Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10731/10.1TBVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO
CONVERSÃO EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP2014032710731/10.1TBVNG.P2
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No novo regime do divórcio a nossa lei substantiva continua a conceber um divórcio por mútuo consentimento judicial em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio (entenda-se, quanto às questões referidas nas várias alíneas do art.º 1775º, nº1, do Código Civil), caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências;
II - Não havendo acordo quanto ao destino da casa de morada de família, terá o tribunal em regra, que seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma acção de divórcio litigioso (leia-se agora, «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges»);
III - De todo o modo, atento o facto de estarmos no âmbito de um pedido sujeito ao regime geral dos processos de jurisdição voluntária e desde que se mostrem respeitados os vários princípios gerais do processo civil aplicáveis, nada impede que o mesmo seja apreciado e decidido em incidente autonomamente tramitado no processo instaurado como «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges», mas que entretanto foi convertido em «divórcio por mútuo consentimento».
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº10731/10.1TBVNG.P2
Tribunal recorrido: Tribunal de Família e Menores de V. N. de Gaia
Relator: Carlos Portela (539)
Adjuntos: Des. Pedro Lima da Costa
Des, José Manuel de Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
B…, com domicílio na Rua …, …, ….-…, freguesia ... em Vila Nova de Gaia, veio intentar acção de divórcio litigioso (divórcio sem consentimento de um dos cônjuges), contra C… com domicílio no mesmo local, alegando em síntese o seguinte:
Autora e Réu casaram catolicamente e sem convenção antenupcial no dia 4 de Junho de 1988.
Deste casamento existem dois filhos maiores.
O Réu vive na casa de morada de família mas já não dorme, não come nem convive com a mulher, não contribuindo para as despesas do respectivo agregado.
A Autora e o Réu estão separados de facto desde Março de 2007.
Não existem bens comuns a partilhar.
Conclui requerendo que a acção seja julgada procedente e, em consequência decretado o divórcio entre a Autora e o Réu, tendo por fundamento as alíneas a) e d) do art.1781º do Código Civil.
Realizou-se sem êxito a tentativa de conciliação a que alude o art.º1407º, nº1 do C.P. Civil.
Notificada para o efeito veio o Réu contestar impugnado parte dos factos alegados pela Autora, designadamente a sua ausência da casa de morada de família e a não contribuição para as despesas do agregado.
Mais afirma que existem bens comuns a partilhar (o recheio da casa).
Conclui pedindo a condenação da autora como litigante de má fé.
Notificado para vir esclarecer se deduz oposição a que o divórcio em apreço seja convolado para divórcio por mútuo consentimento, veio o Réu dizer que não se opõe desde que seja obtido acordo quanto à casa de morada da família.
Perante tal posição foi então proferido despacho que não obstante a falta de acordo quanto à atribuição da casa de morada de família, converteu os autos em divórcio por mútuo consentimento.
Inconformado com esta decisão dela veio recorrer o Réu.
Tal recurso não foi admitido, por se considerar que a decisão recorrida só poderia ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final ou em recurso único a interpor após o trânsito da mesma decisão.
Tal despacho foi objecto de reclamação para esta Relação, que no entanto o confirmou.
Entretanto os autos prosseguiram os seus termos no que diz respeito à questão em litígio, acabando por ser proferido despacho que decidiu atribuir ao Réu o direito ao arrendamento da casa de morada de família.
A Autora veio interpor recurso de apelação da mesma decisão.
Este recurso foi decidido por acórdão que revogou a decisão proferida e decidiu atribuir á Autora o direito ao arrendamento da casa de morada de família.
Esta decisão foi objecto de recurso de revista por parte do Réu.
Por decisão a tal propósito proferida, o Supremo Tribunal de Justiça e atento o disposto no nº2 do art.º1411º do C. P. Civil, entendeu por bem não admitir este recurso.
Na sequência de tal decisão entretanto transitada em julgado, foi proferido decisão que nos termos do disposto nos artigos 1775º e 1779º do Código Civil e tendo por devidamente acautelados os interesses dos cônjuges, homologou os acordos já celebrados nos autos e decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os requerentes B… e C….
Notificado do seu conteúdo, deste veio recorrer o mesmo requerido C…, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O recurso foi considerado tempestivo e legal, admitido como sendo de apelação com subida imediata nos autos e efeito suspensivo.
Não foram apresentadas contra alegações.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Como resulta dos autos a presente acção foi proposta em 26.11.2010 e decisão recorrida foi proferida em 15.10.2013.
Assim sendo e atento o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho ao presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este último diploma lega.
Ora como é por demais sabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo teor das conclusões vertidas pelo Apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
A -Apelação da decisão final
1ª – Um dos fundamentos da douta sentença para decretar o divórcio de mútuo consentimento é a existência dos “acordos já celebrados nos autos”.
2ª – Todavia, quanto à casa de morada de família, não houve qualquer acordo, conforme revela ipsis verbis a acta de fls 67 (e requerimento de fls 52), havendo ainda a considerar que este é um acordo essencial para que possa ser decretado o divórcio por mútuo consentimento.
3ª – Toda a conduta processual do R. demonstra que este acordo para o R. era até essencial, na medida em que a casa de morada de família era insuprível para si.
4ª – Por outro lado, não ignorando a lei a importância fundamental que a casa de morada de família tem para um ou ambos os cônjuges, exige consequentemente tal acordo para que seja decretado o divórcio por mútuo consentimento.
5ª – Faltando um dos acordos básicos, pressuposto essencial do divórcio por mútuo consentimento, é uma violência jurídica decretar o divórcio por mútuo consentimento.
6ª – É por outro lado uma contradição considerar a existência dos necessários acordos para tal divórcio, quando os autos revelam que faltou o mais importante, pelo menos para o R.
7ª – Assim sendo, há violação da lei, concretamente por manifesto erro de interpretação e aplicação dos preceitos – art.º 1775 e 1779 CC, e 1407 e 1409 CPC).
B -Decisão de conversão do divórcio
8ª - A recorrida instaurou divórcio litigioso contra o recorrente, por não se ter alcançado acordo para o divórcio por mútuo consenso;
9ª – No caso em apreço, um dos óbices principais do divórcio por mútuo era a problema da casa de morada de família.
10ª – Entendeu todavia o tribunal que a falta desse acordo não era óbice à conversão da modalidade do divórcio, ou seja entendeu que podia enveredar pelo mútuo à revelia da vontade de um dos cônjuges, neste caso o R., que por se sentir violentado, logo manifestou o seu desacordo com a interposição do recurso.
11ª – Ora, embora a lei permita que de comum acordo ambos requeiram o divórcio por mútuo, mesmo havendo falta de um dos acordos, diversa é a situação em que essa vontade não é manifestada por ambos, no requerimento conjunto, como sucede no caso dos autos.
12ª – Não havendo manifestação conjunta dessa vontade, e hão-de ser os requerentes a manifestá-la e a sujeitar-se às consequências da sua opção, não pode o tribunal enveredar motu proprio pela conversão.
13ª – Em face do exposto, a conferência do divórcio levada a cabo não pode fazer qualquer sentido, pois que é da essência do mútuo acordo a vontade de ambos.
14ª – A douta decisão, por erro de interpretação, violou a disposição contida no art.º 1773 CC
Nestes termos e nos mais doutamente supridos, qualquer das doutas decisões, ou ambas, deve ser revogada por ser manifesta a falta de conformidade ao direito, assim se fazendo justiça.
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Perante o acabado de expor, resulta claro que é a seguinte a questão suscitada no âmbito deste recurso:
A de saber se no caso estão preenchidos os pressupostos para converter o presente divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento e consequentemente para decretar o divórcio dos cônjuges em apreço nos autos.
E impõe-se desde já afirmar que não pode deixar de ser afirmativa a resposta a tais interrogações.
Senão, vejamos:
Na nova arquitectura legal do regime do divórcio, posta em vigor pela Lei nº61/2008 de 31.10, consagrou-se, a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” (cf. art.º1773º, nº1 do Código Civil).
Assim e por força deste diploma legal, é hoje a seguinte a redacção do art.º1773º do Código Civil:
“1.O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges.
2.O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, na conservatória do registo civil, ou no tribunal, se, neste caso, o casal não tiver conseguido acordo sobre algum dos assuntos referidos no nº1 do art.1775º.
3.O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781º.”
Já o artigo 1775º do mesmo código reza do seguinte modo:
“1.O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes:
a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores, ou caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272º-A a 272º-C do Decreto-Lei nº324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo;
b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não previamente havido regulação judicial;
c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça;
d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família;
e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada.
2.Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.”
Ora esta exigência legal existia já no regime anterior, sendo já então indiscutível que os cônjuges que pretendessem divorciar-se por mútuo consentimento deveriam estar de acordo, não só sobre o divórcio, mas também sobre três das suas mais importantes sequelas: a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada de família.
Nas sempre doutas palavras do Prof. Pereira Coelho, “entre o acordo sobre o divórcio e estes acordos há assim uma união ou coligação negocial genética que se traduz aqui numa relação de dependência bilateral” (cf. Curso de Direito da Família, Coimbra editora, 2ª edição, Volume I, a pág.607).
Já quanto à natureza jurídica destes acordos, afirma o Prof. Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 5ª edição, a pág.514 que os mesmos “são o fruto do cruzamento das vontades dos cônjuges, apoiadas em interesses de sinal oposto”.
Mais refere que “por outro lado, são acordos exigidos por lei como condição para a decretação do divórcio (por mútuo consentimento) e em cujo conteúdo o juiz pode interferir, se entender que os termos aceites pelos cônjuges, não acautelam suficientemente os interesses dos filhos ou até de algum dos cônjuges (…)”.
De todo o modo, resulta inquestionável que estes acordos assentam sobre a vontade real dos requerentes, sendo claro que as próprias alterações sugeridas pelo juiz, só podem valer se forem aceites por eles e não por força de uma decisão judicial, cuja eficácia não depende obviamente da aceitação das partes.
Assim, a intervenção do juiz, bem como a exigência preliminar da lei, não prejudicam a essência negocial dos acordos, revelando apenas a existência de interesses públicos a salvaguardar no âmbito da sociedade familiar.
No sentido deste poder de convidar os cônjuges a alterar os acordos caso estes não acautelem «suficientemente os interesses de algum deles ou dos filhos», ser, um verdadeiro poder-dever cf. Nuno de Salter Cid, A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português, Almedina, a pág.294.
Regressando à situação concreta dos autos, é de recordar que a presente acção foi instaurada por um dos cônjuges, no caso pela requerente B… como “divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”.
E como já também sabemos, a mesma seguiu os trâmites legais, então os dos artigos 1407º e seguintes do Código de Processo Civil até à altura da prolação do primeiro dos despachos aqui postos em causa.
Ora é a propósito deste despacho, o qual converteu o divórcio em divórcio por mútuo consentimento (cf. fls.53), que cabe transcrever aqui o que consta da actual redacção do art.º1778º-A do Código Civil.
Assim:
“1.O requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, se os cônjuges não o acompanharem de algum dos acordos previstos no nº1 do artigo 1775º.
2.Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos.
3.O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº1 do artigo 1775º, sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
4.tanto para a apreciação referida no nº2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária.
5.O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao respectivo registo.
6.Na determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges.”
Todos sabemos que na situação em apreço, a única questão das enumeradas nas várias alíneas do nº1 do art.º1775º do Código Civil relativamente à qual inexistia acordo dos cônjuges, era a do destino da casa de morada de família.
Daí que como também já vimos, tal questão tenha sido objecto de apreciação processual que acabou por culminar na decisão proferida no acórdão proferido por esta Relação em 19.12.2012 (cf. fls.218 e seguintes) e cujo respectivo trânsito em julgado agora se não pode questionar.
Ora saber se a forma como se tramitou e decidiu tal questão respeita as exigências que o legislador tinha em mente, é no fundo a interrogação fundamental a que temos de responder.
Parece-nos ser claro que a falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio não converte o processo de divórcio num de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (continua a ser processo de divórcio por mútuo consentimento, por haver acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento), mas sem prejuízo de o tribunal dever proceder como se estivesse perante um divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
Salvo melhor opinião, é o que em nosso entender resulta da redacção do já antes referido art.º 1778º-A do Código Civil (neste sentido cf. também o Acórdão da Relação de Évora de 10.11.2010, CJ, Tomo V, a pág.253 e seguintes).
Na verdade e como correctamente se afirma nesta decisão, “segundo o nº4 do mencionado art.º 1778º-A, o juiz, a fim de fixar as consequências do divórcio, «pode determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária» – mas, atento o segmento final do citado nº3, sem prejuízo do reenvio para o regime normativo do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”.
A tal propósito afirma Rita Lobo Xavier, Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, Almedina, 2009, pág.19 e seguintes, que “suscita alguma perplexidade a ordem de tarefas cometidas ao Tribunal no caso do divórcio por mútuo consentimento”, acabando por concluir que não obstante a ideia de que as consequências do divórcio devem em princípio ser apreciadas “de forma “global e integrada”, o certo é que com o regime legal actualmente em vigor, “a solução de um processo único será sempre inviável”.
E continua referindo que “se, por um lado, o nº4 do art.º1778º-A implica que o juiz deverá determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, de acordo com o princípio da adequação formal previsto no art.º 265º-A do CPC, não se pode deixar de considerar que a aplicação (remissiva) do regime do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges conduz a que cada uma das consequências do divórcio enunciadas continua a ser tratada com autonomia relativamente à acção de divórcio”.
Perante tal perplexidade a mesma autora dá mesmo como exemplo, a questão da atribuição da casa de morada de família, em relação ao qual o artigo 1413º, nº 4, do CPC prevê que o pedido seja deduzido por apenso à acção de divórcio.
Assim admite que o processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, em muitas situações, «se multiplicará nas numerosas peças processuais e audiências de julgamento mais próprias de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”», (…).
Perante o que deixamos exposto, parece-nos não restarem dúvidas que a lei concebe um divórcio por mútuo consentimento judicial em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio – entenda-se, quanto às questões referidas no art.º 1775º, nº1, do Código Civil, caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências.
E, por maioria de razão, pode haver acordo quanto ao divórcio e algumas dessas questões, mas não quanto a todas – como poderá ser mais concretamente a questão da atribuição da casa de morada de família.
Ora parece ser esta a situação do presente processo no qual: a partir de data altura (cf. fls.50 e seguintes), passou a haver acordo das partes quanto ao divórcio propriamente dito, razão pela qual a Sr.ª Juiz “a quo”, converteu o processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em processo de divórcio por mútuo consentimento judicial.
A partir daí, apenas ficou a restar a questão relativa à casa de morada de família, sendo que esta e como já vimos teria de ser dirimida pelo tribunal «como se se tratasse de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges» (art.º 1778º-A, nº 3).
Isto significa que o tribunal teria de seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma acção de divórcio litigioso (leia-se agora, como se disse supra, «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges») – o que em princípio implicava, como estabelece o art. 1413º, nº 4, do CPC, a dedução do pedido por apenso à acção de divórcio e a sua tramitação nos termos dos demais números dessa disposição legal (e ainda das disposições aplicáveis do regime geral dos processos de jurisdição voluntária – cf. epígrafe do Capítulo em que se insere esse preceito).
Trata-se de consequência que, como antes já vimos, Rita Lobo Xavier no estudo citado, não deixa de prefigurar na nova filosofia do processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, como um processo plural (ou não unitário).
Ora no douto Acórdão da Relação de Évora que antes citamos e que até agora temos vindo a seguir de perto, entendeu-se que o requerimento do Requerido de atribuição da casa de morada de família (cf. fls. 71 e seguintes) não poderia ter sido tramitado no seio da acção de divórcio.
Diversamente e em caso semelhante, considerou-se que tal pedido deveria ter sido autuado por apenso e que nesse apenso deveria o tribunal ter proferido os despachos (e eventual decisão final) que entendesse por convenientes segundo o regime do art.º 1413º do CPC, com as demais disposições aplicáveis do regime geral dos processos de jurisdição voluntária e ainda se necessário, fazendo uso dos poderes oficiosos conferidos pelo art.º 1778º-A, nº 4, do Código Civil.
Para justificar tal opção chamam-se aí à colação as exigências legais impostas a esse requerimento inicial do incidente de atribuição da casa de morada de família e os vários princípios gerais do processo civil, como os da adequação formal, do contraditório ou da igualdade das partes.
Em suma, para os subscritores de tal decisão “isto significa que o tribunal teria de seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma acção de divórcio litigioso (leia-se agora, como se disse supra, «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges») – o que implicava, como estabelece o art.º 1413º, nº 4, do CPC, a dedução do pedido por apenso à acção de divórcio e a sua tramitação nos termos dos demais números dessa disposição legal (e ainda das disposições aplicáveis do regime geral dos processos de jurisdição voluntária (….).
Por se entender deste modo, acabou ao abrigo do disposto no art.º 668º, nº 1, al. d), do CPC, por se reconhecer a nulidade da sentença proferida mas apenas quanto ao segmento em que nela se decidiu atribuir à Ré a casa de morada de família, mantendo no entanto a sua plena validade quanto aos segmentos relativos ao decretamento do divórcio de Autor e Ré e à homologação dos acordos entre os ex-cônjuges obtidos no processo.
Ora nos presentes autos e como sabemos, foi diversa a orientação processual seguida.
Assim e como do processo resulta, apesar de não ter sido autuado e tramitado por apenso o pedido de atribuição do direito a habitar a casa de morada de família deduzido pelo requerido C…, a verdade é que o mesmo ainda que processado nos autos, acabou por ser tramitado de forma manifestamente autónoma do pedido principal de divórcio, dando inclusivamente origem a um recurso que em definitivo julgou tal questão.
Em face disto, afigura-se-nos não ser no caso de todo defensável, a tese subscrita no aludido aresto da Relação de Évora, antes sendo de aceitar a plena validade do procedimento aqui adoptado o qual e salvo opinião diversa, não colocou em causa nenhum dos princípios gerais orientadores que antes não deixamos de enumerar.
E a ser desta forma, também nenhum obstáculo pode impedir a que se tenha como legais quer o despacho que a fls.53 converteu o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento, quer a decisão que a fls.286 e 287 homologou os acordos já celebrados nos autos e decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os cônjuges aqui requerentes.
Em suma e sem necessidade de mais considerações, cabe concluir pela improcedência das pretensões recursivas do apelante C…, antes se justificando a confirmação de tudo o que ficou decidido.
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.No novo regime do divórcio a nossa lei substantiva continua a conceber um divórcio por mútuo consentimento judicial em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio (entenda-se, quanto às questões referidas nas várias alíneas do art.º 1775º, nº1, do Código Civil), caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências;
2. Não havendo acordo quanto ao destino da casa de morada de família, terá o tribunal em regra, que seguir a tramitação processual própria da resolução da questão da atribuição da casa de morada de família no contexto de uma acção de divórcio litigioso (leia-se agora, «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges»);
3.De todo o modo, atento o facto de estarmos no âmbito de um pedido sujeito ao regime geral dos processos de jurisdição voluntária e desde que se mostrem respeitados os vários princípios gerais do processo civil aplicáveis, nada impede que o mesmo seja apreciado e decidido em incidente autonomamente tramitado no processo instaurado como «divórcio sem consentimento de um dos cônjuges», mas que entretanto foi convertido em «divórcio por mútuo consentimento».
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se assim improcedente o presente recurso de apelação pelo que se confirmam inteiramente as decisões aqui recorridas.
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Custas a cargo do Apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Notifique.

Porto, 27 de Março de 2014
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros