Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1697/11.1JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: ARMA PROIBIDA
ENGENHO EXPLOSIVO
FABRICO ARTESANAL
Nº do Documento: RP201303061697/11.1JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A construção, de modo artesanal, de artefactos, com uma bateria, uma garrafa de gás, uma extensão com dois fios eléctricos (usados para ignição) e um tubo de plástico transparente (usado para condução do gás da garrafa), com vista a, posteriormente, ser usado para fazer explodir caixas ATM embutidas nas instalações dos bancos, não integra o crime p. e p. pelo artigo 86 °, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. n) do n.º 5 do art. 2°do mesmo diploma legal.
II – O que caracteriza o engenho explosivo ou incendiário improvisado para efeitos de subsunção ao tipo legal é a utilização de substâncias ou produtos explosivos incendiários de fabrico artesanal não autorizado, ou seja, a natureza dos produtos utilizados (de fabrico artesanal não autorizado); e não o engenho em si, ou o modo como ele é utilizado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
1ª secção criminal
Proc. nº 1697/11.1JAPERT.P1
________________________

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:


I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo) n.º 1697/11.1JAPRT.P1, do 1º juízo do Tribunal Judicial de Chaves os arguidos B…… e C…… foram submetidos a julgamento e a final foi proferido acórdão de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Julgam a acusação apenas parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente:
a) Absolvem os arguidos C.... e B.... da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida, na forma consumada, na modalidade de fabricação de engenho explosivo, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. a) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, que lhes era imputada.
b) Condenam cada um dos arguidos C.... e B...., nos seguintes termos:
- pela prática de um crime de explosão, na forma tentada, da previsão dos arts. 272º, nº 1, alíneas b) e c) e 22º e 23º, nº 1 do C. Penal, (em concurso aparente com um crime de dano qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 213º, nº 1, al. c) e nº 2, 22º e 23º do C. Penal), na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão;
- pela prática de em crime de explosão, na forma consumada, da previsão do art. 272º, nº 1, als. b) e c), do C. Penal (em concurso aparente com um crime de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 213º, nº 1, al. c) e nº 2, e dois crimes de dano simples, p. e p. pelo art. 212º do C. Penal), na pena de quatro (4) anos de prisão;
- pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, da previsão dos arts. 203º, 204º, nº 2, al. a), 22º e 23º, todos do C. Penal, na pena de oito (8) meses de prisão;
- pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, da previsão dos arts. 203º, 204º, nº 1, al. a), 22º e 23º, todos do C. Penal, na pena de sete (7) meses de prisão.
c) Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora aplicadas, condenam cada um dos arguidos na pena única de quatro (4) anos e oito (8) meses de prisão.

Ao abrigo do disposto nos arts. 50º, 51º e 53º do Código Penal, suspendem a execução das penas de prisão ora aplicadas aos arguidos, por um período de quatro anos e oito meses, determinando-se que tal suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do art. 53º referido.

Mais condenam cada um dos arguidos a pagar 2 (duas) UC de taxa de justiça.

Julgam totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante D….., C.R.L. e, consequentemente, condenam os arguidos a pagarem à demandante a quantia global de € 124.050,84 (cento e vinte e quatro mil e cinquenta euros e oitenta e quatro cêntimos), quantia à qual acrescerão juros, à taxa legal, a contar da notificação do pedido.

Condenam os demandados a pagar as custas do pedido civil.

Inconformado, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso daquela decisão, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
1. As condutas dos arguidos consistentes na construção, de modo artesanal, de artefactos com uma bateria, uma garrafa de gás, uma extensão com dois fios eléctricos (usados para ignição) e um tubo de plástico transparente (usado para condução do gás da garrafa), e, posteriormente, usados para fazer explodir caixas ATM embutidas nas instalações dos bancos, integra o crime p. e p. pelo artigo 86.°, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. n) do nº 5 do art. 2°do mesmo diploma legal.
2. Na verdade, refere a al. n) do nº 5 do art. 2° da Lei nº 5/2006 de 23-02 que «engenho explosivo ou incendiário improvisado» são todos os artefactos que utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado.
3. Os artefactos descritos na factualidade provada e referidos em 1. integram, salvo melhor opinião, o referido conceito de «engenho explosivo ou incendiário improvisado» .
4. Assim, deverá a decisão absolutória proferida pelo tribunal recorrido ser alterada e condenarem-se os arguidos pela prática de dois crimes p. e p. pelo artigo 86.°, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. n) do nº 5 do art. 2° do mesmo diploma legal, como lhes era imputado na acusação.
5. Aderindo, ao entendimento perfilhado no Ac. RE de 24-04-2012 proc.145/08.9GAVRS.E1, quanto à questão do tribunal competente para a escolha e determinação da medida da pena, deverá ainda, sequentemente, ser decretada a devolução ao tribunal recorrido para, em audiência complementar, proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos.
6. Violou O tribunal a quo, por erro de interpretação, os artigos art. 2°, nº 5, al. n) e 86°, al. a), da Lei nº 5/2006, de 23/02 .
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão e condenando os arguidos C.... e B.... pelo dois crimes p. e p. pelo artigo 86.°, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com referência à al. n) do nº 5 do art. 2° do mesmo diploma legal, com as demais consequências supra referidas, assim se fazendo JUSTIÇA.

(…)

Pelos arguidos não foi apresentada resposta.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento ao recurso.
Cumprido o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal colectivo considerou provados os factos seguintes:
Na madrugada do dia 16 de Setembro de 2011, a hora não determinada, os arguidos B.... e C......, de comum acordo, decidiram dirigir-se à caixa ATM, que se encontra no exterior das instalações da instituição bancária Banco E…., sito na Rua …, nº …, em Chaves, a fim de aí fazerem seu o dinheiro que ali encontrassem.
Previamente, decidiram montar um engenho explosivo para rebentarem a caixa ATM, que aí se encontrava instalada.
Para concretizarem os seus propósitos, os arguidos levaram consigo uma botija de gás, uma bateria de automóvel, fios eléctricos e uma mangueira.
Aí chegados, colocaram fios eléctricos ao longo do chão, introduziram uma das extremidades na ranhura do dispensador de notas da caixa ATM, unindo-as com uma "mola" de metal, introduziram a mangueira no dispensador e ligaram à mangueira a garrafa de gás, abriram-na durante 5 a 10 minutos, para que o gás se espalhasse no dispensador de notas.
Protegeram-se junto a uns caixotes do lixo que ali se encontravam e o arguido C...... ligou os fios eléctricos à bateria, no entanto, não se verificou qualquer explosão, rebentando apenas o dispensador de notas da caixa ATM e no interior da instituição bancária ficou um forte odor a gás, obrigando o gerente da dependência bancária a chamar os bombeiros, quando de manhã se preparava para abrir as instalações.
O imóvel onde se encontra instalada a instituição bancária, banco E….., tem o valor de 300.000,00 euros e a caixa ATM continha no seu interior a quantia de 31.380,00 euros em notas, quando os arguidos tentaram explodir a caixa.
Na madrugada de 21 de Setembro de 2011, os arguidos de comum acordo e na execução de um plano previamente elaborado, decidiram, novamente, dirigir-se a outra instituição bancária.
Assim, após terem encontrado uma caixa ATM num lugar sossegado, pelas 03h00, acercaram-se da D….., sita na Rua …., na …, em Chaves.
Fizeram-se transportar na viatura automóvel, marca Ford Escort, de matricula ..-..-FU, propriedade da arguida B...., que estacionaram na Rua D. Afonso III, em Chaves, com as portas abertas, pronta a ser conduzida pelos arguidos, assim que fugissem do local com o dinheiro.
Transportavam consigo duas botijas de gás, uma mangueira, fios eléctricos e uma bateria de automóvel de 12 volts.
Colocaram na cabeça uns gorros, na cara umas meias em vidro de senhora e calçaram luvas, para não serem reconhecidos, caso aparecesse alguém por ali.
Quando estavam em frente à instituição bancária, D…., montaram o engenho explosivo para rebentarem a caixa ATM.
Assim, os arguidos estenderam a mangueira e os fios eléctricos pelo passeio até à gaveta das notas da caixa ATM, que previamente havia sido rebentada com uma chave de fendas, introduziram na gaveta uma extremidade dos fios que estavam unidos com uma "mola" metálica para funcionar como resistência.
Abriram uma botija de gás e através da mangueira esvaziaram-na na gaveta das notas, abriram a segunda botija de gás e também a esvaziaram metade, na gaveta das notas.
Seguidamente, os dois arguidos refugiaram-se na esquina mais próxima à caixa de ATM, o arguido C...... ligou as extremidades dos fios eléctricos à bateria de automóvel e de imediato ocorreu uma violenta explosão que provocou a destruição da fachada do imóvel, onde funciona a instituição bancária, rebentaram a caixa de ATM, partindo os vidros, queimando a caixa ATM e vários equipamentos da entidade bancária ficaram inutilizados.
A explosão foi muito forte, os vizinhos acordaram e começaram a gritar, assustando os arguidos que, de imediato, se puseram em fuga.
A arguida B...., para não deixar vestígios no local, pegou numa das botijas de gás e começou a correr. Na fuga caiu e, logo de seguida, foi detida por agentes da P.S.P., que a detiveram no jardim público ali perto existente, ainda com o gorro enfiado na cabeça e luvas, transportando consigo um saco que continha uma botija de gás e uma chave de fendas.
O arguido C...... conseguiu fugir e às 7h00 da manhã, quando estava a sair da sua residência, sita no ….., em Chaves, foi detido pela P.S.P.
Alguns moradores viram os arguidos a preparar o engenho explosivo e alertaram a P.S.P., a qual já se encontrava a chegar ao local quando se deu a explosão.
Com a explosão e consequente rebentamento da fachada do imóvel, a viatura automóvel de marca Peugeot, com a matricula ..-CP-.., que ali se encontrava estacionada, que é propriedade de F….., ficou com os vidros laterais e traseiro quebrados e a pintura toda "picada", tendo tido necessário pintar o veículo na totalidade, cuja reparação orçou em 850,00 euros.
Também a viatura automóvel com a matrícula ..-..-DZ, que se encontrava estacionada junto à caixa de ATM, propriedade de G….., sofreu várias danificações, nomeadamente ao nível da pintura, dos vidros, que se quebraram, dos farolins que igualmente quebraram, cuja reparação orçou em 1.541,09 euros.
O imóvel onde estava instalada a instituição bancária, D….., com a explosão, ficou destruído, bem como os vidros todos quebrados e equipamentos inutilizados, cujos danos ascenderam a, pelo menos, 123.650,00 euros.
A caixa ATM continha no seu interior a quantia de 17.105,00 euros em notas, tendo parte deste valor ardido em consequência da explosão que provocou o incêndio.
A PJ realizou uma busca domiciliária à residência e garagem individual afecta à sua fracção, da arguida B...., que para tal deu autorização, e apreendeu diverso material adequado à fabricação de engenhos explosivos idênticos aos utilizados na madrugada do passado dia 21 de Setembro, designadamente:
- duas pequenas garrafas metálicas contendo misturas de gás butano/propano, com 600 ml de capacidade, uma delas com a respectiva torneira de ligação com um tubo plástico inserido e de marca "Air Liquide - Power Mix” e a outra de marca Rothenberger de igual capacidade;
- duas pequenas tampas plásticas, próprias para colocação sobre os "bornes de baterias de automóvel, com a inscrição de "+" e "-";
- uma chave de parafusos do tipo estrela, com punho de cor preto e laranja;
- uma pequena embalagem contendo o resto de um rolo de fita isoladora de cor preta (do género da utilizada no engenho explosivo) e um bloco de dados de ligação eléctrica;
- um par de luvas de látex usadas;
- uma tesoura do tipo de cozinha, com cabo de plástico de cor preta;
- uma tesoura de cor laranja, das utilizadas em trabalhos agrícolas, vulgo tesoura de poda;
- uma tampa de garrafa de gás de cor azul, roscada e própria para garrafas de gás de marca "CampingGas".
Os arguidos ao munirem-se, previamente, de garrafas de gás, fios eléctricos, mangueiras e baterias de automóvel sabiam que iriam construir um engenho explosivo, o que conseguiram, mesmo sabendo que não estavam autorizados, tendo para isso, estendido a mangueira e os fios eléctricos pelo passeio até à gaveta das notas da caixa ATM, introduzido na gaveta uma extremidade dos fios que estavam unidos com uma "mola" metálica para funcionar como resistência, esvaziaram as garrafas de gás na gaveta das notas e ligaram as extremidades dos fios eléctricos à bateria de automóvel, que depois de activado, produziu uma explosão.
Com a intenção de rebentarem com as caixas de ATM e de as destruírem, os arguidos utilizaram o engenho explosivo que construíram e ao ligarem os cabos eléctricos à bateria de automóvel, fizeram com que as mesmas explodissem, destruindo as caixas ATM, bem como o imóvel onde as mesmas estavam embutidas e os dois veículos automóveis que ali se encontravam estacionados, pondo em perigo igualmente a vida das pessoas que residem nos edifícios contíguos aos edifícios onde estão situadas as entidades bancárias, pois são edifícios muito antigos susceptíveis de ruírem facilmente.
No entanto, no dia 16 de Setembro, não conseguiram rebentar com a caixa ATM, nem destruíram o edifício, uma vez que a explosão não ocorreu por defeito do engenho explosivo.
Os arguidos agiram em comunhão de esforços e intenções, bem sabendo que as suas condutas concertadas eram idóneas a apoderarem-se do dinheiro que se encontrava nas caixas de ATM, pertencentes às instituições bancárias ofendidas, que sabiam não lhes pertencer, só não concretizaram os seus intentos, por razões alheias à sua vontade, porque no dia 16 de Setembro não conseguiram que o engenho explodisse e no dia 21 de Setembro, porque os moradores começaram a gritar e os arguidos fugiram.
Os arguidos agiram de forma livre e consciente, não ignorando o carácter censurável e ilícito das suas condutas.
Da explosão do engenho montado, na madrugada do dia 21 de Setembro de 2011, e subsequente incêndio resultou a destruição por completo e irrecuperabilidade da caixa ATM, cujo valor ascende a € 17.079,84 e de algumas notas existentes no seu interior no momento da propagação do fogo, num total de € 160,00.
Mais ficaram danificados alguns componentes e equipamentos informáticos instalados no interior da agência, que à data se encontravam integralmente operacionais e em bom estado de conservação, cujo valor de reparação ou substituição ascende a € 1.019,09.
Foram, ainda, danificados ou destruídos a fachada e o interior das instalações, cujas portas, janelas, pavimento, pintura, mobiliário e instalação eléctrica e de telecomunicações estavam, à data da explosão, em bom estado de conservação e utilização.
Os trabalhos de reparação e reconstrução do imóvel, por se revelarem urgentes e necessários para acautelar a integridade do que restou, já foram executados na íntegra.
O valor de tal reparação ascende a um total de € 105.791,91.
O arguido C......vivia sozinho, à data dos factos, numa casa contígua à da sua mãe e propriedade desta.
Tem três filhas já maiores de idade e um filho menor, de seis anos de idade, o qual vive com a progenitora.
O arguido beneficia de apoio familiar, designadamente da sua progenitora e das filhas que o visitam regularmente no estabelecimento prisional.
Trabalhava como empregado de mesa, em festas e eventos para os quais era contratado, embora sem emprego fixo. Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade que, contudo, não chegou a completar.
Teve, no passado, problemas com o consumo de substâncias aditivas, tendo-se submetido a tratamento.
Mostrou-se envergonhado e arrependido dos actos que praticou, tendo confessado os factos que lhe são imputados.
Do seu certificado de registo criminal consta apenas uma condenação, tendo sido condenado, por decisão de 30-03-2010, transitada em julgado em 19-04-2010, na pena de 60 dias de multa e na proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 meses, pela prática, em 29-03-2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriagues.
A arguida B...... é natural do Brasil, encontrando-se a viver em Portugal desde 2005.
Tem como habilitações literárias estudos correspondentes ao 11º ano.
Tem três filhos, de 13, 4 e 1 anos de idade, sendo os dois mais novos filhos do companheiro com quem vivia no nosso país e do qual se encontrava separada à data dos factos, vivendo, por isso, uma situação económica de grandes dificuldades.
Colaborou desde o início no apuramento dos factos, sendo que a detenção do co-arguido ocorreu após as indicações que a mesma forneceu às autoridades policiais.
Confessou em audiência de julgamento os factos que lhe são imputados.
Actualmente, a arguida beneficia novamente do apoio do companheiro que a apoia psicológica e economicamente, visitando-a e trazendo, por vezes, o filho menor que se encontra com a arguida no estabelecimento prisional.
A outra filha do casal, que sofre de paralisia cerebral, encontra-se no Brasil ao cuidado da avó materna.
A situação económica da arguida é modesta, embora o companheiro goze de uma situação estável atenta a sua actividade na área da construção civil.
No meio onde o companheiro reside, a situação da arguida e o relacionamento com o companheiro são aceites, não existindo sinais de rejeição da comunidade.
A arguida mostra-se arrependida.
Não tem antecedentes criminais.
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De essencial, relativamente à factualidade descrita quer na acusação, quer no pedido de indemnização civil e nas contestações, provaram-se todos os factos.
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A convicção sobre os factos descritos como provados e não provados foi formada com base nos seguintes meios de prova produzidos em audiência de julgamento e constantes dos autos:
Desde logo, foram relevantes as declarações de ambos os arguidos, os quais confessaram a prática dos factos, embora referindo não terem conhecimento concreto do valor dos danos que a sua actuação provocou, admitindo, contudo, os valores constantes da acusação.
Esses valores, por sua vez, foram confirmados pelos depoimentos das testemunhas F….. e G….., proprietários dos dois veículos danificados com a explosão; bem como da testemunha H….., funcionário da D….., tendo, todos, confirmado a existência de danos e respectivos valores.
A testemunha I…., por sua vez, funcionário do banco E….. em Chaves, esclareceu o ocorrido nas instalações da instituição onde trabalha.
Ainda relativamente aos valores dos danos sofridos, mais concretamente nas instalações da D….., foram considerados os depoimentos das testemunhas J….., responsável coordenador da agência de Chaves da D….., e K….., também funcionário da mesma instituição bancária, bem como de L….., agente da PSP que se deslocou ao local e verificou os estragos bem visíveis, e o depoimento de M….., engenheiro civil, que confirmou as obras que foram realizadas para reparar os danos e respectivos valores.
Estas testemunhas depuseram aos factos do pedido de indemnização civil.
Finalmente, foram ouvidas as testemunhas de defesa, N….., filha do arguido C….., e O….., companheiro da arguida B......, as quais depuseram sobre a personalidade dos arguidos e as suas condições, tendo, também, sido considerados a esse respeito os relatórios sociais juntos aos autos, a fls. 779 a 783 e 896 a 900, bem como os certificados de registo criminal de fls. 784 a 786 e 880.
Foram, ainda, tidos em conta, porque relevantes para o apuramento dos factos, apesar da confissão dos arguidos, o relatório pericial de fls. 494; os autos de inspecção de fls. 94 a 119 e 184 a 197; e os autos de busca juntos a fls. 59 a 60 e 198 a 212.
Os documentos referidos relacionam os bens encontrados na residência da arguida B...... com os usados na prática dos factos e mostram os danos verificados nos locais atingidos pela explosão.
Contudo, de maior relevância, como já referido, foram as declarações dos arguidos.
(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir, é apenas se a materialidade dada como provada integra também a prática pelos arguidos de dois crimes de detenção de arma p.p. pelo artº 86º, al.a) da Lei nº 5/2006, de 23/2, com referência à al.n) do nº5 do artº 2º do mesmo diploma legal.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
Como supra se delimitou, o presente recurso não tem como objecto a matéria de facto, incidindo apenas sobre questão de direito, pelo que não se detectando a existência dos vícios do artº 410º nº2 do CPP, ou de nulidades que não se devam considerar sanadas, artº 410º nº3 do CPP tem-se a matéria de facto por definitivamente assente.
Alega o recorrente que “a construção artesanal, de artefactos com uma bateria, uma garrafa de gás, uma extensão com dois fios eléctricos (usados para ignição) e um tubo plástico transparente (usado para condução do gás de garrafa) e posteriormente, usados para fazer explodir caixas ATM embutidas nas instalações dos bancos, integra o crime p.p. pelo artº 86º, al.a) da lei nº 5/2006, de 23/2, com referência à alínea n) do nº5 do artº 2º do mesmo diploma legal.
Para a dilucidação da questão colocada importa ter presente as seguintes disposições legais:
No artigo 86 nº1 da Lei nº5/2006 de 23 de Fevereiro alterado pela Lei 17 /2009 de 6 de Maio dispõe-se sob a epígrafe «Detenção de arma proibida e crime cometido com arma»
1-Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;.”
O artº 2º da Lei nº5/2006 de 23 de Fevereiro alterado pela Lei 17 /2009 de 6 de Maio sob a epígrafe «Definições legais» define o conceito de explosivo civil, engenho explosivo civil, engenho explosivo improvisado de fabrico artesanal não autorizado
“«Para efeito do disposto na presente lei e na sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por:
(…)
5.Outras definições.
(…)
l) «Explosivo civil» todas as substâncias ou produtos explosivos cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente;
m) «Engenho explosivo civil» os artefactos que utilizem produtos explosivos cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização competente.
n) «Engenho explosivo ou incendiário improvisado» todos aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos ou incendiários de fabrico artesanal não autorizado.
Há ainda que ter presente o Decreto Lei nº376/84 de 30 de Novembro que regulamenta sobre o Licenciamento dos estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos que no seu anexo I define «produtos explosivos», como:
a) substâncias explosivas: pólvoras (física e químicas), propergóis (sólidos e líquidos) e explosivos (simples e compostos).
b) Objectos carregados de substâncias explosivas: munições, espoletas, detonadores, cápsulas, esorvas, estopins, mechas (rastilhos) cordões detonantes, cartuchos e outros de natureza ou uso equiparados.
c) Composições pirotécnicas: luminosas, incendiárias, fumígenas sonoras e tóxicas.
d) Objectos carregados de composições pirotécnicas: artifícios pirotécnicos (inflamadores, brinquedos pirotécnicos, fogos de artifício e artigos de sinalização) e munições químicas (incendiárias, fumígenas e tóxicas).
No caso em análise ficou provado que os arguidos
Quando estavam em frente à instituição bancária, D….., montaram o engenho explosivo para rebentarem a caixa ATM.
Assim, os arguidos estenderam a mangueira e os fios eléctricos pelo passeio até à gaveta das notas da caixa ATM, que previamente havia sido rebentada com uma chave de fendas, introduziram na gaveta uma extremidade dos fios que estavam unidos com uma "mola" metálica para funcionar como resistência.
Abriram uma botija de gás e através da mangueira esvaziaram-na na gaveta das notas, abriram a segunda botija de gás e também a esvaziaram metade, na gaveta das notas.
Seguidamente, os dois arguidos refugiaram-se na esquina mais próxima à caixa de ATM, o arguido C...... ligou as extremidades dos fios eléctricos à bateria de automóvel e de imediato ocorreu uma violenta explosão que provocou a destruição da fachada do imóvel, onde funciona a instituição bancária, rebentaram a caixa de ATM, partindo os vidros, queimando a caixa ATM e vários equipamentos da entidade bancária ficaram inutilizados.
Perante esta factualidade e as noções legais supra transcritas, logo se evidencia que o alegado “engenho” construído pelos arguidos, não integra o conceito de «engenho explosivo civil» constante da alínea m) do nº5 do artº 2º da Lei 5/2006, considerando que este engenho é todo o aquele que utiliza produtos explosivos « cuja importação, fabrico e comercialização está sujeito a autorização competente
De notar que na actual redacção do artº 86 nº1 al.a) não consta elencado expressamente o engenho explosivo civil, constando apenas o explosivo civil. Como vem sendo entendido pela jurisprudência tal não significa que o mesmo tenha deixado de ser abrangido pela incriminação do artº 86º nº1 al.a), já que o mesmo quando detido ilicitamente continua a ser punido “por ser um artefacto que contém o próprio «explosivo civil»”, neste sentido se pronunciaram já os acórdãos desta Relação de 6/7/2012 e 12/10/2011.[1]
Como tal, face aos elementos que incorporam os engenhos construídos pelos arguidos, - botijas de gás, mangueira, fios eléctricos e uma bateria de automóvel de 12 volts- os quais não constituem explosivos civis no conceito legal supra exposto, e não integram por essa via a previsão do artº 86º nº1 al.a), sendo que caso assim não fosse iríamos desembocar no entendimento de que a detenção da simples botija de gás já deveria ser punida.
A este propósito e refutando que o critério da utilização possa relevar à definição de produto explosivo escreveu-se assertivamente no Ac da Relação de Évora de 13/11/2012 “Salvo o devido respeito por diversa opinião, não é o uso dado a determinado engenho que determina a sua classificação numa da 9 classes previstas no ADR.
Tão pouco é o uso que se lhe dá que determina a sua classificação como arma proibida.
Como, aliás, se refere no acórdão recorrido, o crime de detenção de arma proibida “consuma-se a partir do momento em que o arguido detém (o) engenho em causa, fora das condições em que o seu uso ou detenção é autorizado, não relevando o ulterior uso que fez da mesma”.
A ter-se por boa a argumentação do Digno Magistrado do MºPº teríamos que concluir que nos recentes assaltos a máquinas de multibanco, com recurso a botijas de gás, estas – porque utilizadas como explosivos – deveriam ser consideradas armas proibidas e, consequentemente, punida a sua simples detenção.”[2]
Mas defende o Ministério Público que os engenhos construídos pelos arguidos constituem «engenho explosivo ou incendiário improvisado», alegando que “Os artigos referidos bateria, garrafa de gás, extensão com dois fios eléctricos e tubo de plástico transparente manipulados entre si são, notoriamente, materiais aptos para fabricar um objecto/engenho explosivo improvisado com accionamento remoto, visto que in casu ao ser utilizado pelos arguidos na segunda ocasião, referida na factualidade provada, provocou uma forte explosão com grandes efeitos destrutivos e pondo a população em pânico.
Também a Srº Procuradora Geral Adjunta nesta Relação, emitiu parecer no sentido de que o engenho em causa “tem que ser considerado no seu todo, como um engenho explosivo improvisado, construído de forma artesanal e fora do legalmente permitido – do qual faz parte uma substância altamente perigosa, como é o gáz cuja explosão é accionada pelo funcionamento da bateria, ligada à respectiva garrafa por fios eléctricos.
Por sua vez na fundamentação do acórdão recorrido escreveu-se:
Ora, dos factos apurados nestes autos resulta que os arguidos detinham, em concreto, garrafas de gás, fios eléctricos, mangueiras e baterias de automóvel. Se bem entendemos, nenhum destes objectos constitui um “explosivo civil”, por não se tratar de qualquer substância ou produto explosivo, cujo fabrico, comércio, transferência, importação e utilização estejam sujeitos a autorização concedida pela autoridade competente.
Também não pode qualquer um desses objectos ser considerado um “engenho explosivo civil”, uma vez que para o ser, tal engenho teria que conter o dito explosivo civil, o que não ocorre no caso, como dito.
Finalmente, entendemos também não se tratar de um “engenho explosivo ou incendiário improvisado”, mesmo depois de ligados todos os seus componentes, uma vez que na situação em causa não é utilizada qualquer substância ou produto explosivo ou incendiário de fabrico artesanal não autorizado.
Conclui-se, deste modo, que não se verifica qualquer acto praticado pelos arguidos que possa integrar a prática do crime de detenção de arma proibida, conforme lhes é imputado na acusação, já que o “engenho” que decidiram montar a fim de fazerem explodir as caixas ATM, não integra o conceito de qualquer uma das armas previstas no art. 86º da Lei nº 5/2006, na redacção da Lei nº 17/2009..”
Expostos os diferentes entendimentos nos autos sobre a questão em apreciação, e face à noção de «engenho explosivo ou incendiário improvisado», desde já se adianta entendermos não integrarem a ligação de objectos efectuada pelos arguidos, tal noção.
Desde logo porque em bom rigor ao arguidos não construíram nenhum engenho, entendido este como máquina, aparelho ou mecanismo, com um mínimo de estabilidade, já que aquilo que resulta da matéria de facto provada é que os arguidos ligaram entre si os objectos que transportaram consigo para o local – botijas de gás, mangueira, fios eléctricos e bateria de gás - de modo a lograrem fazer explodir o gás da botija dentro da caixa Multibanco e assim rebentarem com a mesma.
Mas ainda que se entendesse que a ligação daqueles objectos efectuada pelos arguidos conferiu aos mesmos a natureza de engenho, não integram os mesmos a noção prevista na alínea n) do nº5 do artº 2º da Lei 5/2006.
Na verdade, o que resulta da alínea n) do nº5 do artº 2º da Lei 5/2006, é sem margem para duvidas que engenho explosivo ou incendiário improvisado são todos aqueles que utilizem substâncias ou produtos explosivos incendiários de fabrico artesanal não autorizado. Isto é, o que caracteriza o engenho é a natureza dos produtos utilizados – de fabrico artesanal não autorizado – e não o engenho em si, ou o modo como eles são utilizados.
E no caso dos autos como bem entendeu a decisão recorrida, nenhum dos produtos ou substância utilizados, pode ser considerado substância ou produto explosivo de fabrico artesanal não autorizado, independentemente do modo como foram ligados entre si ou da utilização que lhe veio a ser dada.
Outra interpretação que implique a alteração conceito de «produto explosivo ou incendiário improvisado», constante definição da alínea n) do nº5 do artº 2º, designadamente no sentido de que a natureza artesanal e não autorizada se refere à ligação dos produtos, isto é ao engenho, violaria em nosso entender o princípio da legalidade em matéria penal consagrado no artº 29º nº1 da CRC e artº 1º do CP e como tal não pode ser sufragada. Como refere o Pof. Germano Marques da Silva, deste princípio “deriva a proibição da analogia para qualificar factos como crimes (nullum crimen sine lege stricta) e a proibição da retroactividade de leis penais prejudiciais ao agente dos factos, pois que então o fundamento da medida da pena não se encontraria numa lei prévia.”[3]
Do que ficou dito resulta que a ligação entre si de uma garrafa de gás, fios eléctricos, mangueira e bateria automóvel, não pode ser considerado um “engenho explosivo civil”, nem um “engenho explosivo ou incendiário improvisado”, e como tal a conduta dos arguidos ao ligarem tais elementos não integra a previsão da alínea a) do nº1 do artº 86 da Lei nº5/2006 de 23 de Fevereiro na redacção da Lei nº 17/2009, por referência às alíneas l), m) e n) do nº5 do artº 2º do mesmo diploma legal ou qualquer uma das armas previstas no art. 86º da Lei nº 5/2006, na redacção da Lei nº 17/2009.
Improcede pois o recurso.
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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação
Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 06/03/2013
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
Vítor Carlos Simões Morgado
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[1] Ac. RP de 6/7/2011 proferido no processo 1/08.=GAVRL.P1 (rel.Luis Teixeira) e Ac RP de 12/10/2011 proferido no proc. 2/08.9 GCVPA-P1(rel. Maria Dolores Silva e Sousa).
[2] Ac. da Rel Évora de 13/11/2012, proferido no processo nº 42/09PFSTB.S.1.E1 (relator Sénio Alves)
[3] Direito Penal Português, parte geral I, Introdução e teoria Geral da Lei Penal, Editorial Verbo 2001, pá.242.