Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
216/07.9TAMBR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP20120229216/07.9TaMBR-C.P1
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A possibilidade prevista no art. 307º, nº 1, do Código de Processo Penal de fundamentação da decisão instrutória por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução refere-se somente à dispensa da narração/descrição dos factos e da respectiva qualificação jurídica, não desobrigando o juiz de instrução de explicitar os motivos pelos quais, nomeadamente, não viu nos factos e nos elementos probatórios indicados pelo arguido virtualidade suficiente para infirmar a tese da acusação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum colectivo 216/07.9TAMBR de Moimenta da Beira

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Na sequência da prolação do despacho de pronúncia, que acolheu a tese da acusação pública, o arguido B… invocou a irregularidade da mesma decisão, por omissão de pronúncia, relativamente ao articulado no requerimento de abertura da instrução e por falta de ponderação e valoração especifica dos depoimentos constantes de fls. 544/545, 683/684 e 497/408.

Depois de o MP se haver pronunciado pela improcedência de tal arguição, pela Sra. Juiz foi proferido o seguinte despacho:

“o arguido vem arguir a irregularidade da decisão instrutória, por omissão de pronúncia e falta de ponderação e valoração dos depoimentos supra mencionados.
Nos termos do artigo 97º/5 C P Penal, “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser fundamentados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por sua vez, de acordo com o n.º 1 do artigo 307º do mesmo diploma, o despacho de pronúncia ou não pronúncia pode fundamentar-se por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.
Ora, cotejada a decisão instrutória, cuja leitura se realizou em momento anterior ao requerimento apresentado pelo arguido, verifica-se que, por um lado, foi ponderada e analisada toda a prova produzida até àquele momento e, consequentemente, mantendo-se inalterados os indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos descritos na acusação, remeteu-se para “as razões de facto e de direito enunciadas no douto libelo acusatório, constantes de fls. 425 a 433, as quais se têm por reproduzidas nos termos do disposto no artigo 307º/1 C P Penal”, cfr. decisão instrutória.
Face ao exposto, a decisão instrutória não padece de qualquer vício, nomeadamente qualquer irregularidade, uma vez que foi proferida de acordo com os mencionados dispositivos legais.
Sucede que os fundamentos invocados ora pelo arguido traduzem-se antes em razões de discordância face ao teor da decisão instrutória acabada de proferir e não em qualquer irregularidade da mesma.
Nesta conformidade a decisão instrutória é válida, não padecendo de qualquer vício nos termos e pelos fundamentos do exposto.
Notifique”.

I. 2. Inconformado, com este despacho, dele interpôs o arguido recurso, sustentando as seguintes conclusões:

1. a decisão instrutória não está fundamentada. Efectivamente deixou de ponderar e valorar o conteúdo do RAI, a prova aí indicada e produzida, os documentos de fls. 104, 107 a 111, 207 a 211, 262 e 263 e os depoimentos de fls. 378/9 e 407/8;
2. a fundamentação não se executa com afirmações vagas e genéricas, face ao imposto na lei. É pois irregular;
4. (assim no original) tal irregularidade foi arguida tempestivamente;
5. deve, pois, ser declarado que a irregularidade arguida se verifica e ordenada a sua sanação;
6. de direito, o presente recurso funda-se nos artigos 97º/5 e 123º C P Penal.

I. 3. Apenas a assistente respondeu, pugnando pelo não provimento do recurso.

I. 4. Antes de ser ordenada a remessa dos autos a este Tribunal não foi dado cumprimento ao previsto no artigo 414º/4 C P Penal.

II. Aqui, o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, no entendimento de que a fundamentação contida na decisão instrutória só formalmente se poderá ter como satisfazendo o ónus que impende sobre o juiz, sendo de acentuar não a aparência mas a essência, havendo que dar prevalência ao cumprimento do dever de fundamentação, em sentido material, por forma a cumprir o escopo da lei, de garantir plenamente o direito de defesa.

No cumprimento do estatuído no artigo 417º/2 C P Penal nada mais foi acrescentado.

No exame preliminar, o Relator considerou que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava à apreciação do respectivo mérito.

Seguiram-se os vistos legais.

Os autos foram submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

Assim, a questão suscitada pelo recorrente, para apreciação pelo tribunal de recurso, é a de saber se a decisão instrutória evidencia a apontada falta de fundamentação a torná-la irregular.

III. 2. A validade ou invalidade da decisão instrutória.

III. 2. 1. “O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático, artigo 2º da Constituição da República, ao menos quanto àquelas que tenham por objecto a solução da causa em juízo", cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 ed. pág. 798.
Este dever de fundamentação mereceu consagração constitucional no artigo 205º nº 1 da CRP, provindo já da revisão de 1982, artigo 210º/1, mantido na revisão de 1989, artigo 208º/1.
De notar que nesta última, que deu lugar à actual redacção do artigo 205º/1 imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde antes se remetia para a lei os "casos" em que a fundamentação era exigível, passou a concretizar-se que ela se impõe em todas as decisões "que não sejam de mero expediente", mantendo-se apenas a remissão para a lei quanto à "forma" que ela deve revestir.
Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas.
“Ao legislador incumbirá, então, definir a "forma" em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido útil daquele mandado”, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 59/97. Qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judicias naquele domínio.
O Código de Processo Penal expressa no artigo 97º/5 o princípio geral que vigora sobre a fundamentação dos actos decisórios: "os actos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
Consagrado este princípio geral, o mesmo Código não deixou de o reiterar relativamente a actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos. Assim, o artigo 194º/4 impõe que do despacho judicial que decrete medidas de coacção e de garantia patrimonial constem, sob pena de nulidade, os requisitos aí previstos.

Os requisitos de fundamentação dos actos decisórios são necessários para convencer da sua legalidade.
A sua cuidada fundamentação é, absolutamente, essencial para garantir o direito ao recurso, desde logo.
Para que o recurso possa ter eficácia importa que seja possível que o recorrente conheça os motivos que suportam a decisão e, também, que o tribunal que o há-de apreciar possa tomar conhecimento das razões de facto e de direito que justificaram a decisão.

A decisão instrutória – como qualquer outro despacho – pode apresentar o seguinte quadro:
falta absoluta de fundamentação;
fundamentação insuficiente, ié, se a aduzida não é bastante para suportar as conclusões extraídas e,
fundamentação deficiente, que acontece se a aduzida não é a adequada a suportar a conclusão que vem a ser afirmada.

Como é sabido, a existência de qualquer uma das 2 primeiras situações - estritamente ligadas, à forma, a 1ª indubitavelmente e a 2ª, que pode ser abordada, também numa perspectiva de direito substantivo – conduz à verificação de uma mera irregularidade, (exceptuada a situação de estarmos perante uma sentença, cfr. artigos 374º e 379º C P Penal) que se não for arguida no prazo legal, se deve ter como sanada.
Por sua vez, a 3ª traduz-se, numa questão de correcta aplicação do direito ao caso concreto, de julgamento da situação real em face do regime legal.

III. 2. 2. O caso concreto.

O arguido arguiu a irregularidade da decisão instrutória, imputando-lhe o facto de ser genérica e de não ter ponderado tudo quanto foi articulado no RAI, bem como, não ter feito qualquer análise aos depoimentos de fls. 407/8, 544/5 e 683/4 – este, que, só por si tem a virtualidade de desmontar vários pontos da acusação que acolheram a tese do queixoso, sem qualquer outro elemento de prova.

No despacho que decidiu pela não verificação de tal irregularidade, entendeu-se que na decisão instrutória foi ponderada e analisada toda a prova produzida até ao momento e por se manterem inalterados os indícios da prática pelo arguido dos factos descritos na acusação, para ela se remeteu, ao abrigo do disposto no artigo 307º/1 C P Penal.

A leitura guiada da decisão instrutória, traduz o seguinte quadro:
começa por referir que o MP acusou o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, de um crime de coacção e de um crime de extorsão;
mais se refere que o arguido requereu a abertura da instrução, tendo pugnado pela sua não pronúncia, com os fundamentos que aí se dão por reproduzidos;
que declarada aberta a instrução se produziram as provas admitidas e ordenadas e a final se realizou o debate instrutório;
depois passou a apreciar-se a validade e a regularidade do processo, que se declarou;
enunciaram-se, de seguida, considerações acerca da finalidade e da natureza da instrução;
continuou-se, afirmando-se que cumpria, então, decidir, em, face dos elementos de prova carreados para os autos, sobre a suficiência ou não de indícios que sustentassem a pronúncia do arguido “pelo crime cuja prática lhe foi imputada”;
e, agora transcrevendo:
“ora, no caso concreto, ponderada e analisada a prova que foi produzida até ao momento, bem patente na dimensão do processo e cuja integral descrição se afigura despicienda e não é legalmente exigida, dela resultam indícios suficientes do cometimento dos crimes pelos quais o arguido vem acusado.
Aliás, cumpre salientar que tais indícios não foram infirmados em sede de instrução, por nenhuma prova indiciária, tanto testemunhal, como documental, ter sido produzida nesta fase processual capaz de abalar os fundamentos inerentes à prolação do despacho de acusação.
Nesta conformidade, a manterem-se em audiência de discussão e julgamento os indícios probatórios recolhidos nos autos até à presente fase processual, como é razoável prever que acontecerá, mostra-se muito mais provável a condenação do arguido do que a sua absolvição, não merecendo acolhimento os fundamentos que motivaram o requerimento para a abertura de instrução.
Assim sendo, mantendo-se inalterado o núcleo factual, que fundou a prolação do despacho de acusação, existem indícios suficientes do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo pela conduta do ora arguido, o que importa a sua pronúncia pelos crimes em referência, nos respectivos moldes em que lhe foram imputados”;
assim se decidiu pela pronúncia do arguido, remetendo-se para as razões de facto e de direito enunciadas no douto libelo acusatório, constante de fls. 425 a 433, as quais se tiveram por reproduzidas nos termos do disposto no artigo 307º/1 C P Penal.

III. 2. 3. Com efeito o artigo 307º/1 C P Penal prescreve que, “encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou não pronúncia (…) podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução”.

A questão suscitada pelo recorrente, no entanto, não se coloca na abrangência e dimensão a dar a esta noção de remissão – para as razões de facto e de direito.
O conteúdo útil desta remissão – no caso concreto para a acusação pública, traduz-se, tão só – e já não é pouco – na dispensa da narração/descrição dos factos, bem como na inerente qualificação jurídico-penal dos mesmos.
Nada mas do que isso.
Obviamente que nem esta disposição legal, nem o facto de a decisão instrutória não ser recorrível, nem o facto de a apreciação/valoração da prova, nesta sede, ser meramente indiciária, traduz um afrouxamento ou relaxamento do apontado dever de fundamentação dos actos decisórios.
Com efeito, desde logo, o arguido que se opõe, com a alegação de factos e indicação de elementos probatórios, à acusação deduzida pelo MP, tem o direito de conhecer os fundamentos, os pressupostos, as premissas em que assenta a conclusão, que no caso se reconduz à pronúncia nos termos em que anteriormente fora acusado e, por isso ao afastamento de qualquer laivo de pertinência e virtualidade do RAI para infirmar a tese da acusação.
Tem o direito a uma apreciação directa, inequívoca, clara, aberta e particular, a uma discussão sobre os indícios, a uma valoração – ainda que naturalmente não tão exaustiva como a que deve ser efectuada em sede de sentença, onde o artigo 472º/2 C P Penal, exige uma análise crítica – das provas produzidas em sede de instrução e justificar a sua virtualidade ou a falta dela, para, reportada aos factos alegados, infirmar a tese da acusação pública.
Afinal o objectivo único com que o arguido requereu a instrução e por isso, que constituía a única questão submetida à apreciação do juiz – designado - de instrução – recorde-se.
A forma absolutamente vaga e genérica, através do que se pode considerar como a utilização de uma fórmula genérica e tabelar, mesmo, eivada de expressões conclusivas, sem se reportar – em momento algum – a este processo em concreto, a qualquer facto alegado no RAI ou a qualquer prova produzida na fase da instrução, não permite conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do tribunal, sobre – realce-se – a única questão controvertida e que era essencial decidir, atacar, expressa e fundamentadamente.

É claro que – como se refere no despacho que indeferiu à arguição da invocada irregularidade – o arguido ao argui-la está a demonstrar a sua discordância para com o sentido da decisão.
Mas não só. E, nem sequer, isso, essencial e imediatamente, em termos processuais.
Está, também e, primordialmente, a pretender conhecer o raciocínio que presidiu ao sentido da mesma.
Curiosamente o que o arguido reclama que deveria ter sido efectuado, acaba por ser feito – de forma, assaz, satisfatória - numa outra sede.
Na resposta ao recurso apresentado pela assistente!!??
Com efeito, esta ao pretender rebater a pretensão do arguido, faz a ponderação e análise, reportada, por um lado ao teor do RAI e por outro à prova produzida, concluindo, que afinal bem se decidiu.

Se fundamentar – etimologicamente – significa, justificar, demonstrar através – no caso concreto - das provas, o suporte que serve de base à decisão ou apresentar o apoio , o suporte, lógico, da decisão, então, manifesta é a conclusão de que no caso concreto, a afirmação contida na decisão instrutória, de que,
“no caso concreto, ponderada e analisada a prova que foi produzida até ao momento, bem patente na dimensão do processo e cuja integral descrição se afigura despicienda e não é legalmente exigida, dela resultam indícios suficientes do cometimento dos crimes pelos quais o arguido vem acusado.
Aliás, cumpre salientar que tais indícios não foram infirmados em sede de instrução, por nenhuma prova indiciária, tanto testemunhal, como documental, ter sido produzida nesta fase processual capaz de abalar os fundamentos inerentes à prolação do despacho de acusação.
Nesta conformidade, a manterem-se em audiência de discussão e julgamento os indícios probatórios recolhidos nos autos até à presente fase processual, como é razoável prever que acontecerá, mostra-se muito mais provável a condenação do arguido do que a sua absolvição, não merecendo acolhimento os fundamentos que motivaram o requerimento para a abertura de instrução.
Assim sendo, mantendo-se inalterado o núcleo factual, que fundou a prolação do despacho de acusação, existem indícios suficientes do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo pela conduta do ora arguido, o que importa a sua pronúncia pelos crimes em referência, nos respectivos moldes em que lhe foram imputados, decidindo-se pela pronúncia do arguido, remetendo-se para as razões de facto e de direito enunciadas no douto libelo acusatório, constante de fls. 425 a 433, as quais se tiveram por reproduzidas nos termos do disposto no artigo 307º/1 C P Penal”,
carece, manifestamente e em absoluto, de demonstração.

Se é certo que o arguido não pode deixar de vir a ser submetido a julgamento, pelos factos constantes da acusação pública – pois que o despacho de pronúncia que assim decida é irrecorrível cfr. artigo 310º/1 C P Penal – não é menos certo que tem o direito a conhecer as razões concretas que conduziram o Juiz de Instrução a tal conclusão, no caso, ao raciocínio e às considerações subjacentes ao indeferimento da sua pretensão, que recorde-se se traduzia no arquivamento do processo.
Com efeito se o objecto imediato da instrução é, no caso, o de infirmar a posição assumida pela acusação pública, através das razões de facto e de direito aduzidas no RAI, pretensamente suportadas pelas provas que pretendem demonstrar o seu bem fundado – se para tal efeito, o processo foi remetido ao Juiz de Instrução, se para o mesmo efeito o legislador criou, mesmo Tribunais com tal particular e específica competência – então não pode o Juiz de Instrução na decisão final sobre tal requerimento e sobre tal pretensão, afinal a questão controvertida, deixar de decidir expressa e fundamentadamente, procedendo à discussão dos indícios reportando-se naturalmente às razões de facto e de direito aduzidas no RAI, bem como, à prova produzida na fase da Instrução - afinal o objecto imediato do conhecimento submetido à sua apreciação e que constitui, de resto, a única razão pela qual o processo lhe foi remetido.

III. 2. 4. Resta, então, determinar qual a consequência para a evidenciada falta de fundamentação da decisão instrutória.
Qual a concreta invalidade, que aquela omissão é susceptível de desencadear e com a qual agora somos confrontados.
Isto porque, o legislador ao estabelecer o regime das nulidades em processo criminal, não previu o incumprimento deste dever com particular rigor sancionatório.
Na verdade, vigorando em processo penal, nesta matéria, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º/1 C P Penal, "a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei", não consta daquele regime que a falta de ponderação/valoração do conteúdo do RAI e da prova aí indicada e produzida, constitua vício gerador de nulidade insanável, artigo 119º ou de nulidade dependente de arguição, artigo 120º, ficando, então, deste modo, tal omissão, relegada para o plano das irregularidades nos termos dos artigos 118º/2 e 123º C P Penal.

Isto porque, o vício da nulidade não constitui o único nível de desvalor admissível para qualquer tipo de deficiência, sem que se deva ter em conta se ela atinge, e em que grau, a razão de ser e o fim último da imposição constitucional da fundamentação das decisões judiciais.
Tendo em conta o necessário compromisso entre interesses que justificam um formalismo rigoroso e os que aconselham uma minimização desse formalismo, subjacente ao regime de nulidades instituído, poderia questionar-se a conformidade constitucional deste regime em caso de incumprimento de formalidades que, essencialmente, visam tutelar direitos fundamentais dos arguidos e, seria, porventura, o caso da falta absoluta de fundamentação do despacho.
Foi enquanto irregularidade que a apontada omissão foi invocada e foi como tal que veio a ser desatendida.
E bem, pois que a fundamentação deste preciso acto judicial justifica um tratamento diverso, menos rigoroso e gravoso, a apontar, assim, para a verificação de mera irregularidade, artigo 123º C P Penal.

Estamos, assim, perante uma omissão, que constitui uma irregularidade, a poder ser enquadrada no nº. 1 do artigo 123º C P Penal, que dispõe que “as irregularidades só determinam a invalidade dos actos quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiveram sido notificadas para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
Não o fazendo, a irregularidade fica sanada, como no caso foi arguida atempadamente, importa, declará-la, ainda que em via de recurso – mas sempre com a mesma consequência – a necessidade da sua reparação.

III. 3. Em conclusão:

está, assim, em suma, votado a sucesso o recurso que desatendeu a invocada irregularidade da decisão instrutória, por alegada omissão de pronúncia relativamente ao articulado no requerimento de abertura da instrução e por falta de ponderação e valoração especifica dos depoimentos constantes de fls. 544/545, 683/684 e 497/408.
Isto porque falta, inequivocamente - omissão que urge reparar - a apreciação, discussão e valoração das provas produzidas em sede de instrução e justificar a sua virtualidade ou a falta dela, para, reportada aos factos alegados no RAI, infirmar a tese da acusação pública.

IV. Dispositivo

Atento todo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência decretar a irregularidade da decisão instrutória, por falta de fundamentação, a importar a sua reparação, nos termos sobreditos.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2012.Fevereiro.29
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira