Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
829/09.4TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
EMPRESA UTILIZADORA
Nº do Documento: RP20110509829/09.4TTVFR.P1
Data do Acordão: 05/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato de trabalho temporário a responsabilidade principal pelo cumprimento dos créditos laborais, incluindo os resultantes da prestação de trabalho suplementar e de violação de direito a férias, é da empresa de trabalho temporário e não da empresa utilizadora, a qual apenas é subsidiariamente responsável nos termos previstos no art. 17º, nº 2, Lei 19/2007.
II - Provando-se, apenas, que “o A. não gozou qualquer dia de férias, nunca lhe tendo sido marcado o gozo de qualquer dia de férias” tal não é suficiente para que se possa dizer que o empregador obstou ao gozo de férias, tanto mais desconhecendo-se por que razão essas férias não foram marcadas. Daí que, em tal caso, não seja devida a compensação a que se reporta o art. 222º do Cód. Trabalho/2003.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 829/09.41TTVFR.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 412)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, aos 23.10.2009, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra C…, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
- €3.930,91, a título de remunerações por trabalho suplementar referente aos anos de 2007 e 2008;
- €588,32, a título de remuneração pelo trabalho suplementar durante o tempo de descanso compensatório;
- Subsidiariamente, no caso de não ser possível liquidar as quantias pedidas nas alíneas anteriores, na sua totalidade ou em parte, a pagar-lhe o que se apurar em “execução de sentença”.
- €411,80, a título de retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta;
- €1.742,70 a título de compensação legal pela violação do direito a férias.
- Uma indemnização, a liquidar na pendência da presente acção ou em “execução de sentença”, correspondente à diferença entre o valor do subsídio de desemprego recebido e o que receberia se a remuneração por trabalho suplementar tivesse sido paga e sujeita aos descontos das contribuições.
- Juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento de todas as quantias devidas.
Para tanto, alega em síntese que: no dia 17 de Julho de 2007, celebrou com a R. um contrato de trabalho temporário, a termo incerto, por força do qual ficou obrigado a
desempenhar funções “junto da empresa utilizadora D…; E…; F… - ACE”, na empreitada de alargamento e beneficiação para 2x3 vias do sublanço Estarreja / Feira da A1 – Auto Estrada do Norte – Ovar; auferia a retribuição base mensal de €406,50€ desde a data de admissão até 31.12.07 e de 426€ desde o dia 01.01.08 até 31.10.2008, data da cessação do contrato; prestou, em dias úteis, o trabalho suplementar que alega, que a Ré não lhe pagou e não tendo, ainda, gozado os respectivos descansos compensatórios; a ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho por carta datada de 24.10.2008, recebida aos 29.10.2008, não tendo, assim, sido cumprido o prazo de aviso prévio de 30 dias. Durante o período de execução do contrato de trabalho nunca gozou qualquer dia de férias porque a Ré não lhas marcou, nem permitiu que gozasse os 30 dias úteis de férias a que tinha direito, em consequência do que, nos termos do art. 222º do CT, reclama a correspondente compensação (580,90€ x 3).

A Ré contestou a acção, confessando aceitar pagar ao A. o valor peticionado a título de aviso prévio em falta, mas, no mais, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição.
Para tanto impugna o alegado pelo A., não aceitando o horário de trabalho invocado uma vez que a empresa utilizadora não lhe forneceu qualquer registo ou informação da prática de 11 horas de trabalho diárias por parte do A., sendo aquela a responsável pela eventual existência quer de trabalho suplementar, quer de violação do direito a férias.

O A. respondeu, mantendo o alegado na petição inicial e acrescentando, quanto à violação do direito a férias, que a Ré também a isso obstou já que, quando esta lhe comunicou, apenas dois dias antes de o contrato de trabalho cessar, para gozar férias, já não tinha o A. possibilidade de as gozar.

Proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da selecção da matéria de facto, realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar a Ré a pagar ao A.:
-A quantia global de € 6.673,73, assim discriminada: €3.930,91 a titulo de remuneração por trabalho suplementar referente aos anos de 2007 e 2008; € 588,32 a título de remuneração pelo trabalho suplementar prestado durante o tempo de descanso compensatório; € 411,60 a título de retribuição correspondente ao período de pré-aviso em falta; € 1.742,70 a título de compensação legal pela violação do direito a férias.
- Indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente a diferença entre o valor do subsidio de desemprego recebido pelo A. e o valor que receberia se a remuneração por trabalho suplementar tivesse sido paga e sujeita aos descontos legais das contribuições.
- Sobre “Todas as quantias acima referidas”, juros a taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, veio a Ré apelar da sentença, referindo no respectivo requerimento de interposição do recurso que “vem, Interpor recurso, com Arguição da Nulidade da Sentença, nos termos do disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C., o que faz nos termos do nº 1 d) Art. 77º do C.P.T.”, passando de seguida a apresentar as suas alegações[1] que conclui nos termos que a seguir sintetizamos:
I. Impugnação da matéria de facto: Pretende a reapreciação da matéria de facto sobre a prestação efectiva, ou não, de trabalho suplementar realizado pelo A., durante o período de execução do contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado pela Ré enquanto se encontrava sob a autoridade da empresa utilizadora e consequente exigibilidade, ou não, da Ré pelo seu pagamento.
II. Dos autos não constam documentos que sustentem o pedido do A. quanto ao trabalho suplementar, a ele incumbido o respectivo ónus da prova.
III. A prova testemunhal produzida em audiência não permite que se considere como provados os nºs 9 e 12 do rol dos factos dados como provados, por não se encontrar devidamente provada a existência da realização de trabalho suplementar, nem o número de dias em que terá sido prestado, por falta de demonstração dos pressupostos para quantificar as horas de trabalho suplementar ou de que, tendo existido, o trabalho não tenha sido pago.
IV. As 3 testemunhas apresentadas pelo A. (única prova efectuada) eram seus amigos e colegas, duas delas contaram com a ajuda do A. na obtenção de trabalho e uma delas (G…) tem um processo a correr contra a Ré pelos mesmos fundamentos e com os mesmos pedidos, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Aveiro e que se encontra em recurso (interposto pelo ali Autor e aqui testemunha), sendo ambos representados pelo mesmo mandatário, o que denuncia elevada probabilidade de ter sido prejudicada a isenção dos respectivos depoimentos, atento o interesse comum e sendo evidente a preparação do discurso.
V. O depoimento de G… (cujas passagens, por referência aos tempos da gravação, indica) esclareceu ter sido a empresa utilizadora a determinar o horário de trabalho e afirmou nunca ter dele dado conhecimento à Ré, testemunha essa que depôs em especial sobre o seu próprio processo, preocupando-se em confirmar o horário nos moldes alegados na petição inicial e não tendo referido que não lhe tinha sido pago o trabalho suplementar.
VI. A testemunha H… (cujas passagens, por referência aos tempos da gravação, indica) referiu que recebia ordens directas da empresa F… e apesar de algumas conjecturas acerca do conhecimento, pela Ré, do horário alegado, através de um funcionário de nome L…, nunca entregou nem viu que este entregasse à Ré os supostos cartões de onde constariam as horas trabalhadas e registadas.
VII. A testemunha J… (cujas passagens, por referência aos tempos da gravação, indica) é testemunha no processo de G… e foi a que, dentro do “notório alinhamento”, pior concretizou o horário de trabalho do A., referindo, no entanto, que foi a empresa utilizadora quem sempre lhe deu ordens e confirmou que nunca disse nada à Ré sobre esse horário.
VIII. Desses depoimentos resulta que quem definiu o horário de trabalho em concreto foi a empresa utilizadora e que dele não foi dado conhecimento à Ré.
IX. O A. não intentou a acção contra a empresa utilizadora, não arrolou como prova outras testemunhas, designadamente encarregados, superiores hierárquicos, quem diariamente lhe dava instruções, determinava o horário e enviava as informações para pagamento, assim como não requereu a junção aos autos de documentos em poder de terceiros, designadamente, cartões de ponto, mapas de registo de trabalho suplementar.
X. Improcedendo o pedido relativo ao trabalho suplementar, improcede igualmente o pedido referente ao descanso compensatório.
XI. Nulidade da sentença: há insuficiência da prova produzida pelas testemunhas arroladas pelo A., uma total falta de fundamentação sobre a valorização de tais depoimentos, sendo que a defesa da Ré e as testemunhas por esta arroladas não foram sequer valoradas, nem objecto de apreciação.
XII. A afirmação, na sentença, de que é “irrelevante a alegação da R. quando se refere ao facto da empresa utilizadora não lhe forneceu qualquer registo ou informação da pratica de 11 horas de trabalho diárias por parte do A.” é insuficiente, não constando da sentença “qualquer alusão à formação da convicção do Tribunal, muito menos uma análise crítica.”.
XIII. As testemunhas arroladas pela Ré, designadamente I…, prestaram ao Tribunal vários esclarecimentos, que indica e que, diz a Recorrente, eram úteis e relevantes, como por exemplo o facto de a Ré não ter em seu poder o contrato de utilização de trabalho temporário porque o utilizador nunca o devolveu, bem como incumprimentos que terão levado ao afastamento repentino da empresa utilizadora pelo dono da obra.
XIV. O Tribunal a quo não apreciou em concreto a prova produzida, não fundamenta como formou a sua convicção e não se pronuncia sobre questões de facto e de direito, pelo que violou o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais que lhe impõem o art. 208º nº 1 da CRP e o nº 1 e 2 do art. 158º do CPC, pelo que a sentença é nula nos termos das als. b) e d) do art. 668º do CPC.
XV. Interpretação e aplicação do Direito: O tribunal a quo não procedeu a uma correcta interpretação e aplicação da lei ao aceitar que seria a empresa de trabalho temporário a responsável pela retribuição do trabalho suplementar.
XVI. No Regime Jurídico do Trabalho Temporário, Utilizador e Empresa de Trabalho Temporário assumem em simultâneo a qualidade de Empregadores, um de índole formal (ETT) outro de índole material (UT), pelo que a responsabilidade de cada uma das empresas, quando exista, terá de ser necessariamente aferida e imputada, a uma e outra, distintamente, na medida das obrigações que lhes são legalmente conferidas.
XVII. Nos termos da Lei 19/2007, de 22.05, durante a cedência o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração do trabalho, competindo-lhe a elaboração do horário de trabalho e consequente registo diário e de trabalho suplementar, bem como a marcação de férias.
XVIII. Nas matérias em apreço o empregador é o Utilizador e não a ETT, sendo a violação da responsabilidade daquele, pelo que tinha o A. toda a legitimidade para intentar a acção directamente contra ele, o que devia ter feito e não fez porque sabia que o utilizador (ACE) tinha sido “afastado e dissolvido por ordens do dono da obra” e que seria muito difícil chamá-lo a juízo.
XIX. Se a empresa utilizadora não comunicou à Ré os períodos de trabalho diários, facto que não é irrelevante, não é a esta, que desconhece a sua existência, exigível o pagamento do alegado trabalho suplementar, sendo que, nos termos do art. 342º, nº 1, é sobre o A. que impende o ónus da prova de que prestou o trabalho em circunstâncias que lhe conferem o direito à correspondente retribuição e não à Ré que compete provar que não determinou, nem conhecia, o trabalho suplementar que o A. haja prestado.
XX. Invoca, em abono da sua tese, os Acórdãos da Relação de Évora nº 455/04-2, de 30.03.04 e da Relação de Lisboa nº 0010194, de 01.07.98, ambos em www.dgsi.pt, bem como o Acórdão do STJ nº 1847/2000, de 08.03.2000.
XXI. Também não concorda com a consequência jurídica extraída pelo tribunal a quo quanto ao não gozo de férias pelo A.
XXII. Era sobre a empresa utilizadora que recaía a obrigação de marcar e assegurar o gozo de férias, sobre ela recaindo a responsabilidade por qualquer incumprimento, empresa essa que, também nesta matéria, adquire a qualidade de empregadora nesta relação triangular.
XXIII. A carta de cessação do contrato enviada pela Ré ao Autor é uma “carta-tipo”, referindo-se a um universo abstracto de trabalhadores e que consta de todas as cartas de cessação, pretendendo-se, com a referência que dela consta ao gozo de férias, na proporção de dois dias por cada mês completo de trabalho, permitir que o período de pré-aviso, quando aplicável, seja para o trabalhador gozar as férias que o utilizador não marcou ou não permitiu gozar.
XXIV. Nunca esteve em causa o pagamento em singelo dos dois dias de férias não gozados pelo A. Mas a condenação nos termos do art. 222º do CT viola a ratio da própria norma, bem como o art. 20º da Lei 19/2007, sendo o empregador, para efeitos do citado art. 222º, o utilizador. Invoca, neste sentido, a sentença do Tribunal do Trabalho de Beja proferida no processo 169/08.6TTBJA.
XXV. Termina concluindo no sentido do provimento do recurso, da revogação da sentença recorrida e da sua absolvição dos pedidos formulados pelo A.

O Recorrido contra-alegou pugnando pelo não conhecimento das invocadas nulidades da sentença face ao incumprimento do disposto no art. 77º, nº 1, do CPT e, no mais, pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto provada
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1 - A R. e uma empresa de trabalho temporário, possuidora do Alvará de autorização para o exercício da actividade de empresa de trabalho temporário nº…, de 28.06.2000, C.A.E. nº…...
2 - No dia 17 de Julho de 2007, a[2] R. celebrou com o A. um contrato de trabalho temporário a termo incerto,
3 - Por forca do qual o A. ficou obrigado a desempenhar funções “junto da empresa utilizadora D…; E…; F… - ACE”, na empreitada de alargamento e beneficiação para 2x3 vias do sublanço Estarreja / Feira da A1 – Auto Estrada do Norte – Ovar.
4 - O referido contrato continha uma cláusula que estabelecia que o mesmo teria duração incerta e vigoraria até à conclusão ou redução gradual dos trabalhos relativos à categoria profissional ora mencionada ou enquanto se mantivesse a necessidade da prestação do trabalhador no âmbito da causa justificativa da sua celebração.
5 - O contrato celebrado entre o A. e a R. estabelecia, na sua clausula 6ª, que “o horário de trabalho será, em concreto, aquele que for praticado no local de trabalho, de acordo com as instruções e regras de serviço da empresa utilizadora, no quadro do período normal de trabalho diário e semanal de 8 e 40 horas respectivamente, de 2ª a 6ª feira.”
6 - O A. foi retribuído pela R. de acordo com os seguintes salários:
-406,50€ (quatrocentos e seis euros e cinquenta cêntimos), desde a data de admissão ate 31 de Dezembro de 2007.
-426€ (quatrocentos e vinte e seis euros), desde o dia 01 de Janeiro de 2008 ate a
data da cessação do contrato.
7 - Enquanto se manteve o referido contrato, o A. exerceu as funções de “porteiro”, estando obrigado a permanecer diariamente juntos aos portões existentes nos acessos de entrada/saída das obras de alargamento e beneficiação para 2x3 vias do sublanço Estarreja / Feira da A1 – Auto Estrada do Norte – Ovar, situados no estaleiro, em …, em …, em … e em …, que estavam a ser executadas pelo utilizador, controlando a entrada e saída de pessoas e materiais da referida obra.
8 - O A., em cumprimento das suas funções, permanecia diariamente junto dos referidos portões e ai se mantinha ao ar livre, sem qualquer abrigo, ao sol a chuva e ao frio, cumprindo o horário de trabalho.
9 - Em cumprimento de ordens dadas pelo utilizador, o A. estava obrigado a cumprir, e cumpria, o seguinte horário de trabalho: das 07h00 as 19h00, com intervalo para almoço das 12h00 as 13h00, de segunda a sexta-feira.
10 - Durante todos os dias úteis dos meses de Julho (a partir do dia 17), Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, o A. cumpriu aquele horário de trabalho.
11 - Durante todos os dias úteis dos meses de Janeiro, Fevereiro, Marco, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2008, o A. cumpriu aquele horário de trabalho.
12 - A R. nada pagou ao A. a título de remuneração pelo trabalho suplementar que este realizou durante os dias úteis.
13 - Não foi concedido ao A. qualquer dia de descanso compensatório.
14 - Através de carta datada de 24 de Outubro de 2008, recebida pelo A. no dia 29 de Outubro de 2008 (quarta-feira), a R. comunicou ao A. que o seu contrato cessava no dia 31-10-2008, conforme teor de documento junto a fls. 15, para o qual se remete e aqui se da por reproduzido na integra.
15 - A partir do dia 31-10-2008, a R. considerou o contrato de trabalho temporário cessado e o A. não mais trabalhou na obra acima referida.
16 - A R. aceita que: “ atento o disposto nos artigos 29º da Lei 19/2007 e 389º/1 do Código do Trabalho, a cessação do contrato de trabalho temporário deveria ter sido promovida com 30 dias de antecedência, o que não aconteceu; pelo que o A. tem direito ao pagamento da retribuição correspondente ao período de pré-aviso em falta, que, no caso concreto, ascende ao montante de 411,80€.”
17 - Durante o período em que o contrato de trabalho temporário se manteve vigente, o A. não gozou qualquer dia de ferias, nunca lhe tendo sido marcado o gozo de qualquer dia de ferias.
18 - O A. ficou desempregado após a cessação do contrato de trabalho temporário, situação em que ainda hoje se mantém.
19 - O A. requereu a atribuição do subsidio de desemprego e, neste momento, encontra-se a receber o subsidio de desemprego.
20 - A R. não pagou, nem declarou a Segurança Social o valor da remuneração por qualquer trabalho suplementar.
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É o seguinte o teor do documento de fls. 15, referido no nº 14 dos factos provados:
“Serve a presente para comunicar que a empresa C…, S.A., ao abrigo do Art. 389º da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto, e em face das directrizes recebidas da empresa utilizadora no sentido de se ter esgotado o motivo que deu origem à sua contratação, no local para o qual foi contratado, considera que o seu contrato celebrado em 17-07-2007 se encontra rescindido com efeitos a partir de 31-10-2008.
A partir da data de recepção da presente comunicação poderá V.Exa. gozar férias, na proporção de dois dias por cada mês completo de trabalho, caso já tenha vencido o direito às mesmas.
(…)”.
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III. Fundamentação

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redacção anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
São, assim, as questões a conhecer (pela ordem em que o faremos):
- Nulidades da sentença
- Alteração da decisão da matéria de facto
- Do trabalho suplementar
- Da violação do direito a férias

2. Das nulidades da sentença

No requerimento de interposição do recurso, diz a Recorrente que “vem, Interpor recurso, com Arguição da Nulidade da Sentença, nos termos do disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C., o que faz nos termos do nº 1 d) Art. 77º do C.P:T.”
Porém, nesse requerimento, a Recorrente nada mais diz quanto às referidas nulidades, não as identificando, concretizando e fundamentando, o que apenas faz “diluídas” em sede de alegações e de conclusões.
Dispõe o art.77º, nº 1, do CPT, que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.
De harmonia com tal preceito, a arguição das nulidades da sentença deve ter lugar, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, este dirigido ao juiz do tribunal a quo, e não na alegação de recurso, sob pena de delas não se poder conhecer por extemporaneidade, exigência aquela que visa permitir ao tribunal recorrido que, com maior celeridade, sobre elas se pronunicie, indeferindo-as ou suprindo-as.
Assim o tem entendido, também, a jurisprudência, de que se cita, por todos, o sumário do recente Acórdão do STJ de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB, no qual se refere o seguinte:
I - De acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do CPT, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória.
Assim também o Ac. do STJ de 27.10.10, in www.dgsi., Processo nº 3034/07.0TTLSB.L1.S1, de acordo com o qual as nulidades de sentença têm que ser minimamente substanciadas no requerimento de interposição de recurso, não bastando a mera referência ao art. 668º do CPC e, ainda mais recentemente, o Acórdão do mesmo Tribunal de 25.11.2010, no aludido “site”, Proc. 1264/08.7TTPRT.P1.S1.
No caso, na parte relativa ao requerimento de interposição do recurso (que, como se sabe, é e foi dirigida à 1ª instância), a Recorrente, como se disse, apenas alude à “Arguição da Nulidade da Sentença” e invoca o art. 668º, nº 1, als. b) e d), do CPC, aí não as motivando, minimamente que seja.
Assim, por extemporaneidade da arguição, não se conhece das alegadas nulidades da sentença.

3. Da Impugnação da decisão da matéria de facto.

Entende a Recorrente que os nºs 9 e 12 dos factos provados deveriam ter sido dados como não provados.
A Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 685º-B do CPC, indicando a matéria de facto de que discorda e os meios de prova em que sustenta a sua discordância, identificando as testemunhas e as respectivas passagens da gravação, pelo que nada obsta à reapreciação, para o que procedemos à audição integral dos depoimentos prestados por todas as testemunhas (G…, H…, J…, arroladas pelo A., e I… e K…, arroladas pela Ré).
A Recorrente começa por discordar da valoração feita pela 1ª instância dos depoimentos das testemunhas G…, H… e J…, arroladas pelo A. e em que assentaram tais números da matéria de facto. Para tanto, invoca relações de amizade entre elas e o A. e a existência de interesses comuns.
Importa, desde logo, referir que a Ré não deduziu, em sede de audiência de discussão e julgamento, o incidente de contradita (art. 640º do CPC), o qual visa, precisamente, por em causa a credibilidade das testemunhas pela existência de razões que poderão fazer diminuir a fé que elas possam merecer. De todo o modo, considerando-se agora que tal argumentação visa, tão-só, não por propriamente em causa a credibilidade da testemunha, mas sim e apenas atribuir-lhe menor relevância ou peso no contexto da apreciação e valoração global da prova, há que referir que nem na fundamentação da matéria de facto se faz qualquer alusão a algum factor que, na avaliação da Mmª Juíza, pudesse abalar a convicção formada com base nos seus depoimentos, como também nós, após a audição da gravação, descortinamos razão que abale os seus depoimentos, que nos pareceram sinceros e isentos. Que o Recorrente os avalie de modo diferente, é outra questão; não obstante, tanto não basta para a conclusão de que o Tribunal deva partilhar de idêntico entendimento e de que tais depoimentos não devessem ou não devam ser tidos em conta na convicção formada pelo tribunal de 1ª instância e, agora, pela Relação, quanto à matéria de facto provada. Acrescente-se que apenas a testemunha G… tem acção em Tribunal contra a Ré, o que não sucede com as demais duas, que mais referiram não terem créditos a reclamar da Ré.
Por outro lado, as testemunhas G… e J… corroboraram o horário constante do nº 9 dos factos provados, afirmando esta última que acabou por deixar de trabalhar, por sua própria iniciativa, uma vez que o horário era muito longo.
Por sua vez J… referiu que havia um horário de verão e outro de inverno; no primeiro, o horário de entrada era às 7h00 e o de saída às 20h00 e, no segundo, era das 7h00 às 18h00, muita embora muitas vezes ficassem até mais tarde (uma vez que não se podia sair enquanto houvessem camiões). Todas referiram que o tempo de almoço era de 1 hora. Realça-se que, mesmo de acordo com o depoimento desta testemunha, a média horária diária seria de 11 horas (pois que, se no horário de inverno, trabalhariam 10 horas diárias, no de verão trabalhariam 12 horas diárias).
Aliás, a Recorrente, nas alegações/conclusões do recurso, nem centra a sua discordância na desconformidade entre o alegado pelas testemunhas e o que foi dado como provado. Com efeito, e no essencial, insurge-se contra a credibilidade que o tribunal a quo lhes deu face às razões que, segundo alega, poderiam comprometer a isenção dos depoimentos. E, por outro lado, acrescenta que dos depoimentos não resulta que a Ré tivesse conhecimento da prática de tais horários. Acontece que, em lado algum da matéria de facto, mormente no nº 9, consta que a Ré tivesse conhecimento de tal facto. Antes pelo contrário, o que consta do nº 9 ora impugnado, é que o horário aí referido era praticado em cumprimento de ordens dadas pelo utilizador.
De referir que os depoimentos das testemunhas I… e K… não contrariam o afirmado pelas demais. A primeira, era Director financeiro e não se pronunciou sobre os concretos horários de trabalho praticados; a segunda era administrativa e, relativamente à matéria dos horários de trabalho, desconhecia os que eram efectivamente praticados, apenas sabendo que dos contratos de trabalho constava o de 40 horas semanais, que lhe eram, à testemunha, remetidas pela utilizadora as folhas com os tempos de trabalho, que seriam de 8 horas, folhas essas que, contudo, não eram rubricadas pelos trabalhadores.
Finalmente, insurge-se a Recorrente referindo que o A., para além das referidas testemunhas, não arrolou outras, designadamente os seus superiores hierárquicos ou outras que tivessem conhecimento dos factos, sendo que era sobre o A. que incumbia o ónus da prova do trabalho suplementar. O A. arrolou as testemunhas que entendeu, assim como a Ré, arrolou quem bem entendeu. E se é certo que sobre o A. recai tal ónus, relembramos a Recorrente que o art. 346º do Cód. Civil, lhe permitia fazer a contraprova dos mesmos factos de modo a tornar a prova do A. duvidosa, contraprova essa que não fez.
Relativamente ao nº 12 dos factos provados ele decorre da própria contestação da Ré, mormente da posição aí assumida, em que impugna o trabalho suplementar e cometendo à empresa utilizadora a responsabilidade do seu pagamento. Se assim é, é porque o não pagou. Aliás, em lado algum a Ré afirmou haver pago tal trabalho, sendo que a ela competia o ónus da prova do pagamento.
Entendemos, pois, ser de manter os nºs 9 e 12 dos factos provados, assim improcedendo o recurso nesta parte.

4. Do trabalho suplementar

A questão que, a este propósito, a Recorrente suscita tem a ver com a responsabilidade do pagamento do trabalho suplementar efectuado pelo A., entendendo aquela que tal responsabilidade recai sobre a empresa utilizadora.
Ao caso, atenta a data da prática dos factos, é aplicável o regime jurídico do trabalho temporário consagrado na Lei nº 19/2007, de 22 de Maio.
A relação do trabalho temporário tem por base uma relação triangular, em que, como se refere no acórdão desta Relação de 15.12.2010[3], intervêm três entidades e em que são outorgados dois contratos que, apesar de relacionados, são distintos e autónomos.
“Assim como intervenientes, temos:
1º- A empresa de trabalho temporário (ETT), ou seja, a pessoa singular ou colectiva cuja actividade consiste na cedência temporária a utilizadores da actividade de trabalhadores que, para esse efeito, admite e retribui (artigo 2º, alínea a) da LTT).
2º- A entidade utilizadora (EU), ou seja, a pessoa singular ou colectiva, com ou sem fins lucrativos, que ocupa, sob a sua autoridade e direcção, trabalhadores cedidos por uma empresa de trabalho temporário (artigo 2º, alínea c) da LTT).
3º- O Trabalhador Temporário, ou seja, a pessoa que celebra com uma empresa de trabalho temporário um contrato de trabalho temporário ou um contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária (artigo 2º, alínea c) da LTT).
Como já se referiu esta relação assenta em dois contratos. Um dito de contrato de trabalho temporário (CTT), estabelecido entre o trabalhador e a ETT (cujo artigo 2º, alínea d) da LTT define como «o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores, mantendo o vínculo jurídico-laboral à empresa de trabalho temporário») e outro baptizado de contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) (cujo artigo 2º, alínea f) da LTT define como «o contrato de prestação de serviços a termo resolutivo celebrado entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder um ou mais trabalhadores temporários»).
Como se refere no Acórdão da RL de 21.04.2004[4], citado na sentença recorrida e com o qual estamos de acordo, “(…) o trabalho temporário tem a particularidade de ser um contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, empresa esta que exerce em relação aos trabalhadores temporários e dentro de certos limites, os poderes de autoridade e de direcção, próprios da entidade empregadora, em relação aqueles trabalhadores.
Contudo, a empresa que cede temporariamente um trabalhador seu a outra entidade, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, continua a ser a entidade patronal do cedido. Entre o trabalhador temporário e o utilizador não existe qualquer contrato, designadamente um contrato de trabalho, pelo que o utilizador não pode ser considerado juridicamente como empregador, salvo as excepções previstas na lei.
O trabalhador temporário quando presta a sua actividade ao utilizador fá-lo por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, remunera e sobre ele exerce o seu poder disciplinar.
O trabalhador temporário quando presta a sua actividade ao utilizador, fá-lo por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, pelo que o utilizador nada tem a ver com as questões relativas ao contrato de trabalho, por inexistência de vínculo laboral entre ele e o trabalhador- Ac. da Rel. do Porto de 20/3/98, Col. Jur. 1998, II, 256.
Simplesmente quando aquele trabalhador presta a sua actividade ao utilizador o poder de direcção é exercido por este por mera delegação da empresa de trabalho temporário- Ac. Rel. Lisboa de 25/5/94, Col. Jur., 1994, III, 166.
Pelo mesmo diapasão alinham José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de trabalho e Contratos a Termo – Do Trabalho Temporário, 1990, pag. 226, quando afirmam que “ o trabalhador temporário tem como patrão a empresa de trabalho temporário que o contrata, remunera e detém sobre ele o poder disciplinar, embora o trabalho seja prestado sob as ordens e direcção deste. Entre o utilizador e o trabalhador temporário não existe qualquer vínculo laboral”.
Do referido decorre que, já no âmbito do regime do trabalho temporário constante do precedente DL 358/89, de 17.10, alterado pelas Lei 39/96, de 31.08 e 146/99, de 01.09, a relação laboral existente era entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário e não entre aquele e a utilizadora, intervindo esta, como refere Júlio Gomes[5], não como um “co-empregador”, mas sim como um “representante” daquela (ainda que não no sentido técnico-civilsta do termo), o qual acrescenta:
“Neste sentido, parece poder afirmar-se que violações dos direitos do trabalhador no exercício do poder directivo cuja titularidade cabe sempre à ETT são, no fim de contas, violações praticadas por um representante desta no domínio em que a lei atribui ao utilizador esta faculdade de exercício de um poder alheio, (…).
No nosso ordenamento jurídico afigura-se-nos difícil sustentar que o utilizador possa ser considerado co-empregador. Em primeiro lugar, diferentemente do que se passa na lei francesa e na lei italiana, o utilizador não é responsável subsidiariamente pelo pagamento das retribuições dos trabalhadores temporários que lhe foram cedidos. Entre nós o utilizador responde apenas solidariamente com a empresa de trabalho temporário “pelo pagamento das remunerações, férias, indemnizações e eventuais prestações suplementares (nº 14º do artigo 16º), caso esta não esteja legalmente a autorizada a funcionar”. E, acrescentando, diz em nota de rodapé que, de iure condendo, seria acertado que a lei previsse a responsabilidade solidária do utilizador se o trabalhador não lograsse obter os seus créditos pela ETT.
Tais considerações, tecidas pelo ilustre Professor, estão parcialmente desactualizadas face à posterior publicação da Lei 19/2007 tendo em conta o que consta do seu art. 17º, nº 2[6], preceito este que, porém, apenas reforça o entendimento de que a responsabilidade principal pelo cumprimento dos créditos laborais, sejam eles quais forem[7] (incluindo, pois, os resultantes da prestação de trabalho suplementar e de violação de direito a férias[8]) é da empresa de trabalho temporário.
Com efeito, dispõe tal preceito que “2. O utilizador é subsidiariamente responsável pelo incumprimento por parte da empresa de trabalho temporário de créditos de trabalho temporário, bem como dos encargos sociais correspondentes ao ano subsequente ao início da prestação.”.
Prevendo o citado preceito, apenas, a responsabilidade subsidiária da empresa utilizadora, é evidente que a responsabilidade principal é, sempre, da empresa de trabalho temporário.
Carece, pois, de base e fundamento legal a argumentação da recorrente de que, para os efeitos em questão, o utilizador deveria ser considerado como “empregador”, sendo irrelevante, como e bem se diz na sentença (com o que a Recorrente se insurge), que a empresa utilizadora não lhe haja fornecido qualquer registo ou informação da prática de 11 horas de trabalho diárias por parte do A.. Tal é um problema que se colocará nas relações entre a Ré e a empresa utilizadora, ao qual o A. é alheio. Perante o A., a principal responsável pelo cumprimento dos créditos laborais é a Recorrente, empresa de trabalho temporário, e não a utilizadora, cuja responsabilidade é meramente subsidiária. Assim, e também ao contrário do que alega a Recorrente, não tinha o A. qualquer obrigação de demandar a utilizadora do trabalho temporário.
Acresce que também que, no caso concreto, não procede a argumentação de que cabia ao A. o ónus da prova de que a Ré determinou ou conhecia o trabalho suplementar por ele prestado.
É certo que o pagamento do trabalho suplementar é apenas exigível quando “a prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador” (art. 258º, nº 5, do CT/2003) e que ao trabalhador incumbe o ónus da prova de tais pressupostos (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
Acontece que, no caso, dos factos provados decorre que o trabalho suplementar resultou da execução, por parte do A., de um horário de trabalho que excedia as 8 horas de trabalho diário e que lhe foi imposto pela utilizadora. Por outro lado e como resulta do que se deixou dito quanto à responsabilidade da empresa de trabalho temporário, é irrelevante que esta não tivesse conhecimento dessa prestação, posto que a empresa utilizadora o tivesse. Sem nos querermos repetir, a empresa utilizadora funciona como “representante” da empresa de trabalho temporário, exercendo, de forma “delegada”, os poderes próprios do empregador. A sua (da ETT) responsabilidade é, também, a solução que decorre do já citado art. 17º, nº 2, da Lei 19/2007, ainda que, nos termos do art. 35º da mesma, o trabalhador fique sujeito ao regime de trabalho aplicável ao utilizador no que respeita à duração de trabalho e que a este compita elaborar o horário de trabalho do trabalhador cedido (e marcar o seu período de férias). A omissão de informação, pelo utilizador, à empresa de trabalho temporário quanto ao horário de trabalho é questão que se coloca, apenas, entre essas duas empresas, podendo eventualmente caber no âmbito da responsabilidade contratual decorrente do contrato de utilização de trabalho temporário, relativamente ao qual o trabalhador é alheio.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.
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5. Da violação do direito a férias

A sentença recorrida considerou ter ocorrido violação do direito a férias justificativa da compensação a que se reporta o art. 222º do CT, para tanto considerando que: o A. tinha direito a 30 dias de férias e que, durante o período de execução do contrato de trabalho temporário, não gozou qualquer dia de férias, as quais nunca lhe foram marcadas. Mais entendeu que a comunicação constante da carta de fls. 15 é irrelevante uma vez que, tendo ela chegado ao conhecimento do A. apenas dois dias antes de cessar o contrato de trabalho, não tinha o A. qualquer possibilidade de gozar as férias.
Assim, considerou que ao A. era devida a compensação peticionada, de €1.742,70 (€580,90[9] x 3).

O art. 37º, nº 2, da Lei 19/2007,dispõe que o trabalhador (temporário) tem direito, na proporção do tempo de duração do contrato de trabalho temporário, a férias, subsídios de férias e de Natal e a outros subsídios regulares e periódicos que pelo utilizador sejam devidos aos seus trabalhadores por idêntica prestação de trabalho.
No caso, porque o contrato de trabalho temporário a termo incerto durou por período superior a seis meses não é, em matéria de férias, aplicável o disposto no art. 214º do CT/2003[10], mas sim o regime constante do art. 212º, em cujos nºs 2 e 3 se dispõe que, no ano da contratação, o trabalhador tem direito, após seis meses completos de execução do contrato, a gozar 2 dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até ao máximo de 20 dias úteis (nº 2) e que, no caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufrui-lo até 30 de Junho do ano civil subsequente (nº 3). E, de acordo com o nº 4, da aplicação do disposto nos nºs 2 e 3 não pode resultar para o trabalhador o direito ao gozo de um período de férias, no mesmo ano civil, superior 30 dias úteis (nº 4).

No caso, o A., que foi admitido aos 17.07.2007, aos 17.01.2008 venceu o direito a 12 dias úteis de férias cujo gozo lhe deveria ter sido proporcionado até, no limite, 30 de Junho de 2008. E, daí que, quanto a esses dias, haja sido violado o direito a férias.
Relativamente aos demais dias de férias pelo trabalho subsequente a 17.01.2008, não se vê que tenha ocorrido qualquer violação do direito a férias, sendo certo que o contrato de trabalho cessou aos 24.10.2008. Com efeito, não fosse a cessação do contrato de trabalho sempre os demais dias de férias – até ao limite de 30 dias úteis[11] - poderiam ser gozados até ao final do ano civil (2008), não se vendo que norma alguma imponha ao empregador a obrigação de, antes do termo do contrato, conceder ao trabalhador o gozo das férias vencidas, mas ainda não gozadas, quando o período em que tal gozo poderia ter lugar ainda se encontrava em curso. Aliás, por ser assim, é que o art. 221º, nº 2, prevê a obrigação de, em caso de cessação do contrato de trabalho antes de gozadas as férias vencidas nesse ano, o empregador pagar ao trabalhador a retribuição (e respectivo subsídio) correspondente ao período em falta.
Ou seja, serve o referido para dizer que apenas se poderá equacionar a violação do direito a férias em relação a 12 dias úteis de férias e não já a 30 dias úteis como reclamado pelo A. e considerado na sentença recorrida. Se a lei impunha que o A. tivesse, até 30 de Junho, gozado 12 dias úteis de férias, já nada impunha que, para além destes, os demais a que tivesse direito devessem ter sido gozados até 24.10.2008 (data da cessação do contrato de trabalho) ou que a Ré, antes dessa cessação, devesse ter permitido esse gozo.
Assim, mas com a referida amplitude, importa agora apurar se ao A. é devida a compensação a que se reporta o art. 222º do CT/2003, o qual dispõe que “Caso o empregador, com culpa, obste ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador recebe, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, (…)”.
A norma pressupõe, pois, dois requisitos: que o trabalhador não tenha gozado férias e que o empregador haja obstado (culposamente) a esse gozo.
Porque constitutivos do seu direito, ao trabalhador compete a prova de que não gozou férias e, bem assim, que tal ocorreu porque o empregador a isso obstou. O termo “obstar”, como tem a jurisprudência entendido, significa ter o empregador impedido esse gozo.
No caso, da matéria de facto provada apenas consta que durante o período em que o contrato de trabalho temporário se manteve vigente, o A. não gozou qualquer dia de férias, nunca lhe tendo sido marcado o gozo de qualquer dia de férias. Será tal suficiente?
Afigura-se-nos que não.
É certo que compete ao empregador (no caso, à empresa utilizadora, como decorre do art. 35º, nº2, da Lei 17/2007) marcar o período de férias do trabalhador. Não constando, todavia, dos factos provados por que razão tal marcação não ocorreu ou, ao menos, que o A as não gozou porque elas não lhe foram marcadas, não se nos afigura possível concluir que a omissão do gozo das férias se terá ficado a dever à circunstância de a empresa utilizadora ter obstado, impedido, esse gozo. Com efeito, nem dos factos provados decorre a causalidade entre o não gozo e essa falta de marcação, pois que apenas se consignou como provado (matéria de facto essa que não foi objecto de impugnação e que, assim, se terá que ter como assente) que o A. não gozou férias e que a Ré não lhe marcou férias e não já que o A. não as gozou porque tal marcação não teve lugar.
Assim sendo, afigura-se-nos não se encontrar demonstrado o direito do A. à compensação pelo não gozo de 12 dias úteis de férias, pelo que, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser, nesta parte, revogada.
Esclareça-se que, em relação aos 12 dias úteis que deveriam ter sido gozados até 30 de Junho de 2008, o que está em questão, e constitui direito do trabalhador, é, verificados que sejam os pressupostos do art. 222º do CT, o pagamento da compensação aí prevista, e não já o pagamento, em singelo, desses dias de férias que, aliás, nem o A. reclamou ou alegou que não lhe hajam sido pagos. E, quanto aos demais dias de férias a que teria direito pelo restante trabalho, vencidos mas não gozados, também não está em questão o seu pagamento, em singelo, uma vez que o A. nem o reclamou, nem alegou que não lhe hajam sido pagos.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de €1.742,70 a título de compensação por violação do direito a férias, pedido este de que, agora, vai a Ré absolvida.
Quanto ao demais impugnado no recurso, nega-se-lhe provimento, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelo Recorrente e Recorrida, na proporção do respectivo decaimento.

Porto, 09.05.2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] De 14 páginas.
[2] Na sentença recorrida faz-se referência, certamente por lapso, a “1ª” Ré, pois que na acção foi apenas demandada uma Ré.
[3] In www.dgsi.pt, Processo nº 395/09.0TTSTS.P1, relatado por António José Ramos, ora primeiro-adjunto.
[4] In www.dgsi.pt. Processo 109/2004-4.
[5] In “Algumas observações sobre o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”, Questões Laborais, 2001, nº 17, pág. 69/70.
[6] O nº 1 corresponde ao anterior art. 16º, nº 4, do DL 359/89 (na redacção da Lei 39/96).
[7] Cfr., em matéria de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, o art. 20º, nº 6, da Lei 19/2007.
[8] Os em causa nos autos.
[9] Ainda que o não diga, este montante corresponde a 30 dias úteis (€426,00 /22 dias x 30).
[10] Aplicável aos contratos de trabalho (a termo ou sem termo) de duração inferior a seis meses e que dispõe que, nesta caso, o trabalhador tem direito a gozar 2 dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato.
[11] Art. 212º, nº 4.
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SUMÁRIO

I. No contrato de trabalho temporário a responsabilidade principal pelo cumprimento dos créditos laborais, incluindo os resultantes da prestação de trabalho suplementar e de violação de direito a férias, é da empresa de trabalho temporário e não da empresa utilizadora, a qual apenas é subsidiariamente responsável nos termos previstos no art. 17º, nº 2, Lei 19/2007.
II. Provando-se, apenas, que “o A. não gozou qualquer dia de férias, nunca lhe tendo sido marcado o gozo de qualquer dia de férias” tal não é suficiente para que se possa dizer que o empregador obstou ao gozo de férias, tanto mais desconhecendo-se por que razão essas férias não foram marcadas. Daí que, em tal caso, não seja devida a compensação a que se reporta o art. 222º do Cód. Trabalho/2003.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho