Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70/10.3SFPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: BUSCA
PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
MEDIDAS DE COACÇÃO
DESPACHO
Nº do Documento: RP2011020970/10.3sfprt-A.P1
Data do Acordão: 02/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui mera irregularidade a omissão, antes de se proceder a busca, da entrega de cópia do despacho que a determinou.
II - Constitui mera irregularidade a omissão, no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, da informação sobre os factos concretamente imputados ao arguido, ou a omissão dos elementos do processo que indiciam os factos imputados.
III - Constitui mera irregularidade a consideração, na fundamentação do despacho de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial (à excepção do termo de identidade e residência), de quaisquer factos ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição.
IV - Constitui nulidade a omissão, na fundamentação do despacho de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial (à excepção do termo de identidade e residência), dos conteúdos referidos nas alíneas do n.º 5 do art. 194.º, do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo/Recurso nº 70/10.3SFPRT-A.P1.
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Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1. Nos autos supra identificados, foi o arguido:
B…, melhor identificado nos autos,
ouvido em 26-11-2010, pelas 16.03 h, em primeiro interrogatório judicial, findo o qual foi aplicada ao mesmo a medida de coação de prisão preventiva.
2. Não se conformando com a aplicação desta medida, veio o arguido dela recorrer, formulando as seguintes conclusões:
1º Por Despacho de 26 de Novembro de 2010 foi decretada a prisão preventiva do arguido B….
2º Dispõe o n° 1 do artigo 176° do CPP do CPP que, antes de se proceder à busca é entregue a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar.
3º Acontece que, a fls. 1057 diz-se que o arguido e companheira receberam cópias do despacho que determinou a busca, sendo que, aquando da realização da mesma não foi exibido nem entregue qualquer cópia do despacho que determinou a sobredita busca.
4º Assim, apesar de no referido auto de busca se dizer que foram entregues cópias do supra mencionado despacho, o certo é que tal não aconteceu, tanto que o arguido recusou-se a assinar o respectivo auto de busca e apreensão, uma vez que, entraram na sua residência com recurso a arrombamento.
5º A diligência de busca foi realizada sem o consentimento do arguido e sem que lhe tenha sido exibido ou entregue qualquer cópia a que se refere o artº 176, nº1 do C.P.P. e que respeita às formalidades da busca.
6º Está assim viciada de nulidade a busca domiciliária efectuada sem que à pessoa que tem a disponibilidade do domicílio e que aí tem residência fixada (in casu o arguido e companheira) sem que previamente lhe seja entregue cópia do despacho que determinou a busca para que quem a recebe compreenda o seu teor, razão, finalidade e limitações da busca ordenada.
7º Sem a entrega da cópia daquele despacho, verifica-se o incumprimento da obrigação imposta no art.176º, nº1 do C. P. Penal.
8º Posto isto, refira-se ainda que o Despacho que decretou a prisão preventiva ao arguido não contém a descrição dos factos concretamente imputados, incluindo as circunstâncias de tempo, lugar e modo, assim como a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados,
9º Pelo que, nesta perspectiva, surge então, como crucial a comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados, agora expressamente consagrada no dever de comunicação previsto no artº 141º nº4 do C.P.P.
10º Patenteia sem dúvida o legislador, com as recentes alterações, um particular cuidado na exigência da comunicação ao detido dos factos essenciais para a sua defesa, aqui englobando factos concretos e provas que lhe subjazem, bem como, no tocante à fundamentação do despacho que aplique medidas de coação.
11º Ora, no Despacho que aplicou a prisão preventiva ao arguido o Mmº Juiz “a quo” fez uma súmula dos factos indiciariamente imputados ao arguido e remeteu para os elementos de prova referidos no relatório/ promoção previamente elaborados
pelo M.P.
12º Ora, tal remissão é insuficiente para o cumprimento do artº 194, nº4.
13º Dispõe o artº 141 nº4 que no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o Juiz informa-o além do mais “dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime”
14º Ora, no auto de interrogatório do arguido, nenhuma referência è feita à necessidade de vedar ao arguido o conhecimento do conteúdo de alguns elementos de prova no processo, pelo que não se está perante algum dos casos previstos na segunda parte da norma citada.
15º Decorre do preceituado no artº 141º, nºs 4 e 5, do CPP, que ao arguido são primeiro indicados todos os elementos que indiciam os factos imputados (salvo os casos previstos no n° 4, que, como se disse, não estão aqui em causa) e só depois, perante as provas que lhe são apresentadas, ele disporá dos elementos necessários para um efectivo exercício do direito de defesa, decidindo, nomeadamente, se é do seu interesse prestar declarações e, em caso afirmativo, em que medida.
16º E a informação sobre "os elementos de prova são os que foram comunicados", não se pode resumir à mera enumeração dos tipos de prova existentes. Sob pena de subversão dos fins visados com as alterações introduzidas pela Lei 48/2007 de 29-8, (na sequência, aliás, de decisões do Tribunal Constitucional), não pode o juiz limitar-se a informar o detido, por exemplo, que contra ele existem "Auto de detenção”, “Auto de busca e suportes fotográficos”, “auto de exame teste rápido” "escutas telefónicas". Ninguém consegue defender-se de abstracções.
17º In casu, pelo menos quanto às intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, resulta inequívoco do despacho recorrido que não foi cumprido o dever de informação quanto ao seu conteúdo.
18º Ou seja, o arguido não foi confrontado com as supra citadas intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, uma vez que não prestou declarações, relativamente ao produto estupefaciente apreendido
19º Ora, no caso das intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, por não ter sido devidamente comunicado ao arguido, não podia constar da fundamentação, em virtude de não ter sido praticado um acto legalmente obrigatório, então deve considerar-se como não escrita a referência a tal conteúdo.
20º Tal omissão de comunicação e confronto arguido com o conteúdo das escutas acarreta a nulidade do despacho recorrido nos termos do artº 194º, nº 4 do CPP.
21º No que respeita à medida de coação a que arguido foi sujeito, o mesmo considera que tal medida foi aplicada em desproporcionalidade face ao perigo que se pretende evitar, verificando-se pois, uma não adequação da medida – que mais parece uma pena de prisão - à necessidade cautelar
22º A “Mmª Juiz a quo” aplicou ao arguido a medida de coacção mais gravosa prevista no Código de Processo Penal, a prisão preventiva, consubstanciada na continuação da actividade criminosa, ponderando a personalidade do arguido indiciada pelos antecedentes criminais.
23º A medida de coacção aplicada ao arguido è extremamente gravosa e desproporcionada, tendo sido aplicada, salvo o devido respeito, com base em pressupostos errados.
24º Uma vez que, nos elementos de prova constantes do auto de interrogatório de arguido, fala-se de uma suposta organização que se dedica ao tráfico de estupefacientes, sendo que dentro desta são alegadamente exercidas diferentes funções que cabem aos diferentes arguidos, alegando-se ainda que cabe ao arguido C…, D… e B… a direcção desta suposta organização.
25º No entanto, não são apresentados indícios concretos que sustentem tais afirmações.
26º Sendo que, para legitimar a aplicação da prisão preventiva, o legislador impõe a existência de fortes indícios da prática de crime doloso (cfr as als a) b), do nº1 do artº 202º.
27º Daqui que, a prisão preventiva, deve constituir a última ratio ou extrema ratio das medidas de coacção, apenas se podendo aplicar quando se demonstre que todas e cada uma das restantes medidas cautelares se revelem inadequadas ou insuficientes a cumprir os fins a que se destina (cfr arts 193º, nº2 e 202º nº1do C.P.P. e o artº 28º nº 2 da CRP)
28º Concomitantemente, de forma a reduzir os danos individuais provocados pela prisão, o nº3 do artº 193º do C.P.P. na sua actual redacção dispõe que quando ao caso couber medida de coacção privativa de liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação, sempre que essa medida se revele suficiente para satisfazer as exigências que se pretende acautelar.
29º Ora, o Despacho recorrido viola claramente princípios constitucionais e legais (consagrados no CPP quanto a medidas de coacção);
30º A nossa Constituição consagra o princípio da excepcionalidade da prisão preventiva (art. 27., nº3) e a inaplicação da mesma sempre que possa ser substituída por outra medida de liberdade provisória (art. 28.,nº2);
31º O CPP nunca perdeu de vista estes princípios constitucionais ao tratar das medidas de coacção;
32º Deu, assim, letra de lei ao princípio da legalidade (art.191º) ao da adequação (art.193º.,nº1) e,
33º No que concerne especificamente à prisão preventiva, ao princípio da subsidiariedade (art. 193º., nº2 e art., 202º, nº1);
34º Por outro lado, a natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva è consagrada a nível mundial, nomeadamente no Pacto Internacional dos Direitos Cívicos e Políticos, de 16.12.1966, Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Resoluções e Recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa;
35º Tudo isto foi ponderado na feitura do actual CPP, “maxime” na parte relativa a medidas de coacção;
36º O despacho recorrido fez letra morta destes princípios;
37º Salvo o devido respeito, não assiste razão à “Mmª Juiz a quo”, quando justifica a aplicação da medida da prisão preventiva por entender existir perigo de continuação da actividade criminosa, uma vez que, o arguido se encontra inserido num ambiente familiar estável.
38º Tendo actualmente a sua residência em casa dos seus sogros, que são pessoas reformadas e sem qualquer ligação à alegada organização de actividade de tráfico de droga, aliado ao facto de existir actualmente uma proposta de trabalho (carta de trabalho para empregado de armazém que ser protesta juntar aos presentes autos em 15 dias)
39º Reunindo, assim, todas condições para lhe poder ser aplicada uma medida de coação menos gravosa, nomeadamente, obrigação de apresentação periódica ou se caso assim não se entender a prisão domiciliária, sujeita a vigilância electrónica, aliada à proibição de contactos com os demais suspeitos e ou/arguidos nos autos tendo o arguido já manifestado o seu consentimento para a aplicação da mesma (autorizações que se protestam juntar aos presentes autos em 15 dias);
40º Pelo que, salvo o devido respeito, com a aplicação da medida de coacção prisão domiciliária, sujeita a vigilância electrónica, não se vislumbra qualquer perigo de continuação da actividade criminosa;
41º Também não colhe a argumentação, conforme consta da fundamentação do Douto Despacho, de que a personalidade do arguido indiciada pelos antecedentes criminais, com condenações anteriores por crimes de idêntica natureza, justifica a medida de prisão preventiva aplicada ao arguido
42º Destarte, o perigo de continuação de actividade criminosa que no caso inexiste, bem como, a personalidade do arguido indiciada pelos antecedentes criminais não pode fundamentar a medida de coacção prisão preventiva;
43º Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, tal não será permitido estando o arguido sujeito à medida de V.E., sendo que por um lado não se compreende que a “Mmª Juiz a quo”entenda que o arguido retomará tal actividade se colocado em liberdade, pois não é pelo facto dos crimes indiciariamente imputados ao arguido que existe automaticamente perigo sério do arguido continuar a delinquir, além de que conforme o supra exposto existirá sempre impossibilidade de tal continuação atendendo à actual residência do arguido e pessoas que com este residem;
44º Sendo que o arguido vai em breve ser pai, importando ainda referir que o arguido se à data da alegada prática dos factos não exercia qualquer profissão não obstante a procura de emprego que saia sempre frustrada em virtude da sua doença crónica, mais concretamente diabetes, que obriga a paragens constantes no trabalho em virtude da necessária administração de insulina.
45º No entanto, à data da alegada prática dos factos o arguido e sua companheira auferiam de rendimento mínimo, sendo que os pais desta também os auxiliavam nas despesas domésticas, nomeadamente, pagamento da renda de casa
46º Assim, de molde a que o arguido tenha a possibilidade de ajudar na educação do seu filho que irá nascer em breve enquanto o presente processo se encontra sob investigação, é imprescindível e consentâneo que lhe seja aplicada uma medida de coacção menos gravosa que a prisão preventiva;
47º Acresce que, o arguido sofre de diabetes, pelo que, a sua detenção em estabelecimento prisional não lhe permitirá usufruir dos cuidados e acompanhamento médico que a sua doença exige, o que determinará o seu agravamento, com repercussões graves no seu estado psíquico e,
Consequentemente no seu estado físico;
48º A aplicação da medida de coacção nomeadamente, obrigação de apresentação periódica ou se caso assim não se entender a prisão domiciliária, sujeita a vigilância electrónica, aliada à proibição de contactos com os demais suspeitos e ou/arguidos nos autos tendo o arguido e restante agregado familiar, já manifestado o seu consentimento para a aplicação da mesma, será suficiente para acautelar as exigências de prevenção;
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO EVE A MEDIDA DE COACÇÃO PRISÃO PREVENTIVA, APLICADA AO ARGUIDO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA PELA OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÕES PERIÓDICAS, OU CASO V. EXAS ASSIM NÃO O ENTENDAM, PELA PRISÃO DOMICILIÁRIA COM VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA, NOS TERMOS EXPOSTOS COMO É DE JUSTIÇA.
3. Respondeu o Ministério Público dizendo em síntese:

EM CONCLUSÃO:
1. O arguido B…, foi sujeito a interrogatório judicial findo o qual o M.° Juiz por entender que “considerando os elementos probatórios comunicados aos arguidos, com particular destaque para o que resulta dos autos de busca e das comunicações telefónicas transcritas a fls. 90 a 110, 231 a 250, 504 a 567 e 884 a 890, consideramos fortemente indiciados os factos que lhes são concretamente imputados, conforme comunicação supra que lhes foi efectuada e que aqui se dá por reproduzida. Os elementos de prova que sustentam essa imputação são os mesmos que já lhes foram comunicados. Esses factos podem preencher o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.° 21. n. 1, do DL 15/93 de 22/01. Considerando justificado o receio de perigo de continuação da actividade criminosa, ponderando a personalidade indiciada pelos antecedentes criminais dos arguidos com condenações anteriores por crimes de idêntica natureza, ainda que uma delas esteja em recurso, consideramos justificada a medida de coacção de prisão preventiva requerida pelo MP quantos aos arguidos ... e B…”, determinou a sujeição do arguido B… à medida de coacção de prisão preventiva.
2. Inconformado, o arguido B… interpõe o presente recurso que visa, conforme consta da síntese final das suas conclusões, “...deve a medida de coacção prisão preventiva, aplicada ao arguido, ser revogada e substituída pela obrigação de apresentações periódicas, ou caso V Ex.°as assim o não entendam, pela prisão domiciliária com vigilância electrónica, ...”.
3. Começa o arguido por levantar a questão da nulidade da busca efectuada à residência do arguido B…, pelo facto de, alegadamente, não ter sido entregue ao arguido cópia do despacho que determinou a busca (art.° 1.º a 7.° das suas conclusões).
4. Porém, consta do auto, a fls. 1169, último parágrafo, que foi entregue ao arguido cópia do despacho legitimador da acção policial. Não é pois verdade o alegado pelo arguido uma vez que lhe foi entregue cópia do despacho que autorizou a busca.
5. Anda que tivesse sido omitida a entrega ao arguido de cópia do despacho que autorizou a busca, o que só por mero exercício de raciocínio se admite, tal não configuraria qualquer nulidade uma vez que as nulidades estão sujeitas ao principio da legalidade, constante do art.° 118.°, n.° 1, do CPP, desconhecendo-se qualquer norma que comine tal omissão com a nulidade do acto, que, aliás, o arguido, também, não indica. Tal omissão, a ter-se verificado, constituiria uma mera irregularidade, corno resulta do disposto no art.° 118.°, n.° 2, do CPP, sendo de três dias o prazo para a sua arguição, corno decorre do disposto no art.° 123.°, n.° 1, do CPP. Na data da interposição do recurso, pelo arguido B…, mostrava-se largamente excedido o prazo legal, de três dias, referido no art.° 123.° do CPP, pelo que deverá considerar-se sanada qualquer, eventual, irregularidade praticada no decurso da busca efectuada na residência do arguido B…, conforme auto de busca de fls. 1169 e ss. (cfr. Ac. Rei Lisboa de 18.05.2006, in www.pgdlisboa.pt).
6. Nas conclusões 8.ª a 12.ª, questiona o arguido o facto de, no despacho que aplicou a medida de prisão preventiva, o M.° Juiz ter feito uma súmula dos factos indiciariamente imputados ao arguido e ter remetido para os elementos de prova referidos na promoção elaborada pelo MP, por entender que tal remissão é insuficiente para cumprimento do disposto no art.° 194.°, n.° 4, do CPP.
6. Sem razão porém. Na verdade não é conhecida qualquer norma que impeça o Juiz de remeter para os elementos de prova referidos no requerimento do MP, em cumprimento da exigência legal prevista no art.° 194.°, n.° 4, ai. b), e o arguido também a não aponta.
7. Nas conclusões 13.ª a 20.ª, invoca o arguido, a nulidade do despacho recorrido, por violação dos art.° 141.°, n.° 4 e 5, e 194.°, n.° 4, ambos, do CPP, pelo facto de o arguido não ter sido informado sobre o conteúdo das intercepções telefónicas, mandado/auto de busca e suportes fotográficos.
8. Porém, como resulta do auto de interrogatório de fls. 1230 e 1231, o arguido foi informado de todos os elementos de prova indicados no requerimento, a que alude o art.° 141.°, n.° 1, parte final do CPP, tendo sido explicado o conteúdo dos mesmos, sucintamente, face à imediata declaração do arguido, B…, de “não pretender prestar declarações”.
9. Nas conclusões 21.ª a 48.ª o arguido B… refere-se à desproporcionalidade, inadequação e desnecessidade da medida de coacção de prisão preventiva a que foi sujeito, entendendo “…deve a medida de coacção prisão preventiva, aplicada ao arguido, ser revogada e substituída pela obrigação de apresentações periódicas, ou caso V Ex.°as assim o não entendam, pela prisão domiciliária com vigilância electrónica, ...”.
10. Pressuposto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva é a existência de “fortes indícios da prática de crime doloso” ... (art° 202.°, n.° 1, do CPP). Não basta pois a existência de indícios bastantes ou suficientes é necessário que existam “fortes indícios”.
11. Não existe norma semelhante à do art.° 283.°, n.° 2, do CPP, que defina o conteúdo dos “indícios fortes”. Para Paulo Pinto de Albuquerque, CPP, 2009, nota 8 ao art.° 127.°, “fortes indícios são as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento da prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória. ...o legislador só consagra o crivo dos indícios fortes para a aplicação das medidas cautelares mais graves, que implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que constituem, no plano fáctico, uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos”. Os fortes indícios exigem pois uma convicção indubitável de que um facto se verifica, uma convicção de que, face aos elementos conhecidos nos autos, será inevitável a condenação do arguido.
12. Ora, os indícios já recolhidos nos autos são muito fortes e são constituídos, no que respeita ao arguido B…, pelos indícios referidos na douta decisão recorrida como seu fundamento, a fls. 1240 e ss., salientando-se os seguintes:
a) - Das transcrições das escutas telefónicas:
Do Alvo 43771M, arguido C…, pai do arguido B…; - a fls. 104 sessão 202; - a fls. 531 sessão 1380; Do Alvo 43773M, arguido B…; - a fls. 111 sessão 151;- a fls. 112 sessão 170;- a fls. 113/114 sessão 300;- a fls. 114 sessão 341;- a fls. 114 sessão 345; - a fls. 116 sessão 529; - a fls. 116/117 sessão 566; - a fls. 118/121 sessão 612; - a fls. 538 sessão 1007; - a fls. 538 sessão 1018; - a fls. 539 sessão 1020; - a fls. 539 sessão 1027; - a fls. 539 sessão 1045; - a fls. 548 sessão 623; - a fls. 548 sessão 630; Dos Alvos 2B756M e 2B974M, arguido D…, irmão do arguido B…; - a fls. 554 sessão 171; - a fls. 567, sessão 480; e, - a fls. 884 sessão 1; sessões parcialmente transcritas nesta resposta.
13 O teor das referidas conversações telefónicas é revelador de que o arguido B… faz parte de uma organização, de matriz essencialmente familiar, que se dedica ao tráfico de estupefacientes e na qual ocupa papel de destaque. Embora, o arguido C… actue com alguma autonomiza, tendo ao seu serviço toxicodependentes para procederem às vendas directamente aos consumidores, como sucede com o E…, referido nas transcrições telefónicas, é manifesta a colaboração entre todos os diferentes familiares, quer na preparação das “doses” de estupefacientes, quer nas cedências de produtos estupefacientes entre todos.
14. b) - O teor do auto de busca e apreensão de fls. 1169 e ss., de que se salienta, para além dos produtos estupefacientes apreendidos, a apreensão, ao arguidos, de 7 (sete) telemóveis, uma balança de precisão Diamond, com vestígios de estupefacientes, um moinho da marca Becken, modelo Moligrano, com vestígios de estupefacientes, uma navalha com vestígios de estupefacientes, uma caixa contendo uma embalagem aberta de bicarbonato de sódio.
15. c) - Os documentos de fls. 1174 a 1183, fotos da casa do arguido e dos produtos nela apreendidos.
16. Ora, o moinho e o bicarbonato de sódio são materiais indispensáveis à actividade de tráfico, pois permitem misturar os produtos estupefacientes, com o bicarbonato de sódio, de forma a aumentar o número de doses e potenciar os lucros dos traficantes. A balança de precisão é também indispensável à preparação de doses individuais. A posse desses produtos e instrumentos, conjugada com a posse dos 7 telemóveis, bem como o teor das transcrições telefónicas atrás referidas, revela muito fortemente que o arguido vem fazendo do tráfico de estupefacientes modo de vida, pois encontrando-se desempregado não tem outros meios de subsistência.
17. Tais indícios levam-nos a concluir - convicção indubitável - que o arguido B… faz parte de uma organização, de matriz essencialmente familiar, que se dedica ao tráfico de estupefacientes e na qual ocupa papel de destaque, embora actue com alguma autonomia, tendo ao seu serviço toxicodependentes para procederem às vendas directamente aos consumidores, sendo manifesta a colaboração entre todos os diferentes familiares, quer na preparação das “doses” de estupefacientes, quer nas cedências de produtos estupefacientes entre todos.
18. A aplicação de medidas de coacção está subordinada à verificação em concreto dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
19. O arguido B…, no seu interrogatório (fls. 1230 e 1231), quando questionado sobre os seus antecedentes criminais, respondeu que “já foi condenado, uma vez por roubo e outra por tráfico, em penas de prisão que cumpriu”.
20. O crime de tráfico, pelo qual o arguido B… está indiciado, revela-se uma actividade altamente lucrativa, lucro que constitui um forte apelo à sua prática. A condenação anterior, do arguido B…, em pena de prisão, que cumpriu, pela prática de crime de tráfico, revelou-se insuficiente para prevenir a prática pelo arguido de novos crimes de tráfico.
21. A actividade que do arguido B… vem desenvolvendo é feita com a colaboração de terceiros, facto que lhe permitiria facilmente continuar tal actividade, se fosse restituído à liberdade, a partir de sua casa, ainda que fosse sujeito à medida de apresentações periódicas no OPC, ou, mesmo que fosse sujeito à medida de coacção de OPH/VE.
22. Mostram-se assim, tais medidas de coacção, manifestamente inadequadas e insuficientes para prevenir o sério perigo de continuação da actividade criminosa do arguido.
23. a medida de coacção de prisão preventiva é a única capaz de acautelar o sério perigo de continuação da actividade criminosa do arguido B…, mostrando-se não apenas necessária mas indispensável à prossecução de tal objectivo, e mostrando-se, também, proporcional à gravidade do crime indiciado, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos, e à pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao arguido.
24. Deverá pois ser julgado improcedente o recurso e confirmada a douta decisão ora recorrida.

4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral-Adjunto apenas disse que concordava com a resposta do MºPº em 1ª instância, nada tendo a acrescentar.
5. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.
II
Questões a apreciar:
1. A nulidade da busca efectuada no domicílio do arguido recorrente por não ter sido observado o disposto artigo 176º, nº 1, do CPP no que respeita à entrega de cópia do despacho antes da realização da busca.
2. A não comunicação ou informação ao arguido, durante o interrogatório judicial, dos factos que lhe são concretamente imputados bem como dos elementos do processo (provas) em que se indiciam tais factos.
3. A nulidade resultante da não informação/comunicação legal e prévia destes elementos probatórios -intercepções telefónicas, mandado/auto de busca e suportes fotográficos - conjugada com a consideração dos mesmos na fundamentação do despacho que decretou a medida de coação de prisão preventiva.
4. A inadequação e desproporção da medida de coação aplicada à gravidade dos factos e situação pessoal do recorrente.
III
1. O despacho recorrido tem o seguinte teor, no que releva para a apreciação do recurso:

DESPACHO
A detenção dos arguidos foi legal, porque em flagrante delito, e por crime público punido com pena de prisão, obedeceu aos requisitos legais e como tal declaro-a válida - art°s. 254°, 255° e 256, todos do C. P. Penal.
Considerando os elementos probatórios comunicados aos arguidos, com particular destaque para o que resulta dos autos de busca e das comunicações telefónicas transcritas a fls. 90 a 110, 231 a 250, 504 a 567 e 884 a 890, consideramos fortemente indiciados os factos que lhes são concretamente imputados, conforme comunicação que supra lhes foi efectuada e que aqui se dá por reproduzida.
Os elementos de prova que sustentam essa imputação são os mesmos que já lhes foram comunicados. Esses factos podem preencher o crime de tráfico de estupefacientes gravidade, p. e p. pelo art. 21°, n°1, do Dec. Lei 15/93, de 22/01.
Considerando justificado o receio do perigo da continuação da actividade criminosa, ponderando a personalidade indiciada pelos antecedentes criminais dos arguidos com condenações anteriores por crimes de idêntica natureza, ainda que uma delas esteja em recurso, consideramos justificada a medida de prisão preventiva requerida pelo Ministério quanto aos arguidos C…, D… e B….
De igual modo, consideramos justificada a medida de coacção de apresentações periódicas solicitada em relação aos demais arguidos.
Pelo exposto e decidindo, determina-se que os arguidos C…, D… e B… aguardem os ulteriores termos do processo em prisão preventiva - artigos 191° a 194°, 202°, n°.1, al. a) e 204, al. c) todos do CPP.
Os demais arguidos aguardarão os ulteriores termos do processo, em liberdade, sujeitos à obrigação de apresentação periódica às segundas, quartas e sextas-feiras, no órgão de polícia criminal mais próximo da área das suas residências, não se fixando hora por desnecessário, artigos 191° a 194°, 198° e 204, al. c) todos do CPP.
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Passe os necessários mandados de detenção aos arguidos supra referidos ao Estabelecimento Prisional do Porto e restitua os demais arguidos à liberdade.
Notifique e cumpra-se o art.° 194°, n.°s 8 e 9 do CPP, na redacção introduzida pela Lei 26/2010, de 30/08.

2. Por sua vez, o M°P° promoveu o seguinte quanto à medida de coação:
Seguidamente, dada a palavra ao Digno Magistrado do M°. P°., no uso dela, disse:
Os elementos probatórios recolhidos nos autos indiciam claramente a prática pelos arguidos dos factos que lhe são imputados, integradores da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art° 21°, n°1, do Dec.Lei 15/93, de 22/01.
Estamos perante uma organização, que se dedica ao tráfico de estupefacientes, sendo que, no interior da mesma, são diferentes as funções que cabem aos diferentes arguidos.
Como resulta do requerimento elaborado nos termos do art. 141° do CPP, cabe aos arguidos C…, D… e B… a direcção da organização.
Por outro lado, as arguidas F… e G… detêm na organização uma função dependente da actividade daqueles, cabendo-lhes fundamentalmente a preparação e guarda dos produtos estupefacientes.
Por outro lado, de acordo com o teor do requerimento elaborado nos termos do art. 141° do CPP, ambos os arguidos H… e I… detinham escondido no interior do saco do filho menor de ambos produtos estupefacientes, sendo que o requerimento não refere concretamente a intervenção de cada um deles no que respeita à posse desse estupefaciente.
Atenta a qualidade e quantidade dos produtos que lhe foram apreendidos, bem como o modo de vida dos arguidos, entendemos existir forte perigo de continuação da actividade criminosa.
No que respeita aos arguidos C…, D… e B… afigura-se-nos, atento os princípios necessidade de adequação e proporcionalidade, que a única medida capaz de prevenir a continuação da actividade criminosa é a medida de coacção de prisão preventiva, considerando qualquer das outras medidas, e designadamente a de OPH-VE, se mostram inadequadas e insuficientes para acautelar tal perigo, tudo nos termos dos art°s 191°, 193°, 196°, 202° e 204°, al. c), todos do CPP.
Quanto aos restantes arguidos F…, G…, H… e I…, considerando que embora colaborem na actividade dos arguidos C…, D… e B…, e desenvolvam também com independência, alguma actividade de tráfico, afigura-se-nos que a sua acção criminosa se mostra dependente de actividade daqueles, razão porque o perigo de continuação da actividade criminosa, por parte destes arguidos, se afigura menor, no caso de aqueles serem, conforme promovido, sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.
Assim, quanto aos arguidos F…, G…, H… e I… promovo que sejam os mesmos sujeitos à medida de obrigação de apresentação três vezes por semana no OPC da área da sua residência, além do TIR já prestado, tudo nos termos dos art°s 191º, 193°, 196°, 198° e 204°, al. e), todos do CPP.

3. E o arguido B… disse o seguinte:
Seguidamente foi dada a palavra ao Dr. J… defensora oficiosa do arguido B…, que no uso dela, disse:
Acompanhar a posição da defesa do arguido D…, por considerar excessiva e desproporcional a prisão preventiva, propondo, em alternativa, as apresentações diárias, que considera suficientes para acautelar o perigo da continuação da actividade criminosa.

4. Por sua vez, a defesa do arguido D… tinha dito antes:
Não se consegue conceber nem compreender as doutas conclusões levadas a cabo pelo Sr. Ilustre Procurador. Na realidade, fala-se numa suposta organização tendente ao tráfico de estupefacientes quando, na realidade, apenas é apresentada uma suposta hierarquia sem que nenhum indício seja apresentado para suportar tal afirmação.
Não nos podemos esquecer que a prisão preventiva é a última ratio, o último meio que o juiz aplicador da medida de coacção lança mão para realizar na íntegra as finalidades que presidem à aplicação de uma medida de coacção. No caso vertente, o incrível é que o arguido D… nem sequer está sujeito a qualquer medida de coacção, pelo que não se compreende que, podendo o Sr. Procurador lançar mão de uma medida de coação não detentiva, opte de forma desajustada, desproporcional e descabida da prisão preventiva.
Não nos podemos esquecer do principio da proporcionalidade e da equidade e, relativamente ao arguido D…, não se compreende como arguidos com quantidades de produtos estupefacientes superiores é-lhes promovida a aplicação de medidas de coacção de apresentações trissemanais e quanto ao arguido D… é coberto de uma hierarquia imaginária e de uma organização fantasma, se queira aplicar a medida de coacção de prisão preventiva. Torna-se evidente que as finalidades que presidem a aplicação de uma medida de coacção só serão realizadas na íntegra, nomeadamente, de uma forma adequada, justa e proporcional se ao arguido for aplicado a medida de obrigatoriedade de apresentação às autoridades judiciais, fazendo-se desta forma, justiça.
IV
Cumpre decidir:
1ª Questão: a nulidade da busca efectuada no domicílio do arguido recorrente por não ter sido observado o disposto artigo 176º, nº 1, do CPP no que respeita à entrega de cópia do despacho antes da realização da busca.
1. Dispõe efectivamente o n° 1 do artigo 176° do CPP que, “ antes de se proceder à busca é entregue… a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar…por pessoa da sua confiança”.
Diga-se, antes de mais, que a ordem de realização da busca é legal, tendo obedecido a todos os pressupostos exigidos, tendo sido autorizada pela autoridade judiciária competente – Juiz – e devidamente fundamentada – v. despachos judiciais de fls. 227 e 238, correspondestes a fls. 976 e 987 dos autos principais.
E conforme os elementos que dos autos constam, a realização da busca no domicílio do arguido bem como a realização das buscas no domicílio dos outros arguidos, é o culminar de uma investigação que durava já algum tempo, com recurso a várias vigilâncias e “escutas telefónicas”.
Dada a natureza do crime em investigação, a personalidade dos arguidos envolvidos e a dificuldade da realização da busca sem perda das respectivas provas, foi esta autorizada, como é legalmente previsto e permitido, nomeadamente no período compreendido entre as 21 e as 7 horas, com recurso, se necessário, a arrombamento de portas….
Receios que se concretizaram como resulta do teor do auto de busca de fls. 369 a 371 – fls. 1169 a 1171 do processo principal.
Conferido o dito auto, consta deste que a busca foi efectuada pelas 6 horas e 30 minutos do dia 25 de Novembro de 2010, tendo sido arrombada a porta de entrada e, quando os agentes entraram, já o arguido B… – que entretanto se tinha apercebido da presença dos agentes e da sua intenção - tinha lançado para o interior da sanita da casa de banho, dois sacos em plástico e accionado o autoclismo.
Embalagens que acabaram por ser recuperadas, uma no interior da dita sanita e outra já na caixa de derivação de esgotos, contendo ambas estupefacientes – v. fls. 370 (1170 do processo principal).
Esta descrição dos factos e o modo como se iniciou a busca com certeza que não se coaduna com o cumprimento linear das formalidades supra enunciadas.
No entanto, segundo o que se descreve no auto – fls. 369 -, depois de imobilizado o arguido B… e encontrando-se os residentes da habitação em segurança[1], foram ambos informados do propósito da busca, explicado o conteúdo do mandado e entregue cópia deste.
Ora, é nesta parte que a posição do arguido diverge do teor do auto, quando afirma que não lhe foi exibido nem entregue cópia do despacho que determinou a busca.
É certo que o arguido se recusou a assinar o respectivo auto, quer na parte referente à informação do conteúdo do despacho e entrega deste quer na parte referente ao resultado das diligências de busca. É certo também que não consta do auto o real motivo da recusa do arguido em assinar. A recusa em assinar não está vedada ao arguido. O que não significa que essa recusa impeça a normal produção dos efeitos da busca e sua legalidade. Não é já claro o auto se, para além da recusa do arguido em assinar, este também acabou por recusar a entrega da respectiva cópia. O que até seria normal acontecer, na sequência da dita recusa em assinar. Mas, não estando também esta hipotética recusa assinalada no auto, existe uma divergência entre o que se afirma no auto e o que afirma o arguido.
Não sendo objecto do recurso apurar da veracidade do que é afirmado no dito auto também o não é o apuramento da veracidade do que afirma o arguido.
O que neste momento se pode apreciar e releva para o recurso, é o seguinte:
- O arguido, até agora, não suscitou qualquer incidente de falsidade do respectivo auto de busca, de modo a impugnar o seu exacto teor e daí retirar as consequências que entender possíveis e úteis à sua defesa. E só com um incidente desta natureza, a força probatória do auto pode ser abalada.
- Mas, admitindo-se, por mera hipótese, que não chegou a ser entregue ao arguido B…, a cópia do dito despacho[2], a consequência legal desta omissão não é, conforme pretende o requerente, uma nulidade nem muito menos a nulidade da busca e consequentes efeitos desta.
Compulsado o regime das nulidades – artigos 118º a 122º, do CPP -, aí não cabe, manifestamente, esta omissão. Outrossim, esta eventual omissão[3] corresponde a uma mera irregularidade processual que, ao abrigo do disposto no artigo 123º, do CPP, deveria ter sido arguida, pelo menos no prazo de 3 dias após a sua verificação[4]. Neste sentido aponta a posição de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, Universidade Católica, fls. 481, nota 7, em comentário ao artigo 176º, do CPP.
Significa, pois, que esta questão se encontra, neste momento, sanada. E sendo assim, improcede a pretensão, nesta parte, do recorrente B….

2ª Questão: a não comunicação ou informação ao arguido, durante o interrogatório judicial, dos factos que lhe são concretamente imputados bem como dos elementos do processo (provas) em que se indiciam tais factos.

1. Sobre esta matéria diz expressamente o recorrente:
O despacho que decretou a prisão preventiva ao arguido não contém a descrição dos factos concretamente imputados, incluindo as circunstâncias de tempo, lugar e modo, assim como a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados,
Pelo que, nesta perspectiva, surge então, como crucial a comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados, agora expressamente consagrada no dever de comunicação previsto no artº 141º nº4 do C.P.P.
Patenteia sem dúvida o legislador, com as recentes alterações, um particular cuidado na exigência da comunicação ao detido dos factos essenciais para a sua defesa, aqui englobando factos concretos e provas que lhe subjazem, bem como, no tocante à fundamentação do despacho que aplique medidas de coação.
Ora, no despacho que aplicou a prisão preventiva ao arguido o Mmº Juiz “a quo”
fez uma súmula dos factos indiciariamente imputados ao arguido e remeteu para os elementos de prova referidos no relatório/ promoção previamente elaborados pelo M.P.
Ora, tal remissão é insuficiente para o cumprimento do artº 194, nº4.
In casu, pelo menos quanto às intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, resulta inequívoco do despacho recorrido que não foi cumprido o dever de informação quanto ao seu conteúdo.
Tal omissão de comunicação e confronto do arguido com o conteúdo das escutas
acarreta a nulidade do despacho recorrido nos termos do artº 194º, nº 4 do CPP.

2. Vejamos:
Dispõe o actual artigo 141º, nº 4 do CPP, dedicado ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que o juiz informa este:
a) Dos direitos referidos no nº 1 do artigo 61º, explicando-lhos, se isso for necessário.
b) Dos motivos da detenção.
c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo.
d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime”.
Por sua vez, o actual nº 5, do artigo 194º do CPP[5] refere que a fundamentação do despacho que aplicar medida de coacção, à excepção do TIR, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º.

2.1. O “dever de fundamentação das decisões judiciais é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático, artigo 2º da Constituição da República, ao menos quanto àquelas que tenham por objecto a solução da causa em juízo", cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 ed. pág. 798.
Dever de fundamentação que tem consagração constitucional no artigo 205º nº 1 da CRP, ao afirmar que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Esta obrigatoriedade geral da fundamentação das decisões judiciais representa, no domínio do Código de Processo Penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos.
Daí que o Código de Processo Penal exprima no artigo 97º, nº5, o princípio geral que vigora sobre a fundamentação dos actos decisórios, dizendo que "os actos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".

Para além da consagração deste princípio geral, o legislador reitera, quanto a actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos, este dever de fundamentação, como acontece na situação em apreço do artigo 194º, nº4.

2.2. Que não deixa de ser um corolário do que se encontra consagrado igualmente na CRP, sobre as garantias e liberdades de qualquer arguido:
Artigo 32º, nº 1:
“O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Artigo 28º, nº 1:
“A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.
Artigo 27º, nº4:
“Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”.

3. Centrando a atenção no interrogatório judicial de arguido detido, este, como acto jurisdicional que é, tem funções eminentemente garantísticas – já não de investigação ou de recolha de prova[6] - e está “subordinado ao princípio do contraditório, em que o arguido surge como sujeito processual e não como objecto da investigação e em que o juiz de instrução deve tentar minorar, na medida do possível, a desigualdade inicial de que partem Ministério Público e arguido quanto ao conhecimento dos factos investigados e da prova recolhida.
Nesta perspectiva, surge, então, como crucial a comunicação ao arguido dos factos que lhe são imputados, agora expressamente consagrada no dever de comunicação previsto no artigo 141º/4 C P Penal”[7].
Mais se decide/afirma, de relevante, neste acórdão, que merece a nossa concordância:
“O direito de saber porque se foi detido é indubitavelmente um dos direitos primordiais do indivíduo”, pois “saber que não se pode ser detido sem conhecer as respectivas razões é a primeira condição da segurança pessoal, é o teste de que se vive numa sociedade democrática e num verdadeiro Estado de Direito”. Por outro lado, “conhecer os motivos da detenção é também a condição sine qua non de uma verdadeira “igualdade de armas”: para se poder defender, para se poder prevalecer das garantias de um processo equitativo, é preciso primeiro saber as razões pelas quais se foi detido”, sob pena de “não apenas ser negado o princípio da presunção de inocência mas também a faculdade de a pessoa detida contestar o bem fundado das suspeitas que pesam sobre ela e de recorrer para um tribunal superior a fim de ser apreciada a legalidade da sua detenção”, cfr. Régis de Gouttes, in Louis-Edmond Petiti e outros, La Convention Européenne des Droits de l’Homme – Commentaire article par article, ed. Economica, Paris, 1995, 203-210, …
Patenteia, sem dúvida, o legislador, com as recentes alterações, um particular cuidado na exigência da comunicação ao detido dos factos essenciais para a sua defesa, aqui englobando os factos concretos e as provas que lhes subjazem, bem como no tocante à fundamentação do despacho que aplique medidas de coacção.
Aqui se evidencia – como vimos já - que a pedra de toque da recente alteração legislativa, é o acentuar da defesa dos direitos processuais do arguido, donde ressalta, a consagração, por imperativo constitucional, da obrigação de comunicação dos concretos factos que lhe são imputados e elementos que os indiciam, informação cujo concreto conteúdo tem reflexos no subsequente despacho judicial, servindo de elemento delimitador deste, no sentido de que o que não foi comunicado, devendo tê-lo sido, não pode servir para fundamentar o despacho de aplicação de medidas de coacção, para além do TIR”[8] .

4. Aqui chegados, é altura de averiguar se, durante o interrogatório judicial, o Sr. Juiz de instrução informou o arguido ora recorrente nos termos do disposto no artigo 141º, nº 4 e se o despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva obedece aos requisitos do disposto no artigo 194º, nº 5 (redacção actual), ambos do CPP.

Não sem antes aqui expressarmos a nossa concordância com o afirmado no ac. do TRG de 22.3.2010, proferido no processo nº 371/09.3GCGMR-A.G1, consultável na base de dados do ITIJ – cujo teor o recorrente também reproduz, nas conclusões 15º e 16º -, quanto ao momento e oportunidade da informação a prestar ao arguido, numa conjugação lógica e correcta dos nºs 4 e 5[9] do artigo 141º, do CPP:

“Isto é, ao arguido são primeiro indicados todos os elementos que indiciam os factos imputados (salvo os casos previstos no n° 4, que, como se disse, não estão aqui em causa). Só depois, perante as provas que lhe são apresentadas, ele disporá dos elementos necessários para um efectivo exercício do direito de defesa, decidindo, nomeadamente, se é do seu interesse prestar declarações e, em caso afirmativo, em que medida. São momentos distintos do interrogatório, sendo que o primeiro precede necessariamente o segundo.
Naturalmente, a informação sobre "os elementos do processo que indiciam os factos imputados", não se pode resumir à mera enumeração dos tipos de prova existentes. Sob pena de subversão dos fins visados com as alterações introduzidas pela Lei 48/2007 de 29-8, (na sequência, aliás, de decisões do Tribunal Constitucional), não pode o juiz limitar-se a informar o detido, por exemplo, que contra ele existem "vigilâncias", "escutas telefónicas" e "apreensões". Ninguém consegue defender-se de abstracções. Este dever de informação ao arguido abrange o «conteúdo» de cada um dos elementos de prova susceptíveis de virem a ser utilizados para fundamentar a decisão que irá ser proferida quanto às medidas de coacção”.

4.1. Compulsado o teor do auto de interrogatório de arguido de fls. 411 e 412 – fls. 1230 e 1231 do processo principal – verifica-se que do mesmo consta ter o arguido sido informado nos termos das alíneas b), c) e d), do nº 4, do artigo 141º, do CPP, da seguinte forma[10]:
“1- Motivos da detenção: - indícios da prática de um crime de tráfico de estupefaciente pp. pelo art. 21º. Nº 1, alínea a) do DL 15/93, de 22/01, em concurso com o crime de furto pp. pelo art. 203º, nº 1, do CP.
2- Factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, das circunstâncias de tempo, lugar e modo: - os constantes da promoção de fls. 1209 a 1221 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3- Elementos do processo que indiciam os factos imputados:
- auto de detenção de fls. 1048 e segs;
- auto de busca e apreensão/suportes fotográficos de fls. 1097 a 1189;
- autos de exame/teste rápido de fls. 1017 a 1075;
- escutas telefónicas a fls. 90/110; 231/252; 504/535; 476/567; 528; 884, 890 e 111/121.

Pelo arguido foi dito não pretender prestar declarações sobre os factos nem sobre a situação pessoal”.

4.2. O teor do auto é francamente parco e equívoco sobre a real e exacta informação/comunicação, ao arguido, quanto aos elementos do processo em que se apoiam os factos indiciados, ou seja, os elementos de prova que indiciam a prática, pelo arguido, dos factos que lhe são imputados.
Não está em causa que tenha sido feita ao arguido uma enumeração dos elementos de prova, conforme supra constam. Nesta medida, o auto deixa percepcionar que esta informação foi feita, tanto mais que estes elementos são ditados para o respectivo auto e este é assinado por todos os intervenientes, no final da diligência.
Mas, como supra já se assinalou, não é apenas esta a informação que deve ser prestada ao arguido. A informação deve ser mais precisa, pormenorizada, concreta:
- Quanto aos factos imputados, devem estes ser reproduzidos/comunicados, em alta voz, no acto do interrogatório, no momento processual indicado, lendo-os ou fazendo uma súmula fiel[11] dos mesmos, explicando-os, se necessário for.
- Quanto aos elementos do processo em que se apoiam os factos indiciados e imputados, para além da enumeração do tipo, como consta do auto, devem tais elementos ser igualmente lidos ou, ainda que igualmente por súmula, deve o seu conteúdo ser comunicado e explicado, se necessário, ao arguido.
Só com um procedimento desta natureza se cumprirá tal dever de informação.
Procedimento que resulta ou é imposto pela lei e que o Juiz tem o dever de cumprir, independentemente de qualquer pedido ou solicitação do arguido nesse sentido.

Sendo o auto só por si, insuficiente para dele retirar ou concluir sobre o exacto procedimento do tribunal no que respeita à comunicação sobre o conteúdo dos elementos probatórios - intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, sendo certo que a impugnação do recorrente assenta nesta falha/falta de informação - existem, contudo, no processo, algumas referências que aqui se justifica apontar para uma melhor interpretação do próprio auto[13].
Restringe-se a apreciação a estes elementos probatórios porquanto no que respeita aos factos indiciados e imputados, o próprio recorrente admite na sua conclusão 11ª, que o Sr. Juiz lhe fez uma súmula dos factos indiciados.
Ora, esta súmula, conjugada com a remissão que consta do auto,”os constantes da promoção de fls. 1209 a 1221 que aqui se dão por integralmente reproduzidos”, sendo certo que nessa promoção se descrevem, no essencial e pormenorizadamente, os factos indiciados e imputados ao recorrente – v. fls. 396 a 399 e 401 (estes referentes ao crime de furto de uma bicicleta) (fls. 1215 a 1218 e 1220 do processo principal) -, satisfaz a exigência legal, pois como acaba de se anotar, é possível que esta informação seja feita por esta via.

4.3. Regressando aos elementos probatórios do processo, o arguido recorrente vem afirmar nas suas conclusões 18ª e 19º que “o arguido não foi confrontado com as supra citadas intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, uma vez que não prestou declarações, relativamente ao produto estupefaciente apreendido[14].
Ora, no caso das intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, por não ter sido devidamente comunicado ao arguido, não podia constar da fundamentação, em virtude de não ter sido praticado um acto legalmente obrigatório”.

Por sua vez, o recorrido MP vem dizer na sua resposta – conclusão nº 8 -, que “como resulta do auto de interrogatório de fls. 1230 a 1231, o arguido foi informado de todos os elementos de prova indicados no requerimento a que alude o artigo 141º, nº 1, parte final, do CPP, tendo sido explicado o conteúdo dos mesmos, sucintamente, face à imediata declaração do arguido, B… de “não pretender prestar declarações””.

Por esta breve amostra já resulta que não existiu uma comunicação/informação por parte do Sr. Juiz, do exacto teor dos elementos de prova como legalmente é exigível.
Repare-se que este dever de informação existe e deve ser observado, independentemente de o arguido pretender prestar declarações ou não. Aliás, a questão de prestar ou não declarações sobre os factos só se coloca (deve colocar), depois de observadas todas as comunicações do artigo 141º, nº 4, do CPP. É perante elas ou depois delas que o arguido deve manifestar a sua vontade sobre se pretende falar ou não sobre os factos que lhe são imputados.

Mas se se reparar no teor de todos os autos referentes não só ao arguido recorrente mas também referentes aos outros arguidos que foram ouvidos em primeiro interrogatório, na mesma data, existe uma coincidência em todos eles: são do mesmo teor no que respeita à informação sobre os factos e elementos do processo sobre as provas.
Compulsando o processo, verifica-se que os autos de busca são diferentes para cada um dos arguidos, com conteúdos diferentes, o mesmo se passando com os elementos fotográficos e intercepções telefónicas. Assim sendo, deveria para cada arguido, ser discriminado o auto de busca, os suportes fotográficos e as concretas escutas telefónicas que lhe dizem respeito e informá-lo do seu conteúdo.
Mas, mesmo que houvesse uma referência genérica para todos os arguidos quanto ao tipo dos elementos de prova, como resulta no auto, deveria relativamente a cada arguido serem individualizados e explicados os elementos que lhe dizem respeito. Não consta que esta tarefa tivesse sido feita.
Existe ainda um elemento no próprio auto que elucida no sentido da comunicação/informação do Sr. Juiz não ter sido efectuada, concretamente ao arguido recorrente[16], nos termos ou com o âmbito exigidos:
Trata-se do tempo dedicado pelo Sr. Juiz ao interrogatório de cada um dos vários arguidos e a constatação de que o referido tempo é, segundo as regras da experiência e prática judiciária, manifestamente insuficiente para cumprir/observar todas as formalidades legalmente exigidas.
Segundo os dados do processo, o primeiro interrogatório da arguida H… iniciou-se pelas 15 horas e 54 minutos do dia 26.11.2010 – v. fls. 405 (fls. 1224 do processo principal).
O interrogatório do arguido C… iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 15 horas e 58 minutos, ou seja, 4 minutos depois – v. fls. 407 (fls. 1226 do processo principal).
O interrogatório do arguido I… iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 16 horas e 01 minutos, ou seja, 3 minutos depois – v. fls. 409 (fls. 1228 do processo principal).
O interrogatório do arguido B…, ora recorrente, iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 16 horas e 03 minutos, ou seja, 2 minutos depois – v. fls. 411 (fls. 1230 do processo principal).
O interrogatório da arguida G… iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 16 horas e 04 minutos, ou seja, 1 minuto depois – v. fls. 413 (fls. 1232 do processo principal).
O interrogatório da arguida F… iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 16 horas e 06 minutos, ou seja, 2 minutos depois – v. fls. 415 (fls. 1234 do processo principal).
O interrogatório do arguido D… iniciou-se no mesmo dia 26.11.2010, pelas 16 horas e 07 minutos, ou seja, 1 minuto depois – v. fls. 417 (fls. 1236 do processo principal).
Seguiu-se a promoção do MP – fls. 419 e 420 – a resposta dos defensores dos vários arguidos – fls. 420 e 421 – e finalmente o despacho judicial – fls. 421 a 423 -, tendo o acto sido encerrado pelas 17 horas e 15 minutos.

Ora, esta sequência cronológica da prática dos actos quanto aos diferentes arguidos é para nós elucidativa que, pese embora nenhum dos arguidos tenha prestado declarações sobre os factos, não seria possível dar cumprimento integral à informação, para cada um deles, dos elementos do processo sobre os elementos probatórios respectivos, lendo-os ou explicando-os, ainda que por súmula – note-se que estão em causa diferentes mandados de busca com várias apreensões de estupefacientes, dinheiro e objectos e escutas telefónicas várias, com diferentes conteúdos sobre cada um dos arguidos.
Concretamente quanto ao arguido B…, ora recorrente, foi-lhe dedicado apenas 1 (um) minuto, o que não chega para comunicar ou informar do que quer que seja, sobretudo quando se tem que reproduzir ainda em auto, o teor de duas páginas, que são as correspondentes às fls. 1230 e 1231. O que também só é possível com o recurso às actuais tecnologias, pois basta (bastou) copiar o teor do auto anterior e proceder à alteração da identificação do arguido e outros elementos cirúrgicos, pois o demais teor, como se disse, é exactamente o mesmo para todos os arguidos ouvidos.

E não se justifique ou fundamente a observância desta informação com o facto de no despacho judicial que aplicou a medida de coação, o Sr. Juiz ter afirmado que foram feitas as comunicações dos elementos probatórios.
A fundamentação de um despacho avalia-se não pelo poder da força do que afirma mas sim pela força do que esclarece, motiva, convence, permitindo perceber no que efectivamente o julgador se apoiou e deduziu o raciocínio lógico que o levou a decidir de determinada maneira. E a fundamentação com estas exigências, inexiste simplesmente no despacho recorrido.

5. Dando, pois, como assente, pelos fundamentos apontados, que o Sr. Juiz não informou o arguido recorrente dos ditos elementos do processo nos termos legalmente exigidos, cumpre agora averiguar qual o vício cometido.
De uma breve recolha de jurisprudência sobre a questão (que ainda não é muita) e doutrina, podemos desde já constatar duas posições diferentes.
- Uma que considera existir nulidade, embora dependente de arguição no próprio acto ou antes de terminado este – ac. do TRP de 2010.2010, proferido no processo nº 760/09.3PPPRT-A.P1, consultável na base de dados do ITIJ[17]; e CPP, Comentários e notas práticas, Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, Coimbra editora, 2009, fls. 379[18].
- Outra, de que se está perante uma mera irregularidade dependente de arguição no acto - v. supra citado ac. deste TRP de 23.9.2009, proferido no processo nº 221/08.8JAPRT-F.P1, consultável na base de dados do ITIJ[19]; e também Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, em anotação ao artigo 141º, fls. 389 e 390, notas 8 e 9, ao pronunciar-se sobre a omissão da informação sobre os motivos da detenção e dos factos concretamente imputados ao arguido, concluindo que tal omissão constitui irregularidade arguível no acto. Embora nas notas seguintes, ao abordar a informação sobre os elementos do processo não refira qual o vício de tal omissão, não pode entender-se outra coisa que não seja o mesmo, ou seja, a irregularidade.
5.1. Da nossa parte, entendemos tratar-se de mera irregularidade, que deve ser arguida no acto, pelo seguinte:
O interrogatório judicial, como já se deixou expresso e como deve ser entendido, é um acto jurisdicional com funções garantísticas e não de investigação ou de recolha de prova, subordinado ao princípio do contraditório, que deve seguir todas as formalidades enunciadas nos artigos 141º e 194º, do CPP.
O primeiro interrogatório tem lugar quando existe um arguido detido, que não deva ser julgado de imediato – artigo 141º, nº 1, do CPP. O interrogatório destina-se a ouvir o arguido sobre os motivos da sua detenção, permitindo-lhe exercer a defesa quanto aos factos que lhe são imputados e quanto aos elementos probatórios que existem nos autos que indiciam tais factos, culminando eventualmente e quase sempre com a aplicação de uma medida de coação requerida pelo MP. A intervenção do juiz destina-se ainda a apreciar todos os actos de legalidade e validação ou não da detenção.
Para atingir todo este desiderato ou objectivo, o legislador impõe ao Juiz de instrução a obrigação de informar o arguido de todos aqueles elementos que existem no processo e que, de resto, determinaram a sua detenção. É perante aqueles elementos que o arguido vai exercer a sua defesa, falando ou abstendo-se de o fazer, tudo nos termos do disposto no artigo 141º, nº 5, do CPP[20]. Sendo certo que é obrigatória a assistência do arguido, por defensor, advogado, logo, técnico do direito, que pode intervir quer arguindo nulidades – e com certeza, por maioria de razão, irregularidades -, quer suscitando pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido, sugerindo perguntas a fazer ao arguido, pelo Juiz – tudo ao abrigo do artigo 141º, nº 6, do CPP -, quer consultando os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coação, quer durante o interrogatório judicial quer durante o prazo de interposição de recurso – artigo 194º, nº 7 (anterior nº 6) .
O interrogatório judicial decorre, pois, de acordo com um formalismo e dinâmica processual que, se o Juiz deixar de praticar um acto que a lei diga que deve ser praticado, como é a situação da informação em apreço, pode e deve ser logo sindicado, no acto, quer pelo MP quer pelo defensor do arguido, com vista à reposição ou cumprimento de todo esse formalismo. Caberá a cada um destes intervenientes – MP e defensor – avaliar, no momento, da relevância que eventual omissão de formalidade, se repercutirá no desenvolvimento da diligência, sendo certo que esta tem o seu culminar com o despacho judicial a apreciar as questões já referenciadas e, de entre elas, a medida de coação[21]. Tendo o primeiro interrogatório judicial esta natureza e dinâmica e não visando nem podendo visar o mesmo, qualquer tipo de investigação ou recolha de prova – a não ser a que resultar, evidentemente, das próprias declarações do arguido -, vemos com alguma, senão toda, dificuldade, em enquadrar esta omissão no disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP[22].
Outrossim, percepcionamos melhor estar perante uma irregularidade que afecta ou pode afectar a forma de o arguido exercer a sua defesa. Nomeadamente pode ser determinante para o mesmo prestar ou não declarações.
O legislador, para o primeiro interrogatório, impõe o cumprimento de determinadas obrigações – as do nº 4 do artigo 141º -, sem as qualificar ou tipificar de nulidades, se não observadas. E impõe, no mesmo acto do interrogatório, a fundamentação do despacho segundo determinados requisitos, qualificando a sua não observância, como de nulidade. Com certeza que estamos perante um tratamento diferenciado quanto aos vícios da omissão, nas duas situações em apreço. Se o legislador pretendesse que a omissão do disposto no nº 4, do artigo 141º, do CPP, fosse uma nulidade, tê-lo-ia referido expressamente.
Importa, no entanto, desde já esclarecer ou desfazer um eventual equívoco:
O facto de se entender que a omissão de qualquer formalidade do nº 4 do artigo 141º, não constitui nulidade mas sim irregularidade[23], em nada interfere com o vício que possa afectar o despacho judicial proferido ao abrigo do artigo 194º, nºs 5 e 6, do CP, nomeadamente se aquele levar em conta/considerar, na fundamentação, factos ou elementos do processo que não lhe tenham sido comunicados durante a audição, ou seja, os do nº 5 do artigo 141º, do CPP[24].
Mas esta matéria será assunto a tratar na questão seguinte.
3ª Questão: a nulidade resultante da não informação/comunicação legal e prévia destes elementos probatórios -intercepções telefónicas, mandado/auto de busca e suportes fotográficos - conjugada com a consideração dos mesmos na fundamentação do despacho que decretou a medida de coação de prisão preventiva.

1. Chegou o momento de apreciar a vexata quaestio que mais não é do que a supra indicada mas que o recorrente coloca nestes termos:
“Ora, no caso das intercepções telefónicas, mandado/ auto de busca e suportes fotográficos, por não ter sido devidamente comunicado ao arguido[25], não podia constar da fundamentação, em virtude de não ter sido praticado um acto legalmente obrigatório”.

Compulsado o teor do despacho judicial posto em crise, verifica-se que o mesmo prima essencialmente pelas “remissões” aí feitas:
- remete para os elementos probatórios comunicados aos arguidos com particular destaque para o que resulta dos autos de busca e das comunicações telefónicas transcritas.
- remete para os factos que lhes foram igualmente comunicados.
- dá por reproduzida essa comunicação.
- refere que os elementos de prova que sustentam esta imputação de factos são os mesmos que já lhes foram comunicados.
A que se podem/devem somar as remissões já antes feitas no auto de interrogatório na parte respeitante às comunicações ou prestação da informação a que se refere o nº 4 do artigo 141º, do CPP, supra transcritas.
Ou seja, o Sr. Juiz de instrução procede a um primeiro interrogatório de arguidos detidos a quem são imputados inúmeros factos indiciadores de integrarem o crime de tráfico de estupefaciente pp. pelo art. 21º. nº 1, alínea a) do DL 15/93, de 22/01, e outros - de detenção de arma proibida (fls. 410) e furto (fls. 412) – e em momento algum, quer no momento em que deve efectuar essa comunicação ao arguido, quer no próprio despacho que apreciou e aplicou a medida de coação de prisão preventiva, descreve, discrimina, referencia ou concretiza no auto ou despacho, qualquer facto integrador desses mesmos crimes.
Por sua vez, referencia/tipifica, no despacho, os elementos probatórios do processo como de autos de busca e escutas telefónicas (os mais relevantes), mas em momento algum é descrito, concretizado ou referido qualquer conteúdo desses autos de busca – que são vários – e das escutas – que também são várias. E não efectua a necessária análise e crítica quer de uns (factos) quer de outros (elementos probatórios), com o estabelecimento do respectivo nexo, para legitimamente poder concluir pela bondade da medida aplicada, que é apenas a de prisão preventiva!

Não estando directamente agora aqui em causa esta forma de fundamentação remissiva que, apesar de aceite deve ter os seus limites[26], não poderíamos deixar de lhe fazer esta referência, pois entende-se que o Sr. Juiz de instrução levou demasiado longe esta fórmula de fundamentação, com evidente prejuízo para a clareza, inteligibilidade, força argumentativa e convencimento da razão decisória.
Pelo que se relembra aqui o que diz Vinício Ribeiro no Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, fls.309[27]:
“O auto de primeiro interrogatório de arguido detido é uma peça chave, fundamental, fulcral, de todo o processo.
Tal interrogatório, maxime nos casos complexos (v. g. no tráfico de droga) onde a prova, com frequência, é muito complicada e específica, deve ser exaustivo e pormenorizado. E, na prática, isso muitas vezes não acontece”.
2. Da fundamentação do despacho recorrido consta ainda:
“Considerando os elementos probatórios comunicados aos arguidos, com particular destaque para o que resulta dos autos de busca e das comunicações telefónicas transcritas a fls. 90 a 110, 231 a 250, 504 a 567 e 884 a 890, consideramos fortemente indiciados os factos que lhes são concretamente imputados conforme comunicação que supra lhes foi efectuada e que aqui se dá por reproduzida.
Os elementos de prova que sustentam esta imputação de factos são os mesmos que já lhes foram comunicados”.
Dos exactos termos desta fundamentação retira-se que o julgador fundamentou a sua decisão para imputar ao arguido recorrente os factos indiciados, com elementos do processo - autos de busca e comunicações telefónicas -, que não lhe foram efectivamente comunicados durante a audição mas que na decisão se afirma o terem sido.
Ora, esta fundamentação ou consideração daqueles elementos probatórios viola frontalmente o disposto no artigo 194º, nº 6 do CPP[28] (anterior nº 5), pois a comunicação que aqui se refere, é exactamente a comunicação do artigo 141º, nº 4, alínea d), do mesmo diploma legal.
A admitir-se, por hipótese, a consideração ou fundamentação da decisão com os elementos probatórios que, durante a audição do arguido não lhe foram regular e legalmente comunicados/informados, seria com certeza estar a deixar entrar pela janela o que se proíbe que pela porta entre.
Daqui resulta que, embora o arguido não tenha invocado, no momento certo, durante a sua audição, a verificada irregularidade por falta daquela informação, que deve considerar-se sanada, não significa que o mesmo não possa já, concretamente quanto ao despacho recorrido, invocar este vício.
3. Tendo-o feito, cumpre agora averiguar qual a exacta natureza deste vício e se tal alegação pode ser feita em fase de recurso para este tribunal da relação.
Quanto à exigência, na fundamentação, dos elementos referidos nas alíneas do nº 5 (anterior nº 4), do artigo 194º[29], o legislador é claro na qualificação do vício: nulidade.
Será que este vício de nulidade é extensivo ao disposto no nº 6?
Sobre este aspecto decidiu-se no ac. do TRG nº 371/09.3 GCGMR-A.G1, supra citado:
“Ou seja, a norma do n° 5 é indissociável da cominação de nulidade prevista no número 4. No caso, se o conteúdo das escutas telefónicas, por não ter sido comunicado ao arguido, não podia constar da fundamentação, então deve considerar-se como não escrita a referência a tal conteúdo. O que gera a nulidade do despacho recorrido, por falta de "indicação dos elementos do processo que indicam os factos imputados". Em todo o caso, a omissão em causa sempre implicaria a nulidade prevista no art. 120 n° 2 al. d) do CPP, por não ter sido praticado um acto legalmente obrigatório”.
Em contrapartida, sobre esta mesma questão decidiu-se no acórdão do mesmo Tribunal da relação de Guimarães de 18.1.2010, proferido no processo nº 758/09.1JABRG-H.G1, consultável na base de dados do ITIJ, o seguinte:

“Conforme resulta do n.º5 do citado preceito legal, ressalvadas as excepções ali previstas, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção quaisquer factos ou elementos do processo que não tenham sido comunicados durante o interrogatório judicial.
Mas, contrariamente ao que sucede com a violação do dever de fundamentação consagrado nas alíneas a) a d) do n.º4, a qual é cominada com nulidade [Trata-se de uma nulidade dependente de arguição e, por isso, sanável (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Coimbra, 2008, pág. 412), a qual deve ser arguida nos termos do artigo 120º, n.º2, al. d), antes que o acto esteja terminado – al. a) do n.º 3 do art. 120º (cfr. Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal, Coimbra, 2009, pág. 379 e Ac. da Rel. do Porto de 3-6-2009, proc.º n.º 1324/08.47PPRT-A.P1, rel. Maria do Carmo Silva Dias). A cominação com nulidade da inobservância daquela disposição tem como consequência não se poder recorrer directamente da decisão que aplica a medida de coacção, havendo que arguir o vício perante o tribunal de 1ª instância, só havendo recurso da decisão que desatender a arguição da nulidade (cfr. neste sentido o estudo do actualmente Conselheiro Dr. Manuel Joaquim Braz, As medidas de Coacção no Código de Processo Penal revisto, Algumas notas, in Col. de Jur. ano XXXII, tomo 4, pág. 6, a propósito da nulidade cominada no n.º 2 do citado art. 194º)], a inobservância do n.º 5, porque não cominada de nulidade, apenas gera mera irregularidade, a arguir nos termos dos artigos 118º, n.º2 e 123º, ambos do CPP[30} [ cfr. neste sentido Teresa Pizarro Beleza, Prisão preventiva e direitos dos do arguido, pág. 683, in Mário Monte (coord.), Que Futuro para o Direito Processual Penal, Coimbra, 2009, pág. 683, onde a autora confrontando as sanções cominadas para o n.º4 (nulidade) e os n.ºs 5 e 6 (mera irregularidade) alude a uma “aparente brecha no sistema criado”]”.

4. Pelos fundamentos que supra se expuseram no tratamento da questão da não comunicação/informação ao arguido dos elementos do processo sobre os meios probatórios que indiciam a prática dos factos – v. 2ª questão, nº 5.1 -, com as devidas adaptações, também aqui nos parece mais coerente, numa interpretação sistémica, existir uma mera irregularidade, pelo facto de o legislador simplesmente não ter qualificado este vício como de nulidade, quando o fez relativamente às alíneas do anterior nº 4, do artigo 194º.
Não querendo ou não qualificando o legislador a fundamentação do despacho nos termos do anterior nº 5, do artigo 194º, como de nulidade, pensamos que será levar longe demais uma interpretação que assim o considere, quando é certo que no mesmo preceito, exactamente no número anterior, o faz expressamente.
Pegando na fundamentação do acórdão da Relação de Guimarães de 22.3.2010, supra citado, quando refere que “a norma do nº 5 é indissociável da cominação de nulidade prevista no número 4”, não se afigura uma afirmação inabalável ou sempre correcta ou verificável, pelo seguinte:
A alínea b), do nº 5 (anterior nº 4), do artigo 194º do CPP exige, sob pena de nulidade, que o despacho contenha a enumeração dos ditos elementos do processo.
O que pode acontecer e com certeza acontece, como é o presente caso, que o despacho contenha a enumeração desses elementos, mas que não correspondam integral ou parcialmente, aos elementos comunicados ao arguido.
Portanto, a diferença entre as ditas disposições consiste na falta de enumeração – tipificada expressamente como nulidade -, ou numa enumeração diferente daquela que a lei prevê ou se espera que seja, que terá de estar limitada aos elementos comunicados ao arguido.
Ora, se a diferença de enumeração é apenas parcial, contendo elementos que foram comunicados e outros não comunicados, estes não poderão ser considerados para efeitos de fundamentação do despacho.
Se os elementos considerados foram, todos eles, não comunicados, existe uma verdadeira falta de fundamentação neste aspecto, pois não podendo ser considerados os enumerados, automaticamente se fica sem qualquer enumeração.
Mas então o vício reconduz-se não à discrepância dos elementos invocados pelo tribunal mas sim à pura inexistência de elementos, já que os enumerados ou invocados não contam. Ou seja, existirá uma nulidade não por se considerarem elementos que não o podiam ser mas por não se enumerarem os elementos que o deveriam ser. Daí a recondução à nulidade do nº 5 (anterior nº4).
E existem diferenças neste enquadramento. Pode acontecer que, no despacho, o Juiz considere não só elementos comunicados como elementos não comunicados. Mas, retirando ou eliminando estes por inadmissíveis face ao disposto no actual nº 6 (anterior nº 5), do artigo 194º, o despacho pode continuar a estar fundamentado porque enumera elementos probatórios suficientes que suportam os factos indiciados. Logo, o efeito é nulo, mesmo não considerando tais “novos”elementos.
Mas pode acontecer que os únicos elementos enumerados sejam elementos não comunicados ou que sejam estes e alguns comunicados mas que estes, só por si, não fundamentem os factos indiciados.
De onde se pode concluir que, se o Juiz enumerar no despacho elementos que previamente não comunicou ao arguido, das duas, uma:
- Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, não afecta, no essencial, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma mera irregularidade.
- Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, afectam, no essencial, se retirados, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma nulidade por remissão para o nº 5 (anterior nº4), do artigo 194º.

5. Mas, quer tratando-se de nulidade quer de mera irregularidade, o vício deve ser alegado no acto ou antes que este termine[31] – artigos 120º, nº 3, alínea a) e 123º, nº 1, respectivamente, ambos do CPP – se o interessado estiver presente ou no prazo de 10 ou 3 dias, se não estiver presente – mesmos preceitos.
No caso, quer o arguido recorrente quer o seu defensor, estavam presentes no acto de interrogatório, a ele assistindo e participando, tendo sido notificados do teor do despacho. O que significa que a presente nulidade – entendemos tratar-se de nulidade porque todos os elementos probatórios enumerados pelo Sr. Juiz, foram considerados não regular e legalmente comunicados ao arguido – deveria ter sido invocada logo no imediato ou antes de findo o acto judicial interrogatório. Não o sendo, a mesma tem de considerar-se sanada.
Aceita-se este regime – embora se considere porventura demasiado formal -, sob pena de, não aplicando estas regras, praticar-se um acto porventura nulo como é o caso, o interessado nada fazer ou dizer e só muito depois, mais tarde, vir alegar a dita nulidade.
Ora, sendo esta nulidade alegada antes de findo o acto, tem o Juiz a possibilidade de o reparar, de proceder às diligências omissas ou de fundamentar o acto como lhe é legalmente imposto. Não o fazendo, com certeza que fica ressalvado ao interessado, o uso do recurso.
E quando a lei exige e quer assegurar a presença de defensor ao arguido, como técnico do direito que é e conhecedor deste e das respectivas formalidades e exigências do acto em curso, tem o mesmo dever legal e processual de efectivar um controlo sobre o que é praticado, arguindo ou invocando as irregularidades ou nulidades praticadas, como diz a lei – v. artigo 141º,nº 6, do CPP.
6. Por todo o exposto, embora se reconheça que foi praticada uma nulidade, a mesma encontra-se sanada, não afectando, pois, os efeitos normais do despacho recorrido.

4ª Questão: a inadequação e desproporção da medida de coação aplicada à gravidade dos factos e situação pessoal do recorrente.
1. Esta questão remete-nos inevitavelmente para a verificação ou não, no presente caso, dos pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, nomeadamente quanto aos indícios, adequação, proporcionalidade e outros.
E podemos ainda dizer que nos merecem concordância, em abstracto, as referências doutrinais e legislativas do recorrente quanto à necessidade ou não da aplicação da medida de prisão preventiva.
Referimo-nos concretamente ao afirmado:
“ Daqui que, a prisão preventiva, deve constituir a última ratio ou extrema ratio das medidas de coacção, apenas se podendo aplicar quando se demonstre que todas e cada uma das restantes medidas cautelares se revelem inadequadas ou insuficientes a cumprir os fins a que se destina ( cfr arts 193º, nº2 e 202º nº1do C.P.P. e o artº 28º nº 2 da CRP).

A Constituição Consagra como Princípio fundamental a natureza excepcional da prisão preventiva ao determinar expressamente a excepcionalidade de qualquer privação da liberdade (art. 27º., nº1, 2 e 3, al.b) conjugado com o artigo 5º da CEDDH e o artº 9º DUDH) e a impossibilidade de a mesma se manter sempre que possa ser substituída por caução ou por medida de liberdade provisória prevista na lei (art. 28º., nº2).

Como diz Castro e Sousa, in Jornadas de Direito Processual Penal, pag. 151: “a natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária da prisão preventiva é reconhecida nomeadamente, pelo pacto Internacional dos Direitos Cívicos e Políticos de 16.12.1966, pela Convenção Europeia dos Direitos do homem e por resoluções e recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa”.
Finalmente,
E como escreve, Cavaleiro de Ferreira citando Carrara, “A prisão preventiva é uma imoralidade necessária e o reconhecimento desta verdade impõe a criação de sucedâneos da prisão, sempre que possível”.

Acontece que, como se verá, in casu, verificam-se os pressupostos legalmente exigidos e justifica-se, efectivamente como última ratio, a aplicação desta medida.

2. Na verdade, para que possa ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, exige o artigo 202º, nº 1, alíneas a) a e)[32], do CPPenal, a existência de “fortes indícios”, da prática de crime doloso punível naquelas alíneas previsto.

Não é definido, no entanto, naquela disposição legal, o conceito normativo de “fortes indícios”.
Sem prejuízo de mais adiante se estabelecer uma correlação entre “fortes indícios” e “indícios suficientes”, a lei processual penal, quanto a estes, já se refere, a propósito de ser ou não deduzida acusação, definição que nos é dada pelo artigo 283º, nº 2, do Código de Processo Penal ao considerar suficientes os indícios, “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Em fase de instrução, para efeitos de pronúncia ou não pronúncia, a lei volta a usar a terminologia de “indícios suficientes”, ao dizer no artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, o seguinte:
“Se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
2.2. Quer a doutrina quer a jurisprudência defendem, de perto, aquele conceito, embora com maior ou menor exigência quanto ao grau de probabilidade de ao agente vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança, em julgamento.
Assim, Castanheira Neves[33] defende para a acusação “a mesma exigência de prova e de convicção probatória, a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final”.
Para Figueiredo Dias[34], “os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável que a absolvição”.

Esta é a posição seguida igualmente pela jurisprudência[35].
Desta Relação do Porto, ver Ac. De 29.7.1997, proferido no processo de recurso nº 9740816 (in www.dgsi.pt/jtrp.), onde se sumariou: “Há fortes indícios da prática de um crime se o conjunto de provas oferece um " maior " grau de probabilidade de o agente vir a sofrer a respectiva pena do que ser absolvido”.

A problemática dos indícios e a forte probabilidade de o agente vir ou não a ser condenado em julgamento, suscita ainda, nesta fase processual onde tem plena aplicação, a questão de apreciação dos indícios à luz da presunção de inocência consagrada no artigo 32º, nº 2, da CRP/76, de onde emana o princípio de in dubio pro reo.

Para F. Dias[36], “…perante casos de dúvida persistente sobre factos relevantes para a admissibilidade do processo, deve em princípio preferir-se o seu arquivamento à sua prossecução, em homenagem ao conteúdo material do sentido ínsito no princípio da legalidade de toda a repressão penal”.

Também Jorge Noronha e Silveira[37] entende que “o princípio da presunção de inocência deve, por isso, ter também incidência directa na formulação do juízo de probabilidade. Do princípio da presunção de inocência deve decorrer a proibição de submeter uma pessoa a julgamento penal imputando-lhe factos relativamente aos quais persistem dúvidas razoáveis. Só quando essas dúvidas sejam ultrapassadas de forma demonstrada, é que será legítimo afirmar a suficiência dos indícios”.
2.3. Transpondo o conceito de indícios para a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, também a doutrina aborda esta temática na correlação indícios/prova indiciária, nos seguintes termos:
Para Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 1993, pp. 209 e 210:
«A indiciação do crime necessária para aplicação de uma medida de coacção significa “probatio levior”, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação. (...) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime».
E a fls. 210, mesmo autor e obra:
«Embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos da prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição».
Por sua vez,
«Na correlação de “indícios suficientes” com a de “fortes indícios” – e ainda noções “afins” (v.g. “prova bastante” ou “prova indiciaria) – é de considerar que se trata de categorias ou grandezas equiparáveis, embora não coincidentes na sua revelação fenoménica e contingencial. Neste plano, a noção de “indícios fortes” afirmada, muitas vezes, em primeiro interrogatório judicial, mostra-se inacabada, imediata e antecipadora de um juízo de culpa, em razão de exigências cautelares, enquanto que a noção de “indícios suficientes” requer uma prova mais sustentada, já que alicerçada num juízo de prognose sobre o comportamento da prova que é legítimo esperar em julgamento.» - Carlos Adérito Teixeira, “Indícios suficientes”: parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação…, Revista do CEJ, n.º 1, p. 163. Também equiparando os dois conceitos, cfr. Jorge Noronha e Silveira, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, pp. 173 e ss..

3. Subsumindo este conceito de “fortes indícios” aos elementos existentes nos autos e fornecidos pelos meios de prova entretanto recolhida nesta fase, somos de concluir pela verificação destes indícios.
Para tanto basta compulsar a transcrição das escutas telefónicas de fls. 66 e seguintes destes autos de recurso[38] bem como o teor do auto de busca de fls. 369 a 371[39] e os fotogramas de fls. 375 a 383[40], para concluir pela existência dos “fortes indícios2 legalmente exigidos.

2. Assente que está a existência dos “fortes indícios”, importa ponderar agora a verificação dos demais pressupostos justificativos da necessidade da medida de prisão preventiva.
Verificando-se o da medida abstracta da pena máxima eventualmente a aplicar, a questão passa a centralizar-se no disposto no artigo 204º, do mesmo código.
Pegando no conjunto dos factos indiciados e todo o circunstancialismo que rodeia a sua prática, pode afirmar-se que o crime indiciado e imputado ao recorrente é grave[41].
É grave na censura social que lhe é feita e é grave nos resultados ou malefícios que causa.
É um meio de obtenção de lucros fáceis mas é sobretudo um meio de destruição da saúde e vida de seres humanos – os consumidores. E concomitante com a destruição do próprio consumidor, destrói-se geralmente todo um agregado familiar e tecido social.
Trata-se ainda de crime de acentuada repercussão social, que gera sempre sentimentos de insegurança e exigência da defesa dos direitos da comunidade bem como a obrigação das instituições/Tribunal em assegurar esses valores.
O processo exige ainda algumas diligências de prova. Dada a natureza e número de arguidos envolvidos, impõe-se um não contacto entre si, de modo a melhor viabilizar a investigação. A fuga ou receio justificado de perigo de fuga do recorrente, é sempre um dado presente a considerar pela gravidade do crime e consequente pena previsível.

Mas o perigo de continuidade da actividade criminosa pelo recorrente não é afastado senão pela medida de prisão preventiva.
Com efeito, qualquer uma das outras medidas, incluindo a obrigação de permanência no domicílio, não impedem ou afastam, de todo, esta actividade, sabendo-se os meios de comunicação e contactos que actualmente existem ao dispor de qualquer cidadão e nomeadamente também do arguido.
A medida de permanência na habitação com vigilância electrónica apenas pode garantir ou controlar os movimentos físicos do recorrente em não se afastar desta. Não garante a não efectivação de telefonemas e outros contactos, não garante a ida de quem quer que seja visitá-lo a casa, quer para levar quer para buscar estupefaciente. É um crime que com bastante facilidade é praticado a partir de casa, usando ou recorrendo a muitos meios actualmente disponíveis para o recorrente. A vigilância electrónica não obsta a todas estas eventuais condutas do recorrente.
Este perigo é tanto mais real se se atender a que o arguido já foi condenado e cumpriu pena pela prática de crime idêntico e de crime de roubo.
A facilitar esta eventual prática existe o facto de outros arguidos, que não ficaram detidos, integrarem a “rede” em que se inclui o recorrente e, de algum modo, proporcionarem-lhe os meios necessários.

3. Importa ainda dizer que é certo que vigora no nosso Direito Constitucional o princípio da presunção da inocência – artigo 32º, nº 2, da CRP/76 – e o princípio do direito à liberdade, de todo o cidadão – artigo 27º, nº 1, também da CRP.
Mas este último princípio é logo excepcionado pelo nº 3, alínea b), deste preceito da CRP, no que respeita à possibilidade de prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso.
E por todo o circunstancialismo já apontado – natureza e gravidade dos factos, antecedentes criminais, integração e desempenho em no grupo, perturbação da paz pública e sentimento de insegurança da comunidade e receio ou perigo de fuga, – entendemos que a medida de prisão preventiva se afigura como a necessária e mostra-se adequada e proporcionada à situação, verificando-se todos os pressupostos da sua aplicação e consequente manutenção – artigo 193º, do Código de Processo Penal.
VI
Decisão
Por todo o exposto, decide-se:
Negar provimento ao recurso do arguido ora recorrente B…, confirmando-se a decisão recorrida de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, pelo que se determina a sua manutenção.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UCs, sem prejuízo da isenção, se for caso disso, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea j), do actual Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro.

Porto, 9.2.2011
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição
______________________
[1] Sendo tais residentes o arguido B… e a companheira G…, também arguida.
[2] Não por mera recusa deste em recebê-la mas simplesmente porque nem sequer lhe foi oferecida.
[3] Reafirma-se que se está a raciocinar no campo da mera hipótese, face à alegação do recorrente e não na base de um facto adquirido.
[4] Entende-se que poderia/deveria ser arguida no prazo de 3 dias e não no próprio acto, como a disposição legal também refere, uma vez que, no momento em que decorreu a busca, o arguido não estava assistido por defensor ou mandatário, técnico do direito. Como tal, não lhe seria exigível, a alegação da eventual irregularidade, no acto.
[5] Correspondente ao anterior nº 4, antes da redacção dada pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto.
[6] Atribuídas ao Ministério Público enquanto titular do inquérito, da investigação e do exercício da acção penal.
[7] Ac. deste TRP de 23.9.2009, proferido no processo nº 221/08.8JAPRT-F.P1, consultável na base de dados do ITIJ.
[8] O que expressamente se afirma no artigo 194º, nº 6 (redacção actual), do CPP.
[9] Dizendo este:
"Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indi­car as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam revelar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sua sanção".
[10] Transcreve-se o teor do auto sobre esta matéria.
[11] Anotando-se que a reprodução de todos os factos é a fórmula que melhor corresponde à intenção do legislador.
[12] Acrescenta-se que não está propriamente em causa o facto de o tribunal dar cumprimento a esta obrigação de informar, remetendo, quer quanto aos factos quer quanto aos elementos probatórios, para a promoção do MºPº. Nada dizendo a lei sobre este concreto aspecto, à partida, não será proibido, logo legal, fazê-lo. O importante é que, com essa remissão para os factos ou elementos constantes da promoção do MP, se dê efectivo cumprimento à informação: que os factos ou elementos sejam perfeitamente identificados e identificáveis no processo e que durante o acto do interrogatório o arguido deles tenha efectivo conhecimento, através do Juiz. Sobretudo quando se entende que os factos a informar são apenas os descritos pelo MP e os elementos são também, à partida, os indicados pelo MP – v. neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, fls. 390, nota 15. Diz-se, “à partida”, porque também se entende que o juiz pode revelar elementos diferentes dos indicados pelo MP, ponderando e fundamentando esta decisão – v. mesmo autor e obra, fls. 390 e ss, notas 16 e ss..
[13] E desde já se diz, também, que o auto deveria ser inequívoco e expresso sobre tudo o que se passou durante o interrogatório, nomeadamente sobre o cumprimento destes deveres de informação pelo Sr. Juiz. Com prejuízo da transparência e da clarificação, nem sempre é assim, sendo muitos destes autos umas meras “minutas” que não são sequer “adaptadas” ao interrogatório em concreto.
Quando é certo que estas dúvidas facilmente se dissipariam com uma transposição para o auto, de todos os actos que se passam no interrogatório, descrevendo-os de uma forma dinâmica e cronológica. De onde resulta que o presente auto em análise é um “mau exemplo” sobre a prática judiciária em actos tão relevantes, que contendem com as mais elementares garantias do arguido.
[14] Repare-se que não está em causa o arguido ser ou não confrontado, em termos efectivos e práticos, com a informação dos elementos de prova do processo, uma vez que este de livre vontade e no exercício de um direito legítimo, não prestou declarações sobre os factos. O que está em causa, independentemente de o arguido não ter prestado declarações, é a comunicação/informação dos elementos ao arguido, ter sido feita antes do momento daquele decidir se queria ou não falar sobre os factos e sobre os elementos que os corroboram ou suportam.
[15] Sublinhado nosso.
[16] Tudo indicando que o procedimento quanto aos restantes arguidos foi idêntico. Mas essa é matéria que não está aqui em apreciação.
[17] Aí se decide:
“No primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a inobservância do dever de informar o arguido dos elementos do processo que indiciam os factos imputados [art. 141.º, n.º 4, al. d), do CPP] constitui nulidade dependente de arguição e deve ser arguida/suscitada antes que o acto esteja terminado [art. 141.º, n.º 6 e 120.º, n.º 3, al. a), do CPP]”.
[18] Onde se afirma:
“A omissão destas informações no auto de interrogatório é cominada com nulidade dependente de arguição nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) – nova redacção, uma vez que se trata de acto legalmente obrigatório que não foi praticado. A arguição da nulidade deve ser feita antes que o acto esteja terminado, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 3, do artigo 120º”.,
[19] Onde se decide:
“Resta, então, determinar qual a consequência para a falta de informação do detido sobre os factos ou elementos que lhe são imputados. Qual a concreta invalidade, que aquela omissão é susceptível de desencadear e com a qual agora somos confrontados e, por arrastamento, qual a consequência para o facto de no despacho se recorrer a tais factos ou elementos para fundamentar a aplicação da medida de prisão preventiva.
As questões relativas, quer à informação imediata e de forma compreensível das razões da prisão que a Constituição impõe que seja prestada à pessoa privada da liberdade, artigo 27º/4, quer a comunicação do juiz ao arguido das causas que determinaram a detenção, quando se procede ao interrogatório, artigo 28º, quer, por fim, a comunicação a parente ou pessoa de confiança do detido, por esta indicada, da decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação de liberdade, artigo 28º/3, são comandos que nada têm a ver com a fundamentação do acto judicial que decreta a medida de coacção, a justificar, assim, um tratamento diverso, menos rigoroso e gravoso, a apontar, assim, para a verificação de mera irregularidade, artigo 123º C P Penal.
[20] Que diz o seguinte:
“Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida de coação”.
[21] Sem prejuízo de entendermos que o melhor método e momento de alegar a irregularidade será o de o fazer de imediato, não se pode olvidar que a lei faculta essa possibilidade no próprio acto. Ora, sendo o acto, o acto de interrogatório, globalmente considerado, nada impedirá que a irregularidade possa ser arguida antes de terminar este dito acto.
[22] Diz este preceito que constitui nulidade dependente de arguição “ a insuficiência do inquérito ou da instrução por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios…”.
[23] De resto, quer para quem entende que se trata de mera irregularidade que deve ser arguida no acto ou para quem entende que se trata de nulidade, também arguível no acto, o efeito ou consequência jurídica é o mesmo, quer em caso de arguição quer de não arguição:
Se arguidas, têm como efeito imediato, o seu cumprimento, ou seja, obriga a que a informação seja feita ou prestada.
Se não arguidas, ficam sanadas.
[24] As referências numéricas têm em conta a actual redacção, sendo certo que à anterior corresponderiam os nºs 4 e 5.
[25] Sublinhado nosso.
[26] V. entre outros, os acs. do TC nºs 189/99 e 147/2000, com destaque, neste, do voto de vencido e Paulo Pinto de Albuquerque in ob. citada, fls. 553, onde se pronuncia pela admissibilidade da fundamentação do despacho com remissão para os motivos da promoção do MP ou para peças processuais, desde que nele (despacho) transpareça que o Juiz ponderou e assumiu pessoalmente os ditos motivos.
[27] Embora se deva levar em conta que no presente processo os arguidos não prestaram declarações.
Mas o que se pretende realçar é essencialmente a clareza e plenitude do despacho quanto aos elementos e fundamentação que o de3vem integrar.
[28] Que diz o seguinte:
"…não podem ser considerados para funda­mentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial (...) quaisquer factos ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a que se refere o nº 3".
[29] Aí se incluindo o disposto na alínea b), que diz o seguinte:
"a fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coac­ção ou de garantia patrimonial (...) contém, sob pena de nulidade a indicação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados...".
[30] Sublinhado nosso.
[31] V. os acs. deste Tribunal da Relação do Porto de 3-6-2009, e 10.10.2010, proferidos nos processos n.º 1324/08.47PPRT-A.P1 e 760/09.3.PPPRT-A.p1, respectivamente , consultáveis na base de dados do ITIJ.,
[32] Com a nova redacção do artigo 202º do CPP dada pela Lei 26/2010, de 30 de Agosto, já em vigor.
[33] In Sumários de Processo Criminal (1967-1968), Coimbra, 1968, fls. 39.
[34] In Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, 1º volume, página 133.
[35] V. Ac. Rel. Coimbra de 10.1.1990, in CJ., ano XV, Tomo 1º, página. 274 e SS. e Ac. Rel. Lisboa de 24.1.1990, in CJ, ano XV, Tomo 2º, página 181 e SS..
[36] In Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, 1º volume, página 215.
[37] Sobre “O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos fundamentais (coordenação de Fernanda Palma), realizadas na FD de Lisboa, entre 3 e 6 de Novembro, Almedina, Coimbra, 2004 (uma das referências do parecer do Exmº Sr. P.G.A., supra mencionado),
[38] Onde são referenciadas várias conversas entre o recorrente e os arguidos H…, C… e D… sobre a necessidade ou o arranjar da “branca” e “castanha”, sendo que a fls. 78 um desconhecido (comprador), reclama para o arguido B… da qualidade da do dia anterior (ontem), garantindo-lhe o recorrente outra de melhor qualidade – que o comprador iria buscar a cada do recorrente. E poder-se-ia continuar com a referência a outras situações relatadas nas transcrições.
[39] Onde se relata e descreve o modo como decorreu a busca e as embalagens de estupefaciente – heroína e cocaína – encontradas, balança de precisão com vestígios de estupefaciente, vários telemóveis, várias notas de euros, sendo certo que já supra se apreciou a conduta do recorrente ao atirar para a sanita as duas embalagens de estupefaciente que lançou
[40] Referentes às várias embalagens de estupefaciente, ao local onde foram encontradas, incluindo a sanita e caixa de esgotos e dos objectos.
[41] Qualificado actualmente de “criminalidade altamente organizada” – artigo 1º, alínea m), do CPP.