Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0643994
Nº Convencional: JTRP00039601
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RP200610160643994
Data do Acordão: 10/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 38 - FLS. 87.
Área Temática: .
Sumário: I- No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os que desempenhem funções de confiança e 240 dias para pessoal de direcção e quadros superiores.
II- Não se considera de especial complexidade técnica ou de elevado grau de responsabilidade o exercício de funções de encarregada de loja, mediante a retribuição mensal de € 550,00.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B........., patrocinada pelo Ministério Público, instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C........, pedindo que se declare ilícito o despedimento efectuado, por ocorrer fora do príodo experimental e que se condene o R. a pagar à A. a quantia de € 1.650,00, a título de indemnização de antiguidade, a quantia de € 664,000, relativa a férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de serviço prestado, as prestações pecuniárias vencidas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção e vincendas até à decisão a proferir, sendo tudo acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Alega, para tanto, que foi admitida ao serviço do R. em 2004-06-01, tendo sido despedida por carta por ela recebida em 2004-10-25, pois não exercendo funções de direcção, o período experimental aplicável era de 90 dias, atento o disposto no Art.º 107.º, alínea a) do Cód. do Trabalho, sendo certo que não recebeu qualquer das quantias que ora pede.
A R. contestou alegando que a A. era encarregada de loja, sendo as suas funções de complexidade técnica, a que corresponde o período experimental de 180 dias, pelo que a denúncia do contrato ocorreu dentro do período experimental, não existindo destarte despedimento ilícito, nem direito às quantias reclamadas na petição inicial.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, tendo absolvido o R. do pedido.
Inconformada com o assim decidido, a A. interpôs o presente recurso de apelação, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1 - De acordo com o artigo 107.° do Código do Trabalho o período experimental é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, 180 dias para trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os que desempenhem funções de confiança, 240 dias para pessoal de direcção e quadros superiores;
2 - A autora prestou trabalho ao serviço do réu, num estabelecimento por este explorado e onde presta serviços de arranjos de costura ao público que procura esses serviços, atendendo os clientes, efectuando arranjos solicitados e cobrando o respectivo preço;
3 - No estabelecimento apenas presta trabalho, além da autora, outra trabalhadora, que efectuava o mesmo serviço da autora, sendo que a autora e a outra trabalhadora efectuavam turnos alternados e de maneira a uma delas estar presente na abertura do estabelecimento e a outra no encerramento.
4 - A autora não exerceu qualquer cargo de chefia em relação à outra trabalhadora, nem existiu qualquer relação de confiança em relação ao réu, quer quando foi admitida, foi seleccionada por outra entidade que não o réu, nem enquanto decorreu a relação laboral.
5 - Tal como decorreu a execução do contrato de trabalho era impossível a autora exercer qualquer actividade de chefia.
6 - O trabalho efectuado pela autora, efectuava arranjos de costura para o público em geral que procurasse o estabelecimento, não se reveste de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade, nem pressupõe uma especial qualificação.
7 - O facto de a autora auferir um vencimento superior à outra trabalhadora, que no mesmo estabelecimento prestava serviço, não quer dizer que tenha uma categoria de chefia, mas apenas que o réu queria diferenciar a quantidade e qualidade do trabalho prestado pela autora.
8 - O principal motivo para a autora ser contratada como "Encarregada de loja" foi o facto de não ser costureira de fábrica de confecções, como acontecia com a outra trabalhadora que prestava trabalho no mesmo estabelecimento, como se refere na alínea q) dos factos provados.
9 - O período experimental aplicável à presente relação laboral apenas pode ser de 90 dias, período aplicável à generalidade dos trabalhadores.
10 - Uma vez que a autora foi despedida quando o período experimental já tinha sido ultrapassado, deverá o despedimento ser declarado ilícito;
11 - Deve ser o réu condenado a pagar à autora as peticionadas quantias a título de indemnização por despedimento, as prestações vencidas e vincendas até decisão final.
12 - Foram peticionados proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, recaindo sobre o réu o ónus de provar o pagamento, ora, como resulta dos factos provados o réu não logrou fazer tal prova, pelo que, deve ser condenado a pagar tais quantias.
13 - A decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 107.°, 221.°, 255.°, 254.° , 436.°, 437.°, 439.° do Código do Trabalho.
14 - Deve a sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que condene o réu nas quantias peticionadas.
O R. apresentou a sua alegação de resposta, concluindo pela confirmação da sentença.
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

a) – Em 01-06-2004 a Autora foi admitida ao serviço do Réu.
b) – Mediante contrato de trabalho sem termo.
c) – A Autora foi admitida ao serviço do Réu para exercer por sua conta e seu interesse e sob a sua direcção as funções de Encarregada de Loja, no estabelecimento do Réu na Rua ….., nº …., Porto.
d) – Mediante a retribuição mensal de € 550,00 acrescida de subsídio de alimentação por dia útil de trabalho no valor unitário de € 2,60.
e) – De acordo com o referido contrato, as funções a exercer pela Autora seriam as próprias da categoria de “Encarregada”, nos termos do CCT aplicável ao sector.
f) – Não foi fixado no contrato de trabalho qualquer período experimental nem a sua existência foi excluída.
g) – No decurso das suas funções foi ainda pago à Autora um prémio no valor de € 67,60, nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2004 (que equivale a 20% do vencimento) que correspondia ao subsídio de turno.
h) – Em 7 de Setembro de 2004 a Autora adoeceu tendo faltado ao trabalho desde essa data até 18 de Outubro de 2004 e justificado as suas faltas.
i) – No dia 19 de Outubro de 2004, a Autora apresentou-se no seu local de trabalho, mas informada que devia aguardar em casa uma comunicação da sua entidade patronal sobre o seu futuro na empresa.
j) – O Réu remeteu depois à Autora a carta que consta de fls. 16, na qual, em síntese, lhe comunica «…a rescisão, com efeitos imediatos, do contrato de trabalho…cuja execução se encontra ainda na fase de período experimental».
k) – Refere, ainda, o Réu na mesma carta, que a colaboração da Autora não correspondeu às suas expectativas e, designadamente:
«- Baixa produção;
- Mau atendimento que provocou a perda de alguns clientes;
- Agressão física a terceiro dentro da loja e na frente de testemunhas;
- Falta de qualidades para assumir a responsabilidade de encarregada – sempre teve comportamentos agressivos para com colegas de trabalho e clientes;
- Nunca conseguiu separar os seus problemas pessoais das suas responsabilidades como encarregada o que provocou mau ambiente de trabalho e manifesta falta de produtividade;
- Manifestou várias vezes falta de respeito para com a entidade Patronal;
- Total irresponsabilidade no cumprimento do horário de abertura do estabelecimento».
l) – A referida carta foi recebida pela Autora no dia 25.10.2004 e após outras considerações que aqui se dão por reproduzidas, informa-a da denúncia do contrato, com efeitos imediatos e informando-a de que os seus direitos contratuais lhe seriam enviados para a residência no final do mês, por cheque acompanhado do respectivo recibo de quitação.
m) – Embora na cláusula 1ª do contrato junto a fls. 9 se refira que a Autora era “contratada para prestar serviço no estabelecimento sito na sede e com a categoria de Encarregada de Loja”, a Autora sempre exerceu as suas funções num estabelecimento do Réu sito na Rua ….., nº …., Loja “…. à ….”, Porto.
n) – A loja referida na alínea anterior foi aberta pelo Réu mediante um contrato de “Franchising” celebrado com a empresa “D……., S.A.”, tendo sido esta empresa quem, através do seu representante, Dr. E…….., seleccionou a Autora entre outras candidatas, tendo a mesma recebido formação profissional em Lisboa e durante cerca de uma semana, na área do atendimento ao público e informática, após o que foi referida ao Réu como sendo a pessoa indicada para ser contratada como Encarregada de Loja.
o) – Seguido essas instruções o Réu celebrou com a Autora o contrato referido.
p) – Além da Autora foi contratada na mesma altura uma outra funcionária, F……., a qual não recebeu formação em Lisboa, tendo sido a Autora quem, por incumbência do Réu transmitiu a esta os conhecimentos que adquiriu na aludida formação, designadamente, quanto ao modo como deveriam ser atendidos os clientes ao balcão e como funcionar com o computador.
q) – O principal motivo que presidiu à contratação da Autora como “Encarregada de Loja” foi o facto de ela não ser costureira de fábrica de confecções, o que acontecia com a sua colega F…….
r) – O horário de abertura ao público da loja referida, era das 8 às 20 horas, mas a Autora e a referida funcionária F……… trabalhavam por turnos alternados, estando apenas uma delas presente na abertura e outra no encerramento.
s) – Devido aos seus afazeres, nem sempre o Réu estava presente no encerramento do estabelecimento, mas quando tal não acontecia, o que era habitual, próximo da hora do encerramento passavam pela loja os pais do Réu os quais, após o encerramento da caixa, recebiam da Autora ou da outra funcionária os documentos e o dinheiro do apuro, que levavam consigo.
t) – Os pais do Réu tinham as suas próprias actividades de Arquitecto, o pai e de Professora, a mãe.
u) – Tanto a Autora, como a outra funcionária, atendiam os clientes que afluíam à loja, executavam os serviços de costura pretendidos pelos mesmos, procediam aos necessários registos no computador e, quando necessário efectuavam serviços no exterior, designadamente o abastecimento com materiais que faltassem e fossem necessários para o normal funcionamento da loja.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recorrente que se delimita o âmbito do recurso (1), atento o disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se o período experimental era de 90 dias.
Vejamos.
São pertinentes in casu as seguintes normas do Cód. do Trabalho:

Artigo 105º
Denúncia
1 - Durante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização, salvo acordo escrito em contrário.

Artigo 107º
Contratos por tempo indeterminado
Nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os que desempenhem funções de confiança;
c) 240 dias para pessoal de direcção e quadros superiores.

Ora, considerando a hipótese vertente, está em discussão saber se o período experimental é de 90 ou de 180 dias, isto é, se ao caso dos autos é aplicável a norma da alínea a) ou da alínea b) do último artigo ora transcrito.
E, sendo o primeiro prazo aplicável à generalidade dos trabalhadores, importa verificar se a A. exercia um cargo de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação, ou se a função era de confiança.
Nesta sede, tem sido entendido que o grau de complexidade, de responsabilidade, de qualificação ou de confiança, deve ser acima da média, acima do normal, para que seja aplicável o prazo de 180 dias de período experimental, pois em tais casos o tempo de conhecimento das partes e de adaptação à função e/ou ao posto de trabalho é necessariamente superior, justificando-se destarte a sua duplicação em comparação com a generalidade dos trabalhadores. No entanto, a distância destes casos, relativamente aos trabalhadores em geral, tem de ser significativa, sendo considerados cargos de complexidade técnica, por exemplo, o de um contabilista numa empresa, o de uma educadora de infância num jardim infantil, o de um cozinheiro em restaurante de haute cuisine, sendo tomados também como elementos de distinção a baixa ou elevada retribuição paga ou a formação técnica ou científica do trabalhador corresponder ou não à licenciatura ou outro grau académico superior(2).
In casu, quer pelas funções efectivamente desempenhadas(3), quer pelas habilitações detidas, quer pelo nível retributivo auferido, a conclusão a extrair é no sentido de que a A. se insere na generalidade dos trabalhadores, prevista na alínea a) do Art.º 107.º do Cód. do Trabalho. Na verdade, a A. não dirige a sua – única – colega de trabalho, teve apenas uma semana de formação profissional para exercer a função e aufere uma retribuição inferior à soma de dois salários mínimos; acresce que a A. não exerce qualquer cargo de especial confiança, só relevante no sentido da fidúcia, pois nem sequer guarda o apuro diário, nem procede ao respectivo depósito bancário, sendo o numerário e documentos respectivos recolhidos ao fim do dia pelo R. ou pelos seus pais. Assim, não exercendo a A. funções de grau acima da média, o período experimental do seu contrato de trabalho era de 90 dias, atento o disposto na norma ultimamente citada.
Tal significa que, tendo a A. sido admitida ao serviço do R. em 2004-06-01 e tendo o seu contrato de trabalho sido denunciado por carta recebida por aquela em 2004-10-25, tal atitude corresponde a um despedimento ilícito, atento o disposto no Art.º 429.º, alínea a) do Cód. do Trabalho.
Destarte, atento o pedido formulado e dado o disposto nos Art.ºs 437.º, n.º 1, 439.º, 221.º, 255.º e 254.º, todos do Cód. do Trabalho, a A. tem direito a receber as retribuições vencidas desde 2005-08-28 [a acção foi intentada em 2005-09-27, como se vê do rosto da petição inicial] até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar oportunamente, bem como à indemnização de antiguidade, no montante de €1.650,00, que se nos afigura razoável face aos factos provados, bem como à quantia de € 664,00 a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de serviço prestado, sendo tudo acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Em síntese, procedem as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder provimento à apelação, assim revogando a sentença recorrida, indo o R. condenado a pagar à A. as retribuições vencidas desde 2005-08-28 até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar oportunamente, bem como a indemnização de antiguidade, no montante de € 1.650,00, bem como a quantia de € 664,00 a título de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, sendo tudo acrescido de juros de mora até integral pagamento.
Custas pelo R.

Porto, 16 de Outubro de 2006
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro
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(1) Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531.
(2) Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in Do uso e abuso do período experimental, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, 2000, N.ºs 1 e 2, págs. 37 a 74, bem como a jurisprudência aí citada.
(3) Como tem sido entendido uniformemente pela doutrina e pela jurisprudência, é irrelevante o nomen juris, atribuído quer nos recibos de vencimento, quer nos contratos de trabalho escritos ou noutros documentos, devendo-se atender às funções efectivamente desempenhadas pelo trabalhador – categoria-função (normativa) – mesmo que esteja em contradição com o nomen.
Cfr., por todos, António Menezes Cordeiro, in MANUAL DE DIREITO DO TRABALHO, 1991, págs. 666 e 667 e jurisprudência aí citada.
Daí que irreleve in casu a circunstância de a A. ter sido – formalmente – contratada para exercer as funções de Encarregada de Loja e acabar por desempenhar as mesmas tarefas que a sua – única – colega de trabalho, em contradição com o invocado nomen juris.