Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
416/08.4TBBAO.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
MÚTUO BANCÁRIO
NULIDADE
FIADOR
NULIDADE DA FIANÇA
Nº do Documento: RP20120626416/08.4TBBAO.P1
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A não entrega de exemplar de contrato (ou de proposta de contrato) subscrito pelo consumidor, no momento da assinatura, gera nulidade (art. 6°, n° 1 e 7°, n° 1 do DL 351/91);
II - A entrega posterior de exemplar" de contrato, já assinado pelo credor/financiador não sana aquele vício, pois os actos nulos são insanáveis, não podendo ser confirmados;
III - Devendo a fiança revestir a mesma forma que a da obrigação principal, deve a fiança prestada em contrato de crédito ao consumo obedecer ao formalismo deste, impondo-se por isso não só a redução a escrito (com a aposição de assinatura) como também a entrega ao fiador de um exemplar do contrato no momento em que o subscreve;
IV - Tem o fiador legitimidade para invocar a nulidade se em relação a si se verificar a inobservância do apontado formalismo (sendo certo que tal invalidade apenas interfere com a sua posição no contrato).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 416/08.4TBBAO.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira
Desembargador Henrique Araújo
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO
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Apelante: Banco B…., S.A. (autor)
Apelado: C….. (co-réu).
Tribunal Judicial de Baião.
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Intentou o Banco B…., S.A., acção com processo sumário contra D…. e C…., pedindo a condenação solidária de ambos no pagamento da importância de 16.337,61€, acrescida de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia, desde 13/06/2008 e até integral pagamento, bem como imposto de selo que à taxa de 4% sobre esses juros recair.
Alegou, em síntese, ter concedido ao primeiro réu (no exercício da sua actividade e com destino à aquisição de veículo automóvel) um empréstimo no montante de 20.000,00€, com juros à taxa nominal de 10,281% ao ano, devendo tais importâncias, bem como demais encargos, ser-lhe devolvidos em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de 382,54€ cada, vencendo-se a primeira em 20/09/2007 e as restantes nos dias 20 dos meses subsequentes. Continuou alegando ter sido acordado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, acresceria, a título de cláusula penal, indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais. Por não ter pago a 5ª prestação e seguintes, e instado a pagar a importância em débito, o primeiro réu entregou-lhe o veículo em causa, vendido pelo preço de 12.612,46€, que reteve (o autor) para si por conta das importâncias em débito, ficando em dívida o remanescente. Por fim, e como fundamento da demanda do segundo réu, alega que este, por termo de fiança, assumiu a responsabilidade de fiador e principal pagador por todas as obrigações assumidas pelo primeiro réu no referido contrato, sendo por isso responsável pelo pagamento das importâncias em dívida.

Citados, apenas o segundo réu contestou e, além de impugnar parcialmente a matéria articulada na petição e de alegar não lhe ter sido explicado que estaria a assumir a posição de devedor em igualdade de circunstâncias com o afiançado (ou seja, que renunciava ao benefício da excussão prévia), invocou a nulidade decorrente da circunstância de lhe não ter sido entregue qualquer cópia do contrato aquando da aposição da sua assinatura no mesmo (art. 6º, nº 1 e 7º, nº 1 do DL 359/91, de 21/09). Alegou também não poder o autor incluir nas prestações futuras os juros, impostos e prémios de seguros, devendo os juros incidir sobre o capital em dívida deduzido ao valor da venda do veículo e ser calculados desde 20/01/2008.
Concluiu pela sua absolvição do pedido ou, se assim não for entendido, por dever ser excutido o património do afiançado, devendo o seu (contestante) património ser accionado apenas quando aquele se mostrar insuficiente para o cumprimento da obrigação, além de dever esta ser esta reduzida nos termos expostos.

Respondeu o autor, defendendo a validade do contrato e concluindo como na petição.

Saneado o processo e dispensada a organização da base instrutória, realizou-se o julgamento e, decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:
- condenou réu D….. a pagar à autora a quantia que, nos termos dos artigos 661º, nº 1 e 378º e ss do Código do Processo Civil, se apurar em sede de liquidação, correspondente ao capital mutuado em dívida à data do vencimento antecipado de todas as prestações por falta de pagamento da 5ª prestação, vencida a 20/01/2008, expurgada do valor dos juros remuneratórios originariamente incluídos no montante das prestações objecto de vencimento antecipado e imputado o valor da venda do veículo entregue a título de datio pro solvendo (12.612,46€), até ao limite peticionado de 16.337,61€, a que acrescerão juros, à taxa anual de 14,135% (incluindo já a cláusula penal), contados da data da sentença que proceder à liquidação até efectivo e integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre esses juros recair;
- absolver o réu D….. do demais peticionado;
- absolver o réu C….. do pedido.

Inconformado com a decisão na parte em que absolveu o réu C….. do pedido (e por não ter condenado este réu nos precisos termos em que foi condenado o co-réu), apela o autor, formulando a seguinte (apenas uma, mas extensa) conclusão:
- A sentença recorrida fez errada e deficiente interpretação e aplicação da matéria de facto dada como provada nos autos, na medida em que tendo um exemplar do contrato dos autos sido enviado ao réu, ora recorrido, C….., e não tendo o mesmo pedido sequer qualquer esclarecimento ou informação relativamente ao mesmo, deve considerar-se, nos termos e de harmonia com o preceito do artigo 224º, nº 1, do Código Civil, e de harmonia com o disposto artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei 259/91, face até ao disposto no artigo 8º, nº 1 do referido normativo legal, que o contrato dos autos, na parte em que nele se consubstancia a fiança prestada pelo ora recorrido, não é nulo, produzindo a plenitude da sua eficácia, sendo igualmente certo que tendo sido o contrato dos autos considerado válido em relação ao co-réu D…., haverá sempre que considerar que o mesmo válido é também em relação ao réu em 1ª Instância, ora recorrido, C…., como fiador do mesmo, face às normas ínsitas nos artigos 627º, nº 1, 631º, nº 1, 640º, alínea a) do Código Civil, preceitos estes violados também pela sentença recorrida, que igualmente violou, conforme antes referido, o disposto nos artigos 224º e 228º do referido normativo legal e os preceitos dos artigos 6º, nº 1, e 8º, nº 1, do Decreto-Lei 259/91, de 21 de Setembro, pelo que deve, por acórdão, revogar-se a sentença recorrida, e condenar-se o réu, em 1ª Instância, ora recorrido, C….., a pagar ao autor em 1ª Instância, ora recorrente, as mesmas importâncias em que foi condenado o co-réu em 1ª Instância, D….., afiançado do recorrido, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, se fazendo correcta e exacta aplicação da lei, se fazendo, em suma, justiça.

Não consta dos autos que o apelado tenha contra-alegado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Delimitação do objecto do recurso.

Da conclusão apresentada pelo recorrente constata-se que a questão trazida à apreciação da Relação consiste em apurar da validade (ou nulidade) do contrato, no que concerne ao apelado fiador, uma vez que apesar de a este não ter sido entregue um exemplar do contrato no momento em que o assinou, o certo é que se trata de um contrato entre ausentes (o autor não esteve presente no momento em que o réu apôs no contrato a sua assinatura) e que, depois de representante do autor ter aposto no contrato a sua assinatura, foi um exemplar remetido ao réu, o qual nunca solicitou a prestação de qualquer informação ou esclarecimento.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:
1º- O autor, no exercício da sua actividade, o primeiro réu, como mutuário, e o segundo réu, como fiador, subscreveram, neles apondo as respectivas assinaturas, os escritos de folhas 10 e 11, intitulados, respectivamente, ‘Contrato de Mútuo com fiança com N.º 835635’ e ‘Condições Gerais’;
2º- O autor enviou ao primeiro réu as cartas de fls. 12 e 13, respectivamente datadas de 21/02/2008 e de 14/04/2008;
3º- O autor é uma instituição de crédito (um banco);
4º- O primeiro réu não pagou a 5ª prestação e seguintes, vencida, a primeira, em 20/01/2008;
5º- O referido réu D….. não providenciou às transferências bancárias referidas - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem o referido réu D…., ou quem quer que fosse por ele, as pagou ao autor;
6º- Atenta as actualizações da taxa Euribor o prazo do contrato foi alargado de 72 para 74 prestações, sendo o valor da 73ª prestação de 382,54€ e o valor da 74ª e última de 352,79€;
7º- Instado pelo autor para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, bem como o imposto de selo incidente sobre estes juros, o réus D…. fez a entrega do veículo ..-DX-.., para que o autor diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que o dito réu D…. lhe devesse e ficando este réu D…. de pagar ao autor o saldo que viesse a verificar ficar então em débito;
8º- Em 12/06/2008 o autor procedeu à venda do veículo automóvel com a matrícula ..-DX-.. pelo preço de 12.612,46€, tendo o autor ficado para si com esta quantia por conta das importâncias que o primeiro réu (D….) então devia;
9º- Apesar de instado a pagar o débito de 15.686,87e, relativamente às prestações em dívida, o réu D…. não o fez;
10º- Aquando a aposição da assinatura pelo segundo réu no contrato de mútuo com o Banco B…., S.A. não lhe foi entregue qualquer cópia do mesmo;
11º- No âmbito das actividades que exerce, o autor dedica-se, além de outras, ao financiamento de aquisições a crédito de bens de consumo nomeadamente, de veículos automóveis, tendo sido precisamente no exercício dessa sua actividade que lhe foi proposto o negócio dos autos;
12º- Quando um comerciante pretende vender determinado equipamento - no caso concreto um veículo automóvel - a determinada pessoa que não tem possibilidade de o pagar a pronto depois de ajustar com ela os termos e condições do negócio, designadamente o preço, e as condições e estado do equipamento, contacta o autor propondo-lhe que financie o crédito para a operação, de forma que o vendedor receba o preço a pronto, e o autor providencie ao financiamento de tal aquisição a crédito;
13º- Para o efeito, o autor concede empréstimo directo ao comprador do dito equipamento com destino a aquisição por este desse equipamento, a pedido afinal de ambos – comerciante vendedor e cliente deste, o comprador;
14º- Após o ajuste do negócio, o fornecedor do veículo automóvel referido no contrato de mútuo junto aos autos, em seu nome e também em nome do réu D…., propôs ao autor que concedesse empréstimo directo ao dito réu, com destino à aquisição de veículo automóvel referido em tal contrato pelo referido réu, que não dispunha de possibilidades de o pagar a pronto;
15º- O dito fornecedor, enviou ao autor os elementos de identificação do réu D…., bem como comunicou ao autor o montante do empréstimo directo a conceder ao réu D…. com destino à aquisição por este do dito veículo;
16º- Aquando da aprovação do financiamento que se veio a consubstanciar nos escritos de fls. 10 e 11, o autor solicitou que fosse prestada fiança;
17º- O autor, após ter recebido as informações que lhe foram prestadas pelo dito fornecedor, elaborou o escrito de fls. 10;
18º- Posteriormente a tal elaboração, o autor enviou ao dito fornecedor o escrito de fls. 10 e 11, em três exemplares;
19º- Após a aposição pelos réus das respectivas assinaturas, o dito fornecedor remeteu ao autor os três exemplares do escrito de fls. 10 e 11;
20º- Após a aposição naqueles três exemplares da assinatura de um seu representante, o autor enviou, em carta simples, a cada um dos réus um exemplar do escrito de fls. 10 e 11;
21º- O autor não esteve presente aquando da assinatura do escrito de fls. 10 e 11;
22º- Após a remessa aos réus dos exemplares do escrito de fls. 10 e 11, o segundo réu nunca solicitou à autora que lhe prestasse esclarecimentos e informações.
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Fundamentação de direito

Não vem censurada a qualificação jurídica operada na decisão recorrida quanto ao relacionamento contratual havido entre as partes.
Efectivamente, não restam dúvidas que as partes celebraram contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, legalmente definido no art. 2º, nº 1, a) do DL 359/91, de 21/09 (rectificado pela declaração de rectificação 119-B/91, publicada no Diário da República, I Série A, nº 218, de 21/09/1991, suplemento, e alterado pelo DL 101/2000, de 2/06, e pelo DL 82/2006, de 3/05, aprovado com o objectivo de transpor as Directivas nºs 87/102/CEE, de 22/12/1986 e 90/88/CEE, de 22/02 1990[1] como ‘o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento do pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante’, e substantivamente regulado pelas disposições dos arts. 1142º e seguintes do Código Civil e arts. 362º e 394º a 396º do C. Comercial (sem esquecer o artigo único do DL nº 32 765, de 29/04/1943, que dispõe que os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por escrito particular, ainda que a outra parte não seja comerciante).
Trata-se de um contrato de crédito ao consumo, pois facilmente se intui da matéria provada que o réu D….., enquanto consumidor, concluiu com um vendedor um contrato de compra e venda relativo a veículo automóvel e celebrou com o autor (terceiro financiador – uma entidade bancária, que actuou no exercício da sua actividade comercial) um contrato de mútuo, sendo o capital mutuado destinado ao pagamento do preço estabelecido no conexo contrato de compra e venda.

A discordância do apelante quanto à decisão recorrida – nisso se traduz a censura que lhe dirige – circunscreve-se à invocação de que o disposto no art. 6º, nº 1 do DL 359/91 não se aplica aos designados contratos entre ausentes, sustentando que a obrigação ali plasmada (obrigação de entrega dum exemplar do contrato) se refere ao contrato propriamente dito e não já às propostas contratuais – pelo que tendo sido remetido ao mutuário e ao fiador exemplar do escrito do contrato logo que assinado pelo seu (autor) representante, ficou cumprida a obrigação imposta pelo referido normativo.
Defende ainda que tendo sido o contrato considerado válido em relação ao mutuário, haverá também que o considerar válido em relação ao fiador, face ao disposto nos art. 627º, nº1, 631º, nº 1 e 640º, a) do C.C..

Esta última objecção, adiantemo-lo desde já, não procede.
Apesar da invalidade da obrigação principal estender os seus efeitos à fiança – corolário da característica da acessoriedade desta –, com excepção dos casos previstos no nº 2 do art. 632º do C.C. (casos em que esta subsiste apesar de anulada a obrigação principal), certo é que a vinculação em que a fiança de traduz pode sofrer de vício que a afecte exclusivamente, sem se estender à obrigação principal (pense-se, v.g., em vício da vontade restrito à obrigação assumida pelo fiador).
Assim, a validade da obrigação principal não é razão de per si suficiente e bastante para se afirmar a inexistência de causas que determinem a invalidade da fiança.

A matéria de facto provada (vejam-se os factos provados com os números 14º a 21º) impõe se conclua que o contrato dos autos foi celebrado entre ausentes (aqueles em que as declarações de vontade de um e de outro contraente, manifestadas com a aposição da assinatura no escrito onde são vazadas as cláusulas conformadoras do negócios, não são simultâneas e antes são separadas por um intervalo de tempo) – os termos contratuais foram negociados sem que o autor (o financiador) estivesse presente (após a negociação estabelecida entre o consumidor, adquirente do veículo automóvel, e o vendedor, foi proposto ao autor que financiasse a aquisição, concedendo empréstimo ao réu, e enviados pelo fornecedor do bem ao autor os elementos relevantes, este aprovou o financiamento, solicitando a prestação da fiança, remetendo ao fornecedor os escritos em que estavam vazadas as cláusulas negociais atinentes ao mútuo e à fiança, sendo esses escritos assinados pelo adquirente/consumidor e pelo fiador e reenviados ao autor, que após aposição nos referidos escritos de assinatura por parte dum seu representante, remeteu um exemplar ao adquirente e ao fiador).

Não restam dúvidas que o contrato celebrado entre as partes é formal: a lei (art. 6º, nº 1 do DL 359/91) impõe a sua redução a escrito, com assinatura dos contraentes – ou seja, o consumidor e o credor (financiador) –, formalidade também por isso exigível quanto à fiança (art. 628º, nº 1 do C.C.).
Impõe também a lei que ao consumidor seja entregue um exemplar do documento no momento da respectiva assinatura (parte final do nº 1 do art. 6º do DL 359/91).
A inobservância da forma escrita, tal qual a violação da obrigação de entrega do exemplar do contrato, gera, nos termos do art. 7º, nº 1 do DL 359/91, a nulidade. Trata-se, considerando o específico regime para ela traçado na lei (art. 7º, nº 4 do DL 359/91), de invalidade mista ou atípica, pois a sua invocação fica reservada ao consumidor, estando afastada a possibilidade da sua invocação pelo credor ou o seu conhecimento oficioso por parte do tribunal.
Consensual a conclusão de que a obrigação legal aludida na parte final do nº 1 do art. 6º do DL 359/91 abrange a entrega de exemplar do contrato que contenha a assinatura dos contratantes.
Questão é saber, nos casos de contratos entre ausentes, se tal obrigação de entrega não se refere também ao exemplar do contrato logo que é assinado pelo consumidor e, bem assim, se a entrega posterior do exemplar do contrato, já depois de assinado também pelo financiador, sana qualquer vício que possa gerar a não entrega dum exemplar ao consumidor no momento em que este o subscreveu.
Entendemos que a obrigação em causa tem também por objecto o exemplar do contrato logo que ele é subscrito pelo consumidor (ou seja, logo no momento em que o consumidor, pela aposição da sua assinatura, se vincula).
Justifica-se tal posição pela circunstância da entrega de tal documento visar a protecção do consumidor, permitindo-lhe o exercício do direito de revogação – e a falta de entrega de tal documento provocaria ao consumidor manifesto prejuízo, impedindo-o de ponderar sobre um contrato cujas cláusulas não tem disponíveis.
Este direito de livre revogação do contrato de crédito ao consumo concedido pela lei (art. 8º, nº 1 do DL 359/91) ao consumidor é um dos instrumentos nucleares da tutela deste – concede-se-lhe o direito de arrependimento (que representa um golpe no princípio pacta sunt servanda), protegendo-o da irreflexão e precipitação em que pode ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se a uma aliciante proposta de crédito que, bem ponderada a sua situação, não necessita e não será capaz de cumprir[2]. A razão de ser da consagração de tal direito de livre revogação constitui, pois, ‘uma solução de compromisso entre a exigência de não colocar obstáculos à celeridade da contratação e a oposta exigência de reequilibrar a posição do adquirente sujeito ao poder do predisponente’[3].
O estabelecimento deste instrumento de tutela concedido pela lei ao consumidor não é alheio à ‘mudança de sentido do princípio da autonomia da vontade’ – este princípio tem limites e restrições, cuja justificação se encontra na ‘necessidade de defender a própria autonomia privada («a autonomia privada não está à disposição da autonomia privada»)’, procurando-se corrigir o princípio, ‘relativizá-lo, em função duma liberdade e igualdade tanto quanto possíveis reais (e não meramente formais) entre os contraentes’, tutelando-se o equilíbrio, a autonomia efectiva das partes, articulando-se o princípio «pacta sunt servanda» com o do «rebus sic santibus», eticizando as obrigações, tudo com vista não a eliminar o princípio da autonomia privada mas antes a reforçá-lo no que ele significa de autêntica determinação livre e responsável da esfera jurídica de cada um, conjugando-o com superiores ditames de justiça social[4].
Sensível a este novo sentido do princípio da autonomia privada, o legislador conferiu ao consumidor a possibilidade de, no contrato de crédito ao consumo, revogar a sua proposta – solução contrária à regra da irrevogabilidade da proposta consagrada no art. 230º do C.C..
Pode o consumidor do contrato de crédito ao consumo, nos termos do art. 8º, nº 1 do DL 351/91, não só revogar o contrato (o que pressupõe a aceitação, por parte da contraparte, financiador/credor, da proposta), como a sua proposta, já recebida pela contraparte (o consumidor tem o direito de revogar a proposta).
Porém, tal direito de revogação da proposta, em atenção à protecção da contratação e do comércio jurídico, está dependente da observância de um prazo (e de certas formalidades): o prazo de sete dias, sendo o termo inicial o da assinatura do contrato por parte do consumidor (art. 8º, nº 1 do DL 351/91).
A conjugação destes preceitos (arts. 6º, 1 e 8º, nº1 do DL 352/91) impõe se conclua, assim, que a obrigação de entrega do exemplar do contrato abrange também o escrito em que o consumidor apõe a sua assinatura, na altura em que o faz – ou seja, a obrigação de entrega de cópia da ‘proposta’ de contrato subscrita pelo consumidor, pois só com base nela (e em atenção às suas cláusulas) poderá o consumidor ajuizar se deve ou não exercer o seu direito de arrependimento.
A falta de entrega de um exemplar de tal proposta subscrita pelo consumidor constitui, pois, vício gerador da nulidade do contrato[5].
Mesmo que se considere que o início do prazo para o exercício do direito de revogação só ocorrerá com a entrega do exemplar, ainda assim se terá de considerar que a lei não dispensa a entrega do exemplar da proposta subscrita pelo consumidor (e que comina tal comportamento com a nulidade estabelecida no art. 7º, nº 1 do DL 351/91), pois que com essa entrega se pretende que o consumidor, no exacto momento em que se vincula, tenha na sua disponibilidade documento que lhe permita conhecer o seu conteúdo, sendo certo que a entrega imediata (ao contrário da entrega diferida) gera vontade de visualização[6] e, acrescentamos nós, de calma ponderação e reflexão sobre a decisão tomada.
O vício gerado por tal falta de entrega imediata do exemplar subscrito pelo consumidor não é sanado pela entrega posterior do exemplar já assinado (em ulterior momento) pela contraparte.
Tal entrega posterior do exemplar do contrato é inadequada a alcançar o apontado objectivo da lei, qual seja o de permitir que o consumidor possa, desde logo (nos momentos seguintes à emissão da sua declaração de vontade de contratar), reponderar e reflectir, de forma consciente e avisada, sobre as cláusulas do contrato a que se propôs vincular, em ordem a exercer, ou não, o direito de arrependimento.
Assente que a não entrega do exemplar de contrato (ou de proposta de contrato) subscrito pelo consumidor, no momento da assinatura, gera a nulidade, a entrega posterior é irrelevante, pois os actos nulos são insanáveis, não podendo ser confirmados – apenas podem ser renovados[7].

Todas as considerações que vêm de ser feitas são relativas ao consumidor. Entendemos porém que elas são válidas também quanto ao fiador.
Também quanto a este se deve afirmar a necessidade de entrega de exemplar do escrito em que estão vazadas as cláusulas do contrato, desde logo porque só assim ficará o fiador a conhecer o alcance e os termos da sua responsabilidade (sendo certo que responderá solidariamente com o seu afiançado), além de que tal será um reflexo da característica da acessoriedade da fiança[8].
Reflexo ou manifestação da característica da acessoriedade da fiança é de que esta deve revestir a mesma forma que a da obrigação principal (art. 628º do C.C.) e assim, impondo o art. 6º, nº 1 do DL 351/91, para além da redução a escrito (devidamente assinado) do contrato de consumo a crédito, a entrega de exemplar ao consumidor no momento da assinatura, todo este formalismo se deve aplicar à fiança, ou seja, também a prestação da fiança pressupõe a redução escrito e a entrega de exemplar do contrato ao fiador – e assim se entendendo, ‘então deve admitir-se que o fiador declare a nulidade da fiança se não lhe for entregue um exemplar do contrato’[9].
Defendemos, pois, que o fiador tem legitimidade para invocar a nulidade do acto se em relação a si se verificar a inobservância do apontado formalismo – sendo certo que tal invalidade apenas interfere com a sua posição no contrato em questão[10].

Provado que não foi entregue ao réu apelado, fiador, um exemplar do contrato no momento em que o subscreveu, tem de concluir-se pela respectiva nulidade (art. 7º, nº 1 do DL 352/91), não sanada pela posterior entrega de exemplar de contrato já assinado por representante do credor, agora apelante.

Improcede, pois, a apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

Em jeito de sumário, podem sintetizar-se os argumentos do acórdão nos seguintes termos:
- a não entrega de exemplar de contrato (ou de proposta de contrato) subscrito pelo consumidor, no momento da assinatura, gera nulidade (art. 6º, nº 1 e 7º, nº 1 do DL 351/91);
- a entrega posterior de exemplar de contrato, já assinado pelo credor/financiador não sana aquele vício, pois os actos nulos são insanáveis, não podendo ser confirmados;
- devendo a fiança revestir a mesma forma que a da obrigação principal, deve a fiança prestada em contrato de crédito ao consumo obedecer ao formalismo deste, impondo-se por isso não só a redução a escrito (com a aposição de assinatura) como também a entrega ao fiador de um exemplar do contrato no momento em que o subscreve;
- tem o fiador legitimidade para invocar a nulidade se em relação a si se verificar a inobservância do apontado formalismo (sendo certo que tal invalidade apenas interfere com a sua posição no contrato).
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Cada pelo apelante.
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Porto, 26/06/2012
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira
Henrique Luís de Brito Araújo
_________________________________
[1] Estes diplomas foram entretanto expressamente revogados pelo DL 133/2009, de 2/06 (art. 33º, nº 1) que passou a disciplinar os contratos de crédito ao consumo. Todavia, este diploma não se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor (com excepção, quanto a alguns pormenores, relativamente aos que tenham sido celebrados por prazo indeterminado – situação que se não verifica nos autos), sendo por isso o regime daquele DL 359/91 o aplicável na situação que sub judice.
[2] Fernando Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, pp. 153 e 155.
[3] Carlos Ferreira de Almeida, citado por Fernando Gravato Morais, obra citada, a p. 155.
[4] António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, p. 53.
[5] Neste sentido, entre outros, os Ac. S.T.J. de 7/07/2009 (João Camilo) e de 7/01/2010 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), ambos no sítio www.dgsi.pt/jstj, e os dois Ac. R. Porto de 19/01/2010 (Rodrigues Pires e Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.
[6] Fernando Gravato Morais, obra citada, p. 107.
[7] Cfr. o citado Ac. R. Porto de 19/01/2010 (Henrique Antunes).
[8] Fernando Gravato Morais, obra citada, p. 103.
[9] Fernando Gravato Morais, União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, p. 321, (nota 592).
[10] Fernando Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, pp. 112 e 129. Cfr., neste sentido, o Ac. R. Porto de 25/10/2007 (Mário Fernandes), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.