Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
941/11.0TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO À IMAGEM
RESERVA DA VIDA PRIVADA
Nº do Documento: RP20131104941/11.0TTPRT.P1
Data do Acordão: 11/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A fotografia aposta no cartão de motorista do A., destinado a ser exibido pelo próprio, no exercício das suas funções, não colide com o direito à imagem (com o sentido e alcance) que se encontra constitucionalmente consagrado.
II - Tendo o cartão como finalidade a identificação do seu titular perante os utentes, os serviços de fiscalização e as entidades policiais, a fotografia aposta possibilita a concreta verificação da correspondência entre quem o exibe e quem consta do mesmo, respondendo, assim, de uma forma eficaz, àquela finalidade bem como à segurança e confiança em geral.
III - Constando o número de beneficiário da segurança social do A. no verso (não exposto) do cartão que deve exibir no vestuário, encontra-se assegurado o direito a impedir o acesso de estranhos a tal informação e, consequentemente, não existe violação da reserva da intimidade da vida privada do A..
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 941/11.0TTPRT.P1
Tribunal do Trabalho do Porto
____________________________
Relator – Paula Maria Roberto
Adjuntos – Machado da Silva
Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório

B…, casado, residente na Maia,

intentou a presente ação de processo comum, contra

C…, S.A., com sede no Porto

alegando, em síntese que:
- Foi alvo de um processo disciplinar, acusando-o a Ré de não ter colocado o seu cartão de identificação no vestuário quando executava o serviço 7497, no dia 29/03/2010 e, ainda, de que tendo sido interpelado por um seu superior hierárquico para o fazer, não o fez, desobedecendo.
- A Ré veio a aplicar-lhe uma repreensão registada, sanção injusta e ilegal.
- O processo disciplinar é nulo pois a decisão comunicada não contém qualquer fundamentação, não lhe imputando qualquer conduta a título de mera culpa ou negligência.
- O que também ocorreria porque a decisão demorou mais de 30 dias a ser comunicada ao A..
- No dia em causa o A. colocou em local visível a sua identificação como motorista nem lhe foi dada qualquer instrução para a colocação do cartão.
- O cartão contém a foto e outras informações como o n.º de beneficiário do trabalhador, irrelevantes para terceiros e que devassam a reserva da vida privada do A. e não são exigidos pelo RTA.
- A comissão de trabalhadores sempre informou o A. de que a empresa considerava o uso do cartão facultativo.
- Mais de 700 trabalhadores motoristas da Ré não usam o aludido cartão na lapela.
- É justificada a recusa do A. em utilizar aquele tipo de cartão.
- A Ré deve ser condenada a pagar-lhe uma quantia não inferior a € 2.500, a título de danos morais.
Termina dizendo que deve julgar-se provada e procedente ação e declarar-se a ilicitude da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, seja por inobservância das regras procedimentais disciplinares, seja por inexistência de justa causa suscetível de enquadrar um juízo de censura disciplinar e a consequente aplicação da sanção de repreensão registada; seja dada sem efeito pela Ré a dita repreensão registada e a mesma retirada do registo disciplinar do trabalhador e seja a Ré condenada no pagamento da quantia de € 2.500 ao A., acrescida de juros a contar da sua citação e até integral e efetivo pagamento.
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Procedeu-se a audiência de partes e na qual não foi possível a sua conciliação.
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A Ré, devidamente notificada, contestou alegando, em sinopse, que:
- Tendo o A. intentado a presente ação em 17/06/2011, há muito que havia já caducado o direito de se opor à sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
- A decisão comunicada ao A. encontra-se convenientemente fundamentada.
- O prazo de 60 dias de encerramento do processo disciplinar foi cumprido.
- O A. praticou os factos que lhe foram imputados.
- O cartão que a Ré forneceu ao A. não ofende qualquer direito do mesmo.
- A sanção de repreensão registada que foi aplicada ao A., se face à gravidade da sua conduta algum reparo merece, é apenas o de ter sido demasiado branda.
Conclui dizendo que deve julgar-se que o direito de o A. se opor à sanção disciplinar que lhe foi aplicada caducou ou, caso assim não se entenda, deve a ação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, a Ré ser absolvida do pedido.
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O A. apresentou resposta e na qual conclui como na p. i., devendo improceder as exceções invocadas pela Ré na sua contestação.
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Foi proferido o despacho saneador, de fls. 111 e 112 e no qual foi julgada improcedente a exceção de caducidade do direito do A. impugnar a sanção disciplinar de que foi alvo.
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Procedeu-se a julgamento, tendo o tribunal decidido a matéria de facto nos termos constantes de fls. 124 a 133.
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Foi, depois, proferida sentença (fls. 134 e segs.) que julgou a presente ação improcedente e absolveu a Ré dos pedidos contra si deduzidos pelo A..
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O A notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
“I- A decisão recorrida, aliás Douta, no nosso modesto ver, não se encontra de modo isenta de crítica, seja quanto à apreciação adjectiva ou do iter processual que culminou com a decisão disciplinar e a sua aplicação, seja quanto ao cotejo a que procedeu dos factos que considerou provados e sua submissão às normas jurídicas pertinentes.
II- Redundam assim em três dos níveis de desconformidade que, salvo o devido respeito por melhor opinião, se detectam na sentença; o primeiro liga-se ao referido plano formal e relaciona-se com a forma como se desenrolou o processo disciplinar; o segundo, contende com o confronto entre os factos provados e a sua aferição objectiva perante a lei; o terceiro e último, sobressai da avaliação subjectiva da conduta, do juízo de desvalor emitido pela decisão em face das circunstâncias concretas que a rodearam.
III- Quanto ao primeiro, sufraga-se desde logo a opinião de a recorrida procedeu à aplicação de uma sanção ferida de caducidade, dado que, contrariamente à sentença, propende-se para um entendimento segundo o qual o prazo de 30 dias que a lei confere ao empregador para emitir a decisão disciplinar é igualmente um prazo comunicacional, ou seja, também é o prazo máximo para levar a decisão ao conhecimento do destinatário, pelo menos promovendo o seu envio ou, quando a empresa queira evitar procedimento mais complexos, procedendo à sua comunicação em mão e contra recibo.
IV- De resto, aplaudir a interpretação literal e restritiva do preceito, será remeter para um vazio legal, quanto ao prazo para a comunicação da decisão, remetendo-a “para as calendas”, quando é certo que o juízo dominante é o de confiar que o julgador não se esqueceu da importância do mesmo que, de resto, consta do art. 357º, nº 1, do CT que, claramente, complementa o dever imposto à entidade empregadora no nº 6 do mesmo artigo.
Assim não porfiando o Tribunal a quo, foi violado o disposto no art. 357º, nº 1, do CT, dado não ter sido reconhecida, desde logo, a caducidade da aplicação da sanção.
V- Ainda na mesma senda das desconformidades formais do processo disciplinar que se crê não terem sido adequadamente avaliadas pelo Tribunal recorrido, ressalta da falta de imputação subjectiva ao agente (recorrente) dos factos constantes da acusação, isto é, a ausência de autêntica avaliação do comportamento do arguido no processo disciplinar, não bastando, cremos, aludir conclusivamente ao facto de o arguido ter desobedecido ao superior hierárquico “… mantendo o cartão no local em que se encontrava …”
Exige-se um quid, em matéria de culpa, que obrigaria a recorrida, para efeito de imputação subjectiva do facto, a avaliar a conduta do recorrente do ponto de vista da sua própria visão sobre a ordem proferida, mormente a sua percepção naquele momento sobre a licitude da mesma.
O que não tendo ocorrido se volve na violação do art. 357º, nº 4 e 5 do CT e consequente nulidade da decisão disciplinar.
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VI- Concatenando, agora em súmula, os dois principais motivos de inconformismo respeitantes ao aspecto substancial da douta decisão em apreço, importa desde logo esclarecer o que, crê-se, desde sempre ficou claro na posição do A. e ora recorrente vertida na petição, isto é, o impetrante jamais exteriorizou que não aceitaria ser detentor/portador, e portador obrigatório, de um cartão de identificação de motorista que bem sabia previsto na própria lei.
VII- O cartão de motorista previsto no RTA é, sem dúvida, um cartão de portabilidade obrigatória pelos motoristas, mas não destinado á sua identificação pelo público, à sua exibição indiscriminada.
VIII- Sempre e só o recorrente se opôs ao cartão por duas e entrelaçadas razões, que se resumem no facto do teor do aludido violar a lei que o concebe (e concede a sua obrigatoriedade) – em particular a foto e o nº de beneficiário - e de não resultar da mesma a obrigatoriedade da sua colocação no vestuário, unicamente impondo o texto legal a mera posse pelo motorista.
Ou seja, o recorrente sindica a sua recusa em colocar o cartão ao peito, entre outras razões, no conteúdo referida lei e, mais concretamente no teor do art. 184º do Regulamento dos Transportes Automóveis, aprovado em 31.12.48 pelo Decreto 37272.
IX- O Tribunal recorrido, apelando ao poder de direcção e correspondente dever de obediência do trabalhador, ainda que alertando para os limites daquele poder e aludido dever, subscreve um entendimento que olvidou a ilegalidade da ordem ou instrução cujo incumprimento foi censurado, e com isso a matéria que deu como provada nos item 11., 12., 13. e 14 da resposta à matéria de facto, validando – mal, a nosso ver - a sanção aplicada .
X- É incontroverso que o dever de subordinação jurídica - que tem no dever de obediência a que se sujeita o trabalhador pelo contrato de trabalho uma das suas mais importante manifestações -, cessa perante a ilegalidade as ordens, directivas e instruções emitidas pela entidade empregadora.
E não foi ilegal a instrução ou comando que determinou, no dia e hora censurado, ou noutros que o antecederam, o uso do cartão (daquele tipo de cartão) ao peito, do lado esquerdo, pelo recorrente? Achamos, modesta mas convictamente, isenta de polémica a resposta afirmativa questão.
XI- O poder do empregador de dizer onde, como, quando e com que meios o trabalhador deve realizar a sua prestação, não implica o livre arbítrio, desde logo sobre a forma como se deve apresentar – sem prejuízo das exigências sensatas sobre o seu asseio e higiene -, sobre os acessórios que deve utilizar, contanto que estes não sejam imprescindíveis ao exercício da actividade contratada, seguindo um mero padrão de boa fé na execução do contrato.
XII- Assim, a imposição de uma indumentária (farda de trabalho) ou de determinados adereços, quando desejada ou desejada em determinados termos pelo empregador, e não prevista em nenhum imperativo legal, terá que resultar do prévio consenso, sob pena de violar direitos, liberdades e garantias do trabalhador.
XIII- Também assim com o uso famigerado cartão de identificação. A recorrida, para exigir o seu uso ao peito e do lado esquerdo, teria que ter obtido o consenso e/ou anuência para o feito dos trabalhadores/utilizadores ou beneficiar de uma clara prescrição normativa com força de lei que o impusesse.
XIV- Quanto à primeira das vias, nem por via da negociação individual, nem por via da negociação colectiva a recorrida obteve a anuência do recorrente e de demais trabalhadores para o uso ao peito e do lado esquerdo do cartão típico que elaborou, antes tento tido até hoje, como se provou nos autos, a oposição do recorrente, colegas e organismos representativos dos trabalhadores.
Ao contrário, por exemplo, do que sucedeu com a farda de trabalho - clausula 6ª, nº 15, do Acordo de Empresa, publicado no BE , 1ª Série nº 36, 29.09.1998
XV- A mesma coisa terá de dizer-se quanto à segunda via que restava para exigir o uso do cartão nos termos por si desejados. Na verdade, a única fonte normativa que se conhece sobre tal matéria é o já várias vezes referido art. 184º do RTA.
XVI- Também desta fonte legal exclusiva quanto à matéria apreciada resultam duas conclusões quanto ao desatino da douta sentença: a primeira, de que em lado se extrai que o cartão a utilizar tenha que ser exposto ou exibido no vestuário, e muito menos no lado esquerdo e ao peito; a segunda, é de que pelo menos dois dos elementos apostos no cartão que a recorrida faculta – a foto e o nº de beneficiário, para já não falar da assinatura…-, não são autorizados pela lei.
XVII- Como atrás se explica, boas razões secundam a inexistência dos aludidos elementos no cartão e, mais do que isso, a sua exibição na lapela, dado que potenciam, em caso de extravio – como só “en passant” reconhece a douta sentença (apesar da clara exemplificação de casos reais apresentados pela testemunha D… membro da comissão de trabalhadores, de fraude em Hospitais mercê de extravio e do conhecimento do nº de beneficiário …) - a utilização fraudulenta.
XVIII- Como boas razões levaram a que o legislador concedesse e concebesse o conteúdo do cartão sem que, igualmente, tenha previsto a sua exibição pública, muito menos ao peito, dando que potencia(va) enormemente o risco de extravio e mau uso, atentos alguns dos meandros em que se desenvolve, e já se desenvolvia à época, a actividade de transportes públicos.
Não havendo ainda sequer uma boa razão que atente contra ao facto de se pensar, como deve a priori, que o legislador não exprimiu de forma correcta e completa o seu pensamento por forma a agora fazer dele uma interpretação correctiva.
XIX- Aliás, as próprias instruções escritas da recorrida fundadas na luz daquele preceito do RTA, durante mais de uma década, se atentadas devidamente, em parte alguma inculcam o uso obrigatório do cartão ao peito, daquele cartão que fornece, aos trabalhadores, unicamente, na sua “ordenação” inicial e subsequentes apelos, podendo colher-se que com o cartão é facultada uma bolsa e uma mola “ que permitem” a colocação do vestuário.
Quisesse (e pudesse) a recorrida inculcar a obrigatoriedade da utilização no local controvertido e, dada a polémica que os autos evidenciam ao longo de anos, e certamente teria(m) outro “cunho” ou tipo de registo as advertências escritas juntas com a contestação que não uma mera exortação. Lembre-se, a propósito, o que se deu como provado em 14. da matéria assente…
XX- Sobeja, negada que está a concessão por negociação (consenso individual ou colectivo) ou pela lei da obrigatoriedade do uso, ao peito, do cartão, alvitrar se cabe dentro do poder de direcção, na sua ambivalência caracterizada pela poder determinativo da função e de conformação dessa mesma função, impor o referido uso.
XXI- Ora, atrevemo-nos a não ter dúvidas de que no quadro legal existente, o estatuto do trabalhador nega a imposição unilateral de um adereço externo, exposto e ostensivo da sua imagem, personalidade e envolvimento social – foto, nº de beneficiário, assinatura …-, a menos que essa invasão seja consentida, dado que é lesiva de domínios de razoável privacidade, de direito à imagem e da personalidade em geral que constituiria (tal imposição), uma violação de direitos fundamentais consagrados, entre o mais, no art. 26º da CRP. Pelo que uma interpretação extensiva ou correctiva do art. 184º do RTA que acolhesse tal imposição seria de reputar ferida de INCONSTITUCIONALIDADE.
XXII- Os poderes de direcção, quando concedem ao empregador a indicação dos “meios” e “modo” de exercício da função, devem conter-se adentro daqueles que se considerem indispensáveis ou necessários ao regular exercício da função, sem beliscar a reserva de vida privada, na vertente da imagem e dos dados pessoais indelevelmente ligados à personalidade.
Fora disso, como é caso, qualquer incursão terá que ocorrer por via legal ou negocial.
Assim,
XXIII- A douta sentença, quando aloca o comportamento do recorrente na violação do dever de obediência, esgrimindo para tal a violação do art. 98º, nº1, al. a), art. 351º, nº1, e 2, do CT, procede a uma interpretação indevida desses preceitos, dado só existir desobediência perante a recusa ilegítima.
XXIV- Fundando o seu raciocínio, o Tribunal a quo afere a irrazoabilidade da conduta do recorrente da falta de “razões ponderosas” para que a foto e nº de beneficiário não se contivessem no cartão, apesar de reconhecer como sem fundamento compreensível a aposição daquele número de beneficiário.
Julgando porém “cilindrar” a questão de vez, o Tribunal recorrido sempre aduz que bem pior seria se constasse no cartão, como prevê o art. 184º do RTA, a morada do titular… Ou seja, não se queixe o recorrente, que poderia ser pior!
XXV- Este (viciado) silogismo judiciário a nosso ver compromete, mais uma vez, a bondade da decisão. É manifesto que o Tribunal a quo não colheu a conclusão do texto do RTA de que o cartão de motorista, pelo menos aquele previsto no aludido diploma, não é para exibição pública permanente, tendo unicamente o legislador alvitrado a sua posse para uso em sede de interpelação (mormente pelas autoridades públicas). Só assim se explicando que a própria morada possa nele constar.
XXVI- Do mesmo modo se deve dizer que mal andou a sentença apreciada quando detecta incongruência no facto do recorrente, não usando o cartão no vestuário, apesar disso o manter na calha do vidro da janela dado que o recorrente sempre revelou aos seus superiores hierárquicos que o não uso do cartão ao peito se devia ao seu teor (fotografia + nº de beneficiário…) e risco reforçado, com tal uso externo, de seu extravio.
Ora, não se esgota no momento de condução tal risco, até será o menor, dado que a circulação do recorrente entre autocarros, vistoriando anomalias exteriores, deslocando-se entre estações de recolha e pontos de entre das viaturas, entre muitas outras, como é do domínio da experiência comum, essas sim são circunstâncias que tornam a exposição do cartão e o risco de extravio e consequente uso fraudulento subsequente um risco sério.
XXVII- O tipo de utilização que o recorrente fazia no dia dos factos, longe de constituir qualquer, ainda assim impróprio, “venire contra factum proprium”, consubstancia não mais que um nível intermédio de utilização destinado - é verdade que sem sucesso – evitar incidentes disciplinares sem ceder perante a ilicitude existente.
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XXVIII- Por último compete ainda resumir a desconformidade detectada na apreciação subjectiva da conduta resultante da sentença, sendo certo que o Tribunal a quo deu como assente os factos dos item 10., 12., 13.a 16. , daí, e dos documentos juntos pela recorrida, tendo que extrair-se que: há mais de 15 anos que a recorrida implementou o cartão de motorista; os textos da empresa sobre a sua utilização só aludem à colocação em local visível; uma grande parte dos motoristas não usa o cartão, dos avisos de uso só o primeiro, e através da formula “permite” relacionada com uma bolsa e uma mola, menciona a colocação no vestuário; o recorrente, seguindo a recomendação das estruturas dos trabalhadores que o representam, sempre justificou a sua posição na ilegalidade do conteúdo e do uso do cartão relativamente ao RTA.
XXIX- Tais factos provados e outros, acrescidos da implícita inexistência de qualquer anuência do recorrente no uso daquele tipo de cartão e da inexistência conhecida de sanções disciplinares pelo não uso (no processo judicial descobriu-se a existência de um trabalhador…em 15 anos de infracções por centenas de motoristas), criam um contexto típico e concomitante ao do comportamento censurado que, em qualquer, o julgador não poderá deixar de sopesar para avaliação subjectiva da culpa, num quadro circunstancial concreto que se pode sintetizar deste modo:
- a actuação do recorrente pauta-se pela convicção de estar a exercer um legítimo direito de recusa, não estando animada, pois, da mera vontade de infringir;
- a conduta do recorrente é há anos partilhada por grande parte dos trabalhadores que, não obstante, não vêm sendo sancionados.
XXIX- Em suma, o comportamento culposo atribuído ao recorrente, ainda que a este ponto tivesse que chegar-se para apreciar a procedência do pedido – o que não se crê -, num tal contexto típico que brota dos factos assentes e dos documentos juntos, não é de descortinar e, também por aí, teria que invalidar-se a decisão proferida.
XXX- A decisão proferida viola, pois, os arts. 184º, do RTA, Decreto 37272, de 31.12.48, 97º, 98º, 118º, 119, 122º, 127º, 128º, 323º, 330º, 357º, do CT, e ainda, quando se entenda a sua bondade aferida pela correcta aplicação do art. 184º do RTA, o art. 26º da CRP, quando interpretado o dito preceito como admitindo a exposição externa e no vestuário do cartão do motorista.
XXXI- Revogada a decisão, deverá ainda ser apreciado o pedido de indemnização formulado pelo recorrente tendo em atenção a matéria assente vertida nos item 24 a 27, ou remetido o processo á primeira instância para a sua consequente apreciação.
Termos em que Vªs. Exªs, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue procedentes os pedidos formulados na petição, farão, como sempre, JUSTIÇA!”
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A Ré respondeu sustentando que:“
I. A decisão ora recorrida deve ser integralmente mantida.
II. Foi cumprido o prazo de 60 dias subsequentes àquele em que o Presidente do Conselho de Gerência do C… teve conhecimento da infracção para encerramento do procedimento disciplinar.
III. Sendo certo que a sanção aplicada ao Autor, ora Recorrente, foi uma repreensão registada o art. 357.º não tem aplicação no caso concreto.
IV. Sem prescindir, sempre se dira que o artigo 357.º não exige que o conhecimento da sanção de despedimento pelo trabalhador visado ocorra no prazo de 30 dias.
V. Não ocorre qualquer causa de prescrição ou caducidade do direito de exercício da ação disciplinar ou do direito de aplicação da sanção pela entidade empregadora.
VI. O Autor foi interpelado por um superior hierárquico para colocar no vestuário o cartão de identificação que a Ré fornece a todos os motoristas para esse efeito, de acordo com regras internas da Empresa que todos os motoristas conhecem, tendo-se recusado expressamente a cumprir essa ordem.
VII. A entidade empregadora tem o poder de direção estabelecido no artigo 97.º do Código de Trabalho podendo criar normas em matéria de organização e disciplina devendo o trabalhador obedecer cumprindo as ordens e instruções do empregador.
VIII. Conforme ordens internas do conhecimento geral o Recorrente sabia que cartões devem ser fixados no vestuário, tendo ao recusar-se a colocar o cartão no vestuário o Recorrente incumprido com as normas internas da Empresa tendo também desrespeitado o seu superior hierárquico ao desobedecer de forma consciente e deliberada a uma ordem dada por este mantendo cartão na calha inferior da janela do autocarro, onde não é facilmente visível, e muito menos legível, para os passageiros.
IX. Em clara contradição com o que alega na petição inicial onde alegou que se recusava a usar o cartão identificativo no vestuário, porquanto o mesmo afrontava os seus direitos e garantias, já que deles constam elementos – tais como a sua foto e o seu n.º de beneficiário da Seg. Social que devassam a reserva sobre a intimidade e vida privada vem contestar a obrigação de exibir no vestuário o cartão.
X. O Regulamento de Transportes em Automóveis (RTA), que foi aprovado pelo DL nº 37 272, de 31 de Dezembro de 1948, no seu art.º 184.º, obrigada os condutores, cobradores e fiscais ao uso de um cartão de identidade.
XI. Acrescentando o cartão da Recorrida apenas uma fotografia por forma a assegurar, a correspondência entre o usuário e o titular como e alias prática, cada vez mais comum, dos prestadores de serviços públicos e ao público, que andam sempre devidamente identificados.
XII. Por forma a garantir a segurança dos utentes.
XIII. Nem se diga que o cartão pelo facto de ter a fotografia associada permite uma utilização fraudulenta, porque tal só acontece se o motorista o extraviar.
XIV. Atento o supro exposto conclui-se que:
- Existem normas internas da empresa que exigem aos trabalhadores o uso na roupa, em local visível de um cartão identificativo;
- Esta norma visa garantir a segurança dos utentes, é essencial quer para os serviços de fiscalização da atividade transportadora, quer para as autoridades policiais.
- O Recorrente tinha conhecimento da existência de uma norma interna que obriga o uso do cartão, na roupa em local visível;
- O Recorrente ao não colocar o cartão no vestuário conforme estava obrigado incumpriu de forma consciente e deliberada com as normas internas da Empresa do seu conhecimento;
- Quanto interpelado pelo seu superior hierárquico para colocar o cartão o Recorrente desobedeceu de forma consciente e deliberada a uma ordem dada pelo seu superior hierárquico, recusando-se a colocar o cartão no vestuário.
XV. As referidas normas internas não violam qualquer direito, liberdade e garantia.
Termos em que deve o presente recurso interposto pelo Autor ser julgado integralmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.”
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos termos constantes do douto parecer de fls. 237 e segs., concluindo que a presente apelação deve improceder.
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O recorrente veio responder a este parecer nos termos constantes de fls. 251 e 252, concluindo como nas alegações de recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Saneamento
A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.
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III – Fundamentação
Factos provados
1. O autor (A., de ora em diante) B… foi admitido ao serviço da ré (R., de ora em diante) C…, S.A. em 25.FEV.02, exercendo atualmente as funções de motorista de serviço público (MSP), exercendo essas funções sob as ordens e instruções da Ré.
2. A R. fornece um cartão de identificação aos seus trabalhadores que exercem as funções de motoristas de serviço público.
3. Os referidos cartões de identificação, são concebidos para se conterem numa bolsa, com eles fornecida, dotada de uma mola, própria para fixação na roupa.
4. Esse cartão identificador - que a R. igualmente forneceu ao A. - contém, na face que fica exposta com a fixação no vestuário, a fotografia do seu titular, o seu primeiro e último nome, o logótipo e sigla da C…, e o número de ordem ou matrícula geral do trabalhador na empresa, e, no verso, o mesmo número de ordem, o nome completo, a categoria mais detalhada, e o número de beneficiário da Segurança Social.
5. Existem normas internas da R., no sentido da utilização do cartão de identificação no vestuário - nomeadamente a Ordenação CA OR 05.97, as Ordens de Serviço DEP OS 020/97 e DEP OS 028.98 e os Avisos DPS AV 010/98, e DOP AV 284.08, emitidas no uso do poder regulamentar da entidade empregadora em matéria de organização e disciplina – as quais foram difundidas e levadas ao conhecimento dos seus trabalhadores.
6. No dia 29.MAR.10, o A., quando procedia à execução do serviço 7497 (turno 11 da linha 704) não tinha colocado o seu cartão de identificação no vestuário mas, antes, havia-o colocado na calha inferior da janela do autocarro, situada na cabine do motorista.
7. No referido dia 29.MAR.10 um seu superior hierárquico, verificando que o A. não usava o cartão no vestuário, interpelou-o por esse facto, e ordenou-lhe que o usasse, devendo colocá-lo, mais precisamente, ao peito e do lado esquerdo.
8. O A., depois dessa interpelação, conservou o seu cartão na calha da janela do autocarro, prosseguindo nessas condições o desempenho das suas funções de condução em serviço público de transporte de passageiros.
9. Sabia o A. que essa sua conduta contrariava as determinações regulamentares estabelecidas pela sua entidade empregadora, e recusou conformar-se com elas mesmo quando a observância lhe foi ordenada por um superior hierárquico, agindo conscientemente.
10. A colocação do cartão nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto 6. permitia facilmente identificar o A. a quem quisesse fazê-lo.
11. Em datas anteriores haviam os superiores hierárquicos constatado que o A., no exercício das suas funções como motorista ao serviço da R., não trazia o cartão de identificação no seu vestuário, interpelando-o por essa razão, e fazendo-lhe sentir a obrigação de o trazer ao peito.
12. Nessas ocasiões, o A. respondeu de forma tranquila e educada que não o fazia por considerar ilegal a obrigatoriedade do seu uso, por constarem do aludido cartão elaborado pela R. elementos que, no seu entender, não são consentidos pela lei, designadamente elementos informativos que o autor entende pertencerem à sua esfera privada e de nulo interesse para terceiros, como é o caso do seu número da Segurança Social.
13. O A., quando interpelado por superiores hierárquicos quanto à não colocação do cartão no vestuário aquando do desempenho das suas funções deu-lhes conhecimento dessa sua discordância e respetiva motivação: constarem do aludido cartão elaborado pela R. elementos em seu entender não consentidos pela lei.
14. Uma grande parte dos motoristas da R. não usa o aludido cartão, pelo menos no seu vestuário, mercê dessa circunstância.
15. Associações sindicais dos trabalhadores da R. levaram ao conhecimento desta que haviam aconselhado os seus associados a não utilizarem os referidos cartões no exercício das suas funções, em virtude de constarem do aludido cartão elaborado pela R. elementos que, no entender daquelas, não são consentidos pela lei.
16. Igualmente sugeriram essas associações à R. que substituísse esses cartões de identificação por outros onde esses elementos - designadamente a fotografia do titular e respetiva – não constassem.
17. O administrador da R. com poderes disciplinares delegados – conforme consta da ata do Conselho de Administração n.º 17/2006, de 27 de abril - teve conhecimento da infração praticada pelo A. em 01.JUL.10.
18. Mediante carta registada datada de 08.JUL.10, a R. comunicou ao A. uma nota de culpa com intenção de lhe aplicar “sanção disciplinar adequada”, sendo que, por tal instrumento a R. censura o A. porquanto no dia 29.MAR.10, executando o serviço …., turno .. da linha …, não terá colocado o seu cartão de identificação no vestuário mas, antes, tinha-o colocado na calha inferior da janela do autocarro.
19. Mais acusou a R. no processo disciplinar formulado contra o A., que tendo sido este interpelado por seu superior hierárquico para colocar o cartão de identificação no peito e do lado esquerdo, o arguido não o fez, assim desobedecendo àquele e mantendo o cartão no local em que se encontrava.
20. O A. respondeu a tal nota de culpa, negando a prática das infrações disciplinares que a R. lhe imputou, concluindo pelo arquivamento desse procedimento disciplinar.
21. O Conselho Disciplinar da R. emitiu parecer em 30.AGO.10.
22. A R. aplicou ao A. a sanção de repreensão registada, dando por assente a matéria constante da nota de culpa.
23. Pelo menos outro colega do A. foi objeto de procedimento disciplinar por não usar o cartão de identificação e ter ignorado a chamada de atenção de um superior hierárquico para esse facto, o qual foi punido com a pena de um dia de suspensão, com perda de remuneração (os antecedentes não funcionaram como atenuante), conforme despacho de 01.FEV.10.
24. Por ter sido objeto de procedimento disciplinar pela R. e de aplicação de sanção disciplinar por ela, o A. sentiu revolta, tristeza e angústia.
25. A R. foi condenada por sentença proferida pelos Juízos Cíveis do Porto a pagar indemnização ao A. por violação do seu direito à imagem.
26. O A. sentiu-se objeto de descriminação e de perseguição por parte da R., pelo que viveu preocupado pela sanção aplicada.
27. O A. sentiu-se vítima de uma injustiça e do vexame de ser censurado e repreendido por factos que considera injustamente e ilegalmente escrutinados.
Aditam-se à matéria de facto provada os seguintes factos com interesse (n.º 2, do artigo 514.º, do anterior C.P.C. – artigo 412.º, n.º 2 do N.C.P.C.):
28. A comissão de trabalhadores da Ré emitiu em 02/08/2010 o seu parecer no sentido do arquivamento do processo disciplinar por não se verificar qualquer infração cometida pelo arguido.
29. O conselho disciplinar da Ré, em 30/08/2010, propôs a aplicação ao A. da sanção de repreensão registada.
30. A decisão do conselho de administração da Ré, de aplicar a sanção de repreensão registada ao A., foi proferida em 31/08/2010.
31. Esta decisão foi comunicada ao A., por carta registada com A.R., de 01/09/2010 e que foi recebida por este em 06/09/2010.
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b) - Discussão
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 685.º-A, n.º 1, do anterior C.P.C. e 639.º, n.º 1, do N.C.P.C., na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo A. recorrente, quais sejam:
1ª – Caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar.
2ª – Nulidade da decisão disciplinar por falta de imputação subjetiva dos factos ao recorrente.
3ª – Inexistência de infração disciplinar (inexistência de obrigação de colocação do cartão de motorista no vestuário e de desobediência / ilegalidade da ordem no sentido da sua colocação).
4ª – Inexistência de comportamento culposo do recorrente (legítimo direito de recusa).
5ª – Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 184.º do RTA no sentido da imposição do cartão no vestuário.
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1ª questão
Caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar
Sobre esta questão escreveu-se na sentença recorrida:
“3.2. No que respeita à arguida caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar pelo decurso de mais de 30 dias (nos termos do art.º 357.º do C. do Trabalho), cumpre referir o seguinte:
- o parecer da comissão de trabalhadores da ré emitiu em 02.AGO.10 parecer desfavorável à aplicação da sanção disciplinar ao autor (fl.s 92 e 93 dos autos);
- o Conselho Disciplinar da ré propôs em 30.AGO.10 a aplicação ao autor da referida sanção disciplinar (fl.s 94/97 dos presentes autos);
- a decisão do Conselho de Administração da ré em aplicar a sanção de repreensão registada é de 31.AGO.10 (fl.s 98 dos presentes autos);
- a comunicação escrita dessa decisão ao trabalhador está datada de 01.SET.10 e o efectivo conhecimento dessa decisão pelo autor ocorreu a 06.SET.10 (fl.s 99 e 102 dos presentes autos).
3.3. A ré sustenta que o disposto no art.º 357.º do C. do Trabalho não é aplicável ao procedimento disciplinar que se discute nos autos, uma vez que esse preceito legal é exclusivo daquele procedimento em que a entidade empregadora pretenda proceder ao despedimento com justa causa do seu trabalhador.
Salvo melhor opinião, na ausência de norma específica para os procedimentos disciplinares em que não seja propósito da entidade empregadora proceder ao despedimento do trabalhador visado, nada obsta à aplicação analógica do procedimento disciplinar para despedimento com justa causa: este é o procedimento que vem regulamentado com detalhe na lei e que, considerando a gravidade e consequências da sanção, melhor garante o exercício do contraditório e o direito de defesa do trabalhador arguido nesse procedimento.
Dito isto, importa no entanto sublinhar que a lei (o art.º 357.º, n.º 1 do C. do Trabalho) não exige que o conhecimento da sanção de despedimento pelo trabalhador visado ocorra nesse prazo de 30 dias; o que aquele normativo dispõe é a obrigação da entidade empregadora - sob pena de caducidade do direito de aplicação da sanção – proferir a decisão.
Proferir a decisão é diverso de comunicar a decisão: proferir é tomar a decisão, comunicá-la é dar conhecimento da decisão ao visado (bem como às demais entidades referidas no n.º 6 do referido preceito).
Por isso é que o art.º 357.º estabelece, no seu n.º 1, o prazo de 30 dias para a tomada da decisão e, no seu n.º 6, a obrigação de comunicação escrita dessa decisão ao visado e outros intervenientes; ou seja, a lei considera serem actos diferentes (e diferidos no tempo) a prolação da decisão de despedimento e a respectiva comunicação.
Por isso, e uma vez que a decisão da aplicação ao autor da sanção foi tomada dentro dos 30 dias subsequentes ao parecer da comissão de trabalhadores, segue-se que a apontada caducidade não se verifica.
Por outro lado, como a sanção em questão foi aplicada ao autor dentro do prazo consignado no art.º 330.º n.º 2 do C. do Trabalho, também por aqui não ocorre qualquer causa de prescrição ou caducidade do direito de exercício da acção disciplinar ou do direito de aplicação da sanção pela entidade empregadora.”
Vejamos:
Antes de mais, cumpre dizer que a legislação laboral não faz qualquer distinção entre procedimento disciplinar aplicável a sanções conservatórias ou expulsivas.
<<No nosso sistema jurídico, a exigência do processo disciplinar é aplicável a todas as sanções disciplinares, o que no caso da sanção de repreensão oral não faz grande sentido, uma vez que esta sanção se consubstancia num juízo de censura imediato e directo do empregador. Para a aplicação das restantes sanções faz, evidentemente, sentido a exigência de um processo, para assegurar o direito de defesa do trabalhador”[1].
Assim, ao contrário do que alega a recorrida, o disposto no artigo 357.º, do C.T. aplica-se ao processo disciplinar em causa nos presentes autos.
Como já referimos, o recorrente entende que o prazo de 30 dias que a lei confere ao empregador para emitir a decisão disciplinar é igualmente um prazo comunicacional, é o prazo máximo para levar a decisão ao conhecimento do destinatário, pelo menos promovendo o seu envio.
Na verdade, <<recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção>> - n.º 1, do artigo 357.º, do C.T..
Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, a comissão de trabalhadores da Ré emitiu em 02/08/2010 o seu parecer no sentido do arquivamento do processo disciplinar por não se verificar qualquer infração cometida pelo arguido, a decisão do conselho de administração da Ré, de aplicar a sanção de repreensão registada ao A., foi proferida em 31/08/2010 e foi comunicada ao A. por carta registada com A.R. de 01/09/2010 e que foi recebida por este em 06/09/2010.
Significa isto que, a decisão da Ré foi proferida no prazo de 30 dias a contar da data do parecer da CT e a data da sua expedição/registo está também compreendida no mesmo prazo que terminava no dia 02/09/2010.
Certo é, também, que a mesma só foi recebida pelo A. no dia 06/09/2010.
No entanto, como se refere no Acórdão do S.T.J. de 14/05/2008, disponível em www.dgsi.pt, não se extrai do citado normativo (ao tempo no n.º 1, do artigo 415.º, do C.T. de 2003) <<que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto>>[2].
Na verdade, ao que julgamos saber, constitui jurisprudência uniforme deste S.T.J., que a prolação da decisão a que alude o n.º 1 do artigo 357.º do C.T. no prazo de 30 dias, não se confunde com a sua comunicação ao trabalhador.
É que, como se refere no acórdão deste tribunal da Relação de 12/09/2011, disponível em www.dgsi.pt <<a consideração da data da decisão, e não a da sua comunicação ao trabalhador, é a que decorre da lei (…). O CT/2003 regulou a matéria relativa a prazos do procedimento disciplinar de forma minuciosa, não sendo desconhecido do legislador que uma coisa é a data da decisão e, outra, a data da sua comunicação ao trabalhador.
Aliás, tanto assim é que, no art. 411º, nº 4, o legislador teve o cuidado de expressamente se reportar à “comunicação da nota de culpa” e não, simplesmente, à “dedução da nota de culpa”, para além de que, do confronto entre os arts. 415º, nº 1, e 416º, nºs 1 e 2, manifestamente decorre que o legislador não ignorava que o despedimento consubstancia uma declaração receptícia.
Ora, se o legislador, no art. 415º, nº 1, tivesse pretendido reportar-se à data da comunicação da decisão do despedimento e não apenas à data do despedimento, certamente que o teria dito, à semelhança do que fez no art. 411º, nº 4. Não o tendo feito, a única conclusão possível é, a nosso ver, a que decorre da letra do preceito.
Refira-se ainda que se outra fosse a solução pretendida, o legislador do CT/2009, que certamente não desconhecia a divergência jurisprudencial sobre a questão, ao invés de ter mantido redacção idêntica à do artigo 415º, nº 1 (cfr. art. 357º, nº 1, do CT/2009) teria, certamente e ao que nos parece, aproveitado o ensejo para esclarecer a dúvida, consagrando o prazo de 30 dias para proferir e comunicar ao trabalhador a decisão do despedimento>>[3].
Concluímos, assim, tal como o fez o tribunal recorrido, que tendo a Ré proferido a decisão que aplicou a sanção disciplinar ao trabalhador recorrente, no prazo de 30 dias a contar da data do parecer da C.T., o seu direito de aplicar a sanção não se encontrava caduco.
Improcede, assim, esta conclusão do A. recorrente.
2ª questão
Nulidade da decisão disciplinar por falta de imputação subjetiva dos factos ao recorrente.
A este propósito consta da sentença recorrida que:
“3.1. No que concerne ao apontado vício da falta de fundamentação por não se imputar ao autor que tenha praticado a infracção disciplinar a título de dolo ou de mera culpa, importa referir que “…acusou a R. no processo disciplinar formulado contra o A., que tendo sido este interpelado por seu superior hierárquico para colocar o cartão de identificação no peito e do lado esquerdo, o arguido não o fez, assim desobedecendo àquele e mantendo o cartão no local em que se encontrava.” (ponto 19. dos factos provados.
Parece evidente o elemento volitivo – a título de dolo – na descrição que é efectuada pela entidade empregadora quanto à conduta do seu trabalhador…
Por isso, não assiste razão ao autor neste particular: quer a nota de culpa como a decisão final descrevem os factos – mormente na vertente volitiva - que lhe são imputados e que estiveram na base da sanção disciplinar aplicada, sendo certo que o trabalhador, na resposta à nota de culpa, manifestou total compreensão dos factos por que vinha acusado, defendendo-se firme e vigorosamente.”
Alega o recorrente “a ausência de autêntica avaliação do comportamento do arguido no processo disciplinar, não bastando aludir conclusivamente ao facto de o arguido ter desobedecido ao superior hierárquico, mantendo o cartão no local em que se encontrava”.
Não lhe assiste, no entanto, qualquer razão.
Na verdade, resulta da matéria de facto provada que mediante carta registada datada de 08.JUL.10, a R. comunicou ao A. uma nota de culpa com intenção de lhe aplicar “sanção disciplinar adequada”, sendo que, por tal instrumento a R. censura o A. porquanto no dia 29.MAR.10, executando o serviço …., turno .. da linha …, não terá colocado o seu cartão de identificação no vestuário mas, antes, tinha-o colocado na calha inferior da janela do autocarro e mais acusou a R. no processo disciplinar formulado contra o A., que tendo sido este interpelado por seu superior hierárquico para colocar o cartão de identificação no peito e do lado esquerdo, o arguido não o fez, assim desobedecendo àquele e mantendo o cartão no local em que se encontrava.
Destes factos resulta, sem qualquer dúvida, uma imputação dos factos ao recorrente a título de dolo (o A. não colocou o cartão no vestuário, antes o tinha colocado na calha da janela do autocarro e, interpelado para colocar o cartão no peito, não o fez) e não apenas a conclusão de ter desobedecido.
Improcede, também, esta conclusão do recorrente.
3ª questão
Inexistência de infração disciplinar (inexistência de obrigação de colocação do cartão de motorista no vestuário e de desobediência / ilegalidade da ordem no sentido da sua colocação) e
4ª questão
Inexistência de comportamento culposo do recorrente (legítimo direito de recusa).
Apreciamos conjuntamente estas questões atenta a sua ligação intrínseca.
A propósito das mesmas, consta da sentença recorrida:
“5.2. A entidade empregadora – enquanto tal – tem o poder de direcção.
De facto, de acordo com o art.º 97.º do C. do Trabalho, compete à entidade empregadora “…estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado…”: nos dizeres de José Andrade Mesquita (Direito do Trabalho, 2.ª ed., AAFDL, pg. 324, “…o empregador define onde, quando, quais e, inclusivamente, se as tarefas são executadas.”.
Esse poder de direcção (que deve respeitar a autonomia técnica do trabalhador, naquelas funções cuja regulamentação ou deontologia assim o demandem: art.º 127.º, n.º 1, al. e) do C. do Trabalho, bem como não beliscar com a sua categoria profissional – art.ºs 118.º e 119.º do C. do Trabalho) declina-se, de acordo com Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª ed., pg.s 256 e sg.s) nas vertentes determinativa da função, no poder conformativo dela, no poder regulamentar e no poder disciplinar (neste particular, discorda-se daquele professor, na medida em que o poder disciplinar – ainda que intimamente ligado ao poder de direcção, constituindo como que o reverso dele – é um poder autónomo e diverso do de direcção, não podendo ser havido como uma das suas vertentes: é um poder diverso daquele, que surge quando o trabalhador não cumpre voluntariamente ordem ou instrução legítima da entidade empregadora).
5.3. Ao poder de direcção da entidade empregadora corresponde o concomitante dever de obediência por parte do trabalhador, relativamente à execução e disciplina do trabalho, cumprindo as ordens e instruções de quem de direito, desde “…que não sejam contrárias aos seus direitos e garantias.” (art.º 128.º, n.º 1, al. e) do C. do Trabalho.
“Os direitos e garantias do trabalhador que limitam o dever de obediência podem decorrer de qualquer regra jurídica, mesmo exterior ao Direito do Trabalho, atendendo ao princípio da unidade do sistema jurídico.” - José Andrade Mesquita, op. cit., pg. 564.
“O dever de obediência tanto se refere a ordens individualizadas do empregador como à parte normativa dos regulamentos internos da empresa, tendo assim o trabalhador que acatar ambas.”, refere Menezes Leitão (Direito do Trabalho, Almedina, 2.ª ed., pg.187).
5.4. Relativamente ao alegado pelo autor em como inexistia ordem da ré no sentido de ser obrigatório o uso do cartão de identificação não vestuário, importa considerar o ponto 5. do factos provados: existem normas internas da R., no sentido da utilização do cartão de identificação no vestuário - nomeadamente a Ordenação CA OR 05.97, as Ordens de Serviço DEP OS 020/97 e DEP OS 028.98 e os Avisos DPS AV 010/98, e DOP AV 284.08, emitidas no uso do poder regulamentar da entidade empregadora em matéria de organização e disciplina – as quais foram difundidas e levadas ao conhecimento dos seus trabalhadores.
Logo por aqui, pois, falece essa linha de argumentação do autor.
Existia e existe ordem da ré, enquanto entidade empregadora, no sentido de os motoristas de serviço público seus trabalhadores usarem no vestuário o cartão de identificação por ela fornecido aos mesmos.
Tal cartão é concebido para se conter numa bolsa, com ele fornecido, dotada de uma mola, própria para fixação na roupa (ponto 3.).
Portanto, o autor era sabedor da existência de ordem, instrução, determinação da sua entidade empregadora no sentido da obrigatoriedade do uso daquele cartão de identificação.
5.5. O autor, confessada e comprovadamente se recusou a usar o dito cartão nas condições e modo definidos pela ré, antes o tendo colocado na calha inferior da janela do autocarro, situada na cabine do motorista (ponto 6.), mesmo depois de um seu superior hierárquico – no referido dia 29.MAR.10 - lhe haver ordenado que o usasse, ao peito e do lado esquerdo (pontos 7. e 8.).
O demandante, ao agir desse modo – sabendo além do mais que assim contrariava as determinações regulamentares estabelecidas pela sua entidade empregadora, recusando conformar-se com elas mesmo quando a observância lhe foi ordenada por um superior hierárquico, agindo conscientemente (ponto 9.) – desobedeceu, pois, não só ao estabelecido em regulamento pela sua entidade empregadora, como relativamente a ordem directa e concreta dimanada de quem de direito.
6. A desobediência a ordens da entidade empregadora constitui incumprimento contratual (art.º 323.º do C. do Trabalho), cuja consequência é a possibilidade de aplicação de sanções disciplinares (art.º 98.º do C. do Trabalho), no limite, o despedimento com justa causa (art.ºs 340.º, al. c) e 351.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do C. do Trabalho).
6.1. Porém, nem toda a inobservância de ordens ou instruções da entidade empregadora conduzem a uma situação de incumprimento contratual e à correspondente aplicação de sanção disciplinar.
Na verdade, conforme acima brevemente se referiu, a ordem da entidade empregadora não é legítima quando do seu cumprimento possa resultar afronta aos seus direitos e garantias.
Justamente por isso é que a lei designa como infracção disciplinar susceptível de justificar o despedimento apenas e só a ilegítima desobediência: conforme refere Menezes Cordeiro (Manuel de Direito do Trabalho, Almedina, 1999, pg. 829 e sg.s), a desobediência “…implicando a negação do trabalho subordinado … desorganiza o processo produtivo, podendo, além disso, tornar-se afrontosa para o empregador ou quem o represente … A desobediência implica, por definição, a violação de deveres contratuais específicos. Presume-se, pois, culposa, cabendo ao trabalhador ilidir essa presunção, derivada do art.º 799.º/1 do Código Civil)… não é relevante a desobediência cometida dentro de uma permissão ou de um direito mais forte – p. ex., adesão a uma greve regular ou a defesa dos próprios direitos do trabalhador…”.
Conforme se refere no ac. da Rel. do Porto, de 16.MAR.09, no pr. 0487107 que, “Constitui justa causa de despedimento a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores.
Ora, o preenchimento da hipótese da norma exige que a ordem dada seja legítima, isto é, que não constitua violação de qualquer direito ou regalia do trabalhador, sob pena de assistir a este a prerrogativa de desobedecer de forma lícita.
A legitimidade da ordem afere-se também em face da pessoa que a emite, isto é, a ordem deverá ser emanada do empregador ou outro superior hierárquico e não, por exemplo, de um colega de trabalho.”.
6.2. Conforme se referiu acima (supra, ponto 5.1.), o autor recusava o uso do cartão identificativo no vestuário, conforme determinado pela sua entidade empregadora, por entender que o mesmo afrontava os seus direitos e garantias, já que deles constam elementos – tais como a sua foto e o seu n.º de beneficiário da Seg. Social – que, no entender daquele, devassam desnecessariamente a reserva sobre a intimidade da sua vida privada.
6.3. O cartão de identificação cujo uso a ré impõe aos seus motoristas de serviço público contém, na face que fica exposta com a fixação no vestuário, a fotografia do seu titular, o seu primeiro e último nome, o logótipo e sigla da C…, e o número de ordem ou matrícula geral do trabalhador na empresa, e, no verso, o mesmo número de ordem, o nome completo, a categoria mais detalhada, e o número de beneficiário da Segurança Social (ponto 4.).
6.3.1. Por seu turno, o Regulamento de Transporte em Automóveis (Decreto n.º 37.272 de 31.DEZ.48), no seu art.º 184.º, determina que o cartão de identidade dos condutores de transportes colectivos de passageiros deverá indicar, além do nome, a categoria e o número de ordem dos mesmos, a residência do titular, bem como o n.º da carta de condução e a Direcção Geral que a emitiu.
O autor, invocando este normativo, entende que a inclusão da sua foto e do seu n.º de beneficiário nesse mesmo cartão colide com aquela norma legal.
Neste particular, não se acompanha a argumentação do autor quanto à fotografia.
É certo que aquela norma legal não faz referência à mesma, mas não se vislumbram razões ponderosas que impeçam que a fotografia do seu titular dele façam parte: sendo a finalidade do cartão identificativo justamente a de permitir a identificação do seu titular pelos utentes, pelos serviços de fiscalização da actividade transportadora e pelas autoridades policiais, a fotografia do rosto do seu titular permite verificar se o seu titular é efectivamente quem consta desse cartão.
Deste modo, pese embora não conste do texto da lei a menção à foto do condutor, as razões que presidiram às outras indicações que a mesma faz são válidas para a inclusão da fotografia do mesmo
Por isso, não se vê como resulta afrontada a privacidade do autor e assim atingido o seu direito constitucional à reserva da intimidade da sua vida privada.
6.3.2. Já no que concerne ao n.º de Seg. Social Social que igualmente consta do dito cartão identificativo, não se vislumbra qual a finalidade ou motivo pelo qual a ré o faz constar desse cartão identificativo.
Na verdade, contrariamente à fotografia do titular do cartão, o respectivo número de beneficiário da Seg. Social não traz qualquer valor acrescido às finalidades que a lei impõe quanto ao conteúdo do dito cartão.
Não obstante, também não se vê com clareza como é que tal menção afronta de modo tão intenso e grave a intimidade e privacidade do autor.
Na realidade, essa indicação não se encontra na parte frontal do cartão – aquela que fica virada para os utentes e demais pessoas que entrem em contacto com o condutor, quando usado conforme manda a ré – mas sim no respectivo verso (ponto 4.); daí que a eventualidade de essa informação vir a ser conhecida por terceiros só existe se puderem ver o verso do cartão, o qual, em circunstâncias normais (isto é, e conforme referido, quando o cartão em causa se encontra preso ao vestuário do condutor, que assim apenas exibe a parte frontal do cartão, onde apenas consta a fotografia do seu titular, o seu primeiro e último nome, o logótipo e sigla da C…, e o número de ordem ou matrícula geral do trabalhador na empresa) não acontece.
Por isso, reitera-se, pese embora a menção do n.º de Seg. Social não seja exigido pela lei e não se perscrute a necessidade que a ré tem de o fazer constar desse cartão, a alegada devassa à privacidade do autor é remota e meramente hipotética ou eventual: apenas no caso de perda ou extravio desse cartão é que essa devassa poderia ocorrer.
Mas sendo assim, então o que dizer se a ré, no estrito cumprimento do referido art.º 184.º do RTA, mencionasse o endereço do condutor, seu titular?
Será que o autor também se recusaria a usá-lo no vestuário?
Assim, e em conclusão: não é aceitável a recusa do autor em colocar o cartão preso ao vestuário - quando no exercício da condução - com base na suposta ilegalidade desse cartão por dele constar a sua foto e o n.º de Seg. Social; a devassa da sua privacidade não decorre dessas menções, sendo apenas remota, potencial ou hipotética, em termos tais que não pode haver-se por ilegítima a ordem que a ré lhe dirige – e a todos os seus colegas motoristas de serviço público – no sentido de usar o cartão preso ao vestuário. (…)
8. Sendo assim legítima a ordem da ré e ilegítima a recusa do autor em a acatar, é chegado o momento de apreciar a justeza da sanção que lhe foi aplicada, atendendo às circunstâncias que rodearam a conduta do autor.
8.1. Com efeito, associações sindicais dos trabalhadores da R. levaram ao conhecimento desta que haviam aconselhado os seus associados a não utilizarem os referidos cartões no exercício das suas funções, em virtude de constarem do aludido cartão elaborado pela R. elementos que, no entender daquelas, não são consentidos pela lei (ponto 15.) e uma grande parte dos motoristas da R. não usa o aludido cartão, pelo menos no seu vestuário, mercê dessa circunstância (ponto 14.), sendo certo que, para além do demandante, pelo menos outro colega do A. foi objecto de procedimento disciplinar por não usar o cartão de identificação e ter ignorado a chamada de atenção de um superior hierárquico para esse facto, o qual foi punido com a pena de um dia de suspensão, com perda de remuneração (os antecedentes não funcionaram como atenuante) – ponto 23.
8.2. É neste contexto que a desobediência do autor deve ser perspectivada e, de igual modo, apreciada a punição que lhe foi aplicada.
De facto, a desobediência à ordem de uso do cartão no vestuário era mais ou menos generalizada entre os motoristas de serviço público da ré, a qual, por seu turno, adoptou uma postura de tolerância relativamente à mesma, uma vez que não puniu disciplinarmente aqueles seus motoristas que recusavam u uso regulamentar desse cartão.
Por outro lado, o facto de, conforme referido, as próprias estruturas representativas dos trabalhadores os aconselharem a não utilizarem os cartões identificativos como pretendia a ré, igualmente reforçou esse clima generalizado de contestação.
8.3. O que vem de referir-se permite concluir que a culpabilidade do autor - se bem que existente e não escamoteavel - se configura como mitigada ou reduzida, circunstância relevante para a escolha da sanção disciplinar e respectiva medida.
Com efeito, o art.º 328.º do C. do Trabalho, no elenco das sanções disciplinares, prevê justamente a repreensão registada como a segunda menos grave (ou mais leve, conforme a perspectiva…) daquelas susceptíveis de ser aplicadas a infracções disciplinares.
Por outro lado, o art.º 330.º do C. do Trabalho estatui que a sanção disciplinar será proporcional à gravidade da infracção e à culpa do infractor.
Ora, ponderando todas as acima referidas circunstâncias, a repreensão registada que foi aplicada ao autor afigura-se equilibrada e justa.
Se, porventura, tivesse a ré sancionado o seu trabalhador ora autor com a sanção de suspensão por 30 dias com perda de retribuição, por exemplo, a mesma seria excessiva e desproporcionada (recorde-se que outro colega do A. foi objecto de procedimento disciplinar por não usar o cartão de identificação e ter ignorado a chamada de atenção de um superior hierárquico para esse facto, o qual foi punido com a pena de um dia de suspensão, com perda de remuneração (os antecedentes não funcionaram como atenuante), conforme despacho de 01.FEV.10: ponto 24.).
Não merece censura, pois, a decisão da ré.”
*
O A. recorrente insurge-se contra o assim decidido, alegando que o teor do cartão viola a lei e da qual não resulta a obrigatoriedade de colocação no vestuário; que a ordem que lhe foi dada é ilegal; que a exigência do uso do cartão teria de resultar de uma prescrição normativa; que o legislador (RTA) não previu a sua exibição pública e que atuou na convicção de estar a exercer um legítimo direito de recusa.
Apurou-se que a R. fornece um cartão de identificação aos seus trabalhadores que exercem as funções de motoristas de serviço público; os referidos cartões de identificação, são concebidos para se conterem numa bolsa, com eles fornecida, dotada de uma mola, própria para fixação na roupa; esse cartão identificador - que a R. igualmente forneceu ao A. - contém, na face que fica exposta com a fixação no vestuário, a fotografia do seu titular, o seu primeiro e último nome, o logótipo e sigla da C…, e o número de ordem ou matrícula geral do trabalhador na empresa, e, no verso, o mesmo número de ordem, o nome completo, a categoria mais detalhada, e o número de beneficiário da Segurança Social; existem normas internas da R., no sentido da utilização do cartão de identificação no vestuário - nomeadamente a Ordenação CA OR 05.97, as Ordens de Serviço DEP OS 020/97 e DEP OS 028.98 e os Avisos DPS AV 010/98, e DOP AV 284.08, emitidas no uso do poder regulamentar da entidade empregadora em matéria de organização e disciplina – as quais foram difundidas e levadas ao conhecimento dos seus trabalhadores.
Mais se provou que no dia 29.MAR.10, o A., quando procedia à execução do serviço …. (turno .. da linha …) não tinha colocado o seu cartão de identificação no vestuário mas, antes, havia-o colocado na calha inferior da janela do autocarro, situada na cabine do motorista; no mesmo dia, um seu superior hierárquico, verificando que o A. não usava o cartão no vestuário, interpelou-o por esse facto, e ordenou-lhe que o usasse, devendo colocá-lo, mais precisamente, ao peito e do lado esquerdo; o A., depois dessa interpelação, conservou o seu cartão na calha da janela do autocarro, prosseguindo nessas condições o desempenho das suas funções de condução em serviço público de transporte de passageiros; sabia o A. que essa sua conduta contrariava as determinações regulamentares estabelecidas pela sua entidade empregadora, e recusou conformar-se com elas mesmo quando a observância lhe foi ordenada por um superior hierárquico, agindo conscientemente.
Face a estes factos, dúvidas não existem de que o A. não tinha colocado no vestuário o cartão conforme o constante de normas emitidas pela Ré e do seu conhecimento, o que se recusou a fazer mesmo depois de lhe ter sido ordenado que o fizesse.
Conforme se refere na sentença recorrida, <<compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem>> - artigo 97.º, do C.T. e, ao trabalhador cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias – artigo 128.º, n.º 1, e), do C.T..
Por outro lado, consta do artigo 184.º do RTA (Dec. n.º 37272 de 31/12/1948), que os condutores terão um cartão de identidade passado pelo concessionário, do qual constará o nome, a categoria, o número de ordem e a residência do titular e, ainda, a indicação do número da carta de condução e da Direção de Viação que a passou.
Não se retira deste normativo qualquer referência à fotografia do condutor nem ao número da segurança social nem o destino concreto do mesmo. No entanto, não descortinamos qualquer razão válida que impeça a inclusão daqueles elementos no cartão, nomeadamente, a violação de direitos, liberdades e garantias do trabalhador, nem vislumbramos qualquer fundamento legal que sustente o alegado pelo A. no sentido de que tal exigência do uso do cartão teria de resultar de uma prescrição normativa com força de lei.
É que a fotografia aposta no cartão de motorista do A., destinado a ser exibido pelo próprio e no exercício das suas funções, não colide com o direito à imagem (com o sentido e alcance) que se encontra constitucionalmente consagrado.
Na verdade, como se refere na sentença recorrida, tendo o cartão como finalidade a identificação do seu titular perante os utentes, os serviços de fiscalização e policiais, a fotografia aposta no mesmo possibilitará a concreta verificação da correspondência entre quem o exibe e quem consta do mesmo, respondendo, assim, de uma forma mais eficaz àquela finalidade bem como à da segurança e confiança em geral, sendo certo que nos encontramos no âmbito de um serviço de transporte coletivo de passageiros.
No que concerne ao número de beneficiário da segurança social, pese embora não se descortine qual a razão da sua inclusão em tal cartão de identificação, certo é que o mesmo consta do verso, pelo que, em circunstâncias normais de utilização/exibição, tal elemento não está ao alcance de terceiros, razão pela qual, como ficou dito na sentença recorrida <<a alegada devassa à privacidade do autor é remota e meramente hipotética ou eventual: apenas no caso de perda ou extravio desse cartão é que essa devassa poderia ocorrer>>.
Face ao que ficou dito, o cartão de identificação não é ilegal; o A. estava obrigado a cumprir as normas internas da Ré sobre a utilização do cartão de identificação; a ordem que lhe foi dada é legítima e a recusa da colocação do cartão no vestuário é ilegítima.
Por fim, ao contrário do alegado pelo recorrente, da matéria de facto apurada não ressalta que a sua atuação se pautou pela convicção de estar a exercer um legítimo direito de recusa.
É certo que o A. se recusava a trazer o cartão de identificação no vestuário por considerar ilegal a obrigatoriedade do seu uso; que uma grande parte dos motoristas da Ré não usa o aludido cartão no vestuário; que as associações sindicais levaram ao conhecimento da Ré que haviam aconselhado os seus associados a não utilizar, os referidos cartões no exercício das suas funções por deles constarem elementos não consentidos por lei, no entanto, também se apurou que o A. foi interpelado por superiores hierárquicos e que lhe fizeram sentir a obrigação de trazer o cartão ao peito; que o A. sabia que a sua conduta contrariava as determinações regulamentares estabelecidas pela sua empregadora e recusou conformar-se com elas, agindo conscientemente, razão pela qual, não podemos concluir pela convicção do A. de estar a exercer um legítimo direito de recusa.
5ª questão
Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 184.º do RTA no sentido da imposição do cartão no vestuário.
Como já ficou dito, o recorrente alega que “o estatuto do trabalhador nega a imposição unilateral de um adereço externo, exposto e ostensivo da sua imagem, personalidade e envolvimento social – foto, nº de beneficiário, assinatura (…) dado que é lesiva de domínios de razoável privacidade, de direito à imagem e da personalidade em geral que constituiria (tal imposição) uma violação de direitos fundamentais consagrados, entre o mais, no art. 26º da CRP, pelo que, uma interpretação extensiva ou correctiva do art. 184º do RTA que acolhesse tal imposição seria de reputar ferida de inconstitucionalidade”.
Vejamos:
<<A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar (…)>> - artigo 26.º, n.º 1, da C.R.P..
Na verdade, <<o direito à imagem (nº 1) tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o direito de definir a sua própria auto exposição, ou seja, o direito de cada um de não ser fotografado, nem de ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento (…).
O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (nº 1, in fine, e nº 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (…)[4] >>.
Acontece que estes direitos constitucionalmente protegidos não são absolutos, ou seja, podem sofrer maiores ou menores compressões quando em confronto com outros.
Como já tivemos oportunidade de referir, é nosso entendimento que a aposição da fotografia no cartão de motorista do A., destinado a ser exibido pelo próprio e no exercício das suas funções, não colide com o direito à imagem (com o sentido e alcance) que se encontra constitucionalmente consagrado.
No entanto, mesmo que a imposição do uso no vestuário do cartão identificativo em causa com a respetiva fotografia, constituísse uma limitação do direito à imagem do A. na vertente supra citada de não ver o seu retrato exposto em público, tal limitação encontraria justificação bastante na necessidade de identificação e de segurança supra mencionadas, ou seja, o direito à imagem cederia face ao direito à segurança consagrado no artigo 27.º, n.º 1, da C.R.P., na sua <<dimensão positiva, traduzindo-se num direito positivo à protecção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem (segurança da pessoa (…))>>[5].
Por outro lado, constando o número de beneficiário da segurança social do A. no verso (não exposto) do cartão que deve exibir no vestuário, encontra-se assegurado (tendo em conta a normal utilização do mesmo) o direito a impedir o acesso de estranhos a tal informação e, consequentemente, não existe violação da reserva da intimidade da vida privada do A..
Assim sendo, o artigo 184º do RTA interpretado no sentido de permitir que o cartão de identificação do condutor contenha uma fotografia do seu titular visível e o n.º de beneficiário da segurança social no verso, não viola o disposto no artigo 26.º da C.R.P..
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Improcedem assim todas as conclusões formuladas pelo A. recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.
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IV – Sumário[6]
1. A fotografia aposta no cartão de motorista do A., destinado a ser exibido pelo próprio e no exercício das suas funções, não colide com o direito à imagem (com o sentido e alcance) que se encontra constitucionalmente consagrado.
2. Tendo o cartão como finalidade a identificação do seu titular perante os utentes, os serviços de fiscalização e policiais, a fotografia aposta no mesmo possibilitará a concreta verificação da correspondência entre quem o exibe e quem consta do mesmo, respondendo, assim, de uma forma mais eficaz àquela finalidade bem como à da segurança e confiança em geral.
3. Constando o número de beneficiário da segurança social do A. no verso (não exposto) do cartão que deve exibir no vestuário, encontra-se assegurado (tendo em conta a normal utilização do mesmo) o direito a impedir o acesso de estranhos a tal informação e, consequentemente, não existe violação da reserva da intimidade da vida privada do A..
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V - DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações acorda- se:
1-) em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo do A. recorrente.
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Porto, 2013/11/04
Paula Maria Roberto)
Machado da Silva)
Fernanda Soares (Vencida por entender mostrar-se relevante para a decisão do recurso, aprecar-se o sentido e termos da condenação referida no ponto 25 da matéria de facto e as ordens referidas no nº 5 da matéria de facto não -----, concretamente, o uso de cartão nos termos referidos pela empregadora mas antes cartão “colocado de forma visível)
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[1] Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, pág. 641.
[2] No mesmo sentido, cfr. acórdãos do S.T.J. de 23/06/2010 e de 07/10/2010, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido cfr. acordão deste tribunal da Relação de 24/10/2011.
[4] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 467.
[5] Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, pág. 479.
[6] O sumário é da exclusiva responsabilidade do relator.