Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0836133
Nº Convencional: JTRP00042420
Relator: MARIA CATARINA
Descritores: CONTRATO DE SUPRIMENTO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
MÚTUO
SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO ASSUMIDA
Nº do Documento: RP200904020836133
Data do Acordão: 04/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA, EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 794 - FLS 02.
Área Temática: .
Sumário: I – O contrato de suprimento é um contrato especial, típico e nominado, que, constituindo uma modalidade especial de mútuo, está submetido a um regime específico e que se caracteriza por dois elementos: a qualidade dos sujeitos (já que essa relação negocial apenas pode estabelecer-se entre a sociedade, como mutuária, e os sócios, como mutuantes) e o carácter de permanência do crédito do sócio.
II – No contrato de suprimento, constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, bem como a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.
III – Nenhuma disposição legal existe que imponha uma qualquer forma especial para o contrato de assunção de dívida e nenhuma norma impõe que tal contrato tenha que obedecer à mesma forma que era exigida para o contrato de onde emerge a dívida assumida.
IV – Porém, a nulidade do contrato de onde dimana a obrigação que é assumida poderá afectar o conteúdo da obrigação emergente da assunção de dívida.
V – A nulidade do contrato de mútuo não elimina aquela que é a obrigação essencial emergente desse contrato: a obrigação de devolver ou restituir a quantia mutuada. E se, não obstante a nulidade, essa obrigação – em tudo idêntica à original – continua a existir para o mutuário, nenhuma razão existe para que não continue a existir também para o terceiro que, por força de um contrato de assunção de dívida perfeitamente válido (porque não é afectado pela nulidade do contrato com o qual está relacionado), assumiu essa mesma obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 6133/08-3
Tribunal recorrido: .º Juízo Cível de Matosinhos (processo nº …/06.5TBMTS).
Relatora: Maria Catarina Gonçalves
Adjuntos: Des. Dr. Pinto de Almeida
Des. Dr. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I.
B………., residente na ………., … – .º, Maia, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra C………., residente na Rua ………., …, .º esquerdo traseiras, ………., Matosinhos, e D………., residente na ………., .., .º, habitação .., ………., Matosinhos, pedindo que seja declarado anulado o negócio de cessão de quotas, objecto da acção, celebrado entre a autora e o 1º réu, sendo este condenado a restituir-lhe a quantia de 2.500 €, e ainda que sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 37.429,16 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora desde a data da citação.
Alega, para tanto e em resumo, que, por escritura pública de 01/02/2005, foi celebrado contrato entre as partes, por via do qual o 1º Réu declarou ceder à Autora uma quota, no valor nominal de 2.500,00€, do capital social da sociedade “E………., Ldª”, e declarou ceder à 2ª Ré uma outra quota de 2.500,00€ do capital social da mesma sociedade; no referido acto, o 1º Réu renunciou à gerência da referida sociedade, tendo ficado nomeadas para essas funções, a Autora e a 2ª Ré; nos preliminares e na conclusão do citado negócio, o 1º Réu declarou à Autora que a referida sociedade comercial não tinha qualquer dívida, constituída ou vencida, às Finanças e à Segurança Social e essa circunstância foi determinante para a conclusão do negócio; o Réu sabia que tal circunstância era essencial para a Autora, de tal forma que lhe apresentou certidões a informar que a situação contributiva estava regularizada; a Autora veio a constatar, posteriormente, que a sociedade tinha dívidas de IRC, de contribuições à Segurança Social e de IRS retido a trabalhadores e colaboradores, dívidas essas constituídas e, ou, vencidas até 01/02/2005; em consequência desse facto, a Autora teve que emprestar à sociedade a quantia de 27.415,16€ e, não obstante os compromissos que havia assumido, o 1º Réu não reembolsou a Autora desses valores; entretanto, a 2ª Ré – que havia sido casada com o 1º Réu – entregou a este, à revelia da Autora, um veículo automóvel pertencente à sociedade e, mercê da actuação desta, alguns cheques da sociedade eram destinados a pagamentos de dívidas pessoais do 1º Réu; por força das relações tensas entre Autora e 2ª Ré e porque a Autora se recusou a fazer quaisquer pagamentos antes de estarem pagas as dívidas fiscais e à Segurança Social, não têm sido efectuados pagamentos – designadamente os vencimentos da Autora, no valor de 6.014,00€ - e, por força de várias ameaças por parte dos Réus, a Autora entrou em depressão, o que lhe determinou danos não patrimoniais.

Os Réus contestam, impugnando, no essencial, os factos alegados pela Autora e alegando que esta sempre teve conhecimento das dívidas da sociedade.
O 1º Réu deduz reconvenção, alegando, para o efeito, que, não obstante o que consta da escritura, a transmissão da quota à Autora foi efectuada pelo valor real de 125.000,00€, quantia esta que a Autora não pagou ao Réu.
Com esses fundamentos, pede que a Autora seja condenada a pagar-lhe a mencionada quantia de 125.000,00€, acrescida de juros, desde a citação.

A Autora respondeu às contestações apresentadas.

Foi realizada a audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido despacho saneador e efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou anulado o contrato de cessão de quotas celebrado entre Autora e 1º Réu por escritura pública de 1 de Fevereiro de 2005, e relativo à sociedade comercial “E………., Lda.” sedeada na ………. … – AI, …. – … ……….; condenou os Réus no pagamento de indemnização à Autora, por danos não patrimoniais, sendo o primeiro Réu no montante de sete mil e quinhentos euros (7.500 €) e a segunda Ré no montante de quatro mil euros (4.000 €) sendo as obrigações dos Réus, no montante de 4.000 €, solidárias; absolveu os Réus dos demais pedidos e julgou improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a Autora.
Tal sentença veio, posteriormente, a ser rectificada, tendo sido condenados os Réus no pagamento de juros de mora sobre as quantias em que foram condenados, desde a data da citação e nos termos da Portaria 291/03 de 08/04.

Dessa sentença recorreram a Autora e ambos os Réus.

A Autora – impugnando a sentença, na parte referente aos 29.500,00€ e respectivos juros de mora que emprestou à sociedade – formula as seguintes conclusões:

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A Ré e recorrente, D………., formula as seguintes conclusões:

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A Autora apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela improcedência dos recursos interpostos pelos Réus.
Os Réus não apresentaram contra-alegações.
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II.
Questões a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações dos recorrentes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
A) Saber se ocorre ou não a nulidade da sentença, com fundamento no disposto no art. 668º, nº 1, alíneas c) e e) do Código de Processo Civil.
B) Saber se existiu ou não erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa ou não alterar, e em que termos, a decisão da matéria de facto;
C) Saber se estão ou não verificados os necessários pressupostos para a anulação do contrato de cessão de quotas, por erro ou dolo;
D) Saber se os Réus estão ou não obrigados a indemnizar a Autora pelos danos não patrimoniais que esta sofreu;
E) Saber se os Réus estão ou não obrigados a pagar à Autora a quantia que esta entregou à sociedade em execução de contrato de suprimento ou de contrato de mútuo.
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III.
Nulidade da sentença.
Apreciemos, então, as questões que são colocadas no recurso, começando pela nulidade da sentença que é invocada pelo recorrente, C………. .
O recorrente invoca a nulidade da sentença com fundamento no disposto nas alíneas c) e e) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil.
Dispõe a citada norma que é nula a sentença:
“(…)
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
(…)
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Alega o recorrente que, em sede de fundamentação jurídica, diz-se na sentença recorrida julgar equitativo “nessa data, fixar uma indemnização a cargo do 1º réu no montante de sete mil e quinhentos euros (€ 7.500) e de quatro mil euros (€ 4.000) a cargo da 2ª ré sendo as obrigações dos réus no montante de € 4.000” e, acrescenta-se logo adiante que “às quantias em causa acrescerão juros de mora, contados desde a data da presente sentença”; todavia, na parte dispositiva da sentença, declara-se condenar os RR no pagamento de indemnização, nos termos e pelos montantes acima referidos, e “no pagamento à autora dos juros de mora contados sobre as quantias a que foram condenados, e desde a data da citação, nos termos da Portaria 291/03, de 8 de Abril”.
Tal como se referiu, a sentença é nula, nos termos do art. 668º nº 1 al. c) do C.P.Civil, “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, ou seja, a sentença é nula quando os fundamentos nela invocados conduzem, logicamente, a uma decisão diferente da que consta da sentença.
Como se refere no Ac. do STJ de 16/09/2008, processo 08A1438 em http://www.dgsi.pt. “Está aqui em causa um erro lógico, derivado de os fundamentos usados não estarem em sintonia com a decisão tomada. No processo lógico, as premissas de direito e de facto apuradas pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao oposto”.
“A decisão judicial deve constituir a consequência lógica dos fundamentos invocados pelo julgador, verificando-se a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente. Verifica-se esta nulidade quando existe um vício no raciocínio do julgador consistente numa contradição intrínseca entre os fundamentos por ele invocados e a decisão tomada” – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16/11/2003, processo 3253/2003-4, em http://www.dgsi.pt.
Ora, é isso que acontece na sentença recorrida.
Vejamos.
Depois de fixar a indemnização devida à Autora (e em cujo pagamento os Réus vieram a ser condenados), e no respeita aos respectivos juros de mora, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«Às quantias em causa acrescerão juros de mora, contados desde a data da presente sentença, sendo que seguiremos a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27 de Junho de 2002, segundo o qual, “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo, nos termos do n.º 2 do artigo 566º, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3, interpretado restritivamente, e 806º, n.º 1, todos do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”, uma vez que as referidas quantias foram actualizadas à data presente».
Como parece evidente, esta argumentação apontava, inequivocamente, para uma decisão que condenasse os Réus no pagamento de juros de mora a contar da decisão e não a contar da citação.
Todavia, ao invés da conclusão/decisão que surgia como consequência lógica do raciocínio desenvolvido, acabou por ser proferida decisão que condenou os Réus no pagamento de juros de mora a contar da data da citação (circunstância que, seguramente, se ficou a dever a lapso do Juiz recorrido).
É manifesto, pois, que os fundamentos estão em oposição com a decisão, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do citado art. 668º nº 1, alínea c).

Invoca ainda o recorrente a nulidade da sentença com fundamento no disposto na alínea e) da citada norma, alegando, para o efeito, que, tendo a Autora cifrado os danos não patrimoniais em 4.000,00€, não podia o Tribunal recorrido ter fixado essa indemnização em 7.500,00€ e, tendo-o feito, violou o disposto no art. 661º do Código de Processo Civil e, por conseguinte, a decisão sob recurso padece da nulidade prevista no art. 668º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil.
Tal como resulta da petição inicial, a Autora pedia a restituição da quantia de 2.500,00€ que havia pago pela cessão de quota e pedia uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor total de 37.429,16€, assim discriminada:
● 27.415,16€ correspondente aos empréstimos que fez à sociedade;
● 6.014,00€ correspondente aos vencimentos que não recebeu;
● 4.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A sentença recorrida apenas condenou os Réus ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, sendo que, a esse título, o Réu, C………., foi condenado a pagar a quantia de 7.500,00€.
A nulidade da sentença, com fundamento no disposto citado art. 668º nº 1 alínea e), está directamente relacionada com o art. 661º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
Relativamente a esta questão, tem sido entendido, de modo uniforme, que “os limites da condenação contidos no art. 661º nº 1 do C.P.C. têm de ser entendidos como referidos ao pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, podendo, por isso, ser atribuído um valor superior ao peticionado parcelarmente, desde que não exceda o montante global do pedido” – cfr. Acórdão do STJ de 28/03/2006, processo nº 06A407[1].
No mesmo sentido, podem ser encontradas inúmeras decisões, mencionando-se, a título exemplificativo, os Acórdãos do STJ de 10/10/2002, 04/11/2003 e 29/02/2000, referentes aos processos 02B2721, 03A3045 e 99A968, respectivamente, bem como os Acórdãos da Relação do Porto de 06/06/2002, 02/03/2000 e 24/03/98, com os nºs convencionais JTRP00032632, JTRP00028892 e JTRP00023154, respectivamente[2].
Em face do exposto, é evidente que a sentença recorrida não condenou em quantidade superior ao pedido.
Com efeito, embora seja certo que a sentença fixou uma indemnização por danos não patrimoniais de valor superior ao que, a esse título, havia sido peticionado, o certo é que este valor era apenas uma das parcelas em que se desdobrava o pedido de indemnização que era formulado pela Autora e que ascendia ao total de 37.429,16€.
Assim, não tendo sido excedido o montante do pedido global, não é possível afirmar que a sentença condenou em quantidade superior ao que havia sido pedido, não se verificando, por isso, qualquer nulidade da sentença, com esse fundamento.

Concluímos, pois, que a sentença é nula, nos termos do art. 668º nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
Todavia, e porque tal nulidade não obsta à apreciação do objecto da apelação – cfr. art. 715º nº 1 do Código de Processo Civil – passamos a analisar as demais questões que constituem o objecto do recurso.
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IV.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

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V.
A matéria de facto definitivamente assente – após as alterações supra efectuadas – é, pois, a seguinte:
Por escritura pública de 1 de Fevereiro de 2005, o 1º Réu declarou ceder à A. uma quota de valor nominal de € 2.500,00, por igual valor na altura já recebido, do capital social de € 5.000,00 da sociedade comercial “E………., Lda.” sedeada na ………. – AI, …. – … ………., Matosinhos, matriculada na 3ª. Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº. 12183 (alínea A) da matéria assente).
Nessa mesma escritura pública o 1º Réu declarou ceder à 2ª Ré uma quota de valor nominal de € 2.500,00, por igual valor na altura já recebido, do capital social da referida sociedade comercial (alínea B) da matéria assente).
Ainda nessa escritura pública, a Autora e a 2ª Ré declararam aceitar essa cessão de quotas (alínea C) da matéria assente).
Nesse acto notarial, o 1º Réu renunciou à gerência da aludida sociedade comercial, tendo ficado nomeadas para essas funções a Autora e a 2ª Ré, sendo obrigatória a assinatura conjunta delas para vincular aquela sociedade comercial (alínea D) da matéria assente).
A transmissão das aludidas duas quotas a favor, respectivamente, da Autora e da 2ª Ré encontra-se definitivamente registada na Conservatória do Registo Comercial (alínea E) da matéria assente).
O 1º Réu entregou à Autora a certidão constante de fls. 21, emitida pelo Serviço de Finanças de Matosinhos em 03/09/2004, constando da mesma que “Em nome de E………., Lda. (…) não constam por este serviço de Finanças e nesta data quaisquer dívidas em execução fiscal.” (alínea F) da matéria assente).
O 1º Réu entregou à Autora a declaração constante de fls. 24, emitida pelos Serviços da Segurança Social em 02/09/2004, constando da mesma que “A entidade contribuinte acima identificada [E………., Lda.] tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.” (alínea G) da matéria assente).
Autora e 2ª Ré, por um lado, e 1º Réu, por outro, emitiram as declarações constantes do escrito de fls. 128, denominado “Contrato de Promessa de Cessão de quotas”, dali constando, nomeadamente, na cláusula 2ª, que “Sendo como é cada uma das aqui primeiras outorgantes dona e legítima possuidora de uma quota de valor nominal de 2500 €, cada uma reserva-se no direito de ceder 50% desta sua quota, num total de 50% do capital social, ao segundo outorgante promitente/cessionário, pelo preço igual ao seu valor nominal, i. e., 1250 € cada uma, montante este que nesta data já receberam e de que as promitentes/cedentes lhe dão a competente quitação.”, e, na cláusula 5ª, que “Pelo segundo outorgante é dito que aceita o supra clausulado e, nomeadamente, a quitação que lhe foi dada pelas promitentes/cedentes, em relação à quantia que lhes foi entregue.” (alínea H) da matéria assente).
Antes da cessação referida em A), B) e C), o 1º Réu era o único sócio da sociedade unipessoal “E………., Lda.” (alínea I) da matéria assente).
Encontra-se registada a cessação de funções como membro de órgão social por parte da 2ª Ré, no que se refere à sociedade “E………., Ldª”, conforme apresentação de 06 de Fevereiro de 2006 - (fls. 107).
A circunstância de inexistência de dívidas constituídas e/ou vencidas foi para a Autora, com o conhecimento do 1º Réu, determinante para essa conclusão negocial (resposta ao quesito 2º).
A referida sociedade comercial recorria a apoios de fundos comunitários na área de formação, sendo que a existência de dívidas vencidas e não pagas àquelas entidades determinava o imediato cancelamento desses apoios (resposta ao quesito 3º).
A referida sociedade comercial não tinha disponibilidades de tesouraria para o pagamento dessas dívidas, caso existissem, pelo que apenas poderiam ser extintas através de dinheiro dos sócios, a constituir suprimentos (resposta ao quesito 4º).
Nem a Autora nem a segunda Ré tinham disponibilidade para constituir esses suprimentos sem se endividarem perante terceiros (resposta ao quesito 5º).
A sociedade comercial ficaria impossibilitada de cumprir as suas obrigações, caso não obtivesse aqueles apoios comunitários (resposta ao quesito 6º).
Foi por conhecer essa questão essencial para a Autora concluir o negócio dos autos que, a exigência desta, o 1º Réu lhe entregou as certidões referidas em F) e G) (resposta ao quesito 7º).
À vista dessas certidões a Autora acreditou que a citada sociedade comercial nada devesse ao Fisco e à Segurança Social (resposta ao quesito 8º).
Por volta dos meses de Fevereiro/ Março de 2005, quando requereu uma certidão ao Fisco e à Segurança Social que lhe foi exigida pela entidade fiscalizadora dos fundos comunitários (POEFDS) a fim de receber as quantias a facturar no final desse mês relativos aos cursos de formação profissional, a Autora teve conhecimento que aquela sociedade comercial apresentava dívidas à Administração Fiscal e à Segurança Social relativas a 2003 e 2004, no valor de, pelo menos, 30.000€ (resposta ao quesito 10º).
A citada sociedade comercial, em data posterior a Fevereiro de 2005, recebeu o valor de uma factura relativa à formação prestada nos meses anteriores, paga pelo citado POEFDS (resposta ao quesito 11º).
A quantia dessa factura destinava-se a pagamento de fornecedores e formadores (resposta ao quesito 12º).
Após reunião tida com o 1º Réu, este garantiu à Autora que restituiria à aludida sociedade comercial a quantia necessária para o pagamento às entidades referidas em 10), num prazo curto (resposta ao quesito 13º).
Perante esse compromisso do 1º Réu, a Autora aceitou não anular de imediato o negócio dos autos e, conjuntamente com a 2ª Ré, afectou ao pagamento das dívidas referidas na resposta ao quesito 10º o valor dos fundos comunitários aludidos em 11 (resposta ao quesito 14º).
A partir do 1º trimestre de 2005, a referida sociedade comercial não pagou com regularidade aos formadores, formandos e funcionários, os quais ficaram mesmo com dinheiro por receber aquando do fecho da empresa (resposta ao quesito 15º).
A Autora teve a necessidade de entregar à sociedade comercial em causa, para satisfação de pagamentos ao Estado e descritos em 10, pelo menos a quantia global de 29.500 €, quantia que esta que a sociedade teria de devolver à autora (resposta ao quesito 16º).
Em Maio de 2005, a Autora foi notificada pelo Fisco, na qualidade de gerente da referida sociedade comercial, de dívida desta relativamente a IRS, por retenção na fonte a trabalhadores e colaboradores, em montante não apurado (resposta ao quesito 17º).
Quando recebeu esta notificação, a Autora entendeu irreversível a anulação do negócio dos autos (resposta ao quesito 18º).
Em reunião havida na época – por volta de Maio de 2005 - os Réus comprometeram-se a resolver a situação da Autora até ao final do ano, designadamente através da cessão de quotas a terceiro, tornando, assim, desnecessária a anulação do negócio (resposta ao quesito 19º).
Nessa reunião, o Réu, C………., comprometeu-se pessoalmente a reembolsar a Autora de todas e quaisquer quantias por ela entregues ou a entregar à referida sociedade comercial (resposta ao quesito 20º).
Perante estes compromissos, a Autora aceitou aguardar mais alguns meses, suspendendo a decisão de anulação dos negócios dos autos (resposta ao quesito 21º).
O 1º Réu promoveu a angariação de interessados na aquisição da quota da A., embora sem êxito até ao momento, tendo havido, pelo menos, um interessado em adquirir as quotas da sociedade nunca tendo sido concretizado tal negócio (resposta ao quesito 22º).
Depois daquela reunião, os Réus foram vistos juntos algumas vezes em público, nomeadamente de mão dada (resposta ao quesito 23º).
Em data não apurada mas posterior a Fevereiro de 2005, à revelia da Autora, o 1º Réu passou a utilizar um veículo automóvel pertença da aludida sociedade comercial para as deslocações pessoais deste (resposta ao quesito 24º).
Neste período, a Autora veio a ter conhecimento que a sociedade comercial em causa efectuava o pagamento de seguro de que era beneficiário o filho dos réus, bem com despesas relacionadas com veículo automóvel utilizado pelo 1º Réu (resposta ao quesito 25º).
Com base em auditoria efectuada em Julho, Agosto de 2005, foi lançada a suspeita de que, durante a gerência do 1º Réu, este se tinha apropriado ilegitimamente de dinheiros da aludida sociedade comercial, em montante aproximado a € 150.000,00 (resposta ao quesito 26º).
Após este conhecimento, a Autora decidiu que nada seria pago pela empresa antes do pagamento das dívidas Fiscais e à Segurança Social, designadamente as referidas em 10 (resposta ao quesito 27º).
A 2ª Ré não aceitou esta decisão, pelo que, desde Setembro de 2005 nada tem vindo a ser pago pela sociedade comercial em causa (resposta ao quesito 28º).
A sociedade comercial tinha, pelo menos em Setembro de 2005, dinheiro depositado na F………., cujo levantamento dependia da assinatura conjunta da Autora e 2ª Ré (resposta ao quesito 30º).
A 2ª Ré convocou uma assembleia geral da aludida sociedade comercial para destituir a Autora de gerente, com justa causa (resposta ao quesito 32º).
Devido à situação económica da empresa, a Autora entrou em depressão, tendo sido aconselhada pelo médico a descansar em casa (resposta ao quesito 34º).
Em 16 de Dezembro de 2005, a Autora entregou na sede da referida sociedade comercial documento referente à sua situação de baixa médica (resposta ao quesito 35º).
Em data anterior ao Natal desse ano a 2ª Ré, perante as funcionários e formandas, justificou que o não pagamento se devia à atitude desta em não assinar os respectivos cheques (resposta ao quesito 37º).
A Autora apenas conseguiu sair à força das aludidas instalações com a ajuda do marido que, entretanto, conseguiu contactar pelo telemóvel (resposta ao quesito 39º).
A situação descrita em 37º e 39º aumentou os sintomas depressivos da Autora (resposta ao quesito 40º).
No referido estado de depressão, a Autora perdeu a actividade positiva e a jovialidade que a caracterizava, tendo permanecido até hoje em estado de lassidão, desencorajamento, fatigabilidade, ansiedade, enfraquecimento físico, moral e intelectual, deixando de dormir, com consequente perca de alegria de vida, o que durou durante cerca de 14 meses (resposta ao quesito 41º).
Foi acordado entre Autora, 1º Réu e 2ª Ré que na escritura de cessão de quotas referida em A) constasse, a título de preço da referida cessão, o valor nominal das mesmas (resposta ao quesito 43º).
Pela cessão da quota referida em A), a Autora não pagou qualquer quantia ao 1º Réu (resposta ao quesito 45º).
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VI.
Aplicação do Direito.

1.
Está em causa nos autos um contrato de cessão de quotas, celebrado em 1 de Fevereiro de 2005, por via do qual o 1º Réu declarou ceder à A. uma quota de valor nominal de € 2.500,00, por igual valor na altura já recebido, do capital social de € 5.000,00 da sociedade comercial “E………., Lda.”
Pretendia a Autora a anulação desse negócio, com fundamento no disposto nos arts. 251º, 252º e 253º do Código Civil[3] e tal pretensão foi-lhe reconhecida pela sentença recorrida, com fundamento em dolo do 1º Réu, nos termos dos arts. 253º e 254º, ali se escrevendo o seguinte:
“No caso dos autos a autora convencida que a sociedade em causa não tinha qualquer dívida à Administração fiscal; tal convencimento foi determinado pela palavra do 1º réu que, para comprovar, obteve declarações que comprovavam que, na data em que as mesmas tinham sido emitidas, e válidas na data da escritura da cessão de quotas, a sociedade não tinha tais dívidas o que não correspondia à verdade, sendo tal facto do conhecimento do réu.
Assim sendo podemos considerar a actuação do réu como um artifício para induzir e manter a autora em erro uma vez que lhe apresentou declarações das entidades públicas em causa que sabia não corresponderem à verdade – sendo irrelevante saber a forma como obteve tais declarações bastando a prova de que sabia que as mesmas não correspondiam à realidade - pelo que, concluímos nós, actuou com dolo.
A consequência deste dolo é a anulação do contrato, a pedido da autora, conforme o artigo 254º, n.º 1 do C. Civil, aplicando-se o regime constante dos artigos 287º e seguintes do mesmo diploma”.
Contra essas considerações e conclusões insurge-se o Réu, C………., na medida em que, na sua perspectiva, não se verificam os requisitos que são exigidos para a anulação do negócio por erro ou dolo.
Porque esta questão é cronologicamente anterior às questões suscitas nos demais recursos, começamos por apreciar o recurso interposto pelo referido Réu.
Porque a Autora invocava o disposto nos arts. 251º, 252º e 253º, importa analisar estas disposições legais, que dispõem da seguinte forma:
Art. 251º
“O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do art. 247º”.
Art. 252º
“1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.
2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.
Art. 253º
“1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções”.
Na sequência do disposto no art. 253º, dispõe o art. 254º nº 1 que “o declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração…”.
Importa referir, em primeiro lugar, que o erro em causa nos autos, que é invocado como fundamento da anulação do negócio, é aquele que normalmente se designa por erro-motivo ou erro-vício, ou seja, um erro na formação da vontade.
Ao contrário do que sucede com o erro na declaração, onde existe uma desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada (art. 247º), no erro-vício existe conformidade entre a vontade real e a declarada, sucedendo apenas que a vontade (real e declarada) formou-se em consequência de erro sofrido pelo declarante.
Nas palavras de Mota Pinto[4], “o erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou”.
O referido erro pode incidir sobre a pessoa ou objecto do negócio ou pode incidir sobre os motivos determinantes da vontade, mas não referentes à pessoa do declaratário.
O caso “sub-judice” configura claramente um erro sobre o objecto do negócio, já que o erro invocado está relacionado com a quota que foi objecto do negócio celebrado e, mais concretamente, com a sociedade a que tal quota respeita.
Com efeito, resulta claramente da matéria de facto provada que a inexistência de dívidas constituídas e/ou vencidas da sociedade em causa foi determinante para a conclusão negocial por parte da Autora (circunstâncias que, aliás, bem se compreende, já que, estando em causa uma sociedade que recorria a apoios de fundos comunitários dos quais estava dependente e que seriam cancelados se existissem dívidas vencidas e não pagas à Fazenda Nacional e Segurança Social, a existência dessas dívidas punha em causa o funcionamento da sociedade).
Ou seja, a Autora – à vista das certidões que lhe foram apresentadas – acreditou que a citada sociedade comercial nada devesse ao Fisco e à Segurança Social e esse facto – que, conforme se veio a constatar, não correspondia à realidade – foi determinante para a formação da sua vontade de concluir o negócio de cessão de quotas.
Parece, pois, evidente que a decisão da Autora de contratar assentou em falsos pressupostos e, mais concretamente, no desconhecimento da existência de dívidas àquelas entidades e, como tal, poder-se-á concluir que a Autora não teria contratado caso conhecesse essa realidade.
Estamos, pois, perante um erro-vício que incidiu sobre o objecto do negócio.
Tal como resulta do disposto no art. 251º, o referido erro torna o negócio anulável, nos termos do art. 247º, ou seja, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
Ou seja, para efeitos de anulação do negócio, e tal como refere Mota Pinto, ob. cit., págs. 508 e 509, “…só é relevante o erro essencial, isto é, aquele que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. O erro foi causa (é indiferente tratar-se de uma situação de causalidade única ou de concausalidade) da celebração do negócio e não apenas dos seus termos. O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa”.
Ora, perante a matéria de facto provada, parece não haver dúvidas no que toca à essencialidade do erro, já que a Autora apenas celebrou o negócio porque, erradamente, confiou na inexistência de dívidas da sociedade.
Essa circunstância (a inexistência de dívidas constituídas e/ou vencidas) foi, para a Autora, determinante para a conclusão negocial, impondo-se, por isso, concluir que, se tivesse conhecimento da existência dessas dívidas não concluiria o negócio.
Ora, como também resulta da matéria de facto provada, essa circunstância – ou seja, a essencialidade, para a Autora, daquele elemento – era do conhecimento do 1º Réu
A circunstância de inexistência de dívidas constituídas e/ou vencidas foi para a Autora, com o conhecimento do 1º Réu, determinante para essa conclusão negocial e, foi por conhecer essa questão essencial para a Autora concluir o negócio dos autos que, a exigência desta, o 1º Réu lhe entregou certidões a comprovar a inexistência dessas dívidas.
Mostram-se, pois, verificados os pressupostos de que depende a anulação do negócio, com fundamento em erro e nos termos dos arts. 251º e 247º.

Vejamos, agora, se é possível concluir pela existência de dolo por parte do 1º Réu.
Na sentença recorrida considerou-se que sim, referindo-se o seguinte:
“No caso dos autos a autora convencida que a sociedade em causa não tinha qualquer dívida à Administração fiscal; tal convencimento foi determinado pela palavra do 1º réu que, para comprovar, obteve declarações que comprovavam que, na data em que as mesmas tinham sido emitidas, e válidas na data da escritura da cessão de quotas, a sociedade não tinha tais dívidas o que não correspondia à verdade, sendo tal facto do conhecimento do réu.
Assim sendo podemos considerar a actuação do réu como um artifício para induzir e manter a autora em erro uma vez que lhe apresentou declarações das entidades públicas em causa que sabia não corresponderem à verdade – sendo irrelevante saber a forma como obteve tais declarações bastando a prova de que sabia que as mesmas não correspondiam à realidade - pelo que, concluímos nós, actuou com dolo”.
Refira-se, em primeiro lugar, que, ao contrário do parece resultar da sentença recorrida, não se provou que o Réu tenha afirmado expressamente à Autora que a referida sociedade não tinha qualquer dívida às Finanças e à Segurança Social (cfr. respostas aos quesitos 1º e 9º).
Por força da alteração da resposta ao quesito 9º, também não está provado que o 1º Réu tivesse conhecimento que o teor das declarações não correspondia à realidade, ou seja, não está provado que o Réu soubesse que, ao contrário do que a Autora pensava, a sociedade em causa tinha dívidas à Fazenda Nacional e à Segurança Social (aliás, esse facto nem sequer foi alegado).
E, embora se possa pensar que, sendo ele, até então, o único gerente da sociedade, não podia deixar de conhecer o respectivo passivo, o certo é que esse facto não é evidente, porquanto sempre poderão existir algumas circunstâncias que, em teoria, poderiam justificar o desconhecimento dessa situação.
Perante a matéria de facto provada, o único acto praticado pelo Réu que teve relevância no erro em que incorreu a Autora foi a entrega das certidões que “comprovavam” a inexistência de dívidas.
Será isso suficiente para concluir pela existência de dolo?
Dispõe o nº 1 do art. 253º:
“Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”.
Segundo referem Pires de Lima e Antunes Varela, em “Código Civil Anotado”, Volume I, 3ª edição, pág. 236, “para que haja dolo são necessários os seguintes requisitos: a) que o declarante esteja em erro; b) que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; c) que o declaratário ou terceiro (deceptor) haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc.”.
No caso “sub-judice”, podemos afirmar que o declarante (a Autora) estava em erro e podemos afirmar que esse erro foi provocado pelo declaratário (o 1º Réu), mediante a entrega das referidas declarações, na medida em que estas tinham a aptidão necessária para determinar aquele erro.
Todavia, não é possível afirmar que a entrega dessas declarações traduza uma sugestão ou artifício que o Réu empregou com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro a Autora.
De facto, não estando sequer provado que o Réu estivesse ciente de que o teor das referidas declarações não correspondia à verdade, não está igualmente provado que, ao entregar as referidas certidões, o Réu tivesse a intenção ou a consciência de estar a criar na Autora a convicção sobre a verificação de um facto que não ocorria.
Conforme já se assinalou, é improvável que o Réu (sendo, até aí, o único sócio da sociedade) não tivesse conhecimento da existência daquelas dívidas e que, por conseguinte, não estivesse consciente do erro em que estava a induzir a Autora quando lhe entregou as referidas certidões.
Mas, ainda que seja improvável esse desconhecimento, o certo é que a matéria de facto provada não permite concluir – em segurança – que o Réu tivesse a intenção ou a consciência de estar a induzir em erro a Autora.
De facto, o dolo – traduzindo uma intenção ou consciência de induzir ou manter em erro – pressupõe uma intenção ou consciência de enganar o autor da declaração e, para que possa existir uma tal intenção, é necessário, antes de mais, o conhecimento e a consciência de que existe uma situação de erro, ou seja, que o autor da declaração tem uma convicção falsa ou inexacta da realidade, no que respeita a algum dos elementos do negócio.
Não se provou ter sido esse o comportamento do Réu, porquanto nem sequer é possível concluir que este soubesse que o teor das declarações não correspondia à realidade e, como tal, não é possível concluir que o mesmo tivesse consciência do erro em que a Autora estava a incorrer.
De qualquer forma, e apesar de não se poder concluir pela existência de dolo, o negócio é anulável, por força de erro da Autora sobre o objecto do negócio, nos termos dos arts. 251º e 247º.
Em conformidade com o disposto no art. 289º nº 1, a anulação do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Em consequência, e tal como se referiu na sentença recorrida, a Autora terá que restituir ao 1º Réu a quota que foi objecto do contrato, sendo que o Réu nada está obrigado a restituir, porquanto ficou provado que a Autora nada pagou ao Réu, como contrapartida do negócio, sendo certo que não lhe entregou a quantia estipulada a título de preço devido pela cessão da quota.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso interposto pelo Réu, C………., mantendo-se o decidido no tribunal recorrido.

2.
Apreciemos, agora, o pedido de indemnização por danos não patrimoniais, que foi formulado contra os Réus.
A sentença recorrida condenou os Réus a pagar à Autora uma indemnização, por danos não patrimoniais, sendo que a indemnização devida pelo Réu, C………., foi fixada em 7.500,00€ e a indemnização devida pela Ré, D………., foi fixada em 4.000,00€.
Dessa condenação discordam os Réus, sendo que ambos interpuseram recurso com esse fundamento, entendendo a Ré, D………., que nada se provou que lhe permita imputar a responsabilidade pela situação económica da empresa e pelos danos sofridos pela Autora e entendendo o Réu, C………., que a declaração de anulação ou nulidade de um negócio jurídico apenas impõe a obrigação de restituição das prestações recebidas, não podendo o contrato nulo servir de suporte a qualquer obrigação de indemnização, além de que a Autora invoca, como fundamento da indemnização, factos que não resultaram da actuação do recorrente na outorga da escritura da cessão de quotas, mas seriam decorrentes de uma conduta extra negocial posterior à celebração do negócio (as alegadas ameaças e sequestro), factos esses que o Tribunal não deu como provados.
Apreciemos, pois, a questão.
A responsabilidade civil – entendida como a obrigação de reparar um dano sofrido por outrem – pode radicar na falta de cumprimento de obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual ou obrigacional) ou na violação ilícita de direitos de outrem ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios ou na prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual).
Ao lado destas figuras, podemos ainda encontrar a da responsabilidade pré-contratual que radica na violação das regras da boa fé que devem nortear as partes no processo negocial com vista à conclusão de um contrato – cfr. art. 227º.
O pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pela Autora, foi configurado – na petição inicial – como emergente de responsabilidade extracontratual e assentava em alegados actos ilícitos praticados pelos Réus: ameaças feitas à Autora pelos Réus (art. 46º da petição inicial) e cárcere privado imputável à 2ª Ré (arts. 49º e segs. da petição inicial).
Era nesses actos específicos e ilícitos que a Autora fundamentava os danos morais que havia sofrido e a indemnização que peticionava.
Acontece que tais actos não resultaram provados (cfr. respostas negativas aos quesitos 33º, 36º e 38º).
Com efeito, as alegadas ameaças não resultaram provadas e, embora esteja provado que, em determinada ocasião, a Autora apenas conseguiu sair das instalações da sociedade à força e com a ajuda do marido, o certo é que não se provou que tal situação tenha sido provocada pelos Réus.
Não tendo ficado provados os factos que – segundo a própria Autora – estariam na origem dos danos, o pedido de indemnização improcederia.
Certo é, porém, que tendo ficado provado que a Autora entrou em depressão devido à situação económica da empresa, entendeu-se, na sentença recorrida, que estavam verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, aí se referindo o seguinte:
“Ora ficou assente que a situação de depressão da autora teve por base a situação económica da empresa, com a qual não contava no momento em que assumiu os destinos da empresa.
Dos factos assentes podemos retirar que essa situação também se deve imputar ao primeiro réu, pelo menos na parte em que o mesmo omitiu, aquando das escritura da cessão de quotas, a situação da empresa, bem como pela sua actuação após esse momento quando, por exemplo, passou a utilizar um veículo da empresa, contra a vontade da autora, ou quando viu despesas particulares suas pagas pela sociedade.
Nesta parte, a conduta da segunda ré contribuiu também para a situação económica deficitária da sociedade.
O artigo 483º do C. Civil determina que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Ora parece-nos claro que aquelas condutas intencionais dos réus, já descritas, são causa necessária de problemas de fora psíquico em relação a quem tenta salvar economicamente a empresa, como tentou a autora, que até ali injectou dinheiro – problemas esses de que a autora veio a padecer”.
Afigura-se-nos, porém, que sem razão.
Desde logo porque não era nesses factos que a Autora fazia assentar a responsabilidade civil dos Réus.
Acresce que, perante a matéria de facto provada, não é possível configurar a prática de qualquer acto ilícito que possa fundamentar um pedido de indemnização à Autora.
Os danos sofridos pela Autora assentam, basicamente, na situação económica da empresa, com a qual não contava no momento em que assumiu os destinos da empresa.
Em que termos é que essa situação (existente no momento em que foi celebrado o contrato de cessão de quota) e os danos dela decorrentes podem ser imputados aos Réus?
No que toca à 2ª Ré, parece evidente que nada permite imputar-lhe a responsabilidade por essa situação, pois é certo que não era sócia ou gerente da sociedade e nada mais foi alegado e provado.
No que toca ao 1º Réu, poder-se-á presumir que a situação económica da sociedade lhe era imputável, na medida em que, até esse momento, era o único sócio e gerente da empresa. Todavia, os actos de má gestão que, eventualmente, tenha praticado e que conduziram a tal situação, apenas lesaram, à data, a própria sociedade da qual era único sócio e gerente e, portanto, não são idóneos para fundamentar um direito de indemnizar a Autora.
Esses actos lesivos da sociedade e que se reflectiram na sua situação deficitária apenas constituíram uma fonte do dano sofrido pela Autora, na medida em que esta, quando celebrou o contrato, não tinha conhecimento desse facto e, por conseguinte, incorreu em erro.
Assim, a eventual responsabilidade do Réu perante a Autora apenas poderia encontrar assento na responsabilidade pré-contratual, porquanto, tendo conhecimento dessa situação e do erro em que a Autora incorria e devendo proceder segundo as regras da boa fé, tinha o dever de informar e esclarecer a Autora sobre a situação da empresa.
Todavia, e sem entrar na questão de saber quais os danos que, nesta sede, são indemnizáveis (danos negativos ou danos positivos, sendo, de qualquer forma, muito discutível que abrangesse os danos não patrimoniais), o certo é que a matéria de facto provada não permite concluir pela existência de qualquer comportamento do Réu que possa ser claramente qualificado como violador das regras da boa fé a que estava vinculado.
Certo é, de qualquer forma, que a Autora não formula qualquer pedido de indemnização com esse fundamento.
Atendeu ainda o Juiz recorrido à actuação dos Réus – em momento posterior à cessão de quotas – designadamente, a utilização de um veículo da empresa e o pagamento pela sociedade de despesas particulares do Réu.
Ficou, efectivamente, provado que, em data não apurada mas posterior a Fevereiro de 2005, à revelia da Autora, o 1º Réu passou a utilizar um veículo automóvel pertença da aludida sociedade comercial para as deslocações pessoais deste e, neste período, a Autora veio a ter conhecimento que a sociedade comercial em causa efectuava o pagamento de seguro de que era beneficiário o filho dos Réus, bem com despesas relacionadas com veículo automóvel utilizado pelo 1º Réu.
Poder-se-á encontrar aqui a prática de algum ilícito que possa fundamentar a obrigação de indemnizar a Autora?
Refira-se, desde logo, que, nesse momento, o Réu, C………., já não era sócio e gerente da sociedade e, por conseguinte, aqueles actos (de afectação de bens da empresa à satisfação dos seus interesses particulares) não terão resultado, directamente, de qualquer actuação da sua parte, na medida em que, pelo menos formalmente, já não tinha a disponibilidade desses bens e nada mais foi alegado e provado que permita concluir que, de alguma forma, essa situação tenha resultado de um concreto e específico acto de apropriação por parte do Réu.
Alegava a Autora, na petição inicial, que tais factos haviam resultado da actuação da 2ª Ré, enquanto sócia e gerente da sociedade.
E, apesar de, na sentença recorrida, se afirmar que, nesta parte, a conduta da 2ª Ré contribuiu também para a situação deficitária da sociedade, o certo é que esse facto não ficou provado (cfr. respostas restritivas aos quesitos 24º e 25º).
E a verdade é que se desconhecem as razões (porque nada ficou provado a esse respeito) pelas quais o referido veículo era utilizado pelo 1º Réu, nem as razões pelas quais aquelas despesas eram pagas pela sociedade e, perante a matéria de facto que foi dada como provada, não é possível imputar esses factos a qualquer actuação em concreto de algum ou ambos os Réus.
Mas ainda que assim não fosse, dificilmente aqueles actos poderiam constituir os Réus na obrigação de indemnizar a Autora.
Com efeito, tais actos consubstanciariam apenas actos lesivos da sociedade e não uma violação de qualquer direito da Autora que, apenas reflexa ou indirectamente, era afectada pelos referidos actos.
De facto, aquela actuação violava apenas os direitos da sociedade que, naturalmente, ficava lesada e não um qualquer direito subjectivo da Autora ou uma qualquer disposição legal destinada a proteger os seus interesses e, como tal, aquela actuação poderia constituir os Réus na obrigação de indemnizar os prejuízos causados à sociedade, mas não determinaria a obrigação de indemnizar os prejuízos que, reflexa ou indirectamente, fossem sofridos pela Autora.
Conclui-se, pois, e em suma, que:
● A Autora fundamentou a sua pretensão em responsabilidade civil extracontratual emergente de actos ilícitos praticados pelos Réus e que se consubstanciavam em alegadas ameaças e cárcere privado;
● Os actos ilícitos que eram alegados para fundamentar a responsabilidade civil dos Réus não ficaram provados;
● Os danos não patrimoniais sofridos pela Autora decorreram da situação económica em que a sociedade se encontrava e que não era do seu conhecimento aquando da cessão de quotas;
● O erro em que a Autora incorreu, aquando da celebração do contrato, apenas poderia fundamentar um pedido de indemnização com fundamento em responsabilidade pré-contratual, cujos pressupostos não estão verificados e que nem sequer é invocada pela Autora;
● Os actos de má gestão e lesivos dos interesses da sociedade – praticados pelo 1º Réu durante a sua gestão e, eventualmente, praticados pela 2ª Ré durante a sua gestão – não configuram actos ilícitos susceptíveis de determinar a obrigação de indemnizar os danos que a Autora sofreu em consequência da situação económica da empresa (eventualmente decorrente daqueles actos);
● Tais actos, violando directamente os direitos e interesses da sociedade, apenas afectam a Autora por via indirecta e reflexa e, não traduzindo a violação de qualquer direito da Autora, não constituem fonte da obrigação de indemnizar os danos que esta tenha sofrido;
● Não se descortina, na matéria de facto provada, qualquer acto – praticado por algum ou por ambos os Réus – que tenha violado um qualquer direito subjectivo da Autora ou uma qualquer disposição legal destinada a proteger, imediata e directamente, qualquer interesse da Autora;
● Como tal, não é possível concluir que os Réus tenham a obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pela Autora.
Assim, e nesta parte, procedem os recursos interpostos por ambos os Réus.

3.
Resta-nos agora apreciar o recurso interposto pela Autora que apenas respeita à parte da sentença que absolveu os Réus do pagamento da quantia de 29.500,00€ que emprestou à sociedade.
Considerou a sentença recorrida que tal quantia foi entregue à sociedade em execução de um contrato de mútuo que é nulo, por vício de forma, sendo, de igual forma, nulo o contrato de assunção de dívida que, no que respeita àquela quantia, foi celebrado entre a Autora e os Réus.
A Autora discorda dessa decisão por entender que está em causa um contrato de suprimento, conforme a noção plasmada no nº 1 do art. 243º do Código das Sociedade Comerciais, cuja validade não depende de qualquer forma especial. Assim, alega, atendendo à ligação intrinsecamente dependente, no que respeita à forma, dos dois citados contratos, nenhum deles é nulo, o que determina a condenação dos Réus no pagamento à Autora de 29.500,00€, acrescidos de juros de mora a contar da citação.
Está provado que a Autora entregou à sociedade comercial em causa, para pagamento dos débitos à Fazenda Nacional e à Segurança Social, pelo menos a quantia global de 29.500 €, quantia que esta que a sociedade teria de devolver à autora.
Conforme dispõe o art. 243º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, “considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”.
Tal como resulta da respectiva definição legal, o contrato de suprimento é um contrato especial, típico e nominado, que, constituindo uma modalidade especial de mútuo, está submetido a um regime específico e que se caracteriza por dois elementos: a qualidade dos sujeitos (já que essa relação negocial apenas pode estabelecer-se entre a sociedade, como mutuária, e os sócios, como mutuantes) e o carácter de permanência do crédito do sócio.
Com vista à concretização prática deste conceito, os nºs 2 e 3 da citada disposição legal enumeram algumas situações que constituem índice ou presunção do carácter de permanência que é pressuposto do contrato de suprimento.
É assim que constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, bem como a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.
Ora, perante o exposto, não é possível qualificar o contrato celebrado entre a Autora e a sociedade como um contrato de suprimento.
Com efeito, tal contrato pressupõe a qualidade de sócio que a Autora não tem, já que, por força da respectiva anulação que opera com efeitos retroactivos, são destruídos os efeitos do negócio de cessão de quotas por via do qual a Autora poderia ter adquirido a qualidade de sócia.
Por outro lado, nada permite concluir pelo carácter de permanência do crédito da Autora relativamente à sociedade.
Com efeito, não funcionando aqui a presunção estabelecida no citado art. 243º nº 2 – já que não se provou que tenha sido estipulado qualquer prazo para o reembolso daquela quantia – também não poderia funcionar a presunção estabelecida no nº 3, já que, de modo algum, poderá afirmar-se que a Autora não tenha exigido o reembolso durante um ano, pois é certo que a presente acção foi instaurada antes de decorrido um ano a contar da constituição do crédito.
Não sendo possível qualificar o negócio como um contrato de suprimento, a situação dos autos reconduz-se a um normal contrato de mútuo – art. 1142º – , que é nulo, por falta de forma, face ao disposto no art. 1143º.
Não obstante a nulidade, é certo que, por força do disposto no art. 289º, nº 1, deve ser restituído tudo o que foi prestado e tal significa que a sociedade aqui em causa está obrigada a restituir à Autora a quantia que esta lhe entregou, com obrigação de devolução.
Resta agora saber se os Réus – não intervenientes naquele contrato de mútuo – podem ou não ser responsabilizados pelo pagamento ou devolução daquela quantia à Autora.
É que, apesar de não ter sido interveniente nem beneficiário directo naquele contrato, o certo é que o Réu, C………., em reunião havida na época – por volta de Maio de 2005 - comprometeu-se pessoalmente a reembolsar a Autora de todas e quaisquer quantias por ela entregues ou a entregar à referida sociedade comercial.
Refira-se, desde já, que este compromisso partiu apenas do Réu, C………., e não também da 2ª Ré, pelo que esta não poderá ser responsabilizada, a qualquer título, pela devolução daquela quantia.
Importa, pois, caracterizar o acordo que se estabeleceu entre a Autora e o 1º Réu.
Na sentença recorrida, a situação foi qualificada – e, afigura-se-nos, correctamente – como uma assunção de dívida, já que, por acordo entre o Réu (novo devedor) e a Autora (credora), o primeiro obrigou-se perante a segunda a efectuar a prestação que era devida pela sociedade e que consistia na devolução das quantias que a Autora havia entregue à sociedade – cfr. art. 595º nº 1 alínea b).
Entendeu-se, porém, na sentença recorrida que este contrato de assunção de dívida é nulo, já que devia obedecer à forma prevista para o contrato com o qual está relacionado e este – no caso, o contrato de mútuo – estava sujeito a escritura pública.
Afigura-se-nos, porém, que assim não é.
De facto, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a fiança (onde a lei dispõe expressamente que deve ser declarada pela forma exigida para a obrigação principal – art. 628º nº 1), nenhuma disposição legal existe que imponha uma qualquer forma especial para o contrato de assunção de dívida e nenhuma norma impõe que tal contrato tenha que obedecer à mesma forma que era exigida para o contrato de onde emerge a dívida assumida.
Assim, e tal como tendo sido entendido em várias decisões da nossa jurisprudência, o contrato de assunção de dívida não está sujeito a forma especial, designadamente a redução a escrito, podendo ser celebrado verbalmente – cfr. Ac. STJ de 23/09/2008, processo 08A2171 e Acs. da Relação do Porto de 16/02/98 e de 06/03/2008, com os nºs convencionais JTRP00023048 e JTRP00041163, respectivamente[5].
O contrato de assunção de dívida, celebrado entre a Autora e o 1º Réu, é, pois, perfeitamente válido.
Mas, não obstante a validade desse contrato, é inquestionável que a nulidade do contrato de onde dimana a obrigação que é assumida poderá afectar o conteúdo da obrigação emergente da assunção de dívida.
Com efeito, “tendo por objecto a obrigação de efectuar a prestação devida por outrem ao seu credor, a assunção depende da existência e da validade da dívida que o assuntor chamou a si (…) Se essa dívida não existe, for declarada nula, ou anulada a requerimento de quem tiver legitimidade para a impugnar, a assunção caduca por si. Ou, mais precisamente: é nula por impossibilidade (legal ou jurídica) do seu objecto” – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 375.
Com efeito, a assunção de uma dívida de outrem pressupõe a existência dessa dívida, pois é seguro que ninguém poderá assumir uma coisa que não tem existência legal.
Assim, quando o contrato de onde emerge a dívida original é nulo ou anulado, o assuntor deixa de estar, em princípio, vinculado ao cumprimento da obrigação que assumiu, mas isso acontece, não porque seja nulo o contrato de assunção de dívida, mas sim porque o seu objecto deixou de existir, por força da declaração de nulidade ou anulação do negócio inicial.
Mas, tal apenas acontece quando a nulidade ou anulação do negócio original elimina totalmente a prestação que foi assumida no contrato de assunção de dívida e situações existem em que tal não acontece e em que a nulidade ou anulação do negócio dão lugar a uma obrigação de restituição que é idêntica ou muito semelhante à inicial e que foi objecto da assunção de dívida.
É o que acontece com o contrato de mútuo.
Com efeito, a nulidade do contrato de mútuo não elimina aquela que é a obrigação essencial emergente desse contrato: a obrigação de devolver ou restituir a quantia mutuada.
E se, não obstante a nulidade, essa obrigação – em tudo idêntica à original – continua a existir para o mutuário, nenhuma razão existe para que não continue a existir também para o terceiro que, por força de um contrato de assunção de dívida perfeitamente válido (porque, como se referiu, não é afectado pela nulidade do contrato com o qual está relacionado), assumiu essa mesma obrigação.
Nesta situação, não poderá afirmar-se que a assunção de dívida carece de objecto, porquanto a obrigação assumida continua a existir em moldes muito semelhantes, ainda que com fundamento jurídico diverso: a restituição por força da nulidade do contrato.
Dispõe, por outro lado, o art. 598º, 2ª parte, que, na falta de convenção em contrário, o novo devedor pode opor ao credor os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção de dívida e se não trate de meios pessoais do antigo devedor.
Ao abrigo desta disposição, o novo devedor (o assuntor/ora Réu) poderia opor ao credor (a Autora) a nulidade do contrato de mútuo, mas apenas o poderia fazer nos mesmos termos em que tal poderia ser efectuado pelo antigo devedor e, por conseguinte, a invocação dessa nulidade (embora pudesse afastar o cumprimento de outras obrigações, designadamente, juros) nunca teria a virtualidade de afastar a obrigação de restituição das quantias mutuadas que, por força da nulidade, continuava a subsistir para a mutuária, tal como continuava a existir para o assuntor, por força da celebração do contrato de assunção de dívida, perfeitamente válido.
Transpondo estas considerações para o caso “sub-judice”, concluímos que:
● O 1º Réu assumiu, perante a Autora, a obrigação de lhe pagar as quantias que esta havia entregue à sociedade em execução de um contrato de mútuo, podendo, assim, configurar-se um contrato de assunção de dívida;
● O contrato de mútuo celebrado entre a Autora e a sociedade é nulo, por falta de forma, mas, por força dessa nulidade, a sociedade mutuária está obrigada a devolver à Autora as quantias que esta lhe havia mutuado;
● Não obstante a nulidade do contrato de mútuo, o contrato de assunção de dívida é válido, já que não está sujeito a qualquer forma especial e a nulidade daquele contrato não acarreta, necessariamente, a nulidade deste;
● A prestação essencial que emergia do contrato de mútuo e que foi assumida pelo Réu não é eliminada por força da nulidade do mútuo e, continuando a existir essa prestação, o Réu continua obrigado a cumprir a prestação que assumiu.
Neste sentido, pode ver-se o Ac. do STJ de 23/09/2008, supra mencionado.

Deverá, pois, o Réu, C………., ser condenado a pagar à Autora a referida quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento – cfr. art. 805º nº 1 do Código Civil.
O mesmo não acontece com a 2ª Ré, já que esta não teve qualquer intervenção no contrato de mútuo e não foi feita prova de que a mesma tenha assumido o compromisso de pagar à Autora essas quantias.
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VII.
Nestes termos, acorda-se em conceder provimento à apelação da Ré, D………., e em conceder parcialmente provimento à apelação da Autora e à apelação do Réu, C………., e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:
- Condena-se o Réu, C………., a pagar à Autora a quantia de 29.500,00€ (vinte e nove mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até pagamento;
- Absolvem-se os Réus do pedido referente a indemnização por danos morais.
- No mais, mantém-se a sentença recorrida.

As custas da apelação da Autora e do Réu, C………., serão suportadas por ambos, em partes iguais.

As custas da apelação da Ré, D………., serão suportadas pela Autora.
Notifique.

Porto, 2009/04/02
Maria Catarina Ramalho Gonçalves
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo

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[1] Disponível em http://www.dgsi.pt.
[2] Todos os acórdãos estão disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Diploma a que se referem as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[4] Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actualizada, págs. 505 e 506.
[5] Em http://www.dgsi.pt.