Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
365/06.0TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
IMÓVEL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20110510365/06.0TBVLG.P1
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os factos constitutivos dos direitos atribuídos ao comprador em caso de cumprimento defeituoso são, para além dos pressupostos gerais da responsabilidade contratual, designadamente o nexo causal entre os defeitos e o dano, a existência desses defeitos e a respectiva denúncia (cfr. art. 342, n° 1 do Cód. Civil).
II - A prova dos factos impeditivos da sua responsabilidade cabe ao vendedor (cfr. art. 342, n°2 do Cód. Civil), a quem, por isso, incumbe demonstrar que o aparecimento do defeito se ficou a dever a culpa do lesado, nomeadamente a má utilização que este tenha feito do bem.
III - Também sobre o vendedor impende a demonstração de que o defeito era posterior à data da entrega ou de que na sua origem esteve uma causa estranha, como, por exemplo, a conduta de um terceiro.
IV - Não é ao autor/comprador que cabe provar qual a causa dos defeitos, mas sim aos réus que incumbe a prova de que os defeitos, cuja verificação é, neste caso, inquestionável, não procedem de culpa sua.
V - Tal como, similarmente, lhe cabe também provar a posterioridade dos defeitos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 365/06.0 TBVLG.P1
Tribunal Judicial de Valongo – 2º Juízo
Apelação
Recorrentes: B… e mulher
Recorrido: Condomínio do Prédio …
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
O autor Condomínio do Prédio …, em Valongo, intentou a presente acção ordinária contra os réus B… e mulher C…, residentes na Rua …, …. – …., …, Gondomar, tendo pedido a condenação destes a eliminarem os defeitos enumerados e a pagarem a quantia que despenda com a reparação dos elevadores, a qual deverá ser liquidada em execução de sentença.
Para tal efeito, alegou, em síntese, que os réus construíram e venderam as fracções autónomas de um edifício que apresenta diversos defeitos, designadamente humidade que causou prejuízos nos elevadores e cuja eliminação e indemnização (pelas quantias que venha a despender na reparação) cabem aos réus.
Os réus apresentaram contestação, na qual se defenderam por excepção (ilegitimidade ou irregularidade de representação do autor; caducidade do direito de denúncia; caducidade do direito de acção) e também por impugnação (o prédio, alegadamente, foi construído em conformidade com o projecto, licenciado, e as deficiências ou faltas, a existirem, não têm origem na construção, levada a cabo por empreiteiro).
O autor replicou, tendo respondido a cada uma das excepções e pediu ainda a condenação dos réus como litigantes de má fé.
Foi depois proferido despacho saneador, onde se relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade, tendo-se julgado improcedentes as demais. Mais se fixou a matéria de facto assente e se organizou a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
O Tribunal respondeu, sem reclamações, à matéria da base instrutória e proferiu sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os réus a eliminarem os defeitos referidos nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), j), k), l), n), o), p), q), r), s), w), y) e z), elencados no ponto 4.3. No mais absolveu os réus do pedido formulado.
Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, vindo a finalizar as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª Os réus, aqui apelantes, foram condenados a eliminar os defeitos elencados nas 19 alíneas referidas na sentença;
2ª O M. Juiz “a quo” chegou a esse resultado, não considerando outros defeitos, evocando a norma do art. 913 do Código Civil para o fim de qualificar o que era de considerar “vício” de construção;
3ª Há, porém, que ter presente, no caso, a norma do art. 1225/1 do mesmo Código, aplicada, embora, directamente ao contrato de empreitada, mas utilizada, extensivamente, ou por analogia, ao caso de compra e venda de imóvel por construtor/vendedor, como no caso dos autos;
4ª E nessa norma prevêem-se 2 tipos de causas que permitem exigir do comprador de edifício ou fracção dele, a eliminação de defeitos que surjam após a sua entrega – vício de solo, vício de construção ou erro na execução dos trabalhos;
5ª Ou seja, quem alegar que, após a entrega de um edifício ou fracção dele, passado algum tempo surgem anomalias, há-de provar, a fim de obter a tutela prevista na lei, nomeadamente, o direito de ver eliminadas essas anomalias à custa do vendedor, que as mesmas têm como causa, motivo ou fonte directa, a verificação de um daqueles motivos;
6ª Nos presentes autos, verificaram-se várias situações que se reconduzem, no essencial, ao seguinte: existência de humidades, de fissuras, aluimentos e depressões;
7ª Provada a sua existência, pois a prova da sua existência foi feita, não se provou qual a causa das mesmas;
8ª Em nenhuma resposta dos peritos a cada uma das situações por eles verificadas, constatadas, se explicou, em concreto, a que se deviam tais situações. Motivadas pelo mau uso e falta de cuidado dos condóminos?! Pela menor qualidade dos materiais?! Pelo uso de veículos inadequados no logradouro?! Ou, antes, por vício do solo ou má compactação do mesmo?! Por erro na execução dos trabalhos de construção?!
9ª Dos autos não resulta qualquer prova que demonstre que todas as situações elencadas naquelas alíneas fossem causadas por vício do solo onde o edifício foi construído, ou por vício ou erro na execução dos trabalhos de construção do mesmo!
10ª A ausência de indicação de qualquer dessas causas é notória na resposta dada pelos peritos aos vários pontos da base instrutória, sendo que a resposta dada ao ponto 61 dela é inequívoca quanto à falta de concretização dessas eventuais causas que podiam permitir ao M. Juiz uma sentença como a que proferiu. «Algumas deficiências enumeradas derivarão desse facto [degradação com o tempo], embora numa significativa maioria se fiquem a dever (...)».
11ª Pela prova produzida não se ficou a saber quais as deficiências enumeradas que foram causadas pela degradação do tempo, nem tão pouco se ficou a saber quais as deficiências que se ficaram a dever a outras causas;
12ª Cabendo o ónus da prova da causa das deficiências por si alegadas, não tendo conseguido provar qual a causa da sua manifestação, o incumprimento desse ónus não o pode beneficiar.
13ª Mostram-se violadas as seguintes normas: art. 913, art. 1221, art. 1225 e art. 342/1 do Código Civil.
Pretendem, assim, a revogação da sentença recorrida.
A autora apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.
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O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se, no caso “sub judice”, face à factualidade dada como provada e às regras de repartição do ónus de prova, os réus deveriam – ou não - ter sido condenados a eliminar os defeitos referidos na sentença recorrida.
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OS FACTOS
A matéria fáctica dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte:
1. O prédio urbano sito na Rua …, nº …, …, …, …, e Rua …, nº …, …, …, …, … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo, tem inscrita a constituição do regime de propriedade horizontal, mediante a cota F-1, efectuada com a apresentação 34/20010613 – cfr. fls. 148 e ss. [alínea A)]
2. Os réus, por intermédio de terceiro com quem acordaram na sua realização, procederam à construção do prédio urbano referido em 1., após o que venderam as fracções que o integram [alínea B)].
3. A petição inicial da presente acção deu entrada neste Tribunal no dia 18.1.2006 [alínea C)].
4. O Condomínio autor, por intermédio do seu mandatário, enviou ao réu, que recebeu, a carta, datada de 29.4.2005, recebida em 3.5.2005, cuja cópia consta de fls. 12, que aqui se dá por reproduzida, na qual consta:
“(...)
...venho informá-lo que, apesar das reparações por si operadas, voltaram a soltar-se e a cair na via pública várias placas de granito que revestem o edifício supra identificado.
Além destes defeitos, estão a notar-se outros, os quais serão enumerados após vistoria da Câmara Municipal …, já que não é possível, de momento, notar a sua origem e consequentemente, repará-los.
Não obstante estas diligências necessárias para proceder à identificação dos defeitos e, posteriormente, à sua denúncia, informo-o, em nome do meu cliente, que, estando o prédio dentro do prazo de garantia, o senhor é o responsável pela sua reparação.
Assim, como os primeiros defeitos – a queda das placas – estão identificados e denunciados e é urgente a sua reparação, porquanto representam um perigo para as pessoas em geral, venho exigir que proceda à mesma, sendo que, em todo o caso, será sempre exclusivamente sua a responsabilidade pelos danos que aqueles defeitos eventualmente causem (...)” [alínea D)].
5. O Condomínio autor, por intermédio do seu mandatário, enviou ao réu, que recebeu, a carta, datada de 15.12.2005, recebida em 19.12.2005, cuja cópia consta de fls. 14 e ss., que aqui se dá por reproduzida, na qual consta:
“(...)
Venho comunicar-lhe que, após vistoria da Câmara Municipal …, foram detectados vários defeitos nas partes comuns do edifício que V. Exa. construiu, os quais foram comunicados ao meu cliente e que passo a denunciar:
1. O portão de acesso ao estacionamento não está localizado conforme dispõe a propriedade horizontal;
2. A central e sistema de detecção de incêndios não estão operacionais;
3. Não existe sinalética de encaminhamento para as saídas de emergência nos pisos de estacionamento automóvel;
4. Foi alterada a zona de estacionamento do piso da cave, com inclusão de zonas comuns do edifício;
5. Existe infiltração de humidade junto à rede de saneamento suspensa, no piso da cave (-2);
6. As juntas de dilatação, em todo o edifício, não estão tratadas e rematadas;
7. Existe infiltração de humidade no tecto e parede da casa das máquinas;
8. Fissuração das paredes exteriores;
9. Fachada da zona comercial apresenta placas de granito em risco de caírem;
10. Aluimento de logradouros e fissuração junto às fachadas do edifício;
11. Deficiente ventilação da zona de arrumos, comunicações horizontais e verticais comuns;
12. Entretanto, no decurso o tempo em que foi elaborado o auto de vistoria, foram detectados outros defeitos, os quais se denunciam igualmente;
13. Nos blocos A e C: portas de corta-fogo não fecham porque as esquadrias são maiores que as portas; outras estão a sair da parede porque o chumbo não está bem colocado e provoca a queda do cimento;
14. No bloco B, no 4º andar porta que dá acesso à casa das máquinas, depois de fechada, não abre;
15. Todas as portas dos pisos das garagens não fecham nem abrem normalmente;
16. No bloco B, em todos os patamares (corredores) de acesso às habitações existem fissuras e acabamentos entre as portas e a tinta das paredes está a descascar;
17. No acesso à garagem do piso -1 o chão apresenta uma depressão, existem deficiências e aberturas no piso da rampa de acesso à garagem e não existe grade de protecção das águas provenientes da chuva;
18. O chão da garagem do piso -1 está com fissuras;
19. Os detectores de incêndio não funcionam;
20. No acesso à garagem do piso -2 o chão sofre uma depressão, deficiências, aberturas na rampa da garagem e tampa de saneamento acima do nível do piso, chão com fissuras, humidade infiltrada junto aos lugares de garagem B) e AD), tinta da parede a “descascar” junto ao lugar de garagem Y, o tecto também está com aberturas e os detectores de incêndio não funcionam;
21. As salas de jogos e de reuniões estão a perder o revestimento;
22. As luzes de presença que indicam saídas de emergência não são visíveis;
23. No exterior a rampa de deficientes é demasiado inclinada;
24. O parque infantil está inacabado;
25. O chão do piso 0 apresenta fissuras;
26. O video porteiro só funciona para o portão principal e não para as portas de vidro;
27. Nos depósitos de água verificam-se humidades, escorrendo águas que provocam o “descascar” da tinta;
28. O depósito de água do bloco C não funciona.
Acresce que devido às humidades existentes junto dos elevadores – referidas na vistoria – o meu cliente sofreu vários danos nos elevadores, os quais necessitam de ser reparados. Assim, advirto-o que ser-lhe-à apresentada a respectiva factura da empresa que mantém os elevadores, pelo respectivo custo de reparação.
Face ao exposto e como V. Exa. compete-lhe, nos termos da lei, eliminar os supra referenciados defeitos, pelo que, caso não dê início à sua reparação eliminação, no prazo de 10 dias, contados da recepção desta carta, darei início às diligências judiciais que se mostrem necessárias para o exigir, tudo como foi instruído pelo seu cliente.
(...)” [alínea E)].
6. Consta dos autos, a fls. 136 e ss., cópia da acta de Assembleia de Condóminos realizada no dia 23.4.2003, na qual, além do mais, se deliberou, por unanimidade dos condóminos presentes, autorizar o dono dos lugares AA, NA, AO, AP, AQ, AR, AS e AT a unificá-las e vedá-las para uso exclusivo das lojas E, F, sem acesso às garagens, constituindo um prolongamento daquelas lojas, desde que o fim a dar aos lugares de garagem não ponha em perigo o edifício [alínea F)].
7. O réu procedeu à reparação de algumas placas de granito do revestimento exterior do edifício, na fachada da zona comercial, que haviam caído [alínea G)].
8. O referido em 7. ocorreu em Abril de 2005 [resposta ao nº 1 da BI].
9. No prédio referido em 1. o portão de acesso ao estacionamento não está localizado no sítio previsto no respectivo projecto [resposta ao nº 4 da BI].
10. Não existe sinalética de saída de emergência nos pisos de estacionamento automóvel -1 e -2 [resposta ao nº 6 da BI].
11. Em zonas da parede do piso -2 (cave), junto às tubagens de saneamento, há humidade [resposta ao nº 8 da BI].
12. As juntas de dilatação do edifício não estão tratadas [resposta ao nº 9 da BI].
13. No tecto e parede da casa de máquinas, existe infiltração de humidade [resposta ao nº 11 da BI].
14. Junto ao portão do piso – 2, existe uma fissura [resposta ao nº 12 da BI].
15. Verifica-se o aluimento dos logradouros [resposta ao nº 13 da BI].
16. Na entrada C do prédio referido em 1., a porta de acesso à prumada no piso -2 não fecha porque a respectiva esquadria está mal fixada (deslocada) na ombreira [resposta aos nºs 16 e 18 da BI].
17. No bloco B do prédio referido em 1 a porta que dá acesso à casa de máquinas não fecha [resposta ao nº 19 da BI].
18. No bloco B do prédio referido em 1, nos corredores, existem fissuras entre as portas [resposta ao nº 21 da BI].
19. No acesso à garagem do piso -1, o chão apresenta uma depressão [resposta ao nº 23 da BI].
20. No piso -1, o cimento do piso da rampa de acesso à garagem e respectiva soleira está, em parte, quebrado, solto e com falhas [resposta aos nºs 24 e 25 da BI).
21. A caixa de recepção de águas pluviais situada no lado direito do portão de acesso ao piso -1 não tem grade de protecção [resposta ao nº 26 da BI].
22. O chão de acesso à garagem do piso -1 apresenta fissuras [resposta ao nº 27 da BI].
23. No tecto da garagem do piso -1, há juntas de dilatação fissuradas e com arestas partidas [resposta ao nº 28 da BI].
24. No acesso à garagem do piso – 2, o chão sofre uma depressão [resposta ao nº 30 da BI].
25. No piso -2, a rampa e a soleira da garagem estão em estado semelhante à do piso -1 (referido em 20) [resposta aos nºs 31 e 32 da BI].
26. O chão apresenta fissuras [resposta ao nº 34 da BI].
27. O chão apresenta humidade infiltrada junto aos lugares de garagem B e AD [resposta ao nº 35 da BI].
28. As paredes das salas de jogos do prédio referido em 1 estão a perder a tinta [resposta ao nº 39 da BI].
29. As luzes de presença que indicam saídas de emergência no prédio urbano referido em 1 não são visíveis [resposta ao nº 40 da BI].
30. No exterior, a rampa de acesso ao prédio urbano referido em 1 é demasiado inclinada [resposta ao nº 41 da BI].
31. O parque infantil do prédio referido em 1 não está concluído [resposta ao nº 42 da BI].
32. O réu prometeu ao Condomínio autor vedar um espaço e traçar nele uns desenhos onde pudessem brincar crianças [resposta ao nº 43 da BI].
33. O chão do piso 0 apresenta fissuras [resposta ao nº 44 da BI].
34. Na entrada B do prédio referido em 1 o video-porteiro da fracção 4º Esq. não funciona [resposta ao nº 45 da BI].
35. As paredes dos depósitos de água do prédio urbano referido em 1 apresentam humidade [resposta ao nº 46 da BI].
36. Por isso, a tinta está a “descascar” [resposta ao nº 47 da BI].
37. O depósito de água do bloco C não funciona [resposta ao nº 48 da BI].
38. Entrou água na casa das máquinas dos elevadores que obrigou a desligá-los enquanto aquela não foi retirada e estes reparados, o que implicou a substituição de peças [resposta ao nº 49 da BI].
39. O portão de acesso ao estacionamento referido em 9 foi colocado da forma referida nesse número por uma empresa condómina do prédio e com autorização do condomínio [resposta ao nº 53 da BI].
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O DIREITO
Na sentença recorrida os réus foram condenados a eliminar os defeitos elencados nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), j), k), l), n), o), p), q), r), s), w), y) e z) dessa sentença que correspondem aos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 33, 35 e 36 da matéria de facto acima transcrita.
O Mmº Juiz “a quo” integrou todos esses defeitos na previsão do art. 913 do Cód. Civil, relativo à venda de coisas defeituosas.
Os réus/recorrentes insurgem-se contra o decidido pela 1ª Instância, considerando que, embora se tenha provado a existência de várias situações que se reconduzem à existência de defeitos (humidades, fissuras, aluimentos, depressões...), não se provou qual a causa das mesmas. Sucede que, na sua perspectiva, o ónus da prova da causa das deficiências alegadas caberia ao autor, de tal forma que o incumprimento desse ónus não o poderá beneficiar. Daí concluem pela revogação da sentença recorrida.
A condenação dos réus, como já se referiu, assentou na existência de defeitos que desvalorizam o prédio e que impedem a realização do fim a que este se destina, encontrando o seu fundamento legal no art. 913 do Cód. Civil, fundamento com o qual concordamos.
Contudo, quer nos situemos nesta norma, quer no âmbito do art. 1225 do Cód. Civil mencionado pelos recorrentes nas suas alegações, estamos no plano da responsabilidade contratual resultante do cumprimento defeituoso do contrato. Com efeito, a prestação do devedor não satisfaz o interesse do credor, uma vez que nas partes comuns do edifício existe todo um conjunto de defeitos, que se acham descritos na factualidade dada como assente.
Ora, quando a prestação seja defeituosamente cumprida, o devedor, cuja culpa se presume, responde pelo prejuízo causado ao credor, designadamente pela eliminação dos defeitos – cfr. arts. 798, 799, nº 1, 913, 1221 e 1225 todos do Cód. Civil.
É que, conforme flui do nº 1 do art. 799 do Cód. Civil, quando se verifica uma situação de cumprimento defeituoso incumbe ao devedor a prova de que este não procede de culpa sua.
Porém, já o mesmo não sucede em relação aos demais requisitos da responsabilidade civil, pelo que é sobre quem invoca a prestação inexacta da outra parte que recai o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento – o facto ilícito – e ainda os prejuízos que dele resultaram – o dano.
Ao comprador cabe, assim, a prova da existência dos defeitos, atendendo a que este é um facto constitutivo do seu direito, devendo também provar a gravidade desses defeitos, que terão de ser de molde a afectar o uso ou a acarretar a desvalorização da coisa.
Acontece que no presente caso a prova da ocorrência dos defeitos e da sua gravidade foi efectuada pelo autor.
Outra questão a colocar, em termos de ónus da prova, é a da anterioridade do defeito relativamente à data da celebração do contrato, atendendo a que só será relevante o defeito presente no momento da realização da prestação. Escreve Pedro Romano Martinez[1] que a lei não faz qualquer referência à anterioridade, dando a entender uma presunção nesse sentido. Aliás, a prova da anterioridade do defeito é bastante difícil para o comprador; ao invés do que sucede com o vendedor que, pela estreita relação que manteve com a coisa, tem mais facilidade em provar que o defeito é posterior à entrega. Por isso, a posterioridade do defeito deve ser considerada como facto extintivo do direito invocado.
Prosseguindo, diz o mesmo autor que, por idênticas razões, também não é aceitável que sobre o credor impenda o ónus de provar as causas do defeito, questão central em apreço neste recurso. É que as pretensões são válidas ainda que os motivos do aparecimento dos defeitos sejam desconhecidos.
Deste modo, os factos constitutivos dos direitos atribuídos ao comprador em caso de cumprimento defeituoso são, para além dos pressupostos gerais da responsabilidade contratual, designadamente o nexo causal entre os defeitos e o dano, a existência desses defeitos e a respectiva denúncia (cfr. art. 342, nº 1 do Cód. Civil).
Já a prova dos factos impeditivos da sua responsabilidade cabe ao vendedor (cfr. art. 342, nº 2 do Cód. Civil), a quem, por isso, incumbe demonstrar que o aparecimento do defeito se ficou a dever a culpa do lesado, nomeadamente a má utilização que este tenha feito do bem. Também sobre o vendedor impende a demonstração de que o defeito era posterior à data da entrega ou de que na sua origem esteve uma causa estranha, como, por exemplo, a conduta de um terceiro.[2]
Regressando à situação dos autos, o que se terá de assinalar, na linha de tudo o que se vem expondo, é que não é ao autor que cabe provar qual a causa dos defeitos, mas sim aos réus que incumbe a prova de que os defeitos, cuja verificação é, neste caso, inquestionável, não procedem de culpa sua. Tal como, similarmente, lhe cabe também provar a posterioridade dos defeitos.
Se o provassem lograriam assim afastar a sua responsabilidade.
Só que essa prova não foi obtida, conforme manifestamente decorre da resposta dada ao nº 61 da base instrutória. Perguntava-se aí: “As deficiências acima referidas resultam da degradação do imóvel com o tempo?”. E a resposta que o mesmo mereceu foi a de “não provado”.
Acontece que a matéria de facto dada como assente pela 1ª Instância não foi objecto de impugnação por parte dos réus/recorrentes nos termos do art. 712 do Cód. do Proc. Civil, motivo pelo qual se terá que considerar a mesma como definitivamente fixada.
Ora, perante tal factualidade, inquestionada pelos réus/recorrentes e face às regras de repartição do ónus da prova acima descritas, somos levados a concluir que bem andou a 1ª Instância ao condenar os réus, aqui recorrentes, a procederem à eliminação dos defeitos elencados na sentença recorrida.
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência do recurso.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos réus B… e mulher C…, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos réus/recorrentes.

Porto, 10.5.2011
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
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[1] In “Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada”, 2001, págs. 321/2.
[2] Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 323/4.