Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00002045
Parecer: P001862001
Nº do Documento: PPA200320020018600
Descritores: VENDA AMBULANTE
VEÍCULO AUTOMÓVEL USADO
ACTIVIDADE COMERCIAL
AUTORIZAÇÃO
OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA
COMPETÊNCIA REGULAMENTAR
PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO
COMPETÊNCIA INSTRUTÓRIA
COMPETÊNCIA DECISÓRIA
CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA
INSPECÇÃO GERAL DAS ACTIVIDADES ECONÓMICAS
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
LEI ESPECIAL
INFRACÇÃO CONTRA A ECONOMIA
INFRACÇÃO CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
ANÚNCIO
NOTÍCIA DA INFRACÇÃO
APREENSÃO DE BENS
SANÇÃO ACESSÓRIA
MEIOS DE PROVA
MEDIDA CAUTELAR
DIREITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
Livro: 00
Numero Oficio: 9021
Data Oficio: 12/21/2001
Pedido: 12/26/2001
Data de Distribuição: 02/11/2002
Relator: FERNANDA MAÇÃS
Sessões: 01
Data da Votação: 03/20/2002
Tipo de Votação: UNANIMIDADE
Sigla do Departamento 1: MAI
Entidades do Departamento 1: MIN DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Posição 1: HOMOLOGADO
Data da Posição 1: 10/28/2002
Posição 2: HOMOLOGADO
Data da Posição 2: 10/31/2002
Posição 3: HOMOLOGADO
Data da Posição 3: 01/16/2003
Privacidade: [01]
Data do Jornal Oficial: 04-03-2003
Nº do Jornal Oficial: 53
Nº da Página do Jornal Oficial: 3494
Data da Rectificação: 03/20/2003
Indicação 2: ASSESSOR:MARIA JOSÉ RODRIGUES
Área Temática:DIR ORDN SOC / DIR COM
Ref. Pareceres:P001341985Parecer: P001341985
P000881990Parecer: P000881990
P000951990Parecer: P000951990
Legislação:DL 419/83 DE 1983/11/29 ART2 N2 E; DL 25/78 DE 1978/01/25; DL 247/78 DE 1978/08/22; DL 339/85 DE 1985/08/21 ART1 N1 A B N3; DL 122/79 DE 1979/05/08 ART1 N2 A B ART3 N1 N2 ART4 N1 N2 ART7 ART8 N1 N2 ART10 N2 ART12 N1 ART16 ART18 N1 N3 ART19 N1 ART20 N1 N2 ART21 N1 N2; RECT DE 1979/08/07; DL 282/85 DE 1985/07/22; DL 283/86 DE 1986/09/05; DL 399/91 DE 1991/10/16 ART1; DL 252/93 DE 1993/07/14; DL 9/2002 DE 2002/01/24; RECT 3-A/2002 DE 2002/01/31; REGULAMENTO DE VENDA AMBULANTE DO CONCELHO DE LISBOA (EDITAL 8/95 DE 1995/08/08) ART2 N1 ART5 N1 N2 ART11 K ART13 D ART26 N2 Q R ART27 ART28; DL 28/84 DE 1984/01/20 ART58 ART64 N1 D ART68 ART73 N2; RECT DE 1984/03/31; DL 269-A/95 DE 1995/10/19 ART3 A; DL 138/90 DE 1990/04/26; DL 162/99 DE 1999/05/13 ART2 N1; CCOM ART3 ART463 N1; DL 433/82 DE 1982/10/27 ART35 ART48 ART48-A; CCIV66 ART7
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:
Ref. Complementar:
Conclusões: – A actividade comercial de venda a retalho, na modalidade de venda ambulante, caracteriza-se por o agente económico exercer, profissionalmente, o comércio de forma não sedentária, fazendo transportar, por qualquer meio, os produtos objecto do seu comércio para o sítio da venda ao público, seja pelos lugares do seu trânsito, seja em lugares fixos demarcados pelos municípios, fora dos mercados municipais [cfr. artigos 2º, alíneas a), e b) do Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio, e alínea a) do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto];
– A venda de veículos automóveis usados na via pública é susceptível de configurar a actividade de venda ambulante se revestir as características mencionadas na conclusão anterior;
– A Câmara Municipal é competente para fiscalizar, instruir e decidir os processos de contra-ordenação por infracção à proibição de venda ambulante de veículos automóveis, na área do Município de Lisboa, prevista no ponto 11 da lista a que se refere o artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79, segundo as disposições conjugadas dos artigos 20º e 22º do Decreto-Lei nº 122/79, e artigos 13º, alínea d), 26º, nº 2, alínea q), e 28º, todos do “Regulamento Municipal de Venda Ambulante do Concelho de Lisboa”;
Para efeito de aquisição da notícia sobre a existência da infracção em causa deve considerar-se o anúncio cujo teor seja idóneo à formulação de um juízo de suspeita sobre a situação ilícita, em termos de, nas circunstâncias concretas de modo e lugar de publicitação e exposição dos veículos, por parte do agente económico, o consumidor se aperceber estar perante uma oferta de venda organizada;
– A Polícia de Segurança Pública e outras entidades fiscalizadoras das infracções ao regime da venda ambulante, nos termos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79, verificados os requisitos mencionados nas conclusões 1ª e 4ª, deve tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por aquele tipo de ilícito e adoptar as medidas cautelares necessárias para evitar o desaparecimento de provas, transmitindo, logo que possível à Câmara Municipal de Lisboa a notícia da infracção e as provas recolhidas, nos termos gerais dos artigos 48º e 48º-A do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

Texto Integral:
Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:




I

1. O Senhor Director Nacional da Polícia de Segurança Pública solicitou ao Ministério da Administração Interna parecer sobre várias questões quanto à organização de processos por contra-ordenações relativas à venda de veículos automóveis na via pública.

2. A Auditoria Jurídica desse Ministério formulou parecer, destacando-se no essencial:

O ponto 2, em que se explicitam as questões colocadas pelo Senhor Director Nacional e que são as seguintes:

“- qual a entidade com competência instrutória e decisória em matéria de processos contra-ordenacionais relativos à venda de automóveis usados na via pública?
- a que entidade devem ser enviados os referidos processos ?
- deverá ser considerado, para efeito de prova da infracção, qualquer «anúncio» que indicie essa prática, levando assim à imediata apreensão do mesmo ?
- qual o procedimento que deve ser adoptado pela entidade fiscalizadora ? ”

O ponto 9, em que se conclui da seguinte forma:

“a) São competentes para fiscalizar a actividade comercial de venda de veículos automóveis, reboques, velocípedes, com ou sem motor e acessórios, proibida pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio, bem como para o levantamento dos respectivos autos de contra-ordenações, as entidades referidas no artigo 20º daquele diploma;

“b) Para a organização e decisão dos processos de contra-–ordenações atrás referidos são competentes as autoridades administrativas municipais, de harmonia com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 20º e nº 3 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 122/79[1];

“c) A Polícia de Segurança Pública e as demais entidades com competência fiscalizadora, referidas no nº 1 do artigo 20º do Decreto-–Lei nº 122/79, uma vez levantados os autos de contra-ordenações e realizadas as diligências investigatórias indispensáveis à conservação das provas, devem remeter os processos às entidades mencionadas em b), por força do disposto no nº 2 daquele artigo.”

No referido ponto 9 conclui-se ainda que “este é o entendimento que nos parece mais ajustado às normas jurídicas convocadas.”

“Porém, estamos perante um conflito negativo de competências que opõe duas entidades não dependentes deste Ministério - a Câmara Municipal de Lisboa, que não aceita a competência própria para organizar e decidir os referidos processos, atribuindo-a à IGAE (...) ; e a Inspecção–Geral das Actividades Económicas, que rejeita a competência própria para organizar e decidir os mesmos processos, atribuindo-a à CML”.

Pode ainda ler-se no ponto 10 que “para ultrapassar as dificuldades expostas, torna-se indispensável solicitar ao Senhor Procurador-Geral da República que, sobre as questões enunciadas em 2 e sobre o entendimento expresso em 9, seja emitido parecer, com carácter de urgência, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República”.


3. Dignando-se concordar com o proposto, Vossa Excelência solicitou parecer a este Corpo Consultivo que cumpre emitir, com a urgência requerida.



II

A questão central que vem colocada traduz-se em saber qual a entidade ou entidades com competência instrutória e decisória em matéria de processos contra-ordenacionais relativos à “venda de automóveis usados na via pública”, tendo presente que a este propósito se verifica um conflito negativo de competências entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Inspecção-Geral das Actividades Económicas (IGAE).

A resposta ao problema que vem posto exige a qualificação jurídica da actividade em causa o que pressupõe, naturalmente, a análise dos diplomas legais pertinentes.

Antes de iniciarmos essa tarefa, impõe-se observar que, na caracterização da actividade que é objecto de controvérsia, encontramo-nos limitados pelos elementos factuais que constam do processo.

Como ressalta do Parecer da Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna, para além da indicação de que se trata da “venda de automóveis usados na via pública” com carácter de profissionalidade, o pedido de parecer não vem acompanhado de outros elementos que nos permitam delimitar a actividade em causa.

No desenvolvimento da análise da questão suscitada, considera-se assim, que se trata de uma actividade de venda organizada, de veículos automóveis usados, na via pública, excluindo-–se, por conseguinte, os actos de comércio isolados, isto é, os actos de quem venda o seu próprio veículo[2].

Num primeiro momento importa, pois, averiguar se a actividade em causa integra ou não o conceito de venda ambulante.



III

1. O conceito de vendedor ambulante constava, desde logo, do diploma que regulava o acesso à actividade comercial.

O artigo 2º, nº 2, alínea e), do Decreto- Lei nº 419/83, de 29 de Novembro[3], que veio rever o acesso à actividade comercial, revogando o Decreto-Lei nº 247/78, de 22 de Agosto, considerava:

“Vendedores ambulantes - os que, transportando os produtos do seu ramo de actividade, por si ou qualquer outro meio adequado, os vendem aos consumidores pelos lugares do seu trânsito ou em zonas que lhes sejam especialmente destinadas".

O conceito de vendedor ambulante, adoptado no Decreto-Lei nº 419/83 para efeitos de acesso à actividade comercial, não divergia do que constava dos Decretos-Leis nos 22/78 e 247/78, que versavam sobre a mesma matéria[4].

O último diploma que estabeleceu a classificação dos vários agentes económicos intervenientes na actividade comercial foi o Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto.

Para efeitos da aplicação das disposições legais relativas ao exercício do comércio, o referido diploma passou a distinguir a actividade de comércio por grosso da actividade de comércio a retalho (cfr. artigo 1º, nº 1, alíneas a) e b), respectivamente).


A referida alínea b) tem o seguinte conteúdo:

“Entende-se que exerce a actividade de comércio a retalho toda a pessoa física ou colectiva que, a título habitual e profissional, compra mercadorias em seu próprio nome e por sua própria conta e as revende directamente ao consumidor final".

Por sua vez, o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 339/85 dispõe:

“A actividade de comércio a retalho pode ser exercida pelos seguintes agentes:

a) Retalhista. – O que exerce aquele comércio de forma sedentária, em estabelecimentos, lojas ou instalações fixas ao solo de maneira estável em mercados cobertos.

b) Vendedor ambulante. – O que exerce aquele comércio de forma não sedentária, pelos lugares do seu trânsito, ou em zonas que lhe sejam especialmente destinadas.

c) Feirante. – O que exerce aquele comércio de forma não sedentária em mercados descobertos ou em instalações não fixas ao solo de maneira estável em mercados cobertos.”

Especificamente sobre a venda ambulante versa, actualmente, o Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio[5].

No nº 2 do artigo 1º pode ler-se:

“São considerados vendedores ambulantes os que:

“a)Transportando as mercadorias do seu comércio, por si ou por qualquer meio adequado, as vendam ao público consumidor pelos lugares do seu trânsito;

“b)Fora dos mercados municipais e em locais fixos demarcados pelas câmaras municipais, vendam as mercadorias que transportem, utilizando na venda os seus meios próprios ou outros que à sua disposição sejam postos pelas referidas câmaras;

“c)Transportando a sua mercadoria em veículos, neles efectuem a respectiva venda, quer pelos lugares do seu trânsito, quer em locais fixos, demarcados pelas câmaras competentes fora dos mercados municipais;

“d)Utilizando veículos automóveis ou reboques, neles confeccionem, na via pública ou em locais para o efeito determinados pelas câmaras municipais, refeições ligeiras ou outros produtos comestíveis preparados de forma tradicional”.


2. Este Conselho Consultivo já teve oportunidade de se pronunciar sobre o conceito de vendedor ambulante no Parecer nº 88/90, no âmbito, precisamente, dos diplomas atrás mencionados.

Além da referência ao relevo histórico-social da venda ambulante, o parecer debruça-se exaustivamente sobre o estudo dos vários diplomas legais que nesta matéria se foram sucedendo, pelo que nos limitamos a acompanhar a doutrina nele acolhida.

A primeira nota que se destaca nas definições iniciais do conceito legal[6] de vendedor ambulante e que se mantém, na actualidade, refere-se à mobilidade – venda dos objectos transportados pelos lugares do respectivo trânsito.

Por outro lado, podemos dizer que até hoje a noção evoluiu em dois sentidos fundamentais[7].

Em primeiro lugar, verificou-se uma restrição no que concerne ao entendimento de mobilidade. Por razões que se prendem com a dinâmica sócio-económica e tecnológica, o vendedor ambulante deixou de ser apenas o que, não tendo estabelecimento, vendia produtos ou mercadorias pela rua. Neste sentido, o comércio ambulante passou, numa primeira fase, a poder ser exercido em zonas não interditas pelos municípios, até se restringir a zonas por estes especialmente destinadas para o efeito.

Em segundo lugar, assistiu-se ao aumento das espécies transaccionadas e do universo dos operadores, bem como à diversidade dos meios técnicos utilizados, como acontece com os veículos motorizados, com ou sem atrelado.

Tal evolução é sintetizada no parecer atrás mencionado, onde pode ler-se que “(...) o conceito genérico “vendedor ambulante” experimentou, nos últimos trinta anos, significativa evolução em sentido cada vez mais restritiva. No princípio bastava à integração do conceito o transporte das mercadorias e a sua venda pelo lugar do trânsito pelo operador transportador.

“Mais tarde, inseriu-se o elemento esclarecedor de que o transporte da mercadoria poderia ser realizado pelo operador, por qualquer meio, e exigiu-se que o consumidor fosse o destinatário da venda, acrescentando-se, quanto à sua localização, as zonas a tal especialmente destinadas.

“Finalmente, exigiu a lei a profissionalidade no exercício do comércio e a aquisição pelo operador económico, no início do circuito, das mercadorias para si.”

Como ficou dito, actualmente os diplomas fundamentais para a determinação do conceito de venda ambulante são os Decretos–Leis nºs 122/79 e 339/85.

Em relação ao primeiro diploma, “as hipóteses de venda ambulante previstas nas alíneas a) e b) ao citado nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 122/79[8], decompõem-se no duplo elemento comum - transporte pelo operador económico das mercadorias transaccionadas e alienação destas ao público consumidor - e nos elementos específicos relativos aos meios utilizáveis na venda e ao lugar desta”.

“O operador económico "vendedor ambulante" ou utiliza na venda os meios próprios ou os que para o efeito lhe foram disponibilizados pelos municípios.”

“Quanto ao lugar da venda há a considerar o elemento negativo - alienação fora dos mercados municipais - e o elemento positivo alternativo - venda pelo local de trânsito ou em locais fixos adrede demarcados pelos municípios respectivos.”

Neste sentido, no parecer que estamos a citar conclui-se que “o conceito de vendedor ambulante pressupõe o transporte, pelo agente, por qualquer meio, de mercadorias ou produtos para o sítio da venda ao público consumidor, seja pelos lugares do seu trânsito, seja em lugares fixos demarcados pelos municípios, ainda que equipados por estes, fora dos mercados municipais - artigo 1º, nº 2, do Decreto-–Lei nº 122/79, de 8 de Maio.

A estas notas acrescentamos as relativas à habitualidade e profissionalidade[9], exigidas no exercício do comércio a retalho, nos termos do estabelecido no artigo 1º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 339/85.

Tal como ficou consignado no Parecer nº 88/90, “O acto de compra e venda de coisas móveis para revenda é objectivamente comercial e absoluto porque está especialmente previsto no artigo 463º, nº 1, do Código Comercial e em razão da sua natureza; e é causal porque se destina a transferir o direito de propriedade sobre coisas mediante certo preço - artigos 3º do Código Comercial e 874º do Código Civil.”

Por sua vez, “o conceito "profissão" corresponde ao termo latino "professio", derivado do infinitivo do verbo latino "profiteri", com o significado de manifestar ou exprimir o modo de vida ou o género de trabalho exercido por uma pessoa”.

Pode ainda ler-se no referido parecer que, segundo a melhor doutrina, "profissão é o exercício estável ou habitual de uma actividade como meio de vida", ou seja, "para prover às necessidades de existência de quem a exerce e dos que a seu cargo se encontram e, portanto, com fim lucrativo (x1).”


3. Caracterizado o conceito de venda ambulante, nos termos expostos, vejamos, agora, como resolver a primeira questão.

Como ficou dito, não dispomos de elementos factuais que nos permitam concluir que a actividade – “venda de automóveis usados na via pública” - satisfaz, de forma inequívoca, os requisitos da venda ambulante.

De todo o modo, a referência “à venda na via pública” parece indiciar que os agentes económicos visados não exercem a sua actividade diária em quaisquer instalações fixas ao solo de maneira estável. Dito por outras palavras, afigura-se poder extrair da referida alusão que não se dedicam à venda sedentária, em estabelecimentos, lojas ou estruturas fixas ao solo de maneira estável e permanente.

Como ficou dito, a envolvência ou não de estabelecimento fixo e permanente é um elemento essencial na caracterização do comércio ambulante, por oposição ao comércio sedentário[10].

Por outro lado, não existindo estruturas fixas ao solo, e como os veículos automóveis transitam pelos seus próprios meios nas vias públicas[11], não parece existirem obstáculos, pelo menos no plano teórico, que impeçam os operadores em causa de exercerem o seu comércio pelos lugares do seu trânsito.

Também vimos que a venda ambulante pode efectivar-se com carácter de permanência nos locais fixados para esse efeito pelas câmaras municipais, não sendo hoje requisito essencial da referida actividade que o agente exerça o comércio pelos lugares do seu trânsito[12].

Considerando que a “venda de automóveis usados na via pública” pode configurar uma situação de venda ambulante vejamos, então, qual das entidades, a Câmara Municipal de Lisboa ou a IGAE, é a autoridade competente para instaurar e decidir os respectivos processos de contra-ordenação.


IV

1. O preceito do Decreto-Lei nº 122/79 que em primeira linha deve ser convocado para resolver o problema é o vertido no artigo 20º, que dispõe como se segue:

“1- A prevenção e acção correctiva sobre as infracções às normas constantes no presente diploma, bem como à respectiva regulamentação e legislação conexa, são da competência da Direcção–Geral de Fiscalização Económica[13], da Inspecção do Trabalho, da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana, da Guarda Fiscal[14], das autoridades sanitárias e das demais entidades policiais, administrativas e fiscais, no âmbito das respectivas atribuições.

“2- Sempre que no exercício das funções referidas no número anterior, o agente fiscalizador tome conhecimento de infracções cuja fiscalização seja da competência específica de outra autoridade, deverá participar a esta a respectiva ocorrência.”

O nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79 comete a prevenção e acção correctiva sobre as infracções às suas normas, bem como à respectiva regulamentação e legislação conexa, às seguintes autoridades:

IGAE, Inspecção do Trabalho, Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal, autoridades sanitárias e demais entidades policiais, administrativas e fiscais.

Ao falar em prevenção e acção correctiva, o legislador tem em vista, por um lado, evitar que ocorra a infracção às normas em causa e, por outro lado, impedir a continuação da ilicitude verificada.

A prevenção das infracções alcança-se através de acções educativas e esclarecedoras dos interessados, missão que é especificamente cometida às autoridades atrás mencionadas no nº 1 do artigo 21º.

Por outro lado, em muitas situações, a reposição da legalidade pode passar pela simples correcção da situação, prevendo o nº 1 do artigo 21º que “para a regularização de situações anómalas” seja fixado o prazo não superior a trinta dias.

“Considera-se regularizada a situação anómala quando, dentro do prazo fixado pela autoridade fiscalizadora, o interessado se apresente na sede ou posto indicado na intimação com os documentos ou objectos em conformidade com a norma violada” [15].

Essencial para a prevenção e acção correctiva é, desta forma, a actividade de fiscalização que o legislador comete às autoridades mencionadas no nº 1 do artigo 20º, no âmbito das respectivas atribuições.

Acontece que o segmento normativo “no âmbito das respectivas atribuições” não constava da versão originária do Decreto-Lei nº 122/79, tendo sido introduzido pela alteração ao referido preceito operada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 399/91, de 16 de Outubro.

Antes da alteração mencionada, as autoridades referidas no nº 1 do artigo 20º teriam uma competência genérica para fiscalizar as infracções às normas constantes do Decreto-Lei nº 122/79 e respectiva regulamentação e legislação conexa.

No entanto, para além dessa competência genérica, tais autoridades eram chamadas a exercer competências específicas de fiscalização, de tal modo que, se no exercício daquela competência o agente tomasse conhecimento de infracções da responsabilidade específica de outra autoridade, deveria participar a esta a infracção.

Não era, por conseguinte, clara a repartição de competências entre as diversas entidades em matéria de fiscalização.

Tal circunstância foi percebida pelo legislador que manifestou, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 399/91[16], de 16 de Outubro, a preocupação expressa em clarificar a delimitação das atribuições das entidades referidas no nº 1 do artigo 20º.

Neste sentido, pode ler-se no referido preâmbulo:“(...) simultaneamente, e tendo em atenção a necessidade de conjugar as competências em matéria de prevenção e instrução dos processos de contra-ordenações, clarifica-se a delimitação das atribuições das entidades referidas no nº 1 do artigo 20º.”

Para esse efeito foi então acrescentado ao nº 1 do artigo 20º que a prevenção e acção correctiva das autoridades nele mencionadas se processaria “no âmbito das respectivas atribuições”.

Assim sendo, a competência fiscalizadora das entidades mencionadas no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79 deixou de ter carácter genérico para passar a conter-se no âmbito das respectivas atribuições.

Neste sentido, se compreende agora melhor que o agente, ao tomar “conhecimento de infracções cuja fiscalização seja da competência específica de outra autoridade”, deva participar a esta a respectiva ocorrência.

Nos termos expostos, conclui-se que as entidades mencionadas no artigo 20º fiscalizam as infracções ao regime jurídico da venda ambulante em conformidade com os poderes específicos que resultem das missões de interesse público que lhes são confiadas, nas respectivas leis orgânicas ou em leis avulsas.

Decorre, além do mais, da leitura conjugada dos nºs 1 e 2 do artigo 20º, que as autoridades com competência de fiscalização específica sobre determinadas infracções serão em princípio as competentes para instruir e sancionar, como melhor será analisado mais adiante.

2. O sentido e alcance assinalado ao artigo 20º está em perfeita consonância com a realidade complexa que envolve a actividade comercial em causa, uma vez que o seu desenvolvimento concreto coenvolve a necessidade de proteger interesses públicos de natureza e intensidade diversas e cuja tutela a lei não pode deixar de cometer a entidades diferentes.

Com efeito, aos aspectos e interesses que são próprios e específicos da venda ambulante, acrescem interesses gerais que são comuns ao exercício de qualquer actividade económica ou comercial.

Nesta perspectiva, importa reter as especificidades do regime da venda ambulante directamente relacionadas com as competências das câmaras municipais e da IGAE, com vista a tentar determinar as fronteiras da sua intervenção nesta matéria.



V


1. Comecemos pelos aspectos do regime jurídico da venda ambulante que o Decreto-Lei nº 122/79 remete para a regulamentação das câmaras municipais.

O Decreto-Lei nº 122/79 comete às câmaras municipais, de forma expressa, a regulamentação das matérias que a seguir se indicam.

Segundo o nº 1 do artigo 3º:

“Na exposição e venda dos produtos do seu comércio, deverão os vendedores ambulantes utilizar individualmente tabuleiro de dimensões não superiores a 1m x 1,20m e colocado a uma altura mínima de 0,40m do solo, salvo nos casos em que os meios para o efeito postos à disposição pelas câmaras municipais ou o transporte utilizado justifiquem a dispensa do seu uso.”

O nº 2 autoriza as câmaras municipais a:

“dispensar o cumprimento do estabelecido no número anterior relativamente à venda ambulante que se revista de características especiais.”

Por sua vez, o artigo 16º habilita as câmaras municipais a:

“a) Restringir, condicionar ou proibir a venda ambulante, tendo em atenção os aspectos hígio-sanitários, estéticos e de comodidade para o público;

“b) Interditar zonas ao exercício do comércio ambulante, atendendo às necessidades de segurança e de trânsito de peões e veículos;

“c) Estabelecer zonas e locais fixos para neles ser exercida, com meios próprios ou fornecidos pelas mesmas câmaras municipais, a actividade de vendedor ambulante;

“d) Delimitar locais ou zonas a que terão acesso os veículos ou reboques utilizados na venda ambulante;

“e) Estabelecer zonas e locais especialmente destinados ao comércio ambulante de certas categorias de produtos.”

O artigo 18º do Decreto-Lei nº 122/79 dispõe:

“1- Compete às câmaras municipais emitir e renovar o cartão para o exercício da venda ambulante, o qual será válido apenas para a área dos respectivos municípios e para o período de um ano, a contar da data da emissão ou renovação.

“2- (...)

“3- Para a concessão e renovação do cartão deverão os interessados apresentar na câmara municipal requerimento, elaborado em impresso próprio, no qual será aposto o selo fiscal correspondente à taxa do papel selado e, bem assim, a autorização prévia para o exercício da actividade[17] e, quando se trate da venda de produtos alimentares, o boletim de sanidade.”


Segundo o nº 1 do artigo 12º:

“O vendedor ambulante deverá fazer-se acompanhar, para apresentação imediata às entidades competentes para a fiscalização, do cartão de vendedor ambulante devidamente actualizado.”

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 19º, o cartão de vendedor ambulante será “pessoal e intransmissível”.

As matérias acabadas de referir não esgotam a competência regulamentar das câmaras municipais já que existem outros aspectos do regime jurídico da venda ambulante que lhes estão implicitamente cometidos[18].


2. Dando cumprimento ao estatuído no Decreto-Lei nº 122/79, a Assembleia Municipal de Lisboa, na sessão de 13 de Julho de 1995, aprovou o “Regulamento de Venda Ambulante do Concelho de Lisboa” [19], doravante designado por “Regulamento Municipal”.

Este Regulamento veio disciplinar o exercício da actividade de venda ambulante no município de Lisboa, estabelecendo regras quanto ao licenciamento (artigos 2º a 5º), horários (artigo 7º), locais de venda (artigo 8º), equipamento e exposição de produtos (artigo 10º), normas específicas relativas à venda de géneros alimentícios (artigo 15º e ss.), etc.

No que se refere ao licenciamento, importa destacar:

O artigo 2º, relativo à “Natureza das Autorizações”, que dispõe:

“1- As licenças de venda ambulante são concedidas a título precário, e são intransmissíveis por qualquer título ou forma (...)”.

O artigo 5º, sob a epígrafe “Cartão de Vendedor Ambulante”, refere:

“1- Os vendedores ambulantes só poderão exercer a sua actividade no Concelho de Lisboa desde que sejam titulares da autorização e portadores do cartão emitido e actualizado pela CML.
“2- O cartão de vendedor ambulante é pessoal e intransmissível, válido pelo período de um ano, e deverá acompanhar sempre o vendedor para apresentação imediata às autoridades, quando solicitado.
“3- (...)”.


3. As disposições normativas acabadas de referir permitem concluir que é da competência das câmaras municipais a regulamentação dos aspectos mais relevantes do exercício da actividade de comércio a retalho na modalidade de venda ambulante.

Neste sentido, é de realçar que o legislador condiciona o exercício da venda ambulante à obtenção de um cartão de vendedor, da competência das câmaras municipais, a emitir pelo prazo de um ano e válido para a área do respectivo município.

A concessão e renovação do cartão dependem de autorização prévia para o exercício da actividade e, “quando se trate de venda de produtos alimentares, do boletim de sanidade” (cfr. nº 3 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 122/79).

No que concerne à autorização para o exercício da actividade, o Regulamento que vigora no Município de Lisboa, no seu artigo 2º, refere que as licenças de venda ambulante são concedidas a título precário.

Assim sendo, o instrumento jurídico que habilita em concreto o agente económico a exercer actividade de venda ambulante é, afinal, o acto autorizador que vem a ser titulado pelo cartão de vendedor ambulante.

As autorizações são actos administrativos que proliferam precisamente nos domínios em que há necessidade de conciliar o interesse legítimo dos particulares ao exercício do seu direito com um quadro de interesses públicos que é necessário acautelar.

O particular tem direito a exercer uma dada actividade mas está impedido de o fazer livremente antes da intervenção do agente administrativo que vai avaliar os sacrifícios especiais que tal actividade pode acarretar em concreto para o interesse público, podendo permitir o exercício ou permiti-lo com certas restrições[20].

O acesso à venda ambulante teve desde sempre subjacente a preocupação de proporcionar ao público uma oferta complementar da facultada pelo comércio fixo, sobretudo nas localidades em que este se mostrasse insuficiente.

No entanto, o desenvolvimento desta actividade não pode desligar-se da necessidade de respeitar interesses gerais, tais como “as condições sócio-económicas do momento, considerando o emprego e subemprego”[21], a concorrência, ou a necessidade de excluir a comercialização de certos produtos, etc.

Por outro lado, tratando-se de uma actividade que se exerce na via pública, conflui aqui um conjunto de preocupações específicas relacionadas com a garantia de circulação de veículos e peões, higiene da via pública, segurança das pessoas, protecção do acesso a meios de transporte, monumentos, edifícios públicos, etc.

Neste quadro, as câmaras municipais apresentam-se como as autoridades melhor posicionadas não só para avaliar em que medida esta actividade comercial vai ao encontro dos interesses do município e dos munícipes, como também para regular as condições do seu concreto exercício[22].

Diz-se, por outro lado, que as autorizações são concedidas a título precário. O acto precário é um verdadeiro acto administrativo, regula uma situação individual e concreta, com efeitos jurídicos externos, só que não conduz a um “estado de firmeza - nem de facto, nem de direito - da situação objectiva de decisão”[23], pois salvaguarda o poder de definir de outro modo aquela situação, sempre que o interesse público o exija.

No momento em que é emanado, o acto administrativo constitui a melhor resposta ao interesse público que visa em concreto prosseguir mas, razões várias, desde a alteração de circunstâncias fácticas a novas exigências do interesse público que presidiu à sua emanação, devido ao seu pendor essencialmente dinâmico e complexo, podem exigir uma ulterior intervenção na situação jurídica.

O acto precário revela-se, desta forma, o instrumento jurídico adequado a conciliar a certeza e segurança jurídicas com a necessidade de imprimir o dinamismo e flexibilidade de que carecem as decisões administrativas.

Em suma, no Município de Lisboa, só se considera legitimado a exercer a actividade de venda ambulante quem se encontrar devidamente autorizado para o efeito pelo respectivo órgão executivo.

A referida autorização é titulada pelo cartão de vendedor ambulante, que deve acompanhar sempre o agente económico para apresentação imediata às autoridades.

4. A cabal compreensão do regime jurídico da venda ambulante exige que se aprecie também o quadro delineado pelo legislador no que respeita ao regime das infracções ao Decreto-Lei nº 122/79 e legislação complementar.


4.1. Antes de mais cumpre realçar que, na versão originária, o Decreto-Lei nº 122/79 classificava as infracções nele previstas como contravenções[24] e habilitava as câmaras municipais, nas matérias da sua competência, a tipificar as transgressões aos seus regulamentos[25]. Em ambas as situações as infracções em causa eram puníveis com multa[26].

Na sequência dos princípios que nortearam a elaboração do Código Penal de 1982 e, em especial, no uso da Lei nº 12/83, de 24 de Agosto, o Decreto-Lei nº 28/84[27], de 20 de Janeiro, veio despenalizar certos tipos de infracções contra a economia que, normalmente, se revestiam da natureza de contravenções, “englobando-se os comportamentos respectivos no direito de mera ordenação social”[28].

No âmbito do referido movimento de despenalização foram relegados “para o capítulo das contra-ordenações apenas aqueles comportamentos que não põem em causa interesses essenciais ou fundamentais da colectividade e que, por isso, carecem de verdadeira dignidade penal”[29].

No sentido atrás referido, veio o Decreto-Lei nº 282/85, de 22 de Julho, adequar o quadro sancionador do Decreto-Lei nº 122/79, relativo à venda ambulante, ao disposto no Decreto-Lei nº 28/84.

Por força do artigo único do primeiro diploma, as infracções ao Decreto-Lei nº 122/79 e regulamentos municipais no mesmo previstos passaram a constituir contra-ordenações punidas com coimas[30].

A maioria da doutrina considera que existe uma autonomia essencial entre crime e contra-ordenação[31].

Ao justificar a autonomização do Direito de mera ordenação social em relação ao Direito criminal[32], FIGUEIREDO DIAS pondera que a mesma "assentaria em razões relacionadas com a neutralidade ética do ilícito de mera ordenação social, com ausência de uma dimensão de censura ética da respectiva sanção (a coima) e com a especificidade (...) processual". Especificidade processual que se traduz no facto de a aplicação daquela sanção caber à autoridade administrativa. E o mesmo autor mais adiante afirma que a referida "indiferença ética" deve reportar-se não imediatamente aos ilícitos mas sim às condutas que os integram[33]. E no sentido de que não é possível conceber uma pena sine judicio, enquanto exigência do princípio da culpa, se pronuncia FARIA COSTA[34].

No Parecer deste Corpo Consultivo nº 134/85[35] pode ler-se que o “direito de mera ordenação social (...) vem referindo a categoria conceitual do ilícito que define (a contra-ordenação) pela nula ou duvidosa relevância ética das condutas que proíbe, pela aplicação das sanções por agentes administrativos e, como índice formal de delimitação, pela natureza da respectiva sanção, que constitui uma mera advertência pecuniária (nalguns casos com sanções acessórias) da qual está ausente qualquer ideia de censura de natureza penal, e de cariz ético-social”[36].

Analisando o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 122/79 à luz das considerações atrás expressas verifica-se que, de um modo geral, não está em causa a defesa de valores ético-sociais, de bens jurídicos essenciais à convivência comunitária, mas sim a defesa de interesses puramente administrativos, interesses secundários confiados à Administração e cuja tutela se realiza através da imposição de obrigações ou proibições que podem ser estabelecidas pela própria Administração.


4.2. Retomando a apreciação do regime das infracções ao Decreto-Lei nº 122/79 e legislação complementar, importa realçar que as normas mais importantes em matéria contra-ordenacional são as que se seguem.

O artigo 4º tem o seguinte conteúdo:

“1- É interdito aos vendedores ambulantes:

a) Impedir ou dificultar por qualquer forma o trânsito nos locais destinados à circulação de veículos e peões;

b) Impedir ou dificultar o acesso aos meios de transporte público e às paragens dos respectivos veículos;

c) Impedir ou dificultar o acesso a monumentos e a edifícios públicos ou privados, bem como o acesso ou exposição dos estabelecimentos comerciais ou lojas de venda ao público;

d) Lançar no solo quaisquer desperdícios, restos, lixo ou outros materiais susceptíveis de pejarem ou conspurcarem a via pública.

e) Exercer a sua actividade junto de estabelecimentos escolares dos ensinos básico e secundário, sempre que a respectiva actividade se relacione com a venda de bebidas alcoólicas.

“2 - As áreas relativas à proibição referida no número anterior são delimitadas, caso a caso, pelos municípios, em colaboração com a direcção regional de educação.”


Relevante em matéria contra-ordenacional é a disposição normativa vertida no artigo 22º, cujo conteúdo é o seguinte:

“1- As infracções ao disposto no presente diploma e nos regulamentos municipais no mesmo previstos constituem contra-ordenações puníveis com coima de 5000$ a 500 000$ em caso de dolo e de 2500$ a 250 000$ em caso de negligência.

“2- Para além das sanções acessórias que venham a ser previstas, nos termos de Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, nos regulamentos municipais a que se refere o número anterior, poderá ainda ser aplicada a sanção acessória da apreensão de bens a favor do município nas seguintes situações:

a) Exercício da actividade de venda ambulante sem a necessária autorização ou fora dos locais autorizados para o efeito;

b) Venda, exposição ou simples detenção para venda de mercadorias proibidas neste tipo de comércio.[37]

c) (...)”


4.3. Ao regulamentar o Decreto-Lei nº 122/79, o “Regulamento Municipal” estabelece diversas infracções e prescreve as respectivas sanções ao exercício ilegal da actividade de venda ambulante.

No Capítulo IV, sob a epígrafe “Contra-ordenações”, consideram-se “faltas graves e constituem contra-ordenações puníveis com coimas de 3/5 a 3 salários mínimos”, entre outras: “a venda de produtos não autorizados” e “o exercício da actividade sem licença de venda” (cfr. artigo 26º, nº 2, alíneas q) e r), respectivamente)[38].

Por sua vez , o artigo 27º, sob a epígrafe “Sanções acessórias”, tem o seguinte conteúdo:

“1- Aos vendedores que infrinjam quaisquer disposições do presente regulamento poderão ser aplicáveis, conforme o grau de culpa e a gravidade da infracção, as seguintes sanções acessórias:

a) Apreensão dos objectos;
b) Suspensão até 10 dias;
c) Suspensão até 30 dias;
d) Cancelamento definitivo da licença de venda.

“2- Poderá haver lugar, como medida cautelar, à apreensão de instrumentos, veículos e mercadorias sempre que estes representem perigo para a comunidade ou possam contribuir para a prática de um crime ou contra-ordenação.”

O artigo 28º refere-se à fiscalização e tem o seguinte conteúdo:

“1- A fiscalização do disposto no presente regulamento e a instrução dos processos de contra-ordenação são da competência das entidades competentes, nomeadamente da Direcção Municipal de Abastecimento e Consumo.

“2- A aplicação da sanção acessória de cancelamento definitivo da licença de venda é da competência do Presidente da Câmara ou Vereador com competência delegada.

“3- A aplicação das coimas e restantes sanções é da competência do Vereador do Pelouro.”


5. O quadro normativo acabado de expor habilita-nos a extrair algumas considerações sobre o regime da venda ambulante directamente conexionadas com a problemática da consulta.


5.1. Em primeiro lugar, verifica-se que o Decreto-Lei nº 122/79 deixa às câmaras municipais uma larga margem para a tipificação em concreto dos comportamentos ilícitos e cominação das respectivas sanções[39], incluindo a possibilidade de estabelecer outras sanções acessórias.

Na previsão dos comportamentos proibidos devem as câmaras municipais conter-se, antes de mais, no âmbito das matérias que lhes cabe regulamentar segundo o Decreto-Lei nº 122/79.

Da análise do referido diploma é possível recortar um primeiro conjunto de infracções cujos bens jurídicos protegidos relevam das competências das câmaras municipais e dizem respeito à não verificação das condições administrativas previstas no Decreto-Lei nº 122/79 e regulamentos complementares por elas editados.

Encontram-se nesta situação as infracções que se reportam à necessidade de título legítimo para o exercício da actividade, ao respeito pelos locais indicados e delimitados para aquele tipo de comércio, horários fixados, limites estabelecidos quanto à ocupação da via pública, condições higio - sanitárias prescritas quanto à exposição e acondicionamento dos produtos, higiene e recolha do lixo, etc.

Em qualquer das situações acabadas de mencionar, será da competência específica das câmaras municipais autorizar o exercício da actividade, disciplinar o seu funcionamento, fiscalizar e sancionar as infracções, eventualmente verificadas, aos referidos aspectos da actividade de venda ambulante.


5.2. Mas o diploma reflecte um outro conjunto de preocupações que transcendem a actividade de venda ambulante propriamente dita, quer porque visam prevenir a violação de regras para o exercício de actividades económicas, quer porque se prendem com a protecção de bens de interesse geral comuns ao exercício de qualquer actividade económica ou comercial, tais como o da saúde pública, a defesa do consumidor ou da concorrência, etc.

Exprimem este outro tipo de preocupações, por exemplo, normas como as recebidas no artigo 8º, nº s 1 e 2, do Decreto-Lei nº 122/79.

Assim, tratando-se de produtos alimentares, eles devem ser, refere o nº 2, “guardados em lugares adequados à preservação do seu estado e, bem assim, em condições higio-sanitárias que os protejam de poeiras, contaminações ou contactos que de qualquer modo possam afectar a saúde dos consumidores.”

O nº 1 do mesmo preceito estabelece que “No transporte, arrumação, exposição e arrecadação dos produtos é obrigatório separar os alimentos dos de natureza diferente, bem como, de entre cada um deles, os que de algum modo possam ser afectados pela proximidade dos outros”.

Por sua vez, o nº 2 do artigo 10º dispõe que “É obrigatória a afixação, por forma bem visível para o público, de letreiros, etiquetas ou listas indicando o preço dos produtos, géneros e artigos expostos”.

Finalmente, o artigo 7º proíbe o comércio ambulante dos produtos constantes de uma lista anexa[40] ao mesmo diploma, “a qual pode ser alterada por portaria do Secretário de Estado do Comércio Interno”.

O que se visa proteger com os preceitos atrás mencionados já não tem a ver com as regras que disciplinam o local, as condições de ocupação da via pública, o espaço, o tempo, ou o título para o exercício da actividade, antes respeitam a outros interesses cuja competência de fiscalização específica se afigura não caber às câmaras municipais, por se conjugar melhor, desde logo, com as missões da Inspecção-Geral das Actividades Económicas.


5.3. De entre as atribuições da IGAE, o artigo 3º alínea a) do Decreto-Lei nº 269-A/95, de 19 de Outubro, refere as relativas à promoção de “acções de natureza preventiva e repressiva em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública”.

Por outro lado, no que concerne às prescrições contidas no artigo 8º do Decreto-Lei nº 122/79, verifica-se que a IGAE tem competência específica sobre as infracções “contra a genuidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares”, dispondo a este propósito o artigo 58º do Decreto-Lei nº 28/84 o seguinte:

“1-Quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, transportar, armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda, importar, exportar ou transaccionar por qualquer forma, quando destinados ao consumo público, géneros alimentícios e aditivos alimentares:

a) Com falta de requisitos;
b) Que, não sendo anormais, revelem uma natureza, composição, qualidade ou proveniência que não correspondam à designação ou atributos com que são comercializados;
c) Cujo processo de obtenção, preparação, confecção, fabrico, acondicionamento, conservação, transporte ou armazenagem não tenha obedecido às respectivas imposições legais;
d) Em relação aos quais não tenham sido cumpridas as regras fixadas na lei ou em regulamentos especiais, nomeadamente para salvaguarda do asseio e higiene;

será punido com coima até 500 000$.”

Compreendia-se também, na competência fiscalizadora específica da IGAE, “a falta de indicação dos preços de venda ao público dos bens expostos nos locais onde aquela se efectue, indicação feita por forma insuficientemente visível ou legível para o consumidor, nas condições normais de compra, bem como a não observância de preços especiais sobre a matéria” (cfr. artigo 64º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 28/84).

As regras quanto à forma e obrigatoriedade de indicação de preços por unidade de medida dos bens colocados à disposição do consumidor constam, actualmente, do Decreto-Lei nº 138/90, de 26 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 162/99, de 13 de Maio. Este diploma revogou a alínea d) do artigo 64º do Decreto-Lei nº 28/84 (cfr. artigo 2º, nº 1) mas continua a cometer à IGAE a fiscalização específica nesta matéria.[41]

Finalmente, no que toca à proibição constante do artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79, numa primeira apreciação afigura-se que, também aqui, o que se pretende acautelar são interesses gerais comuns a qualquer actividade económica ou comercial, ligados à protecção das regras próprias das actividades comerciais ou económicas, saúde pública, defesa do consumidor e da concorrência, etc.

Por conseguinte, a fiscalização do cumprimento das regras relativas ao regular desenvolvimento das actividades comerciais mencionadas na lista, atrás referida, parece relevar da competência de outras entidades que não das câmaras municipais.

Podemos mesmo acrescentar que, de um modo geral, essa competência caberia à IGAE, com apoio expresso do artigo 68º do Decreto-Lei nº 28/84[42].

Este preceito, que tem como epígrafe “Violação das regras para o exercício de actividades económicas”, dispõe como se segue:

“1- Quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, transportar, armazenar, detiver em depósito ou para venda, vender, importar, exportar ou transaccionar por qualquer outra forma bens ou prestar serviços com inobservância das regras legalmente estabelecidas para o exercício das respectivas actividades será punido com coima até 500 000$.”

E o nº 2 do artigo 73º dispõe:

“Sem prejuízo da competência das autoridades policiais e administrativas, compete especialmente à Direcção-Geral de Fiscalização Económica a investigação e a instrução dos processos por contra-ordenações previstas neste diploma (...).”

Da análise do quadro jurídico acabado de referenciar resulta, com evidência, que cabe essencialmente às câmaras municipais fiscalizar e sancionar as infracções à venda ambulante prescritas no Decreto-Lei nº 122/79 e regulamentação complementar, embora subsista alguma repartição de atribuições, nesta matéria, entre as mesmas e a IGAE[43].


VI

Aqui chegados estamos em condições de responder à primeira questão que motivou o presente parecer.

1. Se os agentes económicos são encontrados a exercer a actividade de venda ambulante, tal como ficou caracterizada no ponto III, sem a devida autorização[44], eles estão a cometer uma infracção ao disposto no artigo 26º, nº 2, alínea r), do “Regulamento Municipal.”

A competência para a fiscalização, instrução do processo e decisão é da Câmara Municipal, através dos serviços respectivos (cfr. artigo 28º, nº 1, do “Regulamento Municipal”).


2. Acontece, porém, que os agentes económicos visados, além de não serem portadores de autorização, parece dedicarem-se à venda ambulante de produtos proibidos constantes da lista a que se refere o artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79.

Com efeito, de entre os vários produtos enunciados na referida lista, pode ler-se, no ponto 11, a menção a “veículos automóveis, reboques, velocípedes com ou sem motor e acessórios”.

Como vimos, esta lista foi fixada pelo Decreto-Lei nº 122/79, e só pode ser alterada por portaria do “Secretário de Estado do Comércio Interno”[45], não assistindo às câmaras municipais, por conseguinte, poderes para acrescentar ou subtrair quaisquer produtos dela constantes.

No contexto do mencionado diploma, um dos objectivos desta lista consiste precisamente em delimitar os produtos que estão autorizados a ser comercializados na actividade de venda ambulante: serão permitidos todos os que não são nela mencionados.

Em termos práticos, a referida lista visa delimitar o âmbito da actividade comercial de venda a retalho na modalidade de venda ambulante, através da indicação das mercadorias que se consideram proibidas nesse tipo de comércio.

Ora, o Decreto-Lei nº 122/79 nada diz quanto à entidade ou entidades competentes para fiscalizar e instruir os correspondentes processos de contra-ordenação, no caso de infracção à proibição constante do seu artigo 7º.

A Câmara Municipal de Lisboa, ao regulamentar o diploma atrás referido, estatui, no artigo 13º do “Regulamento Municipal”, que é vedado aos vendedores ambulantes “expor e/ou vender produtos interditos” (alínea d) do artigo 13º), considerando-se como tais os referidos no artigo 11º, preceito que se limita a reproduzir a lista a que se reporta o artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79.

De entre os produtos interditos, destacam-se: ”veículos automóveis, reboques, motociclos, velocípedes com ou sem motor e acessórios” [alínea k) do artigo 11º do regulamento atrás mencionado].

Temos, por conseguinte que, no Município de Lisboa, é da competência específica do respectivo órgão executivo a fiscalização das infracções resultantes da venda ambulante de produtos proibidos neste tipo de comércio.

Pertence-lhe também instruir e sancionar os respectivos processos, no seguimento do que decorre do estabelecido no artigo 28º do “Regulamento Municipal”.

A questão que pode colocar-se é a de saber se estas normas do “Regulamento Municipal” se confinam ou não aos limites de não invasão da disciplina constante do diploma habilitante[46], o Decreto-Lei nº 122/79.


3. Pela nossa parte, entendemos que as referidas normas cabem na competência regulamentar das câmaras municipais em matéria de venda ambulante, como passamos a demonstrar.

As câmaras municipais têm, por expressa remissão do Decreto-Lei nº 122/79, responsabilidades acrescidas na regulamentação do funcionamento e disciplina da venda ambulante, incluindo o seu licenciamento.

Aspecto importante dessa normação não pode deixar de constituir a indicação das mercadorias comercializáveis, ou seja, a definição do objecto da actividade que lhes cabe licenciar.

Ora, esta menção, segundo o disposto no Decreto-Lei nº 122/79, é feita por meio de uma lista de produtos que se consideram proibidos.

Ao interditar aos vendedores ambulantes a comercialização dos produtos referidos no artigo 11º, o “Regulamento Municipal” não está a usurpar as competências de fiscalização específica cometidas pela lei nesta matéria à IGAE ou a outras autoridades públicas.

Subjacente à referida norma não está presente uma intenção de prevenir a violação das regras próprias das actividades comerciais ou económicas a que os produtos respeitam, tais como a saúde pública, a defesa do consumidor e da concorrência, etc.

O objectivo que transparece do referido “Regulamento Municipal” visa tão - só acolher as regras que balizam o âmbito da actividade da venda ambulante, com vista a impedir que sejam vendidos produtos cuja comercialização está proibida.

Segundo este modo de ver as coisas, impedir a venda de produtos que são interditados neste tipo de comércio releva ainda da competência de fiscalização específica das câmaras municipais, com vista a garantir a regularidade e normalidade da actividade que lhes cabe licenciar.

Por outro lado, vimos que o Decreto-Lei nº 122/79 comete expressamente às câmaras municipais a possibilidade de preverem nos seus regulamentos (cfr. o nº 2 do artigo 22º) a aplicação da “sanção acessória da apreensão de bens a favor do município[47] nas seguintes situações:

“a) (...)
b) Venda, exposição ou simples detenção para venda de mercadorias proibidas neste tipo de comércio;
c) (...).”

Se no caso de venda de mercadorias proibidas no comércio ambulante é expressamente admitida a possibilidade de as câmaras municipais aplicarem a sanção acessória de “apreensão de bens”, então é porque elas são também competentes para a aplicação das coimas cominadas no correspondente processo de contra-ordenação.

Na verdade, a aplicação de sanções acessórias pressupõe a existência de um processo de contra-ordenação no qual seja cominada uma coima a título de sanção principal[48].

Como este Corpo Consultivo já teve oportunidade de ponderar, “a acessoriedade estando, porém, ligada à aplicação da sanção principal, não pode, por princípio, ser concebida sem a existência e aplicação da sanção essencialmente qualificadora - a coima”[49].

Ainda poderia pensar-se que o nº 2 do artigo 22º do Decreto-–Lei nº 122/79 só teria aplicação no caso de venda de produtos não autorizados nas licenças emitidas pelas câmaras municipais.

No entanto, o alcance do preceito parece por demais evidente quando fala expressamente em “mercadorias proibidas neste tipo de comércio”.

Ora, “mercadorias proibidas neste tipo de comércio” só pode reportar-se às fixadas na lista anexa ao Decreto-Lei nº 122/79 e interditadas pelo artigo 7º.

Por conseguinte, mesmo que se admitisse caber à IGAE competência para instruir os processos relativos a este tipo de infracções, segundo a regra geral vertida no artigo 68º do Decreto-Lei nº 28/84, a aplicação de sanções seria sempre da competência das câmaras municipais, não seguindo o regime do art. 73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 28/84.

Tal repartição de competências careceria do apoio expresso da lei, já que o artigo 35º do Decreto-Lei nº 433/82 atribui competência/regra às autoridades administrativas para promover, instruir[50] e sancionar[51] [52].

Note-se, aliás, que o artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79, ao falar em competência específica de fiscalização segundo as atribuições das autoridades nele mencionadas está, no fundo, em consonância com esta regra, que vigora no processo das contra-–ordenações[53] .

Significativa, no sentido apontado, considera-se também a circunstância de o Decreto-Lei nº 122/79 ter deixado de remeter a instrução preparatória e julgamento das infracções para “o disposto na na legislação sobre infracções económicas”[54].

Posto isto, já vimos atrás que, segundo a leitura conjugada do regime do Decreto-Lei nº 122/79 e do “Regulamento Municipal”, as câmaras municipais têm competência específica para fiscalizar a venda de mercadorias proibidas na venda ambulante.

Verificamos agora que também têm competência para sancionar a venda de mercadorias proibidas.

Assim sendo, é de concluir que a Câmara Municipal de Lisboa tem competência para instruir os processo de contra-ordenação em causa, tendo em conta, por um lado, a regra da unidade da competência das contra-ordenações e, por outro lado, as disposições conjugadas dos artigos 20º e 22º do Decreto-Lei nº 122/79, e artigos 13º alínea d), 26º, nº 2, alínea q), e 28º, todos do “Regulamento Municipal”.

4. A digressão interpretativa que nos conduziu à conclusão anterior é, em nossa opinião, elucidativa no sentido de não existir contradição[55] entre as normas em causa e o disposto no artigo 68º do Decreto-Lei nº 28/84.

No entanto, mesmo que assim não se entenda, sempre se adiantará que se afigura claro que a intencionalidade do legislador e a unidade e racionalidade intra-sistemática subjacente ao regime da venda ambulante apontam no sentido de que o regime jurídico constituído pelas normas atrás convocadas do Decreto-Lei nº 122/79 e do “Regulamento Municipal” formam um quadro jurídico especial que sempre prevaleceria sobre a regra geral estabelecida no artigo 68º do Decreto-Lei nº 28/84.

Segundo as regras de hermenêutica jurídica “a lei especial prevalece sobre a lei geral (critério da especialidade: “lex specialis derogat legi generali”)[56], ainda que esta seja posterior, excepto, neste caso, “se outra for a intenção inequívoca do legislador”- nº 3 do artigo 7º do Código Civil.

Segundo a doutrina consignada no Parecer nº 95/90, “a lei especial antiga será revogada pela lei geral sempre que da lei nova (geral) se possa retirar a pretensão de regular totalmente a matéria, não deixando subsistir leis especiais”[57].

Ora, no caso sub judicio, não existem circunstâncias relevantes, em termos de interpretação, que nos permitam concluir que a lei geral nova teve por objectivo, e muito menos inequívoco, pôr termo ao regime especial da venda ambulante[58], sobretudo em relação aos aspectos analisados.


VII


Vejamos as outras questões que são postas na consulta:

Deverá ser considerado, para efeito de prova da infracção, qualquer «anúncio» que indicie essa prática, levando assim à imediata apreensão do mesmo?
Qual o procedimento que deve ser adoptado pela entidade fiscalizadora?


1. Cremos que o referido anúncio há-de relevar, em primeiro lugar, para efeito de aquisição da notícia da infracção e não propriamente para a prova da mesma. De todo o modo, não poderá considerar-se adequado um qualquer «anúncio»[59].

Neste caso, para ser qualificado como idóneo, o anúncio tem de ter características que permitam fazê-lo equivaler a uma oferta de venda.

A questão tem relevância não só em matéria de aquisição da notícia da infracção mas essencialmente e, antes de mais, para determinar se estamos ou não perante operações de venda.

Se não houver um agente económico a expor e a publicitar os produtos em termos de o consumidor se aperceber que há intenção de venda, pode mesmo duvidar-se da existência de infracção, por não estar preenchido o requisito de actividade comercial.

O anúncio pode por si só não ser determinante, tornando-se necessário ter em conta todo o circunstâncialismo concreto que rodeia a actividade, como por exemplo, o número de veículos envolvidos, o conteúdo e natureza da informação contida no anúncio, carácter homogéneo ou não dessa informação, etc.

Temos, por conseguinte, que para efeito de aquisição da notícia sobre a existência da infracção em causa deve considerar-se o anúncio cujo teor seja idóneo à formulação de um juízo de suspeita sobre a situação ilícita, em termos de, nas circunstâncias concretas de modo e lugar de publicitação e exposição dos veículos, por parte do agente económico, o consumidor se aperceber estar perante uma oferta de venda organizada.

Tomando por referência a actividade processual penal, este Corpo Consultivo tem reiteradamente afirmado que a mesma começa “exactamente com a notícia do crime: desde que a notícia sobre a existência de uma infracção criminal seja idónea à formulação de um juízo de suspeita”[60].

2. No que respeita à possibilidade de imediata apreensão de objectos da infracção:

Como ficou dito, o nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 122/79 prevê a possibilidade de ser aplicada a sanção acessória da apreensão de bens a favor do município nas seguintes situações:

a) “Exercício da actividade de venda ambulante sem a necessária autorização ou fora dos locais autorizados para o efeito;
b) Venda, exposição ou simples detenção para venda de mercadorias proibidas neste tipo de comércio”.

Entretanto, o Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro[61], aplicável subsidiariamente[62], no artigo 48º, sob a epígrafe “Da polícia e dos agentes de fiscalização”, dispõe como se segue:

“1- As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidades por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.

“2 - Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal.

“3 - As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas.”

Por seu turno, o artigo 48º-A, sob a epígrafe “Apreensão de objectos”, estatui expressamente:

“Podem ser provisoriamente apreendidos pelas autoridades administrativas competentes os objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de uma contra-–ordenação, ou que por esta foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova.”

Temos, por conseguinte, que para prevenir o desaparecimento de provas, os agentes policiais estão legalmente habilitados a proceder à apreensão imediata (provisória) de objectos que serviram ou estavam destinados a servir para praticar uma contra-ordenação, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de prova.

Incumbe, deste modo, à Polícia de Segurança Pública, enquanto autoridade policial com competência para fiscalizar as infracções ao regime de venda ambulante, nos termos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79, colher a notícia da infracção, adoptar as medidas cautelares que se afigurem adequadas relativamente a meios de prova, e remeter[63], logo que possível, à Câmara Municipal de Lisboa todos os elementos recolhidos.

3. Importa considerar, a título de nota final, que as dificuldades interpretativas evidenciadas ao longo do parecer aconselhariam, porventura, uma intervenção legislativa clarificadora do legislador ao nível da definição das entidades competentes para instruir e sancionar as contra-ordenações tipificadas no âmbito do regime jurídico da venda ambulante.


VIII


Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:

– A actividade comercial de venda a retalho, na modalidade de venda ambulante, caracteriza-se por o agente económico exercer, profissionalmente, o comércio de forma não sedentária, fazendo transportar, por qualquer meio, os produtos objecto do seu comércio para o sítio da venda ao público, seja pelos lugares do seu trânsito, seja em lugares fixos demarcados pelos municípios, fora dos mercados municipais [cfr. artigos 2º, alíneas a), e b) do Decreto-Lei nº 122/79, de 8 de Maio, e alínea a) do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto];

– A venda de veículos automóveis usados na via pública é susceptível de configurar a actividade de venda ambulante se revestir as características mencionadas na conclusão anterior;

– A Câmara Municipal é competente para fiscalizar, instruir e decidir os processos de contra-ordenação por infracção à proibição de venda ambulante de veículos automóveis, na área do Município de Lisboa, prevista no ponto 11 da lista a que se refere o artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/79, segundo as disposições conjugadas dos artigos 20º e 22º do Decreto-Lei nº 122/79, e artigos 13º, alínea d), 26º, nº 2, alínea q), e 28º, todos do “Regulamento Municipal de Venda Ambulante do Concelho de Lisboa”;

Para efeito de aquisição da notícia sobre a existência da infracção em causa deve considerar-se o anúncio cujo teor seja idóneo à formulação de um juízo de suspeita sobre a situação ilícita, em termos de, nas circunstâncias concretas de modo e lugar de publicitação e exposição dos veículos, por parte do agente económico, o consumidor se aperceber estar perante uma oferta de venda organizada;

– A Polícia de Segurança Pública e outras entidades fiscalizadoras das infracções ao regime da venda ambulante, nos termos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei nº 122/79, verificados os requisitos mencionados nas conclusões 1ª e 4ª, deve tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade por aquele tipo de ilícito e adoptar as medidas cautelares necessárias para evitar o desaparecimento de provas, transmitindo, logo que possível à Câmara Municipal de Lisboa a notícia da infracção e as provas recolhidas, nos termos gerais dos artigos 48º e 48º-A do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.





[1]) O Decreto-Lei nº 122/79 não tem o artigo 28º.Pensamos que a referência respeita ao “Regulamento Municipal”.
[2]) Cfr. fls. 3 do parecer da Auditoria Jurídica.
[3]) Diploma expressamente revogado pelo Decreto-Lei nº 32/85, de 28 de Janeiro (cfr. artigo 16º), que procedeu à substituição do cartão de comerciante pelo cartão de identificação de pessoa colectiva ou de empresário individual, a emitir pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas. Actualmente, aos empresários em nome individual, a lei apenas exige que sejam portadores do número de identificação fiscal. Neste sentido, cfr. Decreto-Lei nº 19/97, de 21 de Janeiro, e Portaria nº 271/99, de 13 de Abril.
[4]) Sobre a evolução do referido regime, cfr. o Parecer nº 88/90, de 25/10/1990, publicado no Diário da República, II Série, de 16/3/91.
[5]) Rectificado por Declaração publicada no Diário da República, I Série, nº 181, de 7 de Agosto de 1979. Este diploma sofreu sucessivas alterações que serão oportunamente referenciadas no texto. Entretanto, adianta-se, desde já, que as mais significativas e com importância para o objecto deste parecer constam dos seguintes diplomas: Decreto-Lei nº 282/85, de 22 de Julho; Decreto-Lei nº 283/86, de 5 de Setembro; Decreto-Lei nº 399/91, de 16 de Outubro; Decreto-Lei nº 252/93, de 14 de Julho, e Decreto-Lei nº 9/2002, de 24 de Janeiro, rectificado por Declaração nº 3-A/2002, Diário da República, I Série-A, de 31 de Janeiro de 2002.
[6]) A Portaria nº 48887, de 23 de Maio de 1927, qualificou, para efeitos fiscais, o vendedor ou vendilhão ambulante como “o indivíduo que por conta própria ou alheia, vende pelos lugares do seu trânsito, os objectos do comércio que exerce, a quem aparece a comprá-–los”. O Decreto-Lei nº 48 261, de 23 de Fevereiro, ao regular o acesso à actividade comercial, considerou “vendedores ambulantes – os que, transportando os produtos do seu comércio, os vendam a retalho pelos lugares do seu trânsito” [cfr. artigo 1º, nº 2, alínea e)].
[7]) Essa evolução operou-se, quer através de diplomas específicos respeitantes à venda ambulante, a saber, o Decreto-Lei nº 383/74, de 24 de Agosto, posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 289/78, de 16 de Setembro, diploma que antecedeu o Decreto-Lei nº 122/79, quer por via dos diplomas que sucederam na regulamentação do acesso à actividade comercial, em especial, os Decretos-Leis nºs 22/78, de 25 de Agosto, 247/78, de 22 de Agosto, 419/83, de 29 de Setembro e Decreto-Lei nº 339/85, de 21 de Agosto.
[8]) As situações previstas nas alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 122/79 - venda de mercadorias em veículos automóveis e confecção nestes ou em reboques de refeições ligeiras ou outros produtos comestíveis - não estão em causa no caso em apreço, pelo que nos dispensamos de as analisar.
[9]) No parecer nº 88/90 não se ignoram as referidas notas, só que se considera que tais requisitos já resultam implicitamente da alínea a) do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 122/79.
(x1) Cfr. FERNANDO OLAVO, Direito Comercial, vol. I, Lisboa, 1970, pp. 401 e 404.
[10]) Esta ideia está presente na Directiva do Conselho nº 75/369/CEE, de 16 de Julho, relativa às medidas destinadas a favorecer o exercício efectivo da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços nas actividades exercidas de modo ambulante, quando distingue, no seu preâmbulo, as “actividades do comércio a retalho sedentário, assim como as actividades de venda nos mercados cobertos exercidas a partir de estabelecimento fixo e permanente (...) e actividades de venda nos mercados exercidas fora de estabelecimento fixo e permanente e nos mercados não cobertos”.
[11]) Segundo o estatuído no nº 2 do artigo 22º - A do Código da Publicidade, aditado pelo nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 74/93, de 10 de Março, para efeitos do referido Código, ”entende-se por veículos automóveis todos os veículos de tracção mecânica destinados a transitar pelos seus próprios meios nas vias públicas.”
[12]) Se o legislador teve necessidade de proibir a venda ambulante de veículos automóveis é porque admite que a mesma é possível.
[13]) Onde se lê Direcção-Geral de Fiscalização Económica deve ler-se, hoje, Inspecção-–Geral das Actividades Económicas. O preâmbulo do Decreto-Lei nº 14/93, de 18 de Janeiro, faz referência às vicissitudes sofridas pela orgânica da Direcção-Geral das Actividades Económicas. A actual Lei Orgânica da Inspecção-Geral das Actividades Económicas consta do Decreto-Lei nº 269-A/95, de 19 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei nº 14/93.
[14]) Segundo o artigo 1º do Decreto-Lei 230/93, de 26 de Junho, foi declarada a extinção da Guarda Fiscal (GF) e criada, integrada na Guarda Nacional Republicana (GNR), a Brigada Fiscal (BF).
[15]) Cfr. nº 2 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 122/79.
[16]) Diploma que visa adequar ao direito interno, em especial à venda ambulante, a aplicação da regra consagrada na Convenção da OIT que proíbe admitir ao trabalho menores de 18 anos cuja aptidão para o mesmo não tenha sido reconhecida através de exame médico.
[17]) A este propósito, ver o que ficou dito na nota (2).
[18]) Considera-se que se encontram nesta situação, entre outros, os aspectos referidos nos artigos 5º e 17º. Sobre a competência implícita, cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., Vol. I, Almedina, Coimbra, 2001, p. 610.
[19]) Publicitado pelo Edital nº 82/95, de 8 de Agosto de 1995.
[20]) Trata-se, na terminologia de ROGÉRIO SOARES, de autorizações permissivas, cfr. Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, Coimbra, 1978, policopiadas, pp. 118 ss. Sobre a distinção entre autorização e licença, cfr. entre outros, os seguintes pareceres: 112/1990, de 25/1/1991, não publicado; nº 42/93, de 7 de Junho de 1994, não publicado; nº 9/96-B, de 25 de Março de 1999, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Janeiro de 2000 e nº 33/98, de 28 de Maio de 1998, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Agosto de 1998.
[21]) Cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei nº 289/78, de 16 de Setembro.
[22]) Sobre as competências dos órgãos municipais em matéria de “Equipamento rural e urbano”, diz o artigo 16º da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, que “É da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão e a realização de investimentos nos seguintes domínios: “a) (...); b) Ruas e arruamentos”. O artigo 18º, sob a epígrafe “Promoção do desenvolvimento”, refere que compete aos órgãos municipais “Colaborar no apoio a iniciativas locais de emprego” [( cfr. nº 1, alínea a)].
[23]) Sobre a importância dos actos precários para o dinamismo e flexibilidade das decisões administrativas, cfr. FILIPA URBANO CALVÃO, Os Actos Precários e os Actos Provisórios no Direito Administrativo, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 23 ss.
[24]) O nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 122/79, na versão originária, tinha o seguinte conteúdo:
“O exercício da actividade de vendedor ambulante sem a autorização válida prevista neste diploma constitui contravenção punível com multa de 7500$”.
[25]) Era o seguinte o conteúdo do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 122/79, na sua versão originária:
“As infracções do disposto neste diploma e normas regulamentares que venham a ser publicadas em sua execução por postura municipal serão puníveis com multa de 200$ a 2500$, se outra pena mais grave não for aplicável nos termos da lei geral ou especial, podendo as câmaras municipais, nas matérias da sua competência, tipificar as transgressões e estabelecer o montante fixo das respectivas multas, dentro dos limites indicados”.
[26]) Cfr. respectivo preâmbulo.
[27]) Rectificado por declaração publicada no Diário da República, I Série, nº 77, 2º Suplemento, de 31 de Março de 1984.
[28]) Ver preâmbulo do Decreto-Lei nº 28/84.
[29]) Ibidem.
[30]) O Artigo único do Decreto-Lei nº 282/85, de 22 de Julho, deu nova redacção ao artigo 22º do Decreto-Lei nº 122/79, que passou a ter o seguinte conteúdo:
“1- As infracções ao disposto no presente diploma e nos regulamentos municipais no mesmo previstos constituem contra-ordenações punidas com coimas fixadas entre o mínimo de 200$ e o máximo de 100 000$, no caso de dolo, e 50 000$, no caso de negligência relativamente às diversas infracções.”
[31]) Posição igualmente acolhida, quer pelo legislador ordinário, quer pelo constitucional. Em relação ao primeiro, veja-se a distinção entre crimes e contra-ordenações inserta no preâmbulo do Decreto-Lei nº 232/79, de 24 de Julho e reiterada no do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que revogou o diploma anterior. O próprio legislador constituinte assume as contra-ordenações e as respectivas sanções como infracções e sanções de natureza essencialmente diversa das infracções e sanções penais e únicos ilícitos sociais constitucionalmente relevantes. Neste sentido, cfr. os artigos 165º, alíneas c) e d), 227º, alínea q), e 282º, nº 3, da CRP.
[32]) Sobre a distinção entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, cfr. EDUARDO CORREIA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social”, Separata do vol. XLIX 1973 do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1973; FIGUEIREDO DIAS/COSTA ANDRADE, “Problemática geral das infracções antieconómicas”, BMJ, nº 262, 1977, pp. 5 ss ; FARIA COSTA, “A importância da recorrência no pensamento jurídico. Um exemplo: a distinção entre o ilícito penal e o direito de mera ordenação social”, Revista de Direito e Economia, Ano IX, nºs 1-2, 1983, p. 25 e ss. Sobre o tema ver, igualmente, TAIPA DE CARVALHO, Sucessão de Leis Penais, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, pp. 97 e ss; MARIA FERNANDA PALMA/PAULO OTERO, “Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Volume, XXXVII, pp. 557 ss; MANUEL FERREIRA ANTUNES, Reflexões sobre o Direito contra-ordenacional, SPB Editores, Lisboa, 1997; MANUEL LOPES ROCHA/MÁRIO GOMES DIAS/ MANUEL ATAÍDE FERREIRA, Contra-ordenações, Escola Superior de Polícia, 1985, e LEONES DANTAS, “Considerações sobre o processo das contra-ordenações - A fase administrativa”, Revista do Ministério Público, Ano 16º, 1995, pp.103 ss.
[33]) Cfr. “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 327. Do mesmo autor, ver, igualmente, “Para uma dogmática do direito penal secundário”, Direito e Justiça, Volume IV, 1989/90, pp. 7 ss.
[34]) Cfr. “Diversão (Desjudiciarização) e Mediação: Que Rumos?”, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXI, 1985, p. 124.
[35]) De 16 de Julho de 1997, não publicado.
[36]) Sobre o direito de mera ordenação social, ver, entre outros, os pareceres nos 25/94, de 12/1/1995, não publicado e 19/2001, de 22 /11/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 8/2/2002.
[37]) Segundo redacção dada ao artigo 22º pelo Decreto-Lei nº 252/93, de 14 de Julho.
[38]) Limitamo-nos a destacar as contra-ordenações com interesse para análise do caso que vem posto.
[39]) No que concerne ao montante das coimas, as câmaras municipais têm de respeitar os limites impostos no artigo 22º do referido diploma. Também no que se refere às sanções acessórias estabelecidas no artigo 27º do “Regulamento Municipal”, afigura-se que o referido preceito não terá habilitação legal suficiente.
[40]) A referida lista tem o seguinte conteúdo:
“1- Carnes verdes, ensacadas, fumadas e enlatadas e miudezas comestíveis.
2- Bebidas, com excepção de refrigerantes e águas mnerais quando nas suas embalagens de origem, da água e dos preparados com água à base de xaropes e do referido na alínea d) do nº 2 do artigo 1º.
3- Medicamentos e especialidades farmacêuticas.
4- Desinfectantes, insecticidas, fungicidas, herbicidas, parasiticidas, raticidas e semelhantes.
5- Sementes, plantas e ervas medicinais e respectivos preparados.
6- Móveis, artigos de mobiliário, colchoaria e antiguidades.
7- Tapeçarias, alcatifas, carpetes, passadeiras, tapetes, oleados e artigos de estofador.
8- Aparelhagem radioeléctrica, máquinas e utensílios eléctricos ou gás, candeeiros, lustres, seus acessórios ou partes separadas, e material para instalações eléctricas.
9- Instrumentos musicais, discos e afins, outros artigos musicais, seus acessórios e partes separads.
10- Materiais de construção, metais e ferragens.
11- Veículos automóveis, reboques, velocípedes com ou sem motor e acessórios.
12- Combustíveis líquidos, sólidos e gasosos, com execpção do petróleo, álcool desnaturado, carvão e lenha.
13- Instrumentos profissionais e científicos e aparelhos de medida e verificação, com excepção das ferramentas e utensílios semelhantes de uso doméstico ou artesanal.
14- Material para fotografia e cinema e artigos de óptica, oculista, relojoaria e respectivas peças separadas ou acessórios.
15- Borracha e plásticos em folha ou tubo ou acessórios.
16- Armas e munições, pólvora e quaisquer outros materiais explosivos ou detonantes.
17- Moedas e notas de banco.”
[41]) Ver nova redacção dada ao artigo 12º do Decreto-Lei nº 138/90. O artigo 2º do Decreto-–Lei nº 162/99, de 13 de Maio, dispensa a venda ambulante das obrigações de indicação de preços por unidade de medida constantes do diploma durante um período transitório de três anos a contar da data de entrada em vigor do mesmo.
[42]) Segundo o nº 2 do artigo 73º “compete especialmente à Direcção-Geral de Fiscalização Económica a investigação e a instrução dos processos por contra-ordenações previstas neste diploma, findo o que os remeterá à autoridade competente, nos termos do artigo 52º, para aplicação das sanções”.
[43]) Com a IGAE e outras autoridades. Por exemplo, ressaltam também do diploma preocupações com as condições de sanidade dos agentes económicos, em especial os que intervenham no “acondicionamento, transporte ou venda de produtos alimentares”, sendo os mesmos “obrigatoriamente, portadores do boletim de sanidade, nos termos da legislação em vigor” (artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/79). Neste sentido, diz o nº 2 do referido preceito “sempre que se suscitem dúvidas sobre o estado de sanidade do vendedor ou qualquer dos indivíduos referidos no número anterior serão este intimados a apresentar-se à autoridade sanitária competente, para inspecção”.Temos, por conseguinte, que serão as autoridades sanitárias as detentoras de competências específicas no que se refere à fiscalização das condições de sanidade dos agentes económicos em causa. Finalmente, também parece evidente que há-de compreender-se na competência específica da Inspecção do Trabalho a fiscalização das infracções de natureza laboral.
[44]) Diferente será a situação no caso de o agente económico se encontrar habilitado a exercer a actividade comercial num estabelecimento fixo, mas expuser as viaturas para venda na via pública junto ao estabelecimento. Neste caso, a entidade competente para instruir os processos será a IGAE, com fundamento na violação do artigo. 68º do Decreto–Lei nº 28/84, uma vez que a ocupação da via pública, embora ilegal, não parece integrar uma actividade de venda ambulante, tal como caracterizada no ponto III.
[45]) Hoje Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços, segundo o disposto no artigo 18º da Lei Orgânica do XIV Governo Constitucional, na redacção dada ao preceito pelo Decreto-Lei nº 247/2001, de 18 de Setembro.
[46]) Segundo VITAL MOREIRA, “Os regulamentos autónomos serão normalmente regulamentos independentes no sentido constitucional (CRP, art. 112º-8) em que a lei se limita a definir a competência subjectiva ou objectiva (...) mas também podem ser regulamentos executivos ou complementares, quando se trate de dar execução a uma específica incumbência legal”, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 186. No sentido de que as autarquias locais gozam de uma reserva de normação que constituirá “uma zona de competência exclusiva, na medida em que vise a satisfação de interesses próprios, no cumprimento de tarefas próprias e mediante o uso de poderes próprios dos entes locais”, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, “Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei”, Separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, 1986, pp. 24/25. Sobre os limites do poder regulamentar das autarquias, cfr., entre outros, o Parecer do Conselho Consultivo nº 25/1994, de 12/1/1995, não publicado. Constitui orientação jurisprudencial firme do Tribunal Constitucional que a exigência do nº 8 do artigo 112º da CRP vale para os regulamentos “externos”, de qualquer proveniência, incluindo, portanto, os regulamentos autárquicos, cfr. JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, “A Jurisprudência Constitucional Portuguesa em Matéria Administrativa”, Boletim da Faculdade de Direito, Separata de Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, Universidade de Coimbra, pp. 199 ss.
[47]) Nesta conformidade, cfr. a alínea a) do nº 1 do artigo 27º do “Regulamento Municipal”.
[48]) O artigo 21º do Decreto-Lei nº 433/ 82, de 27 de Outubro, dispõe que a “lei pode, simultaneamente com a coima, determinar as seguintes sanções acessórias (...)”. O sublinhado é nosso.
[49]) Cfr. Parecer nº 134/85, de 16/7/87. No mesmo sentido, cfr. ANTÓNIO JOAQUIM FERNANDES, Regime-Geral das Contra-Ordenações, Ediforum, Lisboa, 1998, p. 49.
[50]) Repare-se que “a palavra «instrução» não aparece no sentido técnico-criminal que lhe dá o CPP (...) antes “vem expresso em sentido que chamaremos organização do processo, com diligências de prova, ordens, cotas, etc., tendentes à segurança jurídico-–processual e à descoberta da verdade material, isto é, no sentido comum que é, aliás, próximo do que é dado” no Código do Procedimento Administrativo. Neste sentido, cfr. MANUEL FERREIRA ANTUNES, ob. cit., p. 51.
[51]) Segundo o disposto no artigo 35º do Decreto-Lei nº 433/82, “o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias competem às autoridades administrativas”.
Segundo LEONES DANTAS, “Integram-se aqui os poderes relativos à promoção do processo propriamente dita, incluindo os relativos à instauração do processo e respectiva instrução, bem como os poderes de decisão”. E, mais adiante, o mesmo Autor refere que “a entidade que tem o poder de instaurar e de instruir o processo vai aparecer também com o poder de o decidir, cfr. ob. cit., p. 111. Por sua vez, o artigo 54º, sob a epígrafe, “Da iniciativa e da instrução”, refere:
“1.O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular.
2. A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”.
Por outro lado, na Administração Local, segundo o disposto no artigo 29º, nº 5, da Lei das Finanças Locais, Lei nº 42/98, de 6 de Agosto, “a competência para determinar a instrução dos processos de contra-ordenação (...) pertence aos órgãos executivos dos municípios”.

[53]) Como ficou dito no Parecer nº 19/2001, de 22/11/2001, “O processo assume, em todo o caso, uma feição particular que deriva da distinta natureza das sucessivas fases que o compõem: a primeira, dirigida à investigação, instrução e aplicação da coima, da competência da autoridade administrativa, aproxima-se do procedimento administrativo do tipo sancionador; enquanto que a segunda, correspondendo à impugnação contenciosa da decisão administrativa, caracteriza um processo jurisdicionalizado, com a intervenção de um juiz de direito de primeira instância e eventual recurso para o Tribunal da Relação”.
[54]) O diploma que regulava a venda ambulante antes do Decreto-Lei nº 122/79 era o Decreto-Lei nº 289/78, de 16 de Setembro, cujo artigo 23º tinha o seguinte conteúdo:
“1- A instrução preparatória e julgamento das infracções às normas deste diploma, das portarias previstas no artigo 14º e dos regulamentos aludidos no artigo 25º, nº 2, bem como a graduação de responsabilidade dos arguidos e o destino das respectivas multas, regem-se pelo disposto na legislação sobre infracções económicas”.
[55]) Tratando-se de relações distintas, a norma especial não influencia a geral, cfr. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e aplicação das leis, Trad. por MANUEL DE ANDRADE, 4ª ed., Arménio Amado, Coimbra, 1987, p. 194.
[56]) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 2000, p. 170
[57]) Parecer de 11/10/1990, não publicado. Sobre o tema, cfr., entre outros, os pareceres nos 38/92, de 10/3/93, não publicado, 57/1992, de 15/12/1992 e 28/1995, de 31/10/96, não publicados.
[58]) Neste sentido, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito Introdução e Teoria Geral, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, p. 518.
[59]) O pedido de parecer não faculta elementos do «anúncio» que nos permitam caracterizá-–lo.
[60] ) Cfr., entre outros, os pareceres nos 63/1991, de 12/11/1992, e 151/1995, de 10/5/1995.
[61]) Sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, e Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
[62]) É o que resulta de se tratar de uma lei-quadro na matéria, bem como da própria remissão inserta no nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 122/79.
[63]) Cfr. LEONES DANTAS, ob. cit., p. 112. Segundo o nº 3 do Decreto-Lei nº 432/82, “As autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos”.