93]).

A Circular de 6 de Fevereiro de 1995 do Primeiro-Ministro ([94]) – elaborada com base naquele relatório – incentiva os serviços a esforçarem-se por recorrer à transacção com vista à resolução de conflitos nos casos em que, face às circunstâncias de facto e de direito, se mostre claramente que o Estado causou um prejuízo e tem o dever de indemnizar.

Este, o da responsabilidade civil ([95]), é um dos domínios em que se reconhece que a ordem pública não constitui obstáculo à celebração de transacções. Poderá apenas afectar a sua validade na medida em que as concessões recíprocas que a caracterizam forem ao ponto de contrariar a ordem pública; estaremos então perante uma condição de validade da transacção, própria do direito público ([96]) ([97]).

Em contrapartida, questões de legalidade não podem ser objecto de transacção: a Administração não pode, por ex., atribuir uma compensação financeira como contrapartida para a manutenção de uma decisão ilegal.

Quanto às concessões recíprocas, enquanto o juiz comum se basta com a inexistência de uma desigualdade flagrante traduzida na ausência de reciprocidade, a posição do juiz administrativo é mais rigorosa por causa da aplicação do princípio segundo o qual a Administração não está autorizada a pagar uma soma que não deva; assim, quando a Administração transige para pôr termo a um litígio em que se suscita a sua responsabilidade, só poderá acordar uma indemnização quando a sua responsabilidade se encontrar estabelecida e apenas quanto aos danos indemnizáveis.

A Administração, por princípio, não procura alcançar um acordo desvantajoso para a outra parte, pois o Estado não é um agente económico como os outros – o seu objectivo é realizar o interesse geral e não obter vantagens injustificadas da parte de um particular mal informado. O Estado não deve pagar mais do que deve, mas deve pagar o que deve ([98]).


3. Em Espanha, a transacção encontra-se regulada nos artigos 1809.º a 1819.º do Código Civil, considerando-se que o respectivo regime jurídico é tacitamente aplicável em direito público.

Entende-se que não existem razões que obstem à admissibilidade da transacção no domínio das relações jurídicas administrativas. A transacção administrativa é, pois, admissível, na medida em que a Administração goze de margem de disponibilidade, de acordo com o ordenamento jurídico ([99]).

Especificamente no âmbito do procedimento administrativo, prevê-se que a Administração Pública possa celebrar acordos, pactos, convénios ou contratos com pessoas jurídicas públicas ou privadas, sempre que os mesmos não sejam contrários ao ordenamento jurídico nem versem sobre matérias insusceptíveis de transacção e tenham por objecto a satisfação do interesse público [cf. artigo 88.º, n.º 1, da Lei n.º 30/1992, de 26 de Novembro ([100])].

Mais tarde, a Lei n.º 29/1998, de 13 de Julho (Lei do Contencioso Administrativo), instituiu um modo de extinção do processo baseado na transacção.

Trata-se de um propósito de conciliação, a ter lugar em primeira ou única instância, quando o processo se refere a matérias susceptíveis de transacção e, em especial, quando verse sobre avaliação de quantidade. Traduz-se na possibilidade de o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de parte, submeter à consideração das partes o reconhecimento de factos e documentos, bem como a possibilidade de alcançarem um acordo que ponha termo ao litígio. Os representantes da Administração carecem de autorização para transigir ([101]).

A instituição de um modo de extinção do processo baseado na transacção é considerada uma novidade ([102]), mas a inovação é de algum modo desvalorizada quando se afirma que no direito espanhol – como no direito francês, mas ao contrário do direito alemão – apenas existem normas sobre competência e procedimento, continuando as questões substantivas a ser resolvidas por aplicação do regime de direito civil ([103]).

Já antes, porém se considerava inquestionável, em termos gerais, a possibilidade de a Administração formalizar contratos de transacção (judicial e extrajudicial) sujeita embora a regime especial, que incluía a audição do Conselho de Estado e autorização governamental.

A transacção nas relações jurídico-administrativas considera-se, pois, possível no âmbito da «margem de disponibilidade» da Administração, sem embargo da exigência de requisitos específicos, como a sua não contrariedade em relação ao ordenamento jurídico e ausência de lesão do interesse público e do interesse de terceiros.

Sobre o campo de aplicação da transacção, refere-se que é admissível, em particular, quando verse sobre avaliações de quantidade, isto é, nas situações em que o objecto da controvérsia consiste precisamente na determinação de uma quantidade que deva ser abonada pela Administração (v. g., expropriações e casos de responsabilidade contratual e extracontratual) ou à Administração (por ex., indemnização de co-contratante por incumprimento do contrato) ([104]).

Pelo contrário, veda-se, por regra, a transacção (judicial ou extrajudicial) sobre direitos da Fazenda Pública ([105]).


X

Entre nós, o modo como se encontra regulada a transacção administrativa – entendida como a que é celebrada pela Administração quando actua submetida ao direito administrativo – é similar ao do direito francês.

Existem tão-só umas quantas normas sobre competências e procedimentos a que se junta um défice doutrinal já ultrapassado naquele país.

Não cremos, todavia, que se possa, em geral, questionar a admissibilidade da transacção administrativa.

Na verdade, também entre nós o desajustamento entre a procura de tutela judiciária e a capacidade de resposta oferecida pelo sistema judicial tem constituído fonte de preocupação e motivo de incentivo à resolução de litígios por meios alternativos.

É o que dimana da Resolução do Conselho de Ministros n.º 175/2001, de 28 de Dezembro, que, de acordo com a súmula oficial «promove, determina e recomenda a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação e arbitragem».

Na parte dispositiva deste instrumento normativo, o Conselho de Ministros resolve:

«1. Reafirmar o firme propósito de promover e incentivar a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação ou a arbitragem, enquanto fórmulas céleres, informais, económicas e justas de administração e realização da justiça.
2. Assumir e afirmar que o Estado, nas suas relações com os cidadãos e com as outras pessoas colectivas, pode e deve activamente propor e aceitar a superação dos diferendos em que ele mesmo seja parte com recurso aos meios alternativos de resolução de litígios.
(...)»

Centrada embora nas figuras concretas da mediação e da arbitragem, o propósito da Resolução de promover e incentivar a resolução de litígios não deixa de abranger outras modalidades de composição de litígios em que seja parte a Administração.

Para além da Resolução do Conselho de Ministros n.º 175/2001, de 28 de Dezembro ([106]), é possível referenciar outros elementos normativos de direito público relacionados com a transacção.

O artigo 9.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, sobre competência do relator, estabelece no n.º 1 que no Supremo Tribunal Administrativo compete ao relator, sem prejuízo dos casos em que é especialmente previsto despacho seu ou acórdão do tribunal, «julgar extinta a instância por deserção, desistência e impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide» [alínea f)].

Poderia daqui depreender-se, a contrario, que a extinção da instância já não seria possível com recurso à transacção, donde a sua inadmissibilidade na jurisdição administrativa.

Esta será, todavia, uma conclusão excessiva: por um lado, a falta de referência à transacção não significa, só por si, que ela, mesmo no espaço de previsão da norma, não seja admissível; por outro, da eventual falta de poderes do relator no Supremo Tribunal Administrativo para julgar extinta a instância por transacção não se pode concluir pela inadmissibilidade desta na jurisdição administrativa.

Aliás, o artigo 27.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sobre poderes do relator, já estabelece no n.º 1 que compete ao relator, sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código, «julgar extinta a instância por transacção, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide» [alínea e)].

Cremos, pois, que a única ilação que se pode tirar das normas em confronto é que nem o artigo 9.º, n.º 1, alínea f), da LPTA proíbe de todo a transacção nem o artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos a admite de forma irrestrita ([107]).

Uma outra disposição, a que já aludimos ([108]), importa aqui retomar: trata-se do artigo 80.º do Estatuto do Ministério Público, que versa sobre os poderes do Ministro da Justiça; nele se dispõe que compete ao Ministro da Justiça, nomeadamente:

«a) Transmitir, por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas acções cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado;
b) Autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que o Estado seja parte».

A referência insistente a acções cíveis poderia levar-nos a excluir o exercício dos poderes enunciados no domínio do contencioso administrativo.

Ademais, já se afirmou que as alíneas transcritas «têm a ver, fundamentalmente, com o patrocínio judiciário dos interesses particulares (disponíveis) do Estado, a chamada advocacia do Estado»; ainda assim, «essa “ingerência” deve limitar-se àquilo que os processualistas chamam “política do processo” [Em contraposição à “técnica do processo”. Vide, por todos, Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II, Lisboa 1980, pgs 41 e 42]: a parte guarda o seu poder de disposição sobre as grandes linhas (mas já não o pormenor técnico, a estratégia processual propriamente dita) da defesa judicial dos seus interesses, sendo ela que deve decidir demandar, ou contestar ou não, ou recorrer ou não»; afigura-se, pelo contrário, «indefensável que esses poderes possam ser admitidos quer quando o Ministério Público representa o Estado-Administração, estando em jogo interesses de ordem pública, quer quando intervém em representação do Estado-Colectividade» ([109]).

As alíneas a) e b) do artigo 80.º do Estatuto do Ministério Público correspondem às alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho (primeira Lei Orgânica do Ministério Público), que concedia poderes idênticos ao Ministro da Justiça. São, de algum modo, normas marcadas pelo propósito de, na jurisdição comum, se concretizar a autonomia do Ministério Público, preservando o núcleo essencial da sua actuação (o exercício da acção penal) de ingerências ou intromissões do Governo.

Delas não se pode concluir que a transacção não seja possível no domínio da jurisdição administrativa nem esta posição se nos afigura sustentada pelo Autor citado.

A própria repartição de competências entre tribunais assenta frequentemente em critérios formais ou processuais, que constituem um suporte frágil para a fundamentação de posições que têm a ver com a natureza e os princípios enformadores de uma jurisdição. E é a estes que nos devemos ater.

Ora, «inexiste qualquer princípio geral que impeça um ente público de transigir nos domínios típicos da responsabilidade e dos contratos administrativos, mesmo perante o juiz administrativo, celebrando um novo contrato público – nalguns casos, por exemplo de responsabilidade civil extracontratual, a transacção a título ressarcitório constitui mesmo um dever de actuação de boa-fé do ente público, e de boa gestão pública que contribui para não dificultar a acção dos tribunais (...)» ([110]).

A admissibilidade da transacção administrativa radica, em última análise, no princípio da autonomia da vontade da Administração, no princípio da autonomia pública, entendida a autonomia pública como a permissão da criação, no âmbito de relações jurídicas administrativas, «de efeitos de direito não predeterminados por normas jurídicas e titularidade e exercício do correspondente poder», isto é, como a «margem de livre decisão na criação de efeitos de direito nas situações concretas regidas pelo Direito Administrativo» ([111]).

Esta «margem de livre decisão» prende-se com a capacidade de disposição sobre o objecto da transacção, requisito essencial deste tipo de contrato (cf. artigo 1249.º do Código Civil).

Porque não existe disponibilidade sobre o objecto, não pode haver transacção, designadamente, em questões de legalidade ou de ordem pública (v. g., no domínio do excesso ou desvio de poder).

O mesmo já não acontece em campos comummente aceites como permeáveis à transacção, como os já referidos dos contratos administrativos e da responsabilidade civil extracontratual, que é aquele em que se situa a acção que deu azo à consulta.

A Administração Pública visa a prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição).

A definição dos tipos de interesses públicos que à Administração compete prosseguir (atribuições) e os poderes funcionais que para tal lhe são conferidos (competência) são estabelecidos por lei, constituindo esta exigência projecção do princípio da legalidade, que rege a actividade administrativa.

A competência concretiza-se, por regra, no exercício de poderes vinculados, explicitados na lei, e de poderes discricionários, que implicam uma certa liberdade de ponderação da Administração quanto à oportunidade e à forma de agir na prossecução do interesse público.

A vinculação da Administração à prossecução do interesse público constitui um ponto de referência essencial na decisão de transigir.

Esta é uma decisão discricionária, que assenta numa racionalidade própria e é condicionada, entre o mais, pela existência de precedentes e pela conduta da Administração em casos análogos.

E tal discricionaridade é compatível com o princípio da legalidade porque se funda na lei e porque está excluída a transacção sobre actos nulos, cuja eliminação constitui exigência imperiosa do ordenamento jurídico ([112]).

XI

Antes de prosseguirmos, interessa, no desenvolvimento de tópicos acabados de aflorar, explicitar alguns dos princípios que regem a actividade administrativa.

A Administração Pública, nos termos do artigo 266.º da Constituição, visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (n.º 1) e os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (n.º 2).

Na satisfação dos propósitos da consulta, merecem destaque os princípios da prossecução do interesse público, legalidade, da igualdade e da justiça ([113]).

O princípio da prossecução do interesse público «constitui o verdadeiro fio condutor da actividade administrativa pública» ([114]). O interesse público é um momento teleológico necessário de qualquer actividade administrativa: as autoridades administrativas, mesmo no uso de poderes discricionários, não podem prosseguir uma qualquer finalidade, mas apenas a finalidade considerada pela lei ou pela Constituição, que será sempre uma finalidade de interesse público» ([115]).

O princípio da legalidade traduz a ideia de que os órgãos e agentes da Administração Pública apenas podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por ela estabelecidos.

O princípio analisa-se em duas dimensões: uma, negativa (prevalência da lei), significa que os actos da Administração devem conformar-se com a lei, sob pena de ilegalidade; outra, positiva (precedência de lei) significa, em geral, que a Administração só pode actuar com base na lei ou mediante autorização da lei, sendo já controverso se o princípio, nesta dimensão, vale em igual medida ou com igual intensidade para a «administração coactiva» e para a «administração de prestações» ([116]).

O princípio da igualdade «é, nesta sede, a refracção do princípio jurídico geral da igualdade, consagrado no art. 13.º. Pretende-se especificamente, salientar a vinculação da administração pública, que, nas relações com as pessoas físicas ou colectivas, deve adoptar igual tratamento. Em termos negativos, o princípio da igualdade proíbe tratamentos preferenciais; em termos positivos, obriga a Administração a tratar de modo igual situações iguais.» ([117])

O princípio da justiça «aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º), o princípio da efectividade dos direitos fundamentais (art. 2.º), sem esquecer o princípio da igualdade e da proporcionalidade. A observância destes princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma “solução justa” relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir.» ([118])

Em suma, no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve ainda «tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação» (artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo), obrigando o princípio da imparcialidade a Administração, nas suas relações com os particulares, à igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos, através de um critério uniforme de prossecução do interesse público ([119]).

Um outro princípio, este decorrente do já citado artigo 22.º da Constituição, importa realçar: o princípio da responsabilidade. A ideia de responsabilidade decorre da sujeição às consequências desfavoráveis de um comportamento. O princípio da responsabilidade da Administração Pública traduz-se «na obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes das suas acções e omissões no exercício da actividade administrativa pública» ([120]).

XII

O caso que está na origem da consulta situa-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito culposo.

Havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública, o Estado responde por eles segundo as normas do Decreto-Lei n.º 48501, de 21 de Novembro de 1967, e perante os tribunais administrativos.

As acções propostas pelos particulares para efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Administração por danos resultantes de actos de gestão pública são acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na sua forma ordinária, conforme o disposto no artigo 72.º da LPTA, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.

Está em causa uma explosão ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, de que resultaram ferimentos em vários alunos.

Para efectivação da correspondente responsabilidade extracontratual, foram propostas contra o Estado várias acções no TAC de Coimbra:

– A acção ordinária n.º 672/95, em que oito ex-alunos pedem a condenação do Estado no pagamento de 6.000.000$ a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, pedindo, ainda, um dos autores o pagamento de 3.595.660$ referente a despesas com tratamentos prestados por médico particular;
– A acção ordinária n.º 395/96, em que uma ex-aluna pediu a condenação do Estado no pagamento da quantia de 16.000.000$, a título de danos não patrimoniais, acção julgada procedente por sentença de 10 de Dezembro de 1999, da qual o Ministério Público interpôs recurso, posteriormente objecto de desistência, porque o Ministério da Educação se conformou com a condenação, procedendo ao pagamento da quantia peticionada;
– A acção ordinária n.º 311/96, em que uma outra ex-aluna pediu a condenação do Estado no pagamento da quantia de 15.000.000$ a título de danos não patrimoniais, acção julgada procedente por sentença de 23 de Maio de 2002, da qual não foi interposto recurso, porque o Ministério da Educação se conformou com a condenação, procedendo ao pagamento da quantia peticionada;
– A acção ordinária n.º 144/98, em que outra ex-aluna pede a condenação do Estado no pagamento da quantia de 16.000.000$ a título de danos não patrimoniais, ainda pendente e sem decisão.

A preocupação do Estado em «resolver em definitivo e fundadamente, em observância dos princípios da boa-fé e da justiça» o litígio da acção ordinária n.º 672/95 – a que em concreto se refere o pedido de parecer –, prende-se com o facto de nas acções ordinárias n.os 395/96 e 311/96, instauradas no âmbito do mesmo acidente, terem sido atribuídas e aceites pelo Estado indemnizações de montantes consideravelmente superiores aos valores originariamente peticionados na acção ordinária n.º 672/95 e com a circunstância de nesta acção se verificar uma situação de litisconsórcio activo, englobando porventura a maioria e as mais atingidas das vítimas do sinistro.

A questão fundamental a apreciar tem a ver com a «viabilidade de o Ministério da Educação transaccionar, extrajudicialmente, um valor superior ao pedido para as indemnizações em causa ou acordar, judicialmente, na ampliação do pedido, nos termos do artigo 272.º do CPC».

As restantes questões decorrem de uma resposta afirmativa a esta primeira questão, ela própria uma questão complexa.

Vejamos, em separado, cada uma das vias sugeridas, que não são estanques entre si, pois, no campo das hipóteses, a transacção, mesmo judicial, pode ter lugar na sequência de acordo sobre a ampliação do pedido.


1. Comecemos pela ampliação do pedido.

No decurso da acção ordinária n.º 672/95, os autores requereram, a dado momento ([121]), a ampliação do pedido.

O pedido foi indeferido e do despacho de indeferimento foi interposto recurso, admitido com subida diferida e efeito meramente devolutivo.

Trata-se, no rigor dos princípios, de questão ainda não decidida, sendo possível que a hipotética procedência do recurso projecte o montante do pedido para valor superior ao inicial. A ser assim, no arco que vai deste valor ao valor da ampliação haveria margem quer para, no prosseguimento da acção, se conceder satisfação adequada aos direitos das vítimas do acidente, quer para transigir (transacção judicial).

Esta via – a da ampliação do pedido –, não tem a linearidade que aparenta.

É, desde logo, uma via já antes ensaiada, tendo-se então o Estado oposto à sua concretização. A anterior oposição não impede que a ampliação seja agora aceite, uma vez que, havendo acordo entre as partes, a ampliação pode ter lugar «em qualquer altura da causa» (artigo 272.º do CPC), expressão que equivale à sentença final ([122]). A eventual sucessão de posições antagónicas por parte do Ministério Público – oposição à ampliação com base em critérios técnicos de actuação; sua aceitação no respeito por instruções específicas nesse sentido – releva da gestão, por parte da Administração, da chamada «política do processo», de que se falou há pouco.

Mas, sobretudo, interessa advertir que, mesmo que o Estado dê o seu assentimento à ampliação, nem por isso o tribunal está obrigado a admitir a alteração; pelo contrário, o acordo deverá ser indeferido se se entender que a ampliação pretendida vem «perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito» (artigo 272.º do CPC) ([123]).

Uma outra questão prende-se com as «dificuldades decorrentes da inexistência de lei que suporte, expressamente, uma decisão administrativa a permitir a ampliação do pedido para valores superiores ao proposto na acção pendente» ([124]).

Estas «dificuldades» embaraçam realmente a via da ampliação do pedido e só podem ser ultrapassadas pela articulação da admissibilidade legal da ampliação do pedido (artigos 272.º e 273.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao processo nos tribunais administrativos – artigo 1.º da LPTA) com a admissibilidade legal da transacção administrativa nos termos atrás referidos.


2. Vejamos agora a via da transacção ou, mais amplamente, a via de uma solução negociada para o litígio.

O acidente ocorrido na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, deu origem à instauração, por parte das vítimas, contra o Estado, de diversas acções de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

Na primeira, a acção ordinária n.º 672/95, oito ex-alunos pedem a condenação do Estado no pagamento de 6.000.000$ a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, pedindo, ainda, um dos autores o pagamento de 3.595.660$ referente a despesas com tratamentos prestados por médico particular; é esta acção (ainda pendente) que está na origem do pedido de parecer.

Nas duas acções subsequentes, já terminadas, o Estado foi condenado na 1.ª instância a pagar as quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais (16.000.000$ a favor de uma ex-aluna e 15.000.000$ a favor de outra) e conformou-se com as decisões (num dos casos chegou a ser interposto recurso, depois objecto de desistência).

O domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado é um daqueles em que geralmente se admite a possibilidade de transacção. Tal admissibilidade é mais evidente em situações em que as partes estão de acordo quanto à verificação dos pressupostos do dever de indemnizar, divergindo tão-só quanto ao montante da indemnização.

É o que sucede na acção ordinária n.º 672/95, em que o Estado nunca pôs em causa a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, tendo já satisfeito, através do seguro escolar, o ressarcimento dos danos patrimoniais dos autores (com ressalva de parte dos relativos a um dos autores).

Não há, como vimos, obstáculo de princípio à transacção.

Pretendendo-se que esta envolva valores próximos dos montantes indemnizatórios atribuídos nas acções ordinárias n.os 395/96 e 311/96 (respectivamente, 16.000.000$ e 15.000.000$), é duvidoso ou dificilmente sustentável que o acordo possa ser alcançado dentro do processo, face a implicações decorrentes do princípio do pedido (cf. artigo 661.º, n.º 1, do CPC).

Poderia, ainda assim, falar-se em conciliação:

«Mais ampla que a transacção, porque não subordinada à ideia fundamental das concessões recíprocas em que esta assenta, é a conciliação entre as partes, que o juiz pode tentar, nos termos do artigo 509.º do Código de Processo Civil. Esta conciliação, que pode todavia traduzir-se por uma transacção e normalmente se exprime por essa forma, pode ter lugar em qualquer estado do processo, embora as partes não possam ser convocadas mais de uma vez com esse único fim (art. 509.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).» ([125]).

Esta conciliação (judicial), que habitualmente se traduz sob a forma de transacção (judicial) depara com as peias a esta já apontada.

Vejamos então a hipótese da transacção extrajudicial, entendida como aquela que no caso presente, face à pendência da acção em juízo, se concretiza à margem do processo, nele reflectindo depois os seus efeitos (ou directamente, mediante a junção da transacção para homologação, ou indirectamente, através da desistência do pedido ou da instância).

É inquestionável a existência de um litígio entre as partes e o propósito de o fazerem cessar.

Já pode suscitar dúvidas a verificação do requisito das concessões recíprocas. Numa situação em que a composição do litígio passa pela anuência do Estado à atribuição aos autores de montantes superiores aos pedidos, compreende-se bem a cedência do primeiro e os benefícios dos segundos, mas compreende-se mal a existência de reciprocidade. Cremos, apesar de tudo, que, no caso presente, esta se verifica.

Em primeiro lugar, as concessões não têm que ser equivalentes nem ser de igual importância ou valor; também não têm que ser objecto de quantificação; podem mesmo ser de ordem moral e não ter expressão económica.

Depois, há-de atentar-se na particular posição da Administração no seu relacionamento com os administrados. O objectivo da Administração é a realização do interesse público, no respeito por princípios fundamentais como o princípio da igualdade ou o princípio da justiça: a Administração deve tratar de forma igual e justa os particulares com quem entra em relação.

Por último, importa acentuar o relativo enfraquecimento do requisito das concessões recíprocas, porquanto se vem entendendo que o factor decisivo da transacção é que as partes substituam a relação jurídica litigiosa por uma relação não discutida, que valha, não pela sua semelhança, maior ou menor, com a relação controvertida, mas pela sua correspondência com a vontade das partes.

Nesta perspectiva, pode afirmar-se que a Administração cede relativamente ao montante das indemnizações atribuídas; poderá ganhar, na medida em que se transaccione por montante inferior ao valor do pedido eventualmente ampliado; e ganha certamente a eliminação da disputa, a pacificação de relações jurídicas controvertidas com os administrados, obtida no estrito respeito pelos princípios constitucionais da prossecução do interesse público, da justiça e da igualdade.

Tudo ponderado, a decisão de transigir na acção ordinária n.º 672/95 – atentos a importância objectiva da questão litigiosa (o acidente, recorde-se, ocorreu em 1985), os custos (temporais, pessoais e económicos) do litígio e a posição assumida pela Administração em casos análogos – afigura-se uma decisão justa, adequada e proporcionada.



XIII

Na oposição à ampliação do pedido por parte dos autores, o Estado alegou que, como acção autónoma ou como ampliação do pedido, sempre a prescrição impediria o exercício dos alegados direitos de indemnização. Isto porque – e cita-se acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1998 – «a citação interrompe a prescrição apenas relativamente aos pedidos formulados na petição inicial, mas não quanto aos direitos que só foram peticionados em momento processual posterior por ampliação do pedido inicial».

Será que a invocação da prescrição se deve considerar adquirida para o processo (princípio da aquisição processual), não podendo agora o Estado «dar o dito por não dito»?

A prescrição constitui uma excepção peremptória [artigo 496.º, alínea c), do Código de Processo Civil], que deve ser invocada pela parte que dela beneficia, tendo a sua alegação pelo Estado sido feita na oposição à ampliação do pedido.

O princípio da aquisição processual reporta-se ao domínio da prova: traduz-se na «comunidade de provas» e significa que as afirmações e provas são atendíveis, mesmo quando, aduzidas por uma das partes, sejam apenas favoráveis à parte contrária (artigo 515.º do Código de Processo Civil) ([126]).

A prescrição aproveita a todos os que dela possam beneficiar, que, assim, podem licitamente recusar o cumprimento da obrigação ou opor-se ao exercício do direito prescrito. No entanto, se o beneficiário cumprir uma obrigação prescrita, ainda que ignorando tal facto, não tem direito à repetição, sendo no caso aplicável o regime das obrigações naturais constante dos artigos 402.º a 404.º do Código Civil.

Certa doutrina «vê nas obrigações naturais verdadeiras obrigações jurídicas, embora imperfeitas ou de juridicidade reduzida. Há entre o credor e o devedor naturais um vínculo jurídico anterior ao cumprimento e nesse vínculo se apoia a irrepetibilidade da prestação. No conceito de obrigação cabem (...) não só as obrigações civis ou perfeitas, em que a garantia consiste na coercibilidade do vínculo, mas também as obrigações naturais ou imperfeitas, cuja garantia se reconduz à possibilidade de o credor conservar o que lhe foi entregue a título de pagamento: no primeiro caso, o credor pode exigir a prestação, enquanto, no segundo caso, pode apenas pretendê-la.» ([127])

Noutro entendimento, considera-se «mais razoável ver na obrigação natural uma relação de facto, embora juridicamente relevante. Essa relevância está em a lei qualificar como verdadeiro cumprimento ou pagamento a actuação do vínculo natural. (...) O legislador, no uso do seu poder normativo, assimila ou equipara ao cumprimento das obrigações jurídicas a execução voluntária dos meros deveres de justiça, vendo também nesta execução voluntária uma causa solvendi, que legitima a atribuição patrimonial a que dá origem.» ([128])

A pretensão dos autores, na situação peculiar com que nos confrontamos, não ganha juridicidade mas surge reforçada, ao nível da execução de deveres de justiça, pela circunstância de a Administração, com base no mesmo acidente e face a lesões ou consequências eventualmente menos gravosas, se ter conformado com decisões proferidas em 1.ª instância, posição que não deixa de significar o reconhecimento da justeza do decidido.

XIV

Vejamos, para terminar, as restantes questões enunciadas.


1. Saber qual «a via mais adequada ao efeito pretendido», que consiste em «resolver o assunto da forma mais favorável que a lei permitir, em conjugação se possível com o Tribunal», é questão que depende muito de um juízo de prognose que se faça acerca do desenvolvimento de cada uma das vias analisadas.

As objecções colocadas à via da ampliação do pedido (maxime, a não vinculação do tribunal a um hipotético acordo das partes) prenunciam porventura o seu insucesso. Este insucesso anunciado poderá, na óptica da eficácia pretendida, aconselhar que se conceda a primazia à via da transacção.

Esta mesma preferência está, supomos que justificadamente, indiciada na precedente apreciação de cada uma delas.


2. A questão sobre «se há lugar a diligências prévias que acautelem a execução do acordo ou da sentença e quais» constitui, pela sua abrangência e vaguidade, motivo de alguma perplexidade.

Naturalmente que importa garantir o preenchimento dos pressupostos e as condições de validade e de eficácia do acordo que se alcançar, bem como da respectiva execução.

Importa acautelar o efectivo encerramento do contencioso entre o Estado e os autores por virtude do acidente ocorrido na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, assegurando a sua renúncia à propositura de quaisquer acções ou procedimentos com ele relacionados, em instâncias nacionais ou internacionais, ainda que destinadas, por exemplo, à exigência de juros de mora sobre as quantias que venham a ser pagas ([129]) ([130]).

O acordo, no que respeita ao autor Paulo Renato Fernando Tavares, deverá ponderar e abranger a matéria relativa aos danos patrimoniais.

A indicação de outras diligências ou cautelas a observar pressupõe uma relação de imediação e proximidade que está longe de estar ao alcance do Conselho Consultivo. Trata-se de matéria que poderá facilmente obter satisfação adequada com o apoio da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Administração Educativa e/ou da Auditoria Jurídica do Ministério da Educação.

Revestirá porventura, neste conspecto, alguma utilidade o conhecimento de concretos instrumentos utilizados para pôr cobro a anteriores litígios envolvendo o Estado e particulares ([131]).


3. Nos termos do artigo 80.º, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, compete ao Ministro da Justiça autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental da tutela, a transigir nas acções cíveis em que o Estado seja parte. Está aqui em causa a transacção judicial.

Este mesmo regime é subsidiariamente aplicável à transacção (judicial) em acções pendentes nos tribunais administrativos.

Na transacção extrajudicial, uma vez que a mesma se verifica antes da instauração ou à margem de processo pendente em juízo, a decisão de transigir competirá ao Ministro da tutela, devendo a transacção reflectir-se depois no processo através da junção do documento de transacção para homologação ou da desistência do pedido ou da instância (cf. artigos 294.º, 295.º e 300.º do Código de Processo Civil).

Cremos, todavia, que mesmo neste caso a intermediação do Governo com o Ministério Público deverá continuar a ser feita pelo Ministro da Justiça.


XV

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1. Nos termos da lei civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (artigo 1248.º, n.º 1, do Código Civil);

2. Com perfil material idêntico ao do direito civil, a transacção é admissível nas relações jurídicas administrativas na medida em que a Administração disponha, segundo o ordenamento jurídico, de margem de disponibilidade do objecto da relação jurídica controvertida;

3. Na decisão de transigir por parte da Administração, é determinante a sua vinculação à prossecução do interesse público e o respeito pelos princípios rectores da actividade administrativa;

4. Na sequência de uma explosão de gás ocorrida na Escola Secundária do Cartaxo, em 25 de Janeiro de 1985, foram propostas contra o Estado, por parte de vítimas, acções de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual:
a) na primeira, a acção ordinária n.º 672/95 (ainda pendente e que está na origem do pedido de parecer), oito ex-alunos pedem a condenação do Estado no pagamento de 6.000.000$ (29.927,87 €) a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, pedindo, ainda, um dos autores o pagamento de 3.595.660$ (17.935,08 €) referente a despesas com tratamentos prestados por médico particular;
b) nas duas acções subsequentes, já terminadas, o Estado foi condenado na 1.ª instância a pagar as quantias peticionadas a título de danos não patrimoniais – 16.000.000$ (79.807,66 €) a favor de uma ex-aluna e 15.000.000$ (74.819,68) a favor de outra –, tendo-se conformado com as decisões;

5. As decisões referidas na precedente conclusão 4. b) e a sua aceitação pela Administração, a par das exigências resultantes dos princípios da justiça e da igualdade, aconselham a que a Administração encare a transacção como via adequada para a prossecução do interesse público na situação debatida na acção ordinária n.º 672/95, pendente no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra;

6. É competente para autorizar a transacção o Ministro da Justiça, ouvido o departamento governamental de tutela, no caso de transacção judicial, ou o Ministro da tutela, no caso de transacção extrajudicial.






VOTO


(Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol) – Vencido relativamente à conclusão 5.ª, porquanto considero, por um lado, que não é admissível a celebração de uma transacção extrajudicial, uma vez que já existe um litígio pendente em tribunal, e por outro lado, que sempre estaria vedado transaccionar em juízo por um valor superior ao pedido indemnizatório primitivo, isto em homenagem ao princípio do pedido e porque qualquer transacção pressupõe uma cedência recíproca de parte das pretensões iniciais, o que, em concreto e do meu ponto de vista, não se verifica no caso presente; nesta conformidade, entendo que a acção ordinária n.º 672/95 intentada contra o Estado Português no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra deveria prosseguir seus trâmites para decisão sobre os valores das indemnizações a atribuir.
Sucintamente.
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 1248.º do Código Civil, ”transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” [132].
Nesta definição estão compreendidas as duas espécies de transacção: a extrajudicial e a judicial.
Quando as partes fazem cessar o litígio antes da propositura da acção judicial, visando evitar, preventivamente, a sua instauração em tribunal, configura-se a chamada transacção preventiva ou extrajudicial, a que se refere o artigo 1250.º do Código Civil, por natureza extraprocessual, já que se realiza sem que haja algum processo em curso.
A transacção judicial (ou transacção extintiva) é a que tem lugar quando, encontrando-se o litígio já pendente de apreciação no tribunal, as partes decidem pôr-–lhe fim mediante recíprocas concessões. Neste caso, a transacção pode ser feita por termo lavrado no processo (transacção intraprocessual) ou por documento que depois se lhe junta (transacção extraprocessual), isto conforme o estatuído no artigo 300º do Código de Processo Civil[133].
Assim, configurando-se no caso em apreço um litígio já pendente em juízo, não é admissível a celebração de uma transacção extrajudicial.
2. Mas se é legalmente inadmissível a transacção preventiva ou extrajudicial, também não se afigura possível a celebração de uma transacção judicial por um valor superior ao pedido deduzido na acção judicial em causa.
Vejamos.
Na acção ordinária n.º 672/95 intentada contra o Estado Português no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, os autores afirmam na petição inicial que o réu Estado tem o dever de indemnizá-los, também pelos prejuízos morais – incómodos, dores, angústia, desgosto – que sofreram e vão sofrer” (artigo 21º), pelo que “afigura-se adequado atribuir a verba de 6.000.000$00 (29.927,87 Euros) a cada um dos Autores, para ressarcimento daqueles danos” (artigo 22º).
É devido sublinhar que a indicação de uma quantia certa como montante dos danos não patrimoniais, que se reconhece como sendo a adequada para ressarcimento desses danos, significa inequivocamente a vontade de limitar a pretensão indemnizatória ao quantitativo indicado.
Além do ressarcimento dos danos não patrimoniais, o Autor Paulo Renato Fernando Tavares reclama ainda a condenação do Estado no pagamento da quantia de 3.595.660$00 (17.935,08 Euros), despendida em tratamentos prestados por médico particular (artigos 23º e 24º), o que perfaz o pedido total de 51.595.660$00 (257.358,07 Euros).
Entretanto, os autores ampliaram o pedido inicial de 51.595.660$00 (257.358,07 Euros) para 166.595.660$00 (830.975,65 Euros), o que foi indeferido, e tendo os autores interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que indeferiu essa ampliação, admitiu-se o recurso “a processar como agravo, a subir com o que depois haja de subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo”, por isso, conferido efeito meramente devolutivo ao recurso, a decisão recorrida tem imediata eficácia no processo, significando que se mantém o valor do pedido inicialmente deduzido.
Ora, em homenagem ao princípio do pedido, uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório e que se estende à delimitação do objecto do processo, o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (n.º 1 do artigo 661º do Código de Processo Civil), pelo que não é possível transigir por um valor superior ao pedido.
Por outro lado, na medida em que os autores formularam um pedido quantitativamente preciso e porque a transacção pressupõe uma cedência recíproca de parte das pretensões iniciais, revela-se contraditório admitir transigir por um valor superior ao pedido.
3. Acresce, enfim, que as dificuldades decorrentes da inexistência de lei que suporte, expressamente, uma decisão administrativa a permitir a celebração de uma transacção por valores superiores ao pedido formulado na acção judicial embaraçam não só a via da ampliação do pedido, como se reconhece no texto do parecer, mas também a via da transacção, já que é estranho que o réu Estado Português admita celebrar uma transacção por valor superior ao pedido para as indemnizações em causa, tanto mais que invocou judicialmente a prescrição do direito às indemnizações reclamadas no articulado de ampliação do pedido, o que certamente impediria o exercício dos alegados direitos de indemnização.







([1]) Transcreveu-se da informação n.º 6-SEAE/FL/2003, de 3 de Fevereiro de 2003, elaborada no Gabinete de Vossa Excelência e enviada com o pedido de parecer, formalizado através do ofício n.º 943, de 6 de Fevereiro de 2003.
([2]) Por vencimento do Relator inicial na sessão de 13 de Março de 2003, o processo foi objecto de redistribuição.
([3]) Informação n.º 6-SEAE/FL/2003, referida na nota 1.
([4]) Memorando elaborado pelo Gabinete do Ministro da Educação, em 2 de Março de 2001, na sequência da audiência concedida nessa data a oito ex-alunos sinistrados da Escola Secundária do Cartaxo e ao respectivo mandatário judicial.
([5]) Segundo Cesaltina Cruz, Bases de Dados Jurídicos – Descrição, edição da Direcção-Geral dos Serviços de Informática do Ministério da Justiça, p. 27, a numeração indicada refere-se ao processo n.º 101/98 da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça (4.ª Secção).
([6]) Transcrição da Informação n.º 56/LR/G-ME/2001, de 30 de Outubro de 2001.
([7]) Ibidem.
([8]) Ibidem.
([9]) Transcrição da Informação n.º 28-SEAE/FL/2002, de 4 de Julho de 2002
([10]) Transcrição da carta do mandatário judicial dos autores, que deu entrada no Gabinete do Ministro da Justiça em 16 de Maio de 2002, sendo aí registada com o n.º 3872, de 21.05.2002, Processo 27/95.1689.
([11]) Transcrição da Informação n.º 65-SEAE/FL/2002, de 19 de Setembro de 2002.
([12]) Informação n.º 6-SEAE/FL/2003, de 3 de Fevereiro de 2003.
([13]) Sobre o tema da responsabilidade do Estado, seus funcionários e agentes, podem ver-se: Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 1991, Coimbra, 10.ª edição (5.ª reimpressão), vol. I, pp. 42-46, e vol. II, 1999, especialmente pp. 1219-1241; Vaz Serra, “Responsabilidade Civil do Estado e dos seus órgãos ou agentes”, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, e em anotações aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 1969 e de 19 de Outubro de 1975, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103.º, 1971, pp. 328-352, e Ano 110.º, 1978, pp. 308-323; Fausto de Quadros (coord.), Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 1995, com um conjunto de relatórios de Mestrado e análise de jurisprudência; Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, A responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas, ed. do Conselho Económico e Social, Lisboa, 1997; Antunes Varela, Das obrigações em geral, Coimbra, vol. I, 10.ª edição, 1984, p. 646 e ss.; A. Laubadère, Traité de Droit Administratif, L.G.D.J., Tomo 1, 15.ª edição (Venezia e Gaudemet), pp. 975 e segs.; Pietro Virga, Diritto Amministrativo, 1, Milano, 1995, pp. 417 e seguintes. V. também, os pareceres do Conselho Consultivo n.o 46/97, de 9 de Outubro de 1997, e n.º 3/2003, de 27 de Fevereiro de 2003.
([14]) Para uma evolução histórica desde o Código de Seabra (1867), artigos 2399.º e 2400.º, com a alteração de 1930, em que a Administração passa a responder, pela primeira vez, solidariamente, mas apenas por actos ilícitos culposos praticados pelos seus órgãos ou agentes no exercício de funções, passando pelo Código Administrativo de 1936 e na revisão de 1940 (artigos 310.º e 366.º, respectivamente), pelo Código Civil de 1966 (artigos 501.º e 500.º), até ao Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e ao Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Lei das Autarquias Locais, artigos 90.º e 91.º), cf. Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, cit., pp. 55 a 85 e 141 a 151, e António Esteves Fermiano Rato, entrada «Responsabilidade» no Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. VII, pp. 263-275.
([15]) O XIV Governo Constitucional apresentou a Proposta de Lei n.º 95/VIII, Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Revoga o Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967), publicada no Diário da Assembleia da República (doravante, DAR), II série-A, n.º 76, de 18 de Julho de 2001, a que respeita o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no DAR, II série-A, n.º 12, de 2 de Novembro de 2001, a discussão na generalidade, no DAR, I série, n.º 19, de 2 de Novembro de 2001, e a aprovação na generalidade, no DAR, I série, n.º 26, de 3 de Dezembro de 2001, no entanto, a referida proposta de lei caducou com a demissão do Governo. Já na actual legislatura, foi apresentado o Projecto de Lei n.º 148/IX (PS), com título idêntico ao da proposta antes mencionada, que foi publicado no Diário da Assembleia da República, II série-A, n.º 34, de 17 de Outubro de 2002, pp. 1035-1036; foi discutido e aprovado na generalidade, por unanimidade, tendo baixado à Comissão, para apreciação na especialidade (Diário da Assembleia da República, I série, n.º 58, de 21 de Novembro de 2002, pp. 2489-2501 e 2508).
([16]) Assim, Rui Medeiros, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 122; e João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, p. 235, nota 1. V. também, com mais indicações, Maria da Glória Garcia, ob. cit., p. 29 e segs.
([17]) Fermiano Rato, loc. cit., p. 272.
([18]) Carlos Alberto Fernandes Cadilha “Responsabilidade da Administração Pública”, em Revista do Ministério Público, ano 22.º, Abril-Junho 2001, n.º 86, p. 10.
([19]) Cf. Marcello Caetano, ob. cit., vol. II, p. 1234.
([20]) Cf. Maria da Glória Garcia, ob. cit., p. 38.
([21]) Ibid., pp. 40-41.

([22]) «Actos praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção» (cf. acórdão do Tribunal de Conflitos de 5 de Novembro de 1981, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 311, p. 195, e Fermiano Rato, loc. cit., p. 265).
([23]) O Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no uso da autorização conferida ao Governo pela Lei n.º 29/83, de 8 de Setembro, foi rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I Série, de 30 de Junho de 1984, regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro, e alterado pelas Leis n.º 4/86, de 21 de Março, n.º 46/91, de 3 de Agosto, n.º 11/93, de 6 de Abril, n.º 49/96, de 4 de Setembro, pelos Decretos-Leis n.º 229/96, de 29 de Novembro, n.º 114/97, de 12 de Maio, n.º 301-A/99, de 5 de Agosto, e pelas Leis n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e n.º 15/2001, de 5 de Junho.
A Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e revogou o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, sendo rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2002, de 20 de Março, e pela Declaração de Rectificação n.º 18/2002, de 12 de Abril, e, posteriormente, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro (primeira alteração), que diferiu a respectiva entrada em vigor para 1 de Janeiro de 2004.
([24]) Alterada pelo Decreto-Lei n.º 4/86, de 6 de Janeiro, Lei n.º 12/86, de 21 de Maio, Decreto-Lei n.º 326/89 de 26 de Setembro, Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, e Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, foi revogada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo entretanto alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, que diferiu a sua entrada em vigor para 1 de Janeiro de 2004.
([25]) Cf. artigo 7.º da Lei n.º 15/2002, na redacção da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro.
([26]) Manuel a. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora. Limitada, 1976, pp. 371-372.
([27]) Manuel de Andrade, ob. cit., p. 376.
([28]) Cf., por todos, Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, 1997, p. 379.
([29]) Para uma resenha de direito comparado, v. Pedro Branquinho Ferreira Dias, O Dano Moral na Doutrina e na Jurisprudência, Almedina, pp. 57–61.

([30]) Neste ponto, acompanhou-se de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2000, proferido na revista n.º 1861/00, 7.ª secção. Neste processo de revista foram proferidos três acórdãos, a saber: o primeiro, em 6 de Julho de 2000; o segundo, em 26 de Outubro de 2000; e o terceiro, em 12 de Julho de 2001.
([31]) Cf. acórdão para uniformização da jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I série-A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002 (Revista ampliada n.º 1508/2001 da 1ª Secção).
([32]) A lei prevê o uso da equidade na norma orientadora do artigo 4.º do Código Civil. «A equidade não equivale ao arbítrio, é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio» (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pp. 101-107). «O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda; e o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei» (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, em anotação ao artigo 4.º).

([33]) Cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 1993, na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, 1993, tomo 2, pp. 130, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1979, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113º, p. 91, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, 1997, tomo 1, pp. 163, e Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição p. 605-608.
([34]) Cf. Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, cit., p. 387.
([35]) Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, na revista n.º 337/98.
([36]) Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1999, número convencional JSTJ00037380, Bases de Dados do Ministério da Justiça – www.dgsi.pt.
([37]) Anúncio n.º 50/2001 (2ª série), no Diário da República, II série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001, p. 7140.
([38]) Neste ponto, acompanhou-se de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, proferido na revista n.º 1861/00, 7.ª secção.
([39]) Acórdão para uniformização da jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I série-A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002 (Revista ampliada n.º 1508/2001 da 1ª Secção).

([40]) Acórdão para uniformização da jurisprudência n.º 13/96, Diário da República, I série–A, n.º 274, de 26 de Novembro de 1996 (Processo n.º 87 641).
([41]) Cf. Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª edição, p. 627.
([42]) Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1998, número convencional JSTJ00035048, in Bases de Dados do Ministério da Justiça – www.dgsi.pt .
([43]) Sobre a natureza jurídica do seguro escolar, v. o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Novembro de 2001, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI, 2001, tomo 5, pp. 11-14, e José Vasques, Contrato de Seguro (Notas para uma Teoria Geral), 1999, pp. 49 e 207.
([44]) Merecem igualmente menção os seguintes diplomas legais:
– Despacho Normativo n.º 334/79, de 20 de Novembro, que aprova o Regulamento da Acção Social Escolar nos Estabelecimentos do Ensino Primário e do Ciclo Preparatório TV, regulando em pormenor o seguro escolar no ponto 6 do seu Capítulo II («Objectivos e competências dos serviços de acção social escolar»);
– Portaria n.º 703/79, de 26 de Dezembro, que aprova o Regulamento da Acção Social Escolar nos Estabelecimentos dos Ensinos Preparatórios e Secundários e nas Escolas do Magistério Primário, regulando em pormenor o seguro escolar no ponto 6 do seu Capítulo II («Objectivos e competências dos serviços de acção social escolar»);
– Portaria n.º 562/81, de 6 de Junho, que determina a abolição do pagamento da quotização para a acção social escolar e do prémio anual do seguro escolar relativamente aos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória;
– Portaria n.º 450/82, de 30 de Abril, que aprova o novo Regulamento da Acção Social Escolar nos Estabelecimentos de Ensino Preparatório e Secundário e nas Escolas do Magistério Primário, revogando a Portaria n.º 703/79 e que se refere ao seguro escolar nos pontos 2.3 e 2.6.4;
– Portaria n.º 263/85, de 9 de Maio, que adopta medidas por parte do Instituto de Acção Social Escolar relativamente aos alunos dos estabelecimentos de ensino oficiais ou particulares e cooperativos com contrato de associação e paralelismo pedagógicos dos ensinos preparatório e secundário e das escolas normais de educadores de infância e do magistério primário, consagrando para os alunos que frequentem esses estabelecimentos de ensino a cobertura pelo seguro escolar.

([45]) O regime-regra quanto à aplicação no tempo das alterações introduzidas no Código de Processo Civil, tanto pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, como pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, está previsto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95 citado, onde se estabelece que as modificações decorrentes daqueles diplomas «só se aplicam aos processos iniciados após 1 de Janeiro de 1997». É a derrogação do princípio geral da aplicação no tempo da lei processual civil: o princípio da aplicação imediata. No caso concreto, a acção de indemnização foi instaurada contra o Estado Português no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, onde deu entrada em 8 de Junho de 1994 (Registo de Entrada n.º 6793), sendo posteriormente remetida para o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, por isso, são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e ao Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, atento o disposto no artigo 16.º daquele primeiro Decreto-Lei, com a redacção que lhe foi dada pelo segundo, pelo que as disposições legais citadas adiante deverão entender-se na redacção apontada.
([46]) Cf. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Lda, 1985, p. 245, nota 1.
([47]) Cf. acórdão para uniformização da jurisprudência n.º 13/96, Diário da República, I série-A, n.º 274, de 26 de Novembro de 1996 (Processo n.º 87 641).
([48]) Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 108.º ano, n.os 3538-3561, p. 233.
([49]) Ibid., p. 234.
([50]) Vaz Serra, ibid., pp. 231-232.
([51]) Assim, Artur Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, Coligidas e publicadas por Abílio Neto e revistas pelo Professor, vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, pp. 280-281. O Autor, analisando a questão, conclui que «a alteração poderá não ser apenas integração ou ampliação da causa de pedir inicialmente invocada ou do pedido formulado: é lícita a convolação, ainda que pedido e causa de pedir difiram substancialmente dos inicialmente apresentados».
([52]) Cf. o actual n.º 6 do artigo 273.º do Código de Processo Civil: «6. É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para alteração jurídica diversa da controvertida.»
([53]) Para mais desenvolvimentos, v. Alfredo Soveral Martins, Direito Processual Civil, 1.º volume, Fora do Texto, 1995, p. 31 e ss.; Alejandro Huergo Lora, La Resolución Extrajudicial de Conflictos en el Derecho Administrativo, Publicaciones del Real Colegio de España, Bolonia, 2000, pp. 17-19.
([54]) Soveral Martins, ob. cit., p. 35.
([55]) São também figuras de heterocomposição a mediação e os bons ofícios (utilizados no direito internacional público, pelos quais um Estado terceiro procura evitar ou fazer cessar um conflito entre Estados) [cf. Clotilde Cristina Vigil Curo, “Las Conciliaciones”, Revista de Derecho y Ciencia Política, vol. 56 (N.º 1 – N.º 2), 1999, p. 106].
([56]) Soveral Martins, ob. cit., pp. 49-50.
([57]) Cf. José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 1999, vol. I, pp. 522-523.
([58]) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 193.
([59]) José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Lim., 1946, pp. 489 e seguintes.
([60]) Encontramos estes mesmos elementos em ordenamentos jurídicos próximos do nosso.
Em Espanha, o artigo 1809.º do Código Civil estabelece:
«La transacción es un contrato por el cual las partes, dando, prometiendo o reteniendo cada una alguna cosa, evitan la provocación de um pleito o ponen término al que había comenzado.»
Fonte próxima do artigo 1248.º do nosso código, o artigo 1965.º do Código Civil italiano contém a seguinte noção de transacção:
«La transazione è il contratto col quale le parti, facendosi reciproche concessioni, pongono fine a una lite già incominciata o prevengono una lite che può sorgere tra loro.
Com le reciproche concessioni si possono creare, modificare o estinguere anche rapporti diversi da quello che há formato oggetto della pretesa e della contestazione delle parti.»
O Código Civil alemão dispõe no § 779 (transcrevemos de Emilio Eiranova Encinas, Código Civil Alemán Comentado, Marcial Pons, Barcelona/Madrid, 1998):
«779 (Concepto; error acerca de la base de la transacción)
1. Un contrato por el que se suprime el litigio o la incertidumbre de las partes sobre una relación jurídica por vía de concesiones mutuas (transacción) es inválido si la situación considerada esencial, de acuerdo com los términos del contrato, no se corresponde con los hechos reales y el litigio o la incertidumbre no hubiesen aparecido si se hubiesse conocido la situación.
2. Es equivalente a la incertidumbre relativa a una relación jurídica el que la efectividad de una pretensión sea insegura.»
O Código Civil francês dispõe no artigo 2044.º:
«La transaction est un contrat par lequel les partes terminent une contestation née, ou préviennent une contestation à naître.
Ce contrat doit être rédigé par écrit.»
([61]) V., para mais desenvolvimentos, Jesús Corbal Fernández, anotação ao artigo 1809.º, em Ignacio Sierra Gil de la Cuesta (coord.), Comentario del Código Civil, Tomo 8, Bosh, pp. 84-88.
([62]) Cf. Massimo Franzoni, La Transazione, 2001, pp. 20-22.
([63]) Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1997, p. 930).
([64]) Elena María Lopez Barba, El Contrato de Transacción – Su Resolución por Incumplimiento, Ediciones Laborum, p. 27.
([65]) Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, p. 221.
([66]) Jacques de Gavre, Le contrat de transaction en droit civil et en droit judiciaire privé, Bruxelles, 1967, p. 57.
([67]) Massimo Franzoni, ob. cit., pp. 28-30.
([68]) Cf. Corbal Fernández, loc. cit., p. 89, e Jacques de Gavre, ob. cit., p. 55. Este Autor põe aqui em destaque a circunstância de o artigo 2052.º do Código Civil francês estabelecer que as transacções não podem ser impugnadas com fundamento em prejuízo («Elles ne peuvent être attaquées pour cause d’erreur de droit, ni pour cause de lésion»). Disposição idêntica consta do artigo 1970.º do Código Civil italiano: «La transazione non può essere impugnata per causa di lesione».
([69]) Corbal Fernández, loc. cit., p. 88.
([70]) Elena Lopez Barba, ob. cit., p. 28.
([71]) Código..., cit., p. 931.

([72]) Cf. Jacques de Gavre, ob. cit., p. 59.
([73]) Rodrigues Bastos, ibidem.
([74]) Corbal Fernández, loc. cit., p. 89.
([75]) Cf. Huergo Lora, ob. cit., pp. 47-48.
([76]) Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., p. 932.
([77]) Neste sentido, Jesús González Pérez, “La Transacción en el Proyecto de Ley de la Jurisdicción Contenciosa-Administrativa”, Revista de Administración Pública, n.º 145, Janeiro-Abril de 1998, p. 8.
([78]) Noções Elementares de Direito Civil, 4.ª edição, 1970, p. 261. Cf. também sobre esta matéria, Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., p. 930; e Alberto dos Reis, Comentário..., cit., vol. 3.º, p. 489.
([79]) Redacção anterior aos Decretos-Leis n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e n.º 180/96, de 25 de Setembro (cf. nota 45). Na redacção actual, o n.º 1 deste artigo dispõe: «A confissão, desistência ou transacção podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo»; o n.º 5, por sua vez, foi revogado.
([80]) Cf. T. Moreno/Sousa Sêco/P. Augusto Junqueiro, Lições de Processo Civil, com a colaboração de A. M. Pessoa Vaz, de harmonia com as prelecções do Prof. Doutor Manuel. A. D. de Andrade feitas ao curso do 3.º ano jurídico, Casa do Castelo Editora, Coimbra, p. 537.
([81]) Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, alterada pelas Leis n.os 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 30/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, e pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/98 (Diário da República, I série-A, n.º 253, de 2 de Novembro de 1998). A actual redacção do artigo 80.º resulta da Lei n.º 60/98, que adoptou, para o diploma, a designação de Estatuto do Ministério Público e procedeu à sua republicação integral.
([82]) Infra, ponto X.
([83]) Sobre a arbitragem, v. o parecer do Conselho Consultivo n.º 130/2002, de 30 de Abril de 2003.
([84]) Cf. Huergo Lora, ob. cit., p. 13.
([85]) Arnaud Lyon-Caen, “Sur la transaction en droit administrative”, AJDA, n.º 1, 20 Janeiro 1997, p. 48.
([86]) Sobre as vantagens da resolução de controvérsias mediante a transacção, v. Huergo Lora, ob. cit., pp. 70-72.
([87]) Cujo § 106 dispõe:
«Transacção judicial. Com o objectivo de resolver a controvérsia de forma total ou parcial, as partes podem celebrar uma transacção, formalizada perante o tribunal ou juiz competente, sempre que possam dispor do objecto da transacção.»
([88]) Os seus §§ 55 e 54 estabelecem:
«§ 55 Contrato de transacção
Pode ser celebrado um contrato de direito público, no sentido do § 54, segunda frase, através do qual, por cedências recíprocas, se elimine uma incerteza sobre a apreciação adequada dos factos ou da situação de direito (contrato de transacção), se a autoridade, discricionariamente considerar que a transacção é conveniente para a eliminação da incerteza.»
«§ 54 Admissibilidade do contrato de direito público
Uma relação jurídica do âmbito do direito público pode ser constituída, alterada ou eliminada através de contrato, desde que não exista disposição jurídica em contrário. Em particular, pode a autoridade, em lugar de praticar um acto administrativo, concluir um contrato de direito público com aquele a quem, a não se firmar o contrato, destinaria o acto administrativo.» (Transcrevemos de Alberto Augusto Andrade Oliveira, Código do Procedimento Administrativo Alemão, Tradução e Notas, Livraria da Universidade, Coimbra, pp. 109-110.)
([89]) Cf. Huergo Lora, ob. cit., pp. 56-57.
([90]) Cf. Michel Fromont, “L’exemple allemand”, ADJA, n.º 1, 20 Janeiro 1997, pp. 59 e ss.
([91]) «Les communes et établissements publics ne peuvent transiger qu’avec l’autorisation expresse du président de la République.»
([92]) Régler autrement les conflits: conciliation, transaction, arbitrage en matière administrative, 1993.
([93]) Cf. Françoise Ducarouge, “Le juge administratif et les modes alternatifs de règlement des conflits: transaction, médiation, conciliation et arbitrage en droit publique français”, Revue française de droit administrative, ano 12, n.º 1, Janeiro-Fevereiro 1996, p. 87 e ss.
([94]) Journal Officiel, n.º 39, de 15 de Fevereiro de 1995, p. 2518.
([95]) As transacções são igualmente frequentes em matéria fiscal e, no âmbito da defesa nacional, como meio de regular prejuízos resultantes de exercícios e manobras militares (Françoise Ducarouge, ibidem).
([96]) Arnaud Lyon-Caen, loc. cit., p. 48 e ss.
([97]) Para mais desenvolvimentos sobre a transacção administrativa em França, v. Géraldine Chavrier, “Rélexions sur la transaction administrative”, Revue française de droit administrative, ano 16, n.º 3, Maio-Junho 2000, pp. 548-566.
([98]) Cf., para mais desenvolvimentos, o Anexo 1 à Circular de 6 de Fevereiro de 1995.
([99]) Neste sentido, com indicações bibliográficas, Jesús González Pérez, “La Transacción...”, cit., pp. 9-11.
([100]) É o seguinte o teor do artigo 88.º da Lei n.º 30/1992, de 30 de Novembro:
«1. Las Administraciones Públicas podrán celebrar acuerdos, pactos, convenios o contratos com personas tanto de derecho público como privado, siempre que no sean contrarios al Ordenamiento Jurídico ni versen sobre materias no susceptibles de transacción y tengan por objecto satisfacer el interés público qui tienen encomendado, com el alcance, efectos y regimen jurídico específico que en cada caso prevea la disposición que lo regule, pudiendo tales actos tener la consideración de finalizadores de los procedimientos administrativos o insertarse en los mismos com carácter previo, vinculado o no, a la resolución que les ponga fin.
2. Los citados instrumentos deberán estabelecer como contenido mínimo la identificación de las partes intervenientes, el ámbito personal, funcional y territorial, y el plazo de vigencia, debiendo publicarse o no según su naturaleza y las personas a las que estuviese destinado.
3. Requerirán en todo caso la aprobación expresa del Consejo de Ministros, los acuerdos que versen sobre materias de la competencia de dicho órgano.
4. Los acuerdos que se suscriban no supondrán alteración delas competencias atribuidas a los órganos administrativos ni de las responsabilidades que correspondan a las autoridades y funcionarios relativas al funcionamiento de los servicios públicos.»
([101]) Está em causa o artigo 77.º da Lei n.º 29/1998, de 13 de Julho:
«1. En los procedimientos en primera o única instancia, el Juez o Tribunal, de oficio o a solicitud de parte, una vez formuladas la demanda y la contestación, podrá someter a la consideración de las partes el reconocimiento de hechos o documentos, así como la possibilidad de alcanzar un acuerdo que ponga fin a la controversia, cuando el juicio se promueva sobre materias susceptibles de transacción y, en particular, cuando verse sobre estimación de cantidad.
Los representantes de las Administraciones públicas demandadas necesitarán la autorización oportuna para llevar a efecto la transacción, com arreglo a las normas que regulan la disposición de la acción por parte de los mismos.
2. El intento de conciliación no suspenderá el curso de las actuaciones salvo que todas las partes personadas lo solicitasen y podrá producirse en cualquier momento anterior al día en que el pleito haya sido declarado concluso para sentencia.
3. Si las partes llegaran a un acuerdo que implique la desaparición de la controversia, el Juez o Tribunal ditará auto declarando terminado el procedimiento, siempre que lo acordado no fuera manifestamente contrario al ordenamiento jurídico ni lesivo del interés público o de terceros.»
([102]) Assim, Mariano Baena del Alcázar (Dir.), Ley Reguladora de la Juridición Contencioso-Administrativa – Doctrina y Jurisprudencia, Editorial Trivium, 1999, p. 377; no mesmo sentido, Francisco Pera Verdaguer, Comentarios a la Ley de lo Contencioso-Administrativo, 6.ª edição, Bosh Editorial, S.A., Barcelona, p. 577. Cf. também Antonio Agúndez Fernández, Ley de 13 de Julio de 1998, del Proceso Contencioso-Administrativo. Comentarios y Jurisprudencia, Granada, 2000, p. 429.
([103]) Assim, Huergo Lora, ob. cit., p. 54.
([104]) Cf. Jesús González Pérez, “La Transacción...”, cit., pp. 7-28.
([105]) O artigo 39.1 da Ley General Presupuestaria diz: «No se podrá transigir judicial ni extrajudicialmente sobre los derechos de la Hacienda Pública, ni someter a arbitraje las contiendas que se suscitem respecto de los mismos, sino mediante Real Decreto del Consejo de Ministros, previa audiencia del Estado en Pleno»; por sua vez, o artigo 180.2 da Ley de Regimén Local dispõe: «Las transacciones y arbitrajes previstos en el artículo 39 de la Ley General Presupuestaria requerirán, cuando afecten a derechos de las Haciendas de las Entidades Locales, el acuerdo del órgano de gobierno de la Comunidad Autónoma correspondiente que tuviera asumida esa competencia.»
([106]) Sobre aspectos relacionados com as resoluções, v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 786; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, p. 754; Jorge Miranda, Dicionário Jurídico da administração Pública, vol. III, 1996, p. 259; e o parecer do Conselho Consultivo n.º 89/98, de 17 de Dezembro de 1998, ponto n.º 9.
([107]) Em acórdão de 31 de Março de 1998, o Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) considerou inadmissível a transacção, como forma de pôr termo ao recurso de anulação de actos; «para que a transacção seja admissível necessário se torna que se esteja no que se designa por contencioso de plena jurisdição, não o sendo, por conseguinte, no recurso contencioso de mera legalidade, como no caso dos autos» (Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXIX, n.º 467, pp. 1455-1458).
([108]) Supra, VIII-3.

([109]) Pedro Branquinho Ferreira Dias, “Os poderes do Ministro da Justiça relativamente à Magistratura do Ministério Público”, Revista do Ministério Público, Ano 22, Jul/Set 2001, n.º 87, pp. 143-144.
([110]) Maria Fernanda Maçãs/Luís Guilherme Catarino/Joaquim pedro Cardoso da Costa, O Contencioso das Decisões das Entidades Reguladoras do Sector Económico-financeiro, Coimbra, Maio de 2002, p. 91 (estudo inédito levado a cabo no âmbito do CEDIPRE).
([111]) José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, p. 470.

([112]) Cf., para mais desenvolvimentos, João Caupers, ob. cit., pp. 48-50, e Huergo Lora, ob. cit., p. 112 e ss.
([113]) Sobre a matéria, v. os pareceres do Conselho Consultivo n.º 107/2002, de 18 de Dezembro de 2002 (inédito), n.º 4/2002, de 27 de Junho de 2002 (Diário da República, II série, n.º 223, de 26 de Setembro de 2002), n.º 611/2000, de 11 de Janeiro de 2001 (Diário..., cit., II série, n.º 55, de 6 de Março de 2001), e n.º 7/99, de 11 de Fevereiro de 1999 (Diário..., cit., II série, n.º 281, de 3 de Dezembro de 1999). Para uma enunciação dos princípios que devem reger a actuação dos órgãos da Administração, v. os artigos 3.º a 12.º do Código do Procedimento Administrativo; de tal enunciação, pode aqui acentuar-se a vertente material desses princípios.
([114]) João Caupers, ob. cit., pp. 63.
([115]) J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 922.
([116]) Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 922-923; e João Caupers, ob. cit., pp. 48-50.
([117]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 924.

([118]) AA. e ob. cit., p. 925.
([119]) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 11 de Fevereiro de 1993, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 424, p. 454.
([120]) João Caupers, ob. cit., p. 84.
([121]) A tal requerimento, feito a 10 de Junho de 2000, não terá sido alheia a sentença proferida, a 10 de Dezembro de 1999, na acção ordinária n.º 359/96.

([122]) Neste sentido, com mais indicações, v. Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 15.ª edição – Reimpressão, Maio/2000, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., p. 364.
([123]) Cf. Alberto dos Reis, Comentário..., cit., vol. 3.º, pp. 90-92.
([124]) Cf. supra, II-2.

([125]) Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 931.
([126]) Cf. Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, cit., vol. III, 1973, pp. 284-286.
([127]) Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8.ª edição revista e aumentada, Almedina, pág. 174, referenciando Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 73 e ss., especialmente pp. 95 e ss.
([128]) Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., pp. 54-55.
([129]) Cf. Huergo Lora, ob. cit., p. 105.
([130]) Sobre o pagamento de juros de mora relativamente à satisfação a «falso tarefeiro» de determinadas quantias pela Administração, v. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Março de 2003 (Recurso n.º 1661/02-13).
([131]) A título meramente elucidativo, refira-se, pela sua notoriedade, a transacção celebrada pelo Estado no chamado caso Aquaparque, em 29 de Julho de 2002 (Processo n.º 3521/01, do Tribunal da Relação de Lisboa). A transacção foi celebrada à margem do processo, tendo depois sido junta pelas partes para homologação, o que aconteceu.
[132] A propósito da figura da transacção, cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, 1946, pp. 488-489, do mesmo autor, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ªedição, reimpressão, 1980, pp. 404-405, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição, revista e actualizada, 1997, pp. 930 e seguintes, DIAS MARQUES, Noções Elementares de Direito Civil, 1970, 4.ª edição, pp. 260 e seguintes.
[133] Neste ponto, acompanhou-se, quase textualmente, DIAS MARQUES, obra citada, p. 261.