Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5/14.4YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
INCUMPRIMENTO
SINAL
Nº do Documento: RP201401305/14.4YRPRT
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A necessidade de se proceder, ao abrigo do art. 777.º do CC, à fixação judicial de prazo para o cumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção a construir ocorre quer o contrato-promessa não contenha a menção de qualquer prazo para o cumprimento quer contenha a indicação de um prazo mas contando-o de um evento futuro cuja data de ocorrência é incerta.
II - A existência no contrato-promessa de uma estimativa sobre a data em que a fracção prometida estará construída e licenciada não é, em regra, estipulação firme de um prazo para o cumprimento, mas também não é juridicamente irrelevante.
III - Essa estipulação vincula o promitente-vendedor a especiais deveres de cuidado e protecção dos interesses do promitente-comprador, podendo constituir fundamento específico de responsabilização pelos danos sofridos por este em resultado da frustração da confiança de que essa previsão seria concretizada.
IV - A interpelação admonitória destinada a converter a mora em incumprimento definitivo tem ter por objecto a obrigação principal do contrato e não apenas obrigações acessórias ou instrumentais.
V - A recusa peremptória em reforçar o sinal nos termos e nos prazos previstos no contrato com a alegação de que o contrato já se encontra resolvido, constitui uma manifestação inequívoca de recusa de cumprimento do contrato, equivalendo ao seu incumprimento definitivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 5/14.4YRPRT [Tribunal Arbitral junto do Instituto de Arbitragem Comercial, Porto]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, S.L., pessoa colectiva nº ………., matriculada no Registo Mercantil de Madrid, com sede em …, …, ….., Madrid, Espanha, e C…, S.L., pessoa colectiva nº …….., matriculada no Registo Mercantil de Madrid, com sede em …, ., …, …, ….., Madrid, Espanha,
celebraram com o
D…, com o registo na Comissão do Mercado de Valores Imobiliários nº …, pessoa colectiva nº ………, constituído por um milhão de unidades de participação do valor unitário de cinco euros, gerido pela sociedade E…, SA, pessoa colectiva nº ………, com sede na …, …, ..º piso, Lisboa,
um contrato-promessa de compra e venda no qual convencionaram que todas as questões emergentes desse contrato, sua interpretação, execução e incumprimento, denúncia ou resolução seriam dirimidas por um Tribunal Arbitral a funcionar na cidade do Porto.
Por impulso das duas sociedades primeiramente identificadas, foi constituído e instalado o Tribunal Arbitral.
Na pretensão que formularam para ser decidida pelo Tribunal Arbitral aquelas sociedades pediram a condenação da última das sociedades identificadas a restituir àquelas o dobro do sinal entregue ao abrigo do aludido contrato-promessa, ou seja, €109.500,00.
Para o efeito alegaram que demandantes e demandado celebraram em 09.01.2007 um contrato-promessa de compra e venda mediante no qual o segundo prometeu vender às primeiras e estas prometeram comprar, a fracção autónoma a construir no Lote … de um empreendimento turístico a edificar em Óbidos, mediante o pagamento do preço de €342.500,00, acrescido de IVA, e ainda de €22.500,00, acrescidos de IVA, a título de preço da mobília que seria instalada na mencionada fracção.
Esses montantes deveriam ser pagos da seguinte forma: €54.750,00, na data da assinatura do contrato, a titulo de sinal e principio de pagamento, valor de que o demandado deu quitação; €91.250,00, seis meses após a data em que tivesse inicio a construção do conjunto de bandas em que a fracção objecto do contrato se insere, data que seria contada a partir do envio de carta do promitente-vendedor a informar que a obra se iniciou; €219.000,00, acrescidos de IVA, no acto da outorga da escritura pública de compra e venda, a ter lugar no prazo de 60 dias contados da data do alvará de licenciamento da fracção.
Na cláusula 2ª, alínea d) do contrato e seu anexo IV, foi estimado que o inicio da construção das moradias em banda ocorresse no 2º semestre de 2007 e que a fracção estivesse construída e licenciada cerca de 20 meses após o início da sua construção. Todavia, até final de 2009, a construção ainda não se havia iniciado, o que só viria a ocorrer no 2º semestre de 2010.
Em virtude desse facto, as demandantes remeteram ao demandado, em 24.12.2009, carta registada com aviso de recepção, interpelando-o, ao abrigo do disposto no artigo 805.º do Código Civil, para dar início à construção da fracção autónoma prometida comprar, com a realização dos trabalhos necessários à escavação para instalação das fundações da fracção e das respectivas obras de urbanização até 15 de Janeiro de 2010; e que no caso de não aceitar a revogação do contrato ou de as obras não terem inicio até 15 de Fevereiro de 2010, incorreria automaticamente em incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa. O demandado não aceitou a revogação contratual e não iniciou as obras até ao prazo concedido, limitando-se a informar, por carta de 12.01.2010, que as demandantes iriam ser brevemente notificados para fixação do período de seis meses que decorreria entre a comunicação do inicio da construção e o reforço de sinal previsto de 25% do preço.
Por carta de 23.03.2010, as demandantes informaram que na falta de comunicação do inicio da obra de construção da fracção até 15.02.2010, e de acordo com o teor da carta de 24.12.2009, consideravam que o demandado se encontrava em situação de incumprimento definitivo do contrato. Não obstante, concediam ao demandado o prazo final e improrrogável de 10 dias para comprovar o início das obras de construção ou para dizer se aceitava a revogação do contrato-promessa e a devolução do sinal entregue. O demandado limitou-se a interpelar as demandantes para reforçarem o sinal em €91.250,00, a efectuar em 01.12.2010, face ao alegado inicio das obras. Em resposta, por carta de 01.12.2010, as demandantes, reiteraram o teor das suas cartas anteriores afirmando entender estar resolvido o contrato e, por via disso, não haver lugar a reforço de sinal.
O demandado ofereceu contestação, por excepção e impugnação, e deduziu reconvenção que foi admitida pelo tribunal arbitral.
Em resumo defendeu que no contrato não foi fixado um prazo certo para o cumprimento da promessa, mas apenas uma estimativa de que o início da construção ocorresse no 2° semestre de 2007 e a fracção estivesse construída e licenciada 20 meses depois, uma vez que a execução do empreendimento estava dependente também de terceiros. Por esse motivo, para poderem colocar o demandado em mora, as demandantes teriam de pedir a fixação judicial de prazo, não possuindo esse valor jurídico a fixação unilateral de um prazo por qualquer dos contraentes e não sendo por isso válida ou eficaz a interpelação dirigidas pelas demandadas ao demandado a intimá-lo a iniciar as obras, quando a obrigação a que o demandado estava obrigado era a de vender a fracção.
Os prazos concedidos nessa carta eram absurdos e impraticáveis face à dimensão do empreendimento a construir. O alegado pelas demandantes é insusceptível de preencher o conceito jurídico de “perda de interesse”. O demandado sempre praticou diligentemente os actos que dependiam de si com vista à elaboração pelo arquitecto escolhido dos projectos de especialidade, com vista ao licenciamento da construção da moradia pela Câmara Municipal … e à contratação de empreiteiro para a execução das infra-estruturas., tendo sido esses factos e as dificuldades inerentes à “crise imobiliária” emergente em 2007, que determinaram que a construção não se iniciasse em momento anterior. O contrato define expressamente de que forma poderia o demandado incorrer em incumprimento definitivo, susceptível de conferir o direito de resolução do mesmo, situação que não estava verificada.
Em reconvenção o demandado pediu que o contrato-promessa seja declarado resolvido por incumprimento definitivo das demandantes, com o direito de fazer sua a quantia recebida destas a título de sinal.
Para sustentar essa pretensão dá como reproduzido o que alegou em sede de contestação e acrescenta que no início de Janeiro de 2010 já as obras de urbanização haviam sido recebidas e iniciados os trabalhos respeitantes à fracção objecto do contrato-promessa, tendo o demandado, conforme previsto no contrato, notificado as demandantes para reforçar o sinal, o que reiterou mais tarde, sendo que as demandantes não o fizeram por entenderem que o contrato estava resolvido, tendo comunicado inequívoca e expressamente que não iriam efectuar o reforço de sinal devido. O demandado concedeu-lhes, por duas vezes, novos prazos adicionais para procederem ao pagamento da quantia em falta no valor de €91.738,70, mas as demandantes mantiveram a recusa em o fazer, incorrendo por isso em incumprimento definitivo.
Cumprido o contraditório e elaborada base instrutória foi designada data para audiência de produção de prova e julgamento, na qual ambas as partes prescindiram das testemunhas que haviam arrolado, a que se seguiu a decisão sobre a matéria de facto.
Oportunamente foi proferido Acórdão com a decisão arbitral, na qual se julgou improcedente o pedido das demandantes, dele absolvendo o demandado, e procedente o pedido reconvencional, declarando-se resolvido o contrato-promessa por causa imputável às demandantes e o direito de o demandado fazer sua a quantia recebida a título de sinal. Este Acórdão foi proferido por maioria, tendo lavrado voto de vencido o Juiz Árbitro designado pelas demandantes.
Desta decisão vieram as demandantes interpor recurso, como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, o qual foi admitido pelo Tribunal Arbitral.
As recorrentes formularam as seguintes conclusões das suas alegações de recurso:
1] A solução legal aplicável ao caso dos autos é diversa da sustentada na sentença.
2] As recorrentes alegaram que as obrigações tinham prazo certo, ao invés do recorrido que entende tratar-se de obrigações puras.
3] A grande maioria, quase a totalidade, dos factos alegados pelo recorrido e levados à base instrutória mereceram resposta negativa e destinavam-se a fazer prova da sua alegada actuação diligente e não culposa. Sem eles nunca poderia proceder a excepção invocada pelo recorrido.
4] Cotejando as diversas definições doutrinais de obrigações puras, nenhuma delas se enquadra nas obrigações do caso dos autos.
5] Nem no âmbito dos contratos-promessa de compra e venda é equacionável a estipulação desse tipo de obrigação, nem a vontade das recorrentes e recorrido, vazada para o contrato, foi essa. Se assim fosse, o recorrido cumpriria quando quisesse, não sendo compreensível que as recorrentes pagassem um tal elevado sinal, a verificar-se tal hipótese.
6] Reitera-se que não ficou provado que os prazos contratuais eram apenas estimados, que a execução da construção dependia de terceiros e que o recorrido praticou com diligência todos, ou apenas alguns, dos actos que dele dependiam para a execução da construção. Outrossim, dúvidas não podem existir quanto aos prazos de início e conclusão da construção.
7] Os referidos prazos foram fixados numa lógica de boa-fé contratual e razoabilidade de princípios, conferindo ao recorrido alguma flexibilidade no início e conclusão da construção. Se as obrigações não tivessem prazo, como pretende o recorrido, nunca antes de decorridos os prazos supra aludidos poderiam as partes exigir o cumprimento de qualquer uma das obrigações contratuais.
8] A sentença sob recurso fundamenta o seu entendimento nesta matéria apenas com base na enunciação etimológica da palavra "estimado", não curando de, atenta a prova testemunhal e documental produzida, interpretar a vontade das partes e o contexto e modo de celebração do contrato.
9] Acresce que à data da interpelação admonitória das recorrentes, ou seja, final de 2009, data em que a construção devia estar já concluída, esta ainda nem sequer tivera início, estando ultrapassados os prazos fixados no contrato.
10] Assim sendo, não tem aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 777º do Código Civil.
11] Quando a obrigação tem prazo certo, o promitente-vendedor constitui-se em mora quando aquele é ultrapassado na previsão da alínea c) do n° 2 do artigo 8050 do Código Civil. Na hipótese de não ter sido estipulado prazo certo, o promitente vendedor só entra em mora no momento em que é interpelado, judicial ou extrajudicial mente para cumprir, atento o disposto no nº 1 do artigo 805° do Código Civil, sendo que em nenhuma destas situações é obrigatório o recurso à acção judicial de fixação judicial de prazo.
12] Isto posto, a tarefa seguinte é a de apurar se a interpelação efectuada pelas recorrentes fez o recorrido entrar em mora.
13] As recorrentes escreveram duas cartas para esse efeito, em 24-12-2009 e 23-03-2010.
14] A carta de 24-12-2009 foi expedida depois de expirado o prazo para conclusão e licenciamento da construção e cerca de dois anos após o decurso do prazo estimado para o início da construção e fez incorrer o recorrido em mora.
15] Para além dessa interpelação, as recorrentes fixaram um prazo para início da construção e manifestaram a intenção de resolver o contrato se tal não sucedesse, tudo ao abrigo do artigo 808º, nº 1 do Código Civil. E como tal prazo não foi cumprido, considera-se a prestação não efectuada, operando-se a resolução promovida pelas recorrentes com base nesse fundamento.
16] Como consequência da resolução, o contrato-promessa cessou imediatamente os seus efeitos, sendo irrelevante apreciar a posterior invocada resolução do contrato, num momento em que este estava já resolvido. A procedência do pedido das recorrentes conduz à improcedência da pretensão do recorrido, e vice-versa.
17] A sentença apenas aflora ao de leve a questão da aplicabilidade do nº 2 do artigo 442º do Código Civil, sendo certo que o incumprimento do contrato-promessa não implica a sua actuação imediata, exigindo-se também a imputação do incumprimento do contraente faltoso.
18] Destarte, necessário se torna apurar a quem é assacável a culpa pelo incumprimento, culpa que pode ser exclusiva de ambas as partes ou repartida entre elas, se o incumprimento do recorrido fosse justificado e não culposo ou se a resolução efectuadas pelos recorrentes fosse culposa.
19] Ilações finais a retirar: estando estipulado um prazo, o recurso ao tribunal não tem suporte legal; a acção judicial de fixação de prazo não tem lugar quando as partes não fixarem de todo qualquer prazo; o prazo do nº 1 do artigo 808º do Código Civil vale para todas as obrigações; as insistências das recorrentes pelo cumprimento constituem interpelações extrajudiciais, competindo nesse caso ao vendedor provar a ocorrência de causa que não lhe seja imputável.
20] Tudo ponderado, as recorrentes resolveram, com suporte legal, o contrato dos autos, no qual se estabeleciam prazos, interpelando o recorrido para cumprir e fazendo-o entrar em mora.
21] A acção deve proceder, considerando-se bem resolvido pelas recorrentes o contrato dos autos, e improceder o pedido reconvencional, atenta a procedência daquele.
Foram violados: Os artigos 432°, 433, 442°, 777°, 805°, 806° e 808°, todos do Código Civil. Os artigos 158° e 659° do Código de Processo Civil.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As conclusões das alegações de recurso demandam deste Tribunal que decida as seguintes questões:
i) Se no contrato-promessa foi estipulado um prazo para o seu cumprimento.
ii) Se a necessidade de fixação judicial de prazo para o cumprimento da promessa só ocorre nos contratos-promessa sem prazo de cumprimento ou também nos que tendo embora prazo o indexam a um acontecimento futuro com data de ocorrência incerta.
iii) Qual o valor jurídico da estimativa constante do contrato sobre o prazo para a construção e licenciamento da fracção prometida vender.
iv) Se a afirmação peremptória da recusa de reforço do sinal nos termos estabelecidos no contrato-promessa traduz o incumprimento definitivo do contrato.

III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 09.01.2007, Demandantes e Demandado celebraram um contrato promessa de compra e venda mediante o qual o segundo prometeu vender às primeiras que, por sua vez, lhe prometeram comprar, a fracção autónoma provisoriamente designada pela letra “AE” e graficamente representada no Anexo III ao contrato, a construir no Lote …, com área privativa de cerca de 361,80 m2 e beneficiando da área comum de 11.283m2, tudo a ser objecto de propriedade horizontal a constituir logo que estivessem reunidos todos os pressupostos para o efeito.
2. Como contrapartida, as Demandantes obrigaram-se a pagar ao Demandado:
- € 342.500,00 (trezentos quarenta e dois mil e quinhentos euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, correspondente ao preço da fracção;
- € 22.500,00 (vinte dois mil e quinhentos euros) acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, correspondentes ao preço da mobília que seria instalada na mencionada fracção, designadamente mobiliário, electrodomésticos, equipamentos de TV, decoração e roupa de casa.
3. Os preços de venda acordados deveriam ser pagos conjuntamente da seguinte forma:
- €54.750,00 (cinquenta quatro mil setecentos cinquenta euros), na data da assinatura do contrato, a titulo de sinal e principio de pagamento, valor de que o demandado deu aos demandantes a respectiva quitação, consubstanciada no contrato, após boa cobrança dos meios de pagamento por estes entregues;
- €91.250,00 (noventa um mil duzentos cinquenta euros), 6 (seis) meses após a data em que a obra de construção do conjunto de bandas em que a fracção objecto do presente contrato se insere, tivesse inicio, data que seria contada a partir do envio de uma carta pelo promitente vendedor ao promitente comprador informando que a obra se iniciara, a titulo de reforço de sinal;
- €219.000,00 (duzentos dezanove mil euros) acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, incidindo sobre a totalidade dos preços referidos no anterior número 2, no acto da outorga da competente escritura pública de compra e venda, a celebrar no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data do alvará de licenciamento da fracção, sem prejuízo do disposto no número 2 da cláusula terceira.
4. Foi estimado que a fracção estivesse construída e licenciada cerca de 20 (vinte) meses após o início da sua construção, conforme anexo IV.
5. Foi contratualmente estabelecido que o inicio da construção das moradias em banda era estimado ocorrer no 2º semestre de 2007, devendo os demandantes ser informados do inicio da construção da fracção prometida vender.
6. Em 24.12.2009, as Demandantes enviaram ao Demandado – que a recebeu – a carta que constitui o documento nº 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7. Em 23.03.2010, as Demandantes enviaram ao Demandado – que a recebeu – a carta que constitui o documento nº 4 junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido.
8. Por cartas de 02.06.2010 e de 05.11.2010, que constituem os documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 6 e 7 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, além de informar as Demandantes do inicio da construção e do valor da prestação a que se reporta a alínea b) da Cláusula 2ª do contrato-promessa, o Demandado interpelou as Demandantes para reforçarem o sinal em € 91.250,00, a efectuar em 01.12.2010 face ao alegado inicio das obras.
9. As Demandantes não pagaram ao Demandado o reforço de sinal a que se reporta o número anterior.
10.Em 01.12.2010, as Demandantes enviaram ao Demandado – que a recebeu – a carta que constitui o documento nº 8 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11. Em 17.01.2011, o Demandado enviou às Demandantes – que a receberam – a carta que constitui o documento nº 1 junto com a contestação, cujo teor aqui é dado por reproduzido.
12. Dá-se com integralmente reproduzido o teor do contrato-promessa que constitui o documento junto com a petição inicial sob o nº 1, do documento nº 3 (carta da E…, de 2010.01.12 e oficio nº ………, de 2008.11.17, da Câmara Municipal …), também junto com a petição inicial e bem assim o dos documentos juntos com a contestação sob os nºs 2 e 3.
13. À data da carta que constitui o documento nº 2 junto com a petição inicial a maioria das infra-estruturas já estavam concluídas.
14. O Demandado não foi interpelado para cumprir a conclusão das infra-estruturas, o início da construção da fracção objecto do contrato e a celebração da respectiva escritura.
15. À data da carta que constitui o documento nº 2 junto com a petição inicial, o processo de qualificação turística relativo ao loteamento em que se integra a fracção a vender e comprar ainda se encontrava numa fase inicial senão mesmo embrionária.
16. A Demandada, em data não apurada mas anterior a 2010.09.09, submeteu à Câmara Municipal … uma comunicação prévia com vista ao licenciamento, que foi admitida.
17. Devido ao facto de nas datas fixadas pelas Demandantes para o Demandado dar inicio ao cumprimento das suas obrigações contratuais – 2010.01.15 e 2010.02.15 – não existir ainda fracção autónoma, não estavam ainda criadas as condições factuais necessárias à celebração do contrato prometido.
18. Em 16.03.2011 o Demandado remeteu às Demandantes a carta que constitui o documento nº 2 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

IV.
Na convenção de arbitragem que fizeram incluir no contrato cujo incumprimento constitui a causa de pedir da acção e da reconvenção, os contraentes estipularam a constituição de um tribunal arbitral e fixaram o respectivo regulamento.
Nesse regulamento convencionaram, designadamente, na cláusula 18.ª que “o processo reger-se-á pelas normas aplicáveis ao processo ordinário de declaração”, na cláusula 19.ª que “de todas as decisões proferidas por maioria, incluindo a sentença, será sempre admissível recurso mas apenas para o Tribunal da Relação”, e na cláusula 24.º que “em tudo o que não esteja expressamente previsto no presente Regulamento do Tribunal Arbitral aplicar-se-á a Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto”. Deve ainda anotar-se que nesse Regulamento não existe qualquer cláusula a consentir que a decisão arbitral fosse tomada com base na equidade.
À data da celebração do contrato e da convenção de arbitragem estava em vigor a Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto. Este diploma foi entretanto revogado pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que aprovou a Nova Lei da Arbitragem Voluntária, a qual entrou em vigor “três meses após a data da sua publicação” (artigo 6.º).
Nos termos do artigo 4.º da referida Lei, o novo regime da Lei da Arbitragem Voluntária só é aplicável “aos processos arbitrais que se iniciem após a sua entrada em vigor”, sendo ainda aplicável aos processos arbitrais iniciados antes da sua entrada em vigor mas apenas se “ambas as partes nisso acordem ou se uma delas formular proposta nesse sentido e a outra a tal não se opuser no prazo de 15 dias a contar da respectiva recepção”.
No caso, o pedido de constituição do tribunal arbitral e a apresentação do requerimento inicial tiveram lugar em 19.05.2011, a notificação da demandada desse pedido ocorreu em 23.05.2011 e a citação para apresentar contestação em 20.06.2011, pelo que o processo arbitral estava já iniciado antes da entrada em vigor da Nova Lei da Arbitragem Voluntária.
Não consta dos autos que as partes hajam acordado a aplicação ao processo da Nova Lei da Arbitragem Voluntária, nem que alguma delas haja feito proposta nesse sentido e a outra a isso não se opusesse. Assim é aplicável supletivamente ao processo o disposto na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
De acordo com o artigo 15.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, na convenção de arbitragem ou em escrito posterior, até à aceitação do primeiro árbitro, as partes podiam acordar sobre as regras de processo a observar na arbitragem. Por sua vez o artigo 22.º estipulava que os árbitros julgam segundo o direito constituído, a menos que as partes, na convenção de arbitragem ou em documento subscrito até à aceitação do primeiro árbitro, os autorizem a julgar segundo a equidade. Finalmente, o artigo 29.º prescrevia que se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca.
Em face do estabelecido pelas partes na convenção arbitral e pela lei nestas disposições normativas, é forçoso concluir que a decisão proferida pelo tribunal arbitral devia ser proferida segundo o direito constituído, como foi, que dessa decisão era possível interpor os recursos próprios do processo ordinário, pelo que o recurso foi validamente admitido como de apelação, e, por fim, que no caso, tendo a decisão sido proferida por maioria e não por unanimidade, o recurso deve ser apreciado por este Tribunal da Relação, que decidirá em última instância.
O litígio submetido à decisão do Tribunal Arbitral tem por objecto um contrato-promessa celebrado entre as partes e o seu incumprimento, que cada uma das partes imputa respectivamente à outra e que qualifica como definitivo e gerador da obrigação de pagamento da indemnização própria desta figura contratual, a qual tem como medida o valor do sinal. O Tribunal Arbitral foi chamado a decidir se o incumprimento definitivo do contrato é imputável ao demandado ou às demandantes e decidiu neste último sentido, podendo desde já adiantar-se que decidiu correctamente.
Nos termos do artigo 410º do Código Civil contrato-promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.
Da promessa feita emerge para os promitentes a obrigação de “emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido” (cf. Almeida Costa, in Contrato Promessa - Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, pág. 41).
Como escreve Ana Prata, in O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, pág. 573 e seguintes, “O contrato-promessa produz, em princípio, meros efeitos obrigacionais. Ele gera, necessariamente, uma ou duas obrigações de contratar, uma ou duas obrigações de celebrar um certo contrato. O objecto dessas obrigações é, na opinião tradicional e que continua a ser maioritária da doutrina, uma prestação de facere jurídico, a emissão da declaração negocial integradora do contrato prometido. Sendo esta a prestação debitória a que o obrigado está, principalmente, adstrito, não é, porém, directamente a ela que se dirige o interesse do credor. O interesse do promissário visa imediatamente a conclusão do contrato definitivo, e, mediatamente, a produção dos efeitos próprios deste. Enquanto a obrigação principal do devedor parece ter apenas por objecto a emissão da declaração negocial componente do contrato prometido, o direito do credor tem por objecto a conclusão válida e eficaz deste último. É o seu cumprimento que satisfará, a final, o interesse creditório que motivou a celebração da promessa. (…) O promitente, estando vinculado a uma declaração negocial, não está vinculado a uma qualquer declaração negocial: esta é a que seja susceptível de integrar o contrato nos exactos termos em que foi convencionado que este se celebraria. A sua obrigação é, pois, a de intervir na conclusão de um contrato já completamente identificado estrutural e funcionalmente. Só a conduta de que resulte a válida celebração de contrato capaz de produzir os efeitos fixados pela promessa constitui, assim, cumprimento pontual da obrigação. (…) Daí que ao comportamento debitório principal estejam incindivelmente ligadas condutas debitórias acessórias, positivas e negativas, instrumentais da sua realização”.
Como acontece no comum dos contratos é necessário determinar quando é que a obrigação contratual se vence, se torna exigível, pode ser exercitada. Com efeito, pode resultar do acordo das partes, da natureza do contrato ou da obrigação ou mesmo da lei, que a prestação possa ser exigida ou exercitada imediatamente, que só o possa ser decorrido determinado prazo ou evento ou ainda que não o possa mais ser uma vez esgotado um prazo. Daí que seja frequente distinguir-se a esse propósito entre termo obrigacional e termo legal, termo inicial e termo final, termo certo e termo incerto, termo essencial e acidental ou não essencial.
A relevância de saber quando é que o devedor está obrigado ou pode ser obrigado a cumprir prende-se com a definição da mora e do incumprimento definitivo. Prescreve, com efeito, o nº 2 do artigo 804º do Código Civil que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Já de acordo com o artigo 805° do mesmo diploma, tendo a obrigação prazo certo, o devedor fica constituído em mora, independentemente de interpelação judicial ou extra-judicial para cumprir, tão logo que se atinge o prazo fixado para o cumprimento.
A definição deste aspecto é, antes de mais, uma tarefa de interpretação do contrato e da vontade das partes. Se as partes optam por celebrar uma promessa de contratar em vez do contrato prometido é porque alguma delas se reserva ainda no direito de poder desistir da celebração deste (suportando, obviamente, as consequências) ou porque existem obstáculos à celebração imediata do contrato prometido, mas as partes pretendem vincular-se já, juridicamente, à sua celebração no futuro. Daí que normalmente estejam envolvidos num contrato-promessa dois interesses contrapostos ou conflituantes: o interesse na celebração do contrato prometido o mais rapidamente possível e o interesse em que isso apenas seja exigível no momento em que estiverem reunidas as condições para tanto.
Nenhum destes interesses é, no entanto, característico de uma das partes no contrato. O promitente-comprador pode estar interessado na celebração do contrato prometido o mais rapidamente possível, porque, por exemplo, necessita do bem objecto do contrato, mas também pode estar interessado em ter o tempo necessário para reunir as condições para poder concretizar a promessa de aquisição (por exemplo: obter os recursos necessários para pagar a contrapartida). Da mesma forma o promitente-vendedor pode ser o interessado na pronta concretização da promessa (por exemplo, necessita de receber a contrapartida) ou antes o interessado em dispor de mais tempo para a concretizar (por exemplo, necessita de realizar as obras destinadas a colocar o bem nas condições em que o prometeu alienar).
O contrato deverá evidenciar a forma como as partes entenderam regular estes interesses e alcançaram entre si o ponto de consenso em relação a tais interesses. Por princípio, essa regulação consensual é legítima e válida, de modo que a alteração desse consenso só é possível através do estabelecimento de um novo mútuo consenso. Por regra, não é consentido a nenhuma das partes impor a sua vontade unilateral à outra parte no contrato quanto a aspectos em relação aos quais se formou acordo que foi vertido para o contrato ou em relação aos quais a economia do contrato exige o consenso das partes, sob pena de violação da própria essência da relação contratual ou da boa fé. Pacta sunt servanda.
Centremos pois a atenção no que foi estabelecido consensualmente pelas partes no contrato.
A única cláusula do contrato que se refere ao tempo da celebração da escritura do contrato prometido é a cláusula 2.ª relativa ao preço e suas condições de pagamento. De acordo com a alínea c) desta cláusula, essa escritura é “a celebrar no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data de emissão do alvará de licenciamento da fracção”. Imediatamente a seguir surge a alínea d) da mesma cláusula que estabelece o seguinte: “Estima-se que a fracção esteja construída e licenciada cerca de 20 (vinte) meses após o início da construção – Anexo IV”.
O anexo IV do contrato, que faz parte integrante do mesmo, tem estritamente o seguinte conteúdo: “o início da construção das moradias em banda é estimado ocorrer no 2º semestre de 2007, sendo o promitente-comprador informado do início de construção da moradia em banda objecto do respectivo contrato-promessa de compra e venda”.
No n.º 1 da cláusula 3.ª do contrato, cuja epígrafe é “escritura pública, mora e incumprimento”, as partes limitaram-se a estabelecer as formalidades, a antecedência e o dever de iniciativa da marcação da escritura.
No n.º 2 desta cláusula, no entanto, definiram que “o promitente-vendedor não poderá marcar a escritura sem que as infra-estruturas da fase em que se encontra a fracção objecto do presente contrato estejam genericamente terminadas, e simultaneamente, o campo de golfe esteja modelado e todo semeado, bem como o alvará de licenciamento da fracção objecto do presente contrato emitido, considerando-se consequentemente o prazo para a marcação da escritura de compra e venda prorrogado até 60 (sessenta) dias após o preenchimento dos requisitos constantes deste número”.
No n.º 7 desta cláusula estabeleceram as partes que “o incumprimento definitivo pelo promitente-vendedor confere ao promitente-comprador o direito de resolver o presente contrato e de exigir daquele a restituição em dobro de todas as importâncias entregues a título de sinal e reforço de sinal.”
E no n.º 8 definiram ainda que se considera “incumprimento definitivo para o efeito do número anterior, a não marcação da escritura por causa imputável exclusivamente ao promitente-vendedor no prazo de 90 (noventa) dias, após a notificação pelo promitente-comprador, através de carta registada com aviso de recepção a solicitar a marcação da escritura. Esta notificação só pode ser expedida pelo promitente comprador desde que esteja decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias após a emissão do alvará de licenciamento da fracção e desde que se encontrem no grau de realização previsto as infra-estruturas e o equipamento constantes do número 2 desta cláusula. Na hipótese de atraso na emissão do mencionado alvará e/ou das referidas infra-estruturas e/ou do campo de golfe, o prazo para o promitente vendedor marcar a escritura considera-se prorrogado nos termos do número 2 supra e, consequentemente, é a partir dessa nova data que se contam todos os prazos supra”.
Destas disposições contratuais é possível extrair as seguintes conclusões sobre o conteúdo do acordo das partes quanto ao tempo da celebração da escritura:
a] O prazo para a celebração da escritura foi fixado em 60 dias a contar da data de emissão do alvará de licenciamento da fracção.
b] Não foi fixado prazo para a obtenção do alvará de licenciamento da fracção.
c] Foi feita uma estimativa para o “início da construção das moradias em banda” – “no 2º semestre de 2007” – de que faria parte a fracção objecto do contrato e uma estimativa para a “construção e licenciamento” da fracção – “cerca de 20 meses após o início da construção” –.
d] Em conjugação dessas duas datas, ficou estimado que em Agosto de 2009 a fracção estivesse construída e licenciada.
e] No entanto, o promitente-vendedor não poderia marcar a escritura sem que as infra-estruturas do empreendimento atingissem uma determinada fase de execução e cumulativamente estivesse emitido o alvará de licenciamento da fracção.
f] Se isso sucedesse o prazo para a escritura considerava-se automaticamente prorrogado até 60 dias após o preenchimento desses (licenciamento da fracção, fase de execução do empreendimento).
g] O promitente-vendedor incorreria em incumprimento definitivo se não marcasse a escritura, por causa a si exclusivamente imputável, no prazo de 90 dias após ser notificado pelo promitente-comprador para o efeito.
h] O promitente-comprador apenas poderia fazer essa notificação decorrido que estivesse o prazo de 60 dias após a emissão do alvará de licenciamento da fracção e desde que o empreendimento estivesse na fase de execução já referida.
i] Se houvesse atraso na emissão do mencionado alvará e/ou na execução do empreendimento, o prazo para o promitente-vendedor marcar a escritura considerava-se prorrogado, contando-se todos os prazos da nova data.
Perante estes dados devemos perguntar se em Dezembro de 2009, quando os demandantes interpelaram o demandado, fixando-lhe um prazo suplementar sob a cominação de incumprimento definitivo do contrato, já era exigível do demandado o cumprimento da promessa feita, isto é, se o mesmo já se encontrava em mora quanto a esse cumprimento. A resposta, quer-nos parecer, é claramente negativa.
Desde logo o cumprimento da promessa não estava apenas associado, ou seja, dependente, da construção e licenciamento da fracção objecto da promessa, estava igualmente dependente do desenvolvimento do próprio empreendimento turístico no seu todo e do alcançar de uma determinada fase de execução do empreendimento. Ora quanto a este aspecto as partes não fixaram absolutamente nenhum prazo no contrato. Acresce que a alegação dos demandantes que serviu para submeter a sua pretensão à decisão do tribunal arbitral é absolutamente omissa quanto a este aspecto.
Por outro lado, quanto à construção da fracção individualmente considerada, o contrato também não estipula qualquer prazo certo. Estipula apenas um prazo a contar de um evento futuro e com data incerta para a sua verificação, pelo que, no máximo, poder-se-ia falar-se em prazo (termo) incerto. No contrato consta sim uma estimativa de que a fracção viesse a estar concluída e licenciada até Agosto de 2009. Mas o contrato também dispõe que se houvesse atraso na emissão do mencionado alvará e/ou na execução do empreendimento, o prazo para o promitente-vendedor marcar a escritura na sequência da interpelação do promitente-comprador se considerava prorrogado, contando-se todos os prazos da nova data. Por conseguinte, para defender que o promitente-vendedor já se encontrava em mora seria sempre necessário alegar que esse atraso lhe era imputável e demonstrar que a cláusula do contrato que previa esta prorrogação só estava prevista para atrasos não imputáveis ao promitente-vendedor. Isso não só não resulta do teor literal da cláusula do contrato, pelo que teria de ser demonstrado, como foi totalmente omitido pelos demandantes na sua alegação.
Pode questionar-se se esta interpretação não conduz a deixar o cumprimento inteiramente na dependência da vontade do promitente-vendedor e se isso não ofende o equilíbrio contratual, como defendem as demandantes Cremos bem que não.
A ausência de definição de prazo para o cumprimento não se confunde com o estabelecimento de qualquer cláusula cum putuerit ou cum voluerit que essa sim poderia deixar o cumprimento na dependência da possibilidade ou da vontade arbitrária de um dos promitentes e gerar um desequilíbrio contratual carecido de reposição. Perante a ausência de um prazo os promitentes dispõem sempre dos mecanismos supletivos de fixação do prazo que não consta do contrato, estando, portanto, na sua dependência suprir a falta e obter o estabelecimento de um limite temporal à persistência do não cumprimento pela outra parte.
Nos termos do n.º 1 do artigo 777.º do Código Civil, se as partes não tiverem estipulado um prazo ou não resultar da lei um prazo específico para a situação, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela. Contudo, o n.º 2 da norma prevê os casos em que pela própria natureza da prestação, por virtude das circunstâncias que a determinaram ou por força dos usos, é necessário o estabelecimento de um prazo e as partes não acordaram na sua determinação, estabelecendo que nesses casos a sua fixação é deferida ao tribunal. Nestas situações, portanto, a parte não pode fixar unilateral e extrajudicialmente o prazo que julga adequado, tem de recorrer aos tribunais solicitando a fixação judicial do prazo para o cumprimento.
O contrato-promessa é precisamente um dos exemplos de escola do campo de aplicação do n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil. E o presente contrato encaixa como uma luva nessa exigência, uma vez que estando em causa fracções inseridas um empreendimento turístico que o promitente-vendedor estava a desenvolver e que, conforme se assinalou nos chamados pressupostos do contrato, não possuía ainda alvará de construção, nem estava ainda definitivamente aceite pela Direcção-Geral do Turismo, era obviamente necessária a fixação de um prazo, o qual, seguramente, não podia ser curto.
O artigo 777.º do Código Civil e os seus vários números aplicam-se em todas as situações, repete-se, em que as partes não estipularam um prazo e não existe norma legal que imponha um prazo específico para a situação, como sucede com o contrato-promessa cujo regime jurídico não possui uma norma com esse conteúdo.
Estamos perante a falta de estipulação pelas partes quando não resulta do consenso estabelecido por estas em que dia ou até que dia exacto do calendário o cumprimento deve ter lugar. E isso sucede não apenas quando as partes omitem qualquer estipulação sobre o prazo do cumprimento, como também quando as referências que lhe fazem são insuficientes para conduzir a um prazo certo, o qual continua assim carecido de determinação e, portanto, a demandar a aplicação desta norma. Acontece isso quando as partes indexam a exigibilidade da obrigação a um evento futuro mas sem data certa. É o caso dos autos em que as partes fixaram um prazo (60 dias a contar de algo) mas associaram-no a um evento futuro e incerto (licenciamento da fracção e fase de execução do empreendimento) que se prende com prestações acessórias do promitente-vendedor, em resultado do que a estipulação contratual no seu todo não permite definir uma data exacta para o cumprimento, tornando necessária a sua fixação ulterior.
Mas qual o papel que desempenha aqui a estimativa constante do contrato para a verificação de uma das circunstâncias de que dependia a exigibilidade da escritura? O erro mais comum é entender-se que o valor desta disposição contratual oscila entre a total irrelevância e o significado da fixação firme de um prazo para o cumprimento, quando nem o contrato nem as regras da boa fé consentem ou impõem essas duas alternativas.
Num contrato as partes não assumem apenas obrigações principais, as obrigações que caracterizam essencialmente o tipo contratual e lhe correspondem. Assumem ainda frequentemente obrigações secundárias ou acessórias que têm por finalidade criar condições para o cumprimento daquelas ou assegurar a integral satisfação do interesse visado por aquelas. Só o conjunto de todas as obrigações, principais, secundárias e acessórias permitirá cumprir o plano contratual e alcançar a composição de interesses que a partes tiveram presentes na negociação e em vista com a celebração do contrato.
Estas obrigações não principais não necessitam de estar expressas no contrato, mas devem de resultar claramente da necessidade de salvaguardar e fazer cumprir os interesses e as finalidades subjacentes ao contrato. Nos casos de contratos cujo cumprimento é relegado para futuro e cujas obrigações dependem de uma série de procedimentos instrumentais, paralelos ao contrato mas indispensáveis para a criação de condições para o seu cumprimento, esses deveres secundários ou acessórios assumem especial relevância.
Por outro lado, o contrato e a relação negocial que lhe dá origem constituem uma relação especial entre as partes, na qual estas têm de estar de boa fé. Ao negociarem e contratarem as partes vinculam-se a uma relação mútua que provoca a interpenetração dos interesses e objectivos de cada uma. No seu espírito estará normalmente, se ambas estiverem de boa fé, a convicção de que a relação sempre cumprida e através desse cumprimento será alcançada a satisfação dos interesses recíprocos.
Essa confiança na realização dos objectivos subjacentes ao acordo contratual, encontra acolhimento na lei, que zela igualmente pela realização do plano negocial, vinculando as partes a cumpri-lo de boa fé e nos seus precisos termos e apenas consentido a sua modificação por novo mútuo consenso ou inexistindo culpa do contraente faltoso. Daí que a parte que confie naturalmente que a comportamento da outra seja o esperado e que tenha recebido desta razões válidas para ter essa confiança, deva ver a sua posição tutelada juridicamente. Essa protecção deve redundar num fundamento específico de ressarcimento dos danos sofridos com a violação dessa confiança.
Finalmente pode ainda argumentar-se que a relação especial constituída pelo contrato gera deveres específicos de protecção dos interesses da outra parte ancorados nas exigências da boa fé. O contraente não pode votar ao desprezo os interesses da outra parte e privilegiar apenas os seus. Ainda que não lhe caiba o dever de sobrepor os interesses de outrem aos próprios, cabe-lhe o dever de não os abandonar, de não lhes causar prejuízos evitáveis. Esses deveres são conformados de forma diversa consoantes as circunstâncias do caso, mas têm conteúdos mínimos como o dever de informação sobre a evolução do contrato ou das circunstâncias que têm a ver com ele, o dever de esclarecimento da parte contrária por forma a que ela possa tomar decisões conscientes e isentas de erros factuais ou o dever de protecção de modo a evitar que sobrevenham circunstâncias que possam redundar em prejuízos para a parte contrária.
Num contrato-promessa de compra e venda a estimativa do promitente sobre o momento em que irá reunir as condições para se poder celebrar a escritura de compra e venda nunca será juridicamente irrelevante. É certo que uma estimativa é um prognóstico, uma expectativa, um cálculo aproximado sobre eventos futuros que a parte não domina de todo, pelo que não deve ser imputada à parte como sendo algo mais que isso. Mas é também algo que ela projecta conscientemente na outra parte e que é, em definitivo, suficiente para gerar nesta uma ideia ou crença com reflexos negociais.
A estimativa não surge no contrato por mero acaso, surge porque na economia da promessa é importante, porventura mesmo decisivo, para qualquer das partes ter uma ideia de quando poderá exigir o cumprimento do contrato ou ser confrontado com a exigência do seu cumprimento, sendo certo que esse facto se relaciona, por exemplo, com a necessidade de reunir os meios para satisfazer a contrapartida ou a possibilidade de passar a dispor do bem. Daí que quem apresenta uma estimativa deva contar que a outra irá confiar sustentadamente nessa estimativa e, em princípio, começará a actuar em função da expectativa da sua concretização[1].
A boa fé que deve presidir à negociação, à celebração e ao cumprimento do contrato não lhe consente que apresente uma estimativa e depois se comporte como se a não tivesse apresentado, como se ela não lhe fosse imputável, como se ela não tivesse sido um dos elementos que contribuíram para a resolução negocial da outra parte ao ponto de ter sido incluída mesmo na redacção do contrato.
O mínimo que lhe exige é que não deixe de procurar observar a estimativa que forneceu e, em simultâneo, que informe a parte contrária do que vá surgindo que possa inviabilizar o respeito pela estimativa, de modo a evitar que esta, porque confiou na expectativa que lhe foi criada e não foi alertada para deixar de confiar – ou seja, tinha razões para continuar a confiar –, venha a sofrer danos evitáveis.
Violados estes deveres de informação, esclarecimento e protecção, independentemente do cumprimento da obrigação principal, a parte que se vinculou a uma determinada estimativa quanto ao prazo e que acabou por não o observar ver-se-á obrigada – contratualmente – a indemnizar a outra parte dos danos que esta sofreu por ter confiado nessa previsão falhada (v.g. despesas que suportou por ser obrigada a substituir temporariamente o gozo do bem que pensava ir ter na data estimada; lucros que deixou de auferir e que com que contava, confiadamente, ir obter a partir dessa data).
Porém, não é o facto de a apresentação de uma estimativa sobre o prazo de cumprimento do contrato dever possuir (esta) relevância jurídica que se pode concluir, sem mais, que o contrato contém efectivamente um prazo certo para esse cumprimento. Conforme já assinalámos, são aspectos contratuais distintos que se reportam a interesses distintos não privativos de nenhuma das partes em abstracto.
O facto de as partes não incluírem no contrato a fixação de um prazo certo não tem, à partida, nada de ilícito ou abusivo. Se isso correspondeu ao acordo livremente negociado e estabelecido entre as partes, nenhuma razão existe para não respeitar a vinculação a esse acordo ou para não respeitar as consequências do mesmo. A parte interessada dispõe sempre da faculdade de demonstrar a existência de algum vício de vontade na negociação, de algum aspecto da negociação que permita interpretar correctivamente a redacção do contrato, de algum contexto que consinta afirmar que a “estimativa” era afinal mais que isso ou foi apresentada ou tida como algo mais que isso e assim deve ser qualificada.
Tirando essas situações, não cremos que seja possível responsabilizar o promitente por uma vinculação firme a um prazo certo que manifestamente o contrato não contém. Isso não significa que ele esteja totalmente imune às consequências da confiança que concitou na parte contrária a propósito da estimativa que lhe apresentou. Significa apenas que independentemente do cumprimento da obrigação principal no prazo que venha a ser definido por um dos mecanismos supletivos, a outra parte poderá exigir-lhe a reparação [com fundamento no contrato e nos deveres que dele emergem distintos do dever relativo à obrigação principal] dos danos que sofreu em virtude de ter confiado na estimativa e ela não ter sido cumprida por razões imputáveis à parte que a apresentou.
Refira-se que os artigos 777.º e 805.º do Código Civil não têm campos de previsão sobrepostos. Aquele rege sobre o momento em que a obrigação se torna exigível, em que o credor passa a poder exigir o seu cumprimento. Este rege sobre o vencimento da obrigação, sobre a necessidade de interpelação para, uma vez exigível a obrigação, o devedor incorrer em mora quanto ao seu cumprimento (esclarecendo a diferença cf. Galvão Teles, in Direito das obrigações, 5.ª edição, págs.207-239). O segundo dos preceitos pressupõe o primeiro, não o anula nem o prejudica.
No artigo 777.º distingue-se entre as obrigações que não estão sujeitas a qualquer prazo e, portanto, o credor pode exigir o seu cumprimento a qualquer altura, e as obrigações que por disposição das partes ou da lei ou em resultado da sua natureza, das circunstâncias que a determinaram ou dos usos, estão sujeitas a um termo inicial (dies a quo) e, portanto, o seu cumprimento está suspenso, não pode ser exigido enquanto o prazo não decorrer.
O que distingue uma das outras é pura e simplesmente o seu cumprimento poder ser exigido a qualquer momento ou exigido apenas decorrido um determinando prazo (voluntário, legal, natural, circunstancial, usual), ou seja, a possibilidade de saber exactamente quando o cumprimento pode ser exigido, de determinar com certeza o momento da exigibilidade da obrigação. Daí que se enquadrem na previsão do preceito não apenas as obrigações puras propriamente ditas, isto é, aquelas que não estão subordinadas a qualquer prazo, como também as obrigações que as partes quiseram subordinar a um prazo e que naturalmente têm de ser subordinadas a um prazo, mas que foram pelas partes indexadas a um evento futuro cuja data de verificação é incerta, de modos que não seja possível extrair do acordo das partes a certeza sobre o momento em que o cumprimento se torna exigível.
O artigo 805.º do Código Civil pressupõe que chegou o momento em que a obrigação se tornou exigível e preocupa-se em definir o modo do seu vencimento: se o devedor a deve efectuar, sob pena de constituição em mora, assim que ela se tornou exigível ou apenas na sequência de interpelação do devedor para que cumpra. Compreende-se, portanto, que entre as situações em que não é necessária a interpelação se conte a das obrigações com prazo certo, mas não as obrigações com prazo incerto. Sabendo o devedor de antemão o momento certo em que deve cumprir, a exigência suplementar de uma interpelação seria absolutamente inútil. No entanto, não resulta daqui que sendo necessária a interpelação do credor para operar o vencimento das obrigações sem prazo certo, melhor dizendo, com prazo incerto, essa interpelação seja forma válida de operar também a fixação do momento da exigibilidade da obrigação porque a essa questão responde sim o regime dos artigos 777.º e seguintes.
Refira-se também que as interpelações (cartas de 24.12.2009 e 23.03.2010) que as demandantes dirigiram ao demandado e com as quais pretendem ter procedido à interpelação admonitória deste sob pena de incumprimento definitivo não parecem poder ter esse valor ou eficácia.
Essas cartas são em si mesmas contraditórias com os objectivos que anunciavam. Com efeito, nelas as demandantes intimam o demandado a iniciar a realização dos trabalhos de escavação das fundações da fracção ou as obras de construção da fracção. Ora se era isto que as demandantes pretendiam, naturalmente que estava pressuposto na sua exigência a aceitação de que a conclusão da construção da fracção e o seu posterior licenciamento só viessem a ter lugar no mínimo muitos meses depois, ou seja, a aceitação de que só nessa altura o contrato prometido viesse a ser celebrado, pelo que não faz sentido considerar incumprido definitivamente um contrato que se admitia poder vir a ser cumprido apenas mais tarde.
Mais grave que isso, as cartas procedem a uma intimação que não corresponde ao cumprimento da obrigação principal do contrato-promessa. Esta obrigação é a de celebrar o contrato prometido, outorgar a escritura pública de compra e venda da fracção, não é a de iniciar, sequer a de concluir o empreendimento e os respectivos equipamentos e facções. Ora o devedor só pode ser confrontado com a interpelação admonitória relativamente à prestação que corresponda à obrigação principal do contrato.
As obrigações não principais são apenas instrumentais ou acessórias relativamente àquela, têm por objecto prestações necessárias para se poder afirmar o cumprimento cabal daquelas, têm de ser cumpridas para o devedor poder cumprir pontualmente aquilo a que se vinculou, mas per se não consubstanciam sem mais o incumprimento do contrato. Tal só ocorrerá quando a sua ligação à obrigação principal for tal que sem o seu cumprimento nenhum interesse tenha para o credor o cumprimento da obrigação principal.
No caso o início da construção é um mero requisito lógico da obrigação principal uma vez que se a construção não for iniciada nunca poderá ser terminada de modo a permitir o licenciamento da fracção e a sua venda. Contudo, a sua função é exclusivamente essa, não possui qualquer relevância autónoma para o credor, não corresponde à satisfação de qualquer interesse negocial deste com relevo no contrato. Por conseguinte, o devedor nunca poderia ficar incurso em incumprimento definitivo do contrato-promessa por não ter iniciado a construção, apenas por a não ter concluído e licenciado num prazo admonitório que fosse fixado com esse objectivo estrito. A nosso ver, portanto, as comunicações das demandantes não foram sequer interpelações admonitórias eficazes e, como tal, mesmo que fosse chegado o momento em que o cumprimento do contrato já era exigível, não poderiam ter a virtualidade de converter de forma válida a mora em incumprimento definitivo.
Podemos assim concluir que no caso não estavam reunidos os requisitos para as demandantes poderes resolver validamente o contrato uma vez que não se encontrava ainda fixado o momento certo em que o cumprimento do contrato era exigível do demandado e, como tal, ele não se encontrava ainda em mora – logo não era possível fazer uso do disposto no artigo 808.º do Código Civil - e muito menos em incumprimento definitivo, sem o que não era consentido às demandantes resolver o contrato com fundamento no incumprimento dele. Por conseguinte, a decisão de julgar improcedente a pretensão das demandantes não pode deixar de ser confirmada.
No tocante ao pedido reconvencional do demandado, as próprias recorrentes aceitam que se o seu pedido for improcedente, como é, o daquele tem de proceder. Na verdade assim é porque as demandantes declararam resolvido o contrato – já vimos que sem fundamento para tanto – e passaram a actuar em relação ao demandado no que concerne ao contrato como se não se encontrassem mais vinculadas ao seu cumprimento. Daí que quando o demandado as interpelou ao abrigo do contrato para procederem ao reforço do sinal as demandantes se tenham recusado a fazê-lo de modo terminante e definitivo, invocando precisamente o facto de já antes terem resolvido o contrato.
Ao assim procederem e uma vez que não tinha fundamento para resolver o contrato, as demandantes colocaram-se numa posição de recusa manifesta de cumprimento, circunstância que é comummente aceite como encerrando o incumprimento definitivo da obrigação já que não faria sentido qualquer interpelação admonitória quando a parte antecipadamente declara de forma terminante e definitiva que não irá mais cumprir a obrigação devida.
Acresce que são as próprias cláusulas do próprio contrato a associar ao não reforço do sinal a consequência do incumprimento definitivo do contrato. Nos termos da cláusula 2.ª, alínea b), o reforço do sinal devia ser efectuado até seis meses após a data do início da construção do conjunto de bandas em que se insere a fracção. Para o efeito, o demandado devia comunicar às demandantes esse início, contando-se aquele prazo desta comunicação. Nos termos do n.º 6 da cláusula 3.ª, o demandado devia ainda avisar as demandantes com, pelo menos, 8 dias de antecedência do termo do prazo para efectuar esse reforço. Se o reforço do sinal não fosse feito no prazo máximo de 30 dias após o termo do prazo, considerava-se, sem necessidade de outra comunicação prévia, que havia incumprimento definitivo das demandantes, incumprimento esse que operaria mediante simples comunicação com esse conteúdo.
Estamos aqui, portanto, perante um mecanismo contratual que substitui e dispensa a interpelação admonitória uma vez que o prazo suplementar para o cumprimento sob pena de incumprimento definitivo já consta do regime contratual e é conhecido das demandantes.
As cartas trocadas entre as partes revelam que o demandado observou estes trâmites desenhados no contrato: comunicou o início dos trabalhos e o prazo para o reforço do sinal; com antecedência superior à necessária informou o dia limite para efectuar esse reforço; cautelarmente e embora sem necessidade concedeu ainda às demandantes um prazo suplementar para efectuarem o reforço sob pena de incumprimento. A todas estas comunicações responderam as demandantes informando que consideravam o contrato resolvido e que não iriam em caso algum efectuar o reforço do sinal. Uma vez que o contrato não se encontrava validamente resolvido, as demandantes estavam ainda vinculadas ao seu cumprimento, pelo que ao omitirem o reforço do sinal nas circunstâncias assinaladas incorreram no seu incumprimento definitivo.
A consequência desse incumprimento é, nos termos da lei e do contrato, a perda do sinal prestado. Não adianta discutir se essa consequência depende da simples mora ou do incumprimento definitivo porque no caso estamos perante um incumprimento definitivo e perante este nenhuma dúvida se coloca quanto àquela consequência indemnizatória.
Diga-se para finalizar que não é possível, como defendem as recorrentes, equacionar uma eventual repartição da culpa do incumprimento por ambas as partes do contrato, na medida em que, como acabamos de justificar, o incumprimento definitivo do contrato é exclusivamente imputável às demandantes. A falha no programa contratual que se pode assacar ao demandado – incumprimento da estimativa sobre a evolução e conclusão da construção – não constitui um incumprimento da obrigação principal do contrato e não importava per se a exigibilidade imediata dessa obrigação, mas apenas o eventual direito de indemnização pelo dano causado pela actuação com base na confiança. Por conseguinte, o único incumprimento, aliás definitivo, do contrato é imputável às demandantes, as quais devem suportar as consequências legais e contratuais dessa sua actuação.
Em conclusão, bem andaram os Juízes Árbitros ao julgarem a reconvenção procedente e reconhecerem ao demandado o direito de fazer seu o valor do sinal recebido. Improcedem assim na totalidade as conclusões das alegações de recurso.

V.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão arbitral recorrida.
Custas pelas recorrentes.
*
Porto, 30 de Janeiro de 2014.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto112)
José Amaral
Teles de Menezes
________________
[1] Salvas as devidas distâncias e diferenças, a estimativa é uma espécie de “carta de conforto” do vendedor ao comprador, pelo que, tal como esta, a sua relevância jurídica depende dos aspectos particulares da situação, não podendo recusar-se ou afirmar-se à partida.