Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0447362
Nº Convencional: JTRP00039832
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME PARTICULAR
ACUSAÇÃO
NULIDADE
CRIME DE USURPAÇÃO
Nº do Documento: RP200612060447362
Data do Acordão: 12/06/2006
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 237 - FLS. 59.
Área Temática: .
Sumário: I- Tratando-se de crime particular, se o Ministério Público, depois de deduzida acusação pelo assistente, não toma posição, isto é, não diz se acusa pelos factos, por parte deles ou por outros que não representem alteração substancial, não se verifica qualquer nulidade.
II- A reprodução de um retrato do assistente, mesmo que extraído de um livro de que seja co-autor, sem o seu consentimento, e destinado a ilustrar um artigo de jornal do qual é ele o objecto, não preenche o crime de usurpação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. No …º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de S. João da Madeira, na sequência da acusação particular deduzida pelo assistente B…….. contra os arguidos C................ e D................, por factos susceptíveis de integrar, em relação ao primeiro, em autoria material, na forma consumada, o tipo legal de crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180º/1 e 183º/2 C Penal, com referência ao artigo 30º da Lei de Imprensa e em relação ao segundo, em comparticipação, o mesmo crime de difamação, com referência aos artigos 30º e 31º/3 da Lei de Imprensa e de um despacho de arquivamento, por parte do MP, quanto à denúncia do assistente de factos alegadamente integradores, por parte dos mesmos arguidos, em co-autoria, ou por algum deles, de um crime de usurpação, p. e p. pelo art. 195°/1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, e ainda, e um crime de utilização ilícita de fotografia, p. e p. pelo art. 199°/2 alínea b) C Penal, finda a Instrução,
requerida pelo assistente e pelos ditos arguidos, inconformado aquele, com o despacho de arquivamento, pugnando por que os arguidos cometeram o crime de usurpação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 195º/1 e 197º/ 1, por referência aos artigos 9º, 67º/1 e 68º/1 e 2 alínea i) e 3 do CDADC e inconformados estes, com a acusação particular, defendendo, que a final deveria ser proferido despacho de não pronúncia e os autos arquivados,

foi proferido o seguinte despacho:

questões prévias:
relativamente aos documentos juntos pelo arguido C……….. tendo em conta que consistem apenas em cópia de artigos publicados em revista sobre “insultos políticos”, sem qualquer relação directa com os arguidos, assistente, e matérias em causa nestes autos, não admito a junção, e determino que ficando cópia no seu lugar, sejam devolvidos ao apresentante.
No início do debate veio o Assistente arguir a nulidade prevista na alínea b) do artigo artigo 119° do Código de Processo Penal, por o Ministério Público não ter tomado posição sobre a acusação particular, nos termos dos artigos 219°/1 da Constituição da República Portuguesa, 285°/3 e 48° do Código de Processo Penal.
Pelos arguidos foi dito nada terem a dizer quanto à nulidade arguida pelo assistente.
A seguir veio o arguido C................ arguir a nulidade prevista no artigo 120°/2 alínea d) do Código de Processo Penal, do despacho que indeferiu a solicitação da certidão do Relatório da Acção Inspectiva, por reputar tal documento como absolutamente essencial à comprovação dos factos alegados pela defesa.
Considerou o arguido D................ que a nulidade arguida pelo arguido C................ deveria ser deferida. E veio também este arguido arguir nulidade por insuficiência de instrução, nos termos do artigo 120°/2 alínea d), por não ter sido deferida a inquirição das quatro testemunhas por si arroladas, considerando que foram omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, bem como serem os factos de instrução manifestamente insuficientes.
Pelo Assistente foi considerado quanto à nulidade arguida pela defesa de C................ que tendo em conta os documentos juntos ao processo, tendo em conta tratar-se de matéria objecto de artigos jornalísticos de teor bastante objectivo e as finalidades do debate consignadas no artigo 298º do Código de Processo Penal, serem os indícios suficientes e não ver obstáculo à pronúncia da decisão instrutória. Nada mais tendo a dizer.
Dada a palavra ao Ministério Público, considerou a Digníssima Magistrada que a nulidade a que se refere o artigo 119° b) do Código de Processo Penal respeita à falta de promoção do Ministério Público, tendo em conta a diferente natureza dos crimes em questão pois refere-se ao artigo 48°, com as restrições dos artigos 49° e 52° do CPP. Assim, tratando-se de crimes de natureza particular a faculdade a que se refere o artigo 285°/3 do Código de Processo Penal não é condição de procedibilidade ou pressupostos processual para o exercício da acção penal. Concluindo não se verificar a nulidade invocada.
Referiu ainda aderir à posição assumida pelo assistente, quanto à nulidade invocada pelo arguido C................ e quanto à nulidade invocada pelo arguido D................, considerar que a mesma existe aderindo agora aos fundamentos de fls. 321.
Cumpre apreciar e decidir.
I) Nulidade arguida pelo Assistente.
Considera o Assistente que o facto do Ministério Público não ter tomado posição sobre a acusação particular configura a nulidade prevista na alínea d) do artigo 119° do CPP.
Os arguidos nada tiveram a dizer e pronunciou-se o Ministério Público no sentido de não se verificar a referida nulidade por estar em causa crimes de natureza particular.
Resulta dos autos o seguinte:
em 30.04.04, deduziu o Ministério Público douto despacho de arquivamento relativamente aos crimes de usurpação, p. e p. pelo artigo 195°/1 do Código de Direitos de Autos e Direitos Conexos (CDADC), de utilização ilícita de fotografia, previsto e punido pelo artigo 199°/2 alínea b) do Código Penal e determinou a notificação do Assistente para em dez dias deduzir acusação particular;
em 18.5.2004, veio o Assistente deduzir acusação particular contra os arguidos pela prática dos crimes de difamação pp. e pp. pelos artigos 180º/1 e 183°/2 do Código Penal com referência aos artigos 30° e 31°/3 da Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13 de Janeiro);
no despacho seguinte determinou o Ministério Público o cumprimento do disposto no artigo 283°/5 do Código de Processo Penal e no despacho de fls. 251, determinou a remessa dos autos à distribuição; não deduziu acusação por estes crimes, não declarou acompanhar a acusação particular, nem se pronunciou sobre a mesma.
Nos termos da alínea b) do artigo 119° do CPP, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48°, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência.
Refere-se no artigo 285º, o seguinte:
1- Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em l0 dias, querendo, acusação particular.
2- É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto no artigo 283°/3
3- O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
Por outro lado, prescreve-se no artigo 50° nos 1 e 2 o seguinte:
1 – Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
2 – O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais.
No artigo 48° dispõe-se ter o Ministério Público legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49° a 52°, e no artigo 49°/1 refere-se que quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.
Nos artigos 51° e 52° contempla-se a ocorrência de desistência e o concurso de crimes.
Do disposto nestes artigos resulta competir ao Ministério Público a legitimidade para promover o processo penal, mas também que esta legitimidade conhece as restrições decorrentes do previsto nos artigos 49° a 52°.
Assim, nos crimes semi-públicos e particulares o Ministério Público não pode promover o processo se não for deduzida queixa e nos crimes particulares é necessário a constituição de um assistente e que este deduza acusação particular.
Desta forma nos crimes particulares se o ofendido não se constituir assistente e não deduzir acusação particular, ao Ministério Público não caberá pronunciar-se sobre a existência ou não de indícios da prática destes crimes, nem poderia fazê-lo.
Nos crimes particulares e no que se refere à acusação o Ministério Público como que assume uma posição subsidiária em relação ao assistente.
Tendo este deduzido acusação particular, poderá o Ministério Público acusar e se o fizer terá de o fazer pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (art. 285°/3).
E não se prevê também no artigo 285° que o Ministério Público, se considerar que não existem indícios, possa formular um despacho similar ao de arquivamento. Refere-se apenas que pode acusar.
Sendo que, independentemente do facto de deduzir ou não acusação, é suficiente a acusação particular para que o processo prossiga para as fases processuais seguintes, de instrução se for requerida, ou de julgamento.
Nestes termos, “a intervenção do Ministério Público nos crimes dependentes de acusação particular assume-se como algo de subsidiária, pois está dependente das decisões processuais que o assistente tome” (Damião da Cunha, A participação do sparticulares no exercício da acção penal – Alguns aspectos, in RPCC, ano 8, fasc. 4°, Out-Dez. 998, págs. 593-660, apud Ivo Miguel Barroso, in Estudos Sobre o Objecto do Processo Penal, pág. 136).
No sentido de não se verificar esta nulidade ou sequer uma irregularidade processual, cfr. os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19.6.98 e da Relação do Porto de 19.11.2003; em sentido contrário cfr. o Ac. da RL de 8.1.2003; no sentido de se verificar esta nulidade, mas para casos distintos relativos a crimes semi-públicos, em que os assistentes vieram deduzir acusação sem que o Ministério Público antes o tivesse feito, cfr. Acs. da RP de 4.3.98, 18.3.98, 20.10.99, 6.2.02, 25.9.02, todos in www.dgsi.
Refere-se no segundo acórdão citado, da Relação do Porto de 19.11.2003, que “a omissão de tomada de posição do Ministério Público quanto a acusação deduzida pelo assistente por crime de natureza particular, não configura qualquer nulidade ou irregularidade processual, possível de paralisar ou fazer retroceder o curso normal do processo, porquanto nesses casos aquela (acusação) bastará para que o mesmo (processo) possa prosseguir para as fases ulteriores.”
Nos termos expostos considero que o facto do Ministério Público nada dizer sobre a acusação particular não integra a nulidade de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48°, uma vez que este mesmo artigo ressalva as restrições resultantes dos artigos 49° a 52°.
Custas no mínimo pelo Assistente.
2) Nulidades invocadas pelos arguidos.
Veio o arguido C................ arguir a nulidade prevista no artigo 120°/2 alínea d) do Código de Processo Penal, do despacho que indeferiu a solicitação da certidão do Relatório da Acção Inspectiva, por reputar tal documento como absolutamente essencial à comprovação dos factos alegados pela defesa.
E veio o arguido D................ arguir nulidade por insuficiência de instrução, nos termos do artigo 120°/2 alínea d), por não ter sido deferida a inquirição das quatro testemunhas por si arroladas, considerando que foram omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, bem como serem os factos de instrução manifestamente insuficientes.
Considerou o arguido D................ que a nulidade arguida pelo arguido C................ deveria ser deferida.
Pelo Assistente foi considerado quanto à nulidade arguida pela defesa de C................ que tendo em conta os documentos juntos ao processo, tendo em conta tratar-se de matéria objecto de artigos jornalísticos de teor bastante objectivo e as finalidades do debate consignadas no artigo 298º do Código de Processo Penal, serem os indícios suficientes e não ver obstáculo à pronúncia da decisão instrutória.
Declarou o Ministério Público aderir à posição assumida pelo assistente, quanto à nulidade invocada pelo arguido C................ e quanto à nulidade invocada pelo arguido D................, considerar que a mesma existe aderindo agora aos fundamentos de fls. 321.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 120°2 alínea d) constitui nulidade dependente de arguição, além das que foram cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. Esta nulidade pode ser arguida até a encerramento do debate instrutório.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, artigo 286º/1 do Código de Processo Penal. A direcção da instrução compete a um juiz de instrução, assistido pelos órgãos de polícia criminal, artigo 288°/1.
A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis, artigo 289°/1.
Os actos de instrução efectuam-se pela ordem que o juiz reputar mais conveniente para o apuramento da verdade. O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considerar úteis, sem prejuízo da possibilidade de reclamação, artigo 291°/1.
Os actos e diligências de prova praticados no inquérito só são repetidos no caso de não terem sido observadas as formalidades legais ou quando a repetição se revelar indispensável à realização das finalidades da instrução, artigo 291º/2.
Não são inquiridas testemunhas que devam depor sobre os aspectos referidos no artigo 128°/2, artigo 291°/3. No artigo 128°/2 refere-se o seguinte “salvo quando a lei dispuser diferentemente, antes do momento de o tribunal proceder à determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis, a inquirição sobre facto relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior, só é permitida na medida estritamente indispensável para a prova dos elementos constitutivos do crime, nomeadamente da culpa do agente, ou para a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.
Dos artigos 288° e 289° resulta que os actos de instrução dependem da livre resolução do juiz (Ivo Miguel Barroso, in Estudos Sobre o Objecto do Processo Penal, pág. 135).
“Dentro do âmbito da instrução e ressalvada a hipótese do artigo 292°/2 do Código de Processo Penal, o juiz é que avalia, independentemente do requerido e sem possibilidade de recurso, do interesse da efectivação dos diversos actos”, cfr. Ac. da RL de 20.4.93, apud Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, pág. 182).
Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III volume, página 85 refere a propósito da insuficiência do inquérito que esta “é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de acto que a lei prescreve. Assim, só se verifica esta nulidade quando se omita acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diferente.
A omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação de necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público.” (sobre o âmbito das diligências essenciais igualmente em sede de inquérito, poder-se-á ver também o Acórdão do Tribunal Constitucional 395/2004, in DR II Série, nº. 238, de 9.10.2004, que neste sentido, negou provimento a recurso).
De forma semelhante ao inquérito, considera-se que para a instrução a omissão de diligências não impostas por lei, como a inquirição de testemunhas, não comporta a nulidade da instrução por insuficiência (neste sentido, cfr. por exemplo os Acs. do STJ de 3.5.00, in CJ, S, II, 180, da RL de 21.10.99, in CJ, IV, 155 e de 5.2.2004, e da RP de 17.3.2004, in www.dgsi).
Conforme se refere expressamente nos artigos 288°/1, 289°/1 e 291°/1, a direcção a instrução compete a um juiz de instrução, e a instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo, indeferindo por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo.
Não existindo nestes termos a nulidade por insuficiência de instrução ou por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, uma vez que não está em causa a prática de acto prescrito por lei, como por exemplo o previsto no artigo 292°/2, interrogatório do arguido por este solicitado), não se tendo considerado essenciais as diligências de prova solicitadas, face aos elementos já constantes dos autos, conforme se refere no despacho de indeferimento destas diligências.
Nestes termos, considero que não se verificam as nulidades invocadas.
Custas no mínimo por cada um dos arguidos.

Cumpre proferir decisão instrutória.
Na sequência do despacho do Ministério Público de arquivamento quanto aos crimes de usurpação, p. e p. pelo artigo 195°/1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) e de utilização ilícita de fotografia, p. e p. pelo arguido 199°/2 alínea b) do Código Penal, e de acusação do Assistente B………, pelos crimes de difamação previstos e punidos pelos artigos 180°/1 e 183º/2 do Código Penal, com referência aos artigos 30° e 31°/3 da Lei de Imprensa, Lei 2/99, de 13 de Janeiro, vieram o assistente e cada um dos arguidos C................ e D................, requerer a abertura de instrução respectivamente quanto ao arquivamento o primeiro, e quanto à acusação particular os últimos.
Admitida a instrução, na data para o efeito designada teve lugar o interrogatório do arguido C................, tendo-se determinado também que o Assistente fosse ouvido em declarações sobre a cópia de alegado relatório da Inspecção-Geral da Administração do Território.
Durante a instrução foram também juntos aos autos diversos documentos.
Indeferiram-se as requeridas tomada de declarações do assistente e inquirição das testemunhas E……… e F…………., por já terem sido inquiridos e das demais testemunhas por a matéria em causa resultar de documentos juntos aos autos ou sobre a mesma já terem sido prestadas declarações.
Teve lugar o debate instrutório com obediência a todo o formalismo legal.
Mantém-se a validade e regularidade da instância, inexistindo outras nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, artigo 286°/1 do Código de Processo Penal, sendo formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis, artigo 289°/1.
Para a prolação do despacho de pronúncia ter-se-á de concluir pela existência de indícios suficientes, nos termos do artigo 308°/1 “se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos”.
Os indícios serão suficientes “quando justificam a realização de um julgamento”, Jorge Noronha e Silveira, O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 159.
Existindo três teses sobre a suficiência de indícios: a menos exigente, como mera possibilidade, ainda que diminuta, de condenação, a intermédia, como maior possibilidade de condenação do que de absolvição, e a mais exigente como forte possibilidade de condenação, adere-se à segunda, que será a dominante na doutrina e na jurisprudência.
Assim, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º volume, reimpressão da 1ª ed. de 1974, de 2004, pág. 133, defende que os indícios só serão suficientes quando seja de considerar altamente provável a futura condenação ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.
José Souto de Moura, Inquérito e Instrução, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 115, fala em possibilidade razoável.
Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, pág. 183, define a possibilidade razoável como uma probabilidade mais positiva do que negativa, cfr. também por exemplo o Ac. da RL de 5.2.2004, in www.dgsi no qual se citam no mesmo sentido outros acórdãos.
Cumpre pois aferir se dos autos resulta a existência deste indícios suficientes da prática pelos arguidos dos crimes que lhes são imputados pelo assistente, na acusação particular e no requerimento de abertura de instrução na sequência do arquivamento.
Os presentes autos tiveram início com a queixa apresentada em 16.1.2004, por B……….., contra o autor ou autores do texto publicado na edição nº. 3005, de 6.12.2003, página 7, do jornal “G…………”, assinado por “H……..”, F………., actualmente Director do Jornal, e D................, Subdirector do jornal.
Nesta queixa imputava aos arguidos a publicação no jornal de um texto subscrito por “H……..” e uma fotografia/retrato do denunciante, concluindo ter sido visado neste texto em termos objectivamente ofensivos da sua honra e consideração.
Refere escrever-se neste artigo, a propósito de um recente relatório de auditoria do Tribunal de Contas à gestão da Câmara Municipal ………, que o denunciante “saiu sobretudo em defesa do ex-presidente”, “foi má opção, porque não tem credibilidade para o fazer”, quando exerceu funções de vereador entre 1984 e 1985, “foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio, incorrendo, assim, na perda de mandato”, enquanto vereador terá votado a favor de uma doação de terrenos – que eram propriedade do Município a favor da I…………., pertencendo a tal cooperativa, sendo proprietário de um dos apartamentos por ela construídos. Escreveu-se também neste artigo “Se o Dr. B……….. dominasse melhor as suas paixões, não se precipitava, nem falava atabalhoadamente, para o povo de ………., que, afinal, já condenou J…………..”.
Considera radicarem tais factos em falsidades e deturpações malévolas porque não era à época proprietário das habitações construídas mas sim arrendatário de uma deles, não integrar qualquer dos órgãos sociais da Cooperativa, ter votado de facto, em 10.12.85, uma deliberação em que se determinava que a cedência de terrenos à Cooperativa se limitasse à área de implantação dos lotes, não sendo abrangidos os terrenos envolventes aos mesmos, como havia sido deliberado por anteriores gestores camarários. Conclui não ter actuado com o propósito de retirar, nem retirou em circunstância alguma, quaisquer benefícios pessoais no exercício das suas funções de vereador, designadamente, ao participar na votação de tal deliberação, como é bem sabido pelos denunciados e nunca ter incorrido em perda de mandato, contrariamente ao que pretenderem fazer crer, ter sido ouvido sobre o assunto pelo Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de S. João da Madeira, tendo sido os respectivos autos de inquérito arquivados.
Refere também que a foto publicada com o referido texto consiste num retrato do denunciante retirado da página 303 do livro “L………..”-75 anos de história (1924-1999)2 ISBN 972-98099-0-9/Depósito legal: 134055/99, do qual o denunciante é co-autor, tendo sido publicado em Fevereiro de 1999, reproduzida pela editora M……….. Lda, com o consentimento dos respectivos autores, sendo uma obra original dos mesmos e ter sido violado o direito de autor do denunciante, uma vez que a publicação da foto/retrato não foi precedida do necessário consentimento dos autores da obra, nem a sua publicação obedece aos pressupostos que dispensam o seu consentimento.
Conclui terem sido praticados pelos denunciados os crimes de difamação pp. e pp. pelos artigos 180°/1 e 183°/ do Código Penal, com referência aos artigos 30° e 31°/3 da Lei de Imprensa, um crime de utilização de fotografia ilícita, p. e p. pelo artigo 199°/2 alínea b) e n°. 3 e 197° alínea b) do Código Penal, com referência aos artigos 30º e 31°/3 da Lei de Imprensa e um crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195°/1 do Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.
Juntou documentos, requereu que lhe fossem tomadas declarações e indicou 5 testemunhas.
Notificado para o efeito, veio o 2° arguido identificar o autor do escrito, C................, fls. 34.
A fls. 37 veio o assistente declarar não se opôr a prescindir da 4ª testemunha, face à sua idade avançada, tendo sido depois dispensada a sua inquirição (fls. 39).
A fis. 52 foi ouvido o assistente, tendo então prescindido da inquirição da 2ª testemunha.
A fls.54, foi inquirido E……….. que referiu em síntese ter ficado chocado com o artigo por não corresponder à verdade e com o facto de vir acompanhado da fotografia indevidamente retirada do livro de que é co-autor.
A fls. 55, foi inquirido N…….., que referiu ter intervido na doação à Cooperativa e não ter sido o assistente beneficiado por não ser proprietário de nenhum imóvel da mesma. Referiu também ter ficado chocado com o artigo por em nada retratar a verdade e com a fotografia que terá sido retirada abusivamente de um livro, de que é co-autor.
A fls. 59 foi interrogado o 2° arguido, F................, tendo informado que por razões de saúde o seu cargo de director do jornal está suspenso, tendo sido nomeado um subdirector, o 3° arguido, e só ter tido conhecimento do artigo em causa quando o jornal foi distribuído.
A fls. 64, foi interrogado o 3° arguido, D................ que confirmou assumir na prática as funções do 2° arguido, de responsável do jornal em causa. Referiu ter sido o artigo escrito pelo 1º arguido, colaborador de prestígio e de total credibilidade e confiança, pelo que os seus artigos não são submetidos, em regra, a apreciação antes da sua publicação, sendo o seu conteúdo da sua inteira responsabilidade. Referiu ainda não saber se a fotografia publicada foi retirada do aludido livro por no sistema informático de qualquer jornal serem inseridas fotos de diversas figuras conhecidas que são em regra utilizadas, quando necessário.
A fls. 69, foi ouvido o 1° arguido C................. Confirmou ter escrito o artigo e ser o teor do mesmo do domínio da opinião pública, limitando-se a reproduzir na questão factual, o que consta do relatório respeitante a um inquérito levado a cabo pela Inspecção-Geral da Administração do Território. Quanto ao resto do artigo limita-se a emitir a sua opinião, sem procurar difamar ou atacar de alguma forma o visado, no uso do direito de liberdade de expressão. Neste artigo não se diz que o denunciante é uma pessoa sem credibilidade, antes se afirma que não tem credibilidade, isto é, não merece confiança para defender o ex-presidente e explica-se porquê, quando se diz “se o Dr. B……….. dominasse melhor as suas paixões”, pretende-se dizer que ele deveria dominar melhor as suas maiores preferências. Referiu também não ter sido o artigo escrito isoladamente mas sim inserido num programa jornalístico semanal do jornal designado “O……….” e “P………” no qual se faz uma análise dos actos de figuras públicas, não tendo havido qualquer má fé ou intenção de difamar o denunciante ou outras pessoas abrangidas nesta rubrica noutras edições. Referiu também que quanto à fotografia esta não é da sua responsabilidade, tendo-se limitado a escrever e a entregar o artigo à redacção, mas tem conhecimento que no sistema informático existem fotografias de diversas figuras públicas as quais são utilizadas quando é publicado algum artigo relativo à mesma.
A fls. 81, foi inquirido Q……….., que refere que na altura da cedência dos terrenos fazia parte da direcção da Cooperativa, e o denunciante era vereador, tendo tal doação beneficiado todos os cooperantes, pois na altura ainda ninguém era proprietário das habitações, mas sim arrendatários. Referiu também que ao ler o artigo não o achou injurioso nem difamatório embora admita que o denunciante possa ter-se sentido ferido porque não foi beneficiado directamente na doação dos terrenos mas sim a cooperativa, da qual era cooperante com mais 175 famílias.
A fls. 97, foi proferido despacho de arquivamento quanto aos crimes de usurpação, pp. e pp. pelo artigo 195°/1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos e quanto ao crime de utilização ilícita de fotografia, p. e p. pelo artigo 199°/ 2 alínea b).
Considerou-se neste despacho o seguinte: “o simples facto de ter sido publicada uma fotografia do assistente, retirada de tal obra, não configura, só por si, a prática do crime de usurpação. A foto faz parte integrante da obra, mas só por si não merece qualquer protecção. É que, não podemos esquecer que o assistente é pessoa conhecida nos locais de divulgação do Jornal “G………” e que, haverá certamente muitas outras fotos do mesmo, associadas à respectiva participação em eventos públicos, como sejam os decorrentes do exercício das suas funções de director do jornal local, denominado “R………”. Por outro lado, importa ainda realçar que a publicação da fotografia tornou-se imprescindível para dar continuidade a um tipo de artigos jornalísticos que o jornal “G……..” havia iniciado, sob a rubrica, “O………; P……..” à qual importa a publicação de uma fotografia da personalidade a que o respectivo artigo se refere, como forma de permitir aos leitores a imediata identificação das pessoas a que se reporta o respectivo conteúdo, e onde vêm sendo publicadas fotografias de diversas personalidade conhecidas no meio de divulgação do respectivo jornal.
Assim, é nosso entendimento que a publicação da fotografia extraída da obra em questão, aliada à circunstância de o assistente ser pessoa conhecida e que já exerceu cargos políticos em ……., não é o bastante para concluirmos pela verificação do referido crime de usurpação.
Importa agora analisar os pressupostos de crime de utilização de fotografia ilícita, p. e p. pelo artigo 199°/2 alínea b) do Código Penal.
Face ao que acima resulta exposto, quanto ao facto de o assistente ser uma pessoa conhecida e que vem participando de forma activa na vida pública e até na vida política, somos levados a concluir que, desde logo, não se verifica um dos pressupostos do crime em questão.
Efectivamente, este artigo enquadra-se no Capítulo VIII do Código Penal, “Dos crimes contra outros bens jurídicos pessoais”, sendo que o bem jurídico que o mesmo protege, neste caso, é a privacidade, a reserva da esfera pessoal de cada um.
Ora, a fotografia em questão foi extraída de uma obra pública, destinada ao público, pelo que, ao permitir a respectiva publicação, a pessoa fotografada assumiu que a mesma poderia destinar-se ao público, e assim sendo, falecem, desde logo, os pressupostos de tal crime.”
A fls. 100 veio o assistente deduzir acusação particular contra o 1º e 3° arguidos, explicando não a deduzir contra o 2° arguido por o mesmo não se encontrar na ocasião, no desempenho das suas funções, imputando-lhes pelos factos participados, a prática do crime de difamação.
Quanto ouvido antes do Debate Instrutório, referiu o arguido C................ ter plena liberdade na escolha dos assuntos que abordava na coluna, sobre os mesmos não dar muitas vezes conhecimento ao subdirector e pensar que neste caso também não o terá feito.
Ouvido em declarações confirmou o Assistente ter sido ouvido por um inspector do IGAT sobre a deliberação da Câmara concernente à Cooperativa, e ter participado na referida deliberação no sentido de doar à Cooperativa o direito de superfície da área de implantação da construções da cooperativa, sendo na altura associado na mesma Cooperativa e pagando além da quota uma renda para viver na mesma e ter vindo posteriormente a adquirir a propriedade de uma fracção do edifício da Cooperativa.
Constam ainda dos autos os seguintes documentos:
Fls. 9 – cópia de artigo do R………;
Fls. 10 e 11 – cópia do artigo de G………., em causa nestes autos;
Fls. 12 – cópia de artigo de G……….. de 7.11.87;
Fls. 13 – cópia de artigo de G……… de 18.3 .89;
Fls. 14 – cópia de artigo de G………. de 27.5.89;
Fls. 15 – cópia de páginas do livro de onde terá sido retirada a fotografia;
Fls. 71 – cópia de documento (relatório) relativo à doação da Inspecção Geral do Território no qual se conclui que “a cedência do terreno a título gratuito vai beneficiar os membros da Cooperativa” e que “os referidos sócios da Cooperativa, se ainda exercessem as funções de vereadores, incorriam na pena de declaração a perda de mandato”;
Fls. 140 e 141, cópia de dois artigos publicados pelo Público, relativos a processos por difamação;
Fls. 167 – artigo do G……… de 22.11.03;
F1s. 168 – fotocópia da escritura de constituição da Cooperativa;
Fls. 183 – relação de sócios;
Fls. 207 – despacho dos Secretários de Estado do Orçamento e da Habitação e Urbanismo a conceder o visto à nova versão aos estatutos da Cooperativa;
Fls. 208 - cópia do relatório do Inquérito do Município da Inspecção-Geral da Administração do Território;
Fls. 317 - ofício da Cooperativa de Habitação Económica 11 de Outubro, C.R.L. a informar ter sido o Sr. B………… associado desde 14.12.1976 até 31.07.2003, ter pago ao longo de alguns anos, prestações mensais, até 30.6.1993, destinadas a amortizar os custos de construção de várias habitações dos prédios, ter adquirido a propriedade por compra realizada através de escritura pública em 28.1.94, pelo preço de 32.421,86 €, obtido por acordo das partes, tendo em conta a dívida à altura ao I.N.H., entidade financiadora da construção das habitações da cooperativa.;
Fls. 326 – certidão de peças processuais do processo sumário ……/03.4 do ….° Juízo deste tribunal – cópia de doze artigos de jornal, e de moção;
Como já referido veio o assistente requerer a abertura de instrução relativamente ao arquivamento quanto ao crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195/1 do CDADC. Requereu que lhe fossem tomadas as declarações, que fossem inquiridas a testemunhas E………., F…………, contra o qual inicialmente apresentou queixa e que por isso foi constituído arguido e, que fosse realizado exame pericial para se averiguar se se trata ou não da mesma fotografia.
Indeferiram-se as requeridas inquirições por todos os indicados já terem sido ouvidos no inquérito. Não se deferiu o exame pericial, optando-se antes por determinar a notificação dos arguidos para que averiguassem se a fotografia no sistema informático do jornal tinha sido ou não retirada do livro referente ao aniversário da L………., se é a mesma fotografia ou para identificarem a sua origem, nada tendo vindo no entanto os arguidos dizer.
Compulsados os autos, a semelhança das fotografias indicia que a fotografia publicada no jornal terá sido retirada do referido livro.
No entanto, mesmo admitindo-se tal possibilidade, não se considera que este facto permita concluir pela prática do crime de usurpação previsto no artigo 195° do CDADC.
Com efeito, “o direito de autor protege criações intelectuais (“obras”) do domínio literário, científico e artístico como o livro, a composição musical, o retrato ou a obra arquitectónica. Com o tempo e a evolução das técnicas, a protecção foi estendida às obras fotográficas, cinematográficas, radiofónicas e televisivas, bem como aos fonogramas e videogramas.” (Maria Eduarda Gonçalves, in Direito da Informação, pág. 33).
“São requisitos gerais da protecção pelo direito de autor, a originalidade, se bem que esta não seja mais do que uma exigência formal e a inteligibilidade.” (autora e obra citadas, pág. 34, referindo na nota 44, nesta mesma página que o significado de originalidade é essencialmente o de origem entendida como expressão da personalidade e da criatividade do autor).
Ora, a fotografia em causa é uma fotografia que “retrata” o assistente, tendo sido incluída no referido livro para identificar o autor do mesmo. Assim a fotografia necessariamente não terá tirada pelo próprio assistente, co-autor da obra, mas sobretudo não constitui uma criação intelectual que reúna os referidos requisitos gerais para protecção pelo direito de autor. Tenha-se em conta o disposto no artigo 164°/1 CDADC” para que a fotografia seja protegida é necessário que pela escolha do seu objecto ou pelas condições, a sua execução possa considerar-se como criação artística pessoal do seu autor”. Referindo-se também no artigo 165°/1 que “o autor da obra fotográfica tem o direito exclusivo de a reproduzir, difundir e pôr à venda.
Por outro lado, também não se verifica a hipótese prevista no artigo 199°/ 2 alínea b) do Código Penal uma vez que não está em causa fotografia que contenha imagem da vida privada ou íntima, ter sido retirada de um livro destinado ao público, e face ao teor da notícia ser dispensado o consentimento nos termos do disposto no artigo 79°/2 do Código Civil, cfr. a propósito Manuel da Costa Andrade, in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, páginas 143-147.
Nestes termos, considera-se ser de manter o arquivamento, não se pronunciando os arguidos por estes crimes.
A fls. 135 veio o arguido D................ requerer a abertura da instrução.
Alega que constituindo o artigo em causa um artigo de opinião, assinado pelo seu autor, só o autor pode ser criminalmente responsabilizado, sendo que sobre o facto de não ter tido conhecimento prévio do artigo as suas declarações constituem a única prova – Lei 2/99, art. 31°/4 e 5, e Acs. da RP de 9.6.99, e de 23.3.01, in www.dgsi.
Refere-se depois aos dizeres do artigo publicado no jornal e refere constar o benefício do documento junto pelo arguido C…………...
Juntou documentos relativos a processos nos quais foi discutida a liberdade de expressão.
Requereu que fossem inquiridas quatro testemunhas: o Eng. S………., T………, U………., e V……….
Não se deferiu a requerida inquirição das testemunhas por se considerar que a matéria sobre a qual iriam depor já resultava dos autos.
E com efeito, de nenhum documento, nem de nenhuma declaração ou depoimento resulta que o arguido D................ tivesse tido conhecimento prévio do artigo. Pelo contrário, e sobre o assunto, por este arguido foi referido estar em causa artigo de opinião e não ter tido conhecimento prévio do mesmo. Já em sede de instrução, confirmou o arguido C................ tratar-se de artigo de opinião, reconheceu ser ele, o arguido C................, que escolhia os assuntos, sobre os mesmos não dar muitas vezes conhecimento prévio ao subdirector e segundo pensa não lhe ter dado conhecimento prévio do artigo em causa.
Além do facto do arguido D................ ser subdirector do Jornal e de estar a exercer as funções de director, não existe nenhum elemento de prova quanto a ter tido qualquer participação na publicação do artigo.
Prescreve o n°. 3 do artigo 31° da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, Lei da Imprensa o seguinte “o director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através de acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites”.
No sentido de que o director do jornal só pode ser responsabilizado criminalmente se tiver tido conhecimento do escrito, tiver tido possibilidade de se opor à publicação e não se tiver oposto através da acção adequada pronunciaram-se também e por exemplo os Acórdãos do Tribunal da RP de 6.3.2002 e de 12.2.2003, in www.dgsi.
Não existindo quaisquer indícios da verificação sequer de um destes pressupostos, antes pelo contrário, concluo que mais do que não existirem indícios suficientes, foram afastados os indícios da prática pelo arguido D................ do crime de difamação p. e p. pelos artigos 180°/1 e 183°/2 do Código Penal, com referência ao artigo 30° e 31°/3 da Lei de Imprensa, Lei 2/99, pelo que não irei pronunciar este arguido por este crime.
A fls. 146 veio o arguido C................ requerer a abertura de instrução, alegando não existirem nos autos indícios da prática do crime de que vem acusado.
Em síntese, impugna os factos que lhe são imputados, tece conclusões sobre a forma como escreveu o artigo, artigos 1º a l3º concluindo no artigo 14° não ter tido intenção de ofender o queixoso, como não ofendeu. Também no artigo 18° refere ter escrito um artigo de opinião, e refere-se depois ao seu comportamento anterior e actual, quanto aos cargos por si desempenhados, artigos 20° a 36°. No artigo 45° e ss., refere-se a um anterior artigo do jornal de 22.11.2003, da autoria de X………, de artigo depois escrito pelo Assistente, ao qual se seguiu o artigo em causa nos presentes autos. Refere-se depois aos factos tratados no artigo.
Juntou documentos e requereu a inquirição de sete testemunhas: Dr. Y………, S………, Z………., BB…………, Eng. BC………., Dr. BD……….., Eng. BE………….
Requereu também que fossem solicitados outros documentos.
No caso dos autos, não se admitiu a inquirição das testemunhas por se considerar que sobre a matéria em causa já existiam no inquérito elementos suficientes – assim sobre o artigo em causa constituir um artigo de opinião, pronunciaram-se em declarações o 1° e o 3° arguidos, sobre o pretexto e o contexto em que foi elaborado o artigo, além das declarações prestadas pelo 1º arguido, existem documentos nos autos, nomeadamente a cópia do relatório e os artigos do jornal R…….. e G……….., e sobre a demonstração dos factos relatados no artigo e intenção do arguido, existe o Relatório e as suas declarações e, por outro lado, não é admissível a inquirição de testemunhas sobre os aspectos referidos no artigo 128°/2. Determinou-se que fossem solicitados os documentos requeridos, não tendo vindo no entanto a ser junto aos autos o original ou certidão do Relatório da IGAT.
Quer o direito ao bom nome e reputação, quer a garantia da liberdade de imprensa, que envolve a liberdade de expressão e criação dos jornalistas encontram-se consagrados constitucionalmente, artigo 26° e 38°).
Os conflitos entre o exercício do direito de livre expressão e informação e o direito à honra serão depois resolvidos pelo direito penal, cfr. Figueiredo Dias in Direito de Informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português”, na RLJ. 115º, 100e ss e 136/7, citado no Ac. da RP de 27.11.2002, in www.dgsi “sustenta que, em primeiro lugar, é indispensável à correcta justificação pelo exercício da informação que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto”.
Nos termos do disposto no artigo 180° do Código Penal, “quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias”. No entanto, “a conduta não é punida quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”, nºs. 1 e 2; nos termos do artigo 30 da Lei no 2/99, de 13 de Janeiro, Lei da Imprensa, a publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofendam bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei.
“Esta prova da verdade dos factos tem de ser perspectivada à luz do direito de informação que na crónica se encerra. (…). Na verdade, exigir para a publicação de uma notícia que o jornalista tivesse um grau de certeza necessário para proferir uma sentença de condenação seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação”, cfr. José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pág. 623 e Ac. da RP de 27.11.2002 in www.dgsi.
No caso dos autos, sobre o artigo em causa constituir um artigo de opinião, pronunciaram-se em declarações o 1º e o 3° arguidos, sobre o pretexto e o contexto em que foi elaborado o artigo, além das declarações prestadas pelo 1º arguido, existem documentos nos autos, nomeadamente a cópia do relatório e os artigos do jornal R................ e G................, e sobre a demonstração dos factos relatados no artigo e intenção do arguido, existe a cópia do Relatório e as suas declarações.
A tudo isto acrescem ainda, no decurso da instrução as declarações do Assistente, quanto a ter sido inquirido por um Inspector da IGAT sobre a deliberação da Câmara concernente à Cooperativa, e ter participado na referida deliberação no sentido de doar à Cooperativa o direito de superfície da área de implantação das construções da cooperativa, sendo na altura associado na mesma Cooperativa e pagando além da quota uma renda para viver na mesma e ter vindo posteriormente a adquirir a propriedade de uma fracção do edifício da Cooperativa.
Consta também dos autos o artigo escrito pelo Assistente e publicado no Jornal R................. Neste artigo refere o Assistente nomeadamente o seguinte: “apesar do foguetório na altura dominante propagandeasse responsabilidade exclusiva do então Presidente da Câmara, não tanto por ser essa a verdade toda mas porque essa “verdade” – como outras que o não eram serviam plenamente à estratégia de uma parte da oposição política … “e não só” – como ele próprio diria, os estilhaços agora estão a atingir.”
Refere que a inteligência sucumbiu, menciona a “casmurrice, ora “dos da Câmara, ora “dos da Assembleia”, numa atitude muito pouco digna”, imputa as irregularidades referidas no relatório do Tribunal de Contas ao legislador e à Assembleia da República. Menciona ainda “um minúsculo reduto de portugueses que, no uso da sua poção mágica localmente conhecida como de esperteza saloia, fez desmoronar o castelo legislativo em vigor”.
No artigo em causa nos autos escrito pelo arguido C................ refere-se nomeadamente que o Tribunal Constitucional acusou o ex-presidente da Câmara de gestão ilegal e que o Assistente saiu em sua defesa. E refere-se depois que “não tem credibilidade para o fazer” porque “há bastantes anos atrás era vereador, pertencia à Cooperativa, sendo proprietário de um dos apartamentos por ela construídos, nesses terrenos e votou também a favor da doação que foi aprovada, beneficiando-se e incorrendo na perda de mandato. Refere-se também a seguir que “se o Dr. B………. dominasse melhor as suas paixões, não se precipitava, nem falava, atabalhoadamente, para o povo de ……….”.
Quer pelas declarações, quer pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente as cópias dos artigos de jornal, é manifesto estarem em causa assuntos de interesse público, bem como ter o Assistente desempenhado um cargo público, de vereador, na data de um dos assuntos em causa – a deliberação da doação à Cooperativa.
Reconheceu o assistente ter participado nesta deliberação que foi aprovada por unanimidade, no sentido da doação à Cooperativa – da qual era associado e da qual em função do pagamento de uma renda habitava uma fracção, que posteriormente veio a adquirir. Essencial no artigo publicado será a participação na deliberação e o facto de pertencer à Cooperativa. Considerando-se que sendo associado da Cooperativa, habitando uma fracção mediante o pagamento de uma renda, e tendo vindo posteriormente a adquirir a propriedade dessa fracção, é desvalorizado o facto do arguido não ter precisado no artigo que só posteriormente é que o Assistente adquiriu a propriedade.
Sintomático também o facto de uma das testemunhas indicadas pelo próprio assistente não ter considerado que o artigo fosse injurioso ou difamatório, Q………, inquirido a fls. 8.
Tendo em conta o contexto em que foi escrito o artigo, resposta ao artigo escrito pelo Assistente, no qual apesar de não nomear nomes também utilizava expressões mais fortes, afirmando que uma determinada facção política terá contado uma não verdade, menciona ter a inteligência sucumbido, refere a casmurrice e esperteza saloia, o interesse público dos assuntos em causa, o relatório do qual foi junta cópia aos autos que se indicia verdadeiro, face ao dec1arado pelo Assistente quanto a ter sido interrogado por um Inspector da IGAT, sendo que no mesmo relatório se refere que a deliberação beneficia directamente os membros da Cooperativa e que os vereadores se ainda exercessem funções por terem intervindo na deliberação incorriam na perda de mandato, a admissão do próprio assistente quanto a ter participado na deliberação sendo sócio da Cooperativa, considero que a conduta do arguido foi legítima, por ocorrer no uso do seu direito de informar, de expressão e crítica, reportando-se a factos de interesse público, em relação aos quais existia fundamento sério, para em boa fé, os reputar como verdadeiros, assim o benefício e o incorrer em perda de mandato.
A propósito citam-se os Acórdãos da RP de 6.6.2001 e de 24.3.2004, in www.dgsi, nos quais se considerou que “o termo casmurrice inserido num contexto onde não transparece qualquer propósito de caluniar ou achincalhar o visado e reportado a factos julgados verdadeiros, é perfeitamente justificável, não se mostrando que o direito à honra tenha sido intoleravelmente beliscado” e que “o autor de um artigo pode exercer a sua crítica através de palavras inamistosas ou até acintosas. O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado Isto vale especialmente quando estão em causa figuras que exercem cargos públicos”.
E cita-se ainda o Acórdão também da RP de 16.3.1979, publicado na CJ, pág. 488, apud José Mouraz Lopes, Três questões sobre os crimes de Difamação e injúrias cometidos através da Imprensa, in Sub Júdice n°. 11, Jan/Jun 1996: “Punir o propósito de insultar é a função dos tribunais; evitar a narração de factos e qualificativos que possam deslustrar, ser inconvenientes, ou ferir alguém é função da censura, que não dos tribunais”.
Face ao exposto, concluo que também em relação ao arguido C................ não existem nos autos indícios suficientes da prática do crime de difamação que lhe é imputado.
Nos termos supra enunciados, concluo pela inexistência de indícios suficientes da prática pelos arguidos C................ e D................ dos crimes que lhes foram imputados na acusação particular e no requerimento de abertura de instrução, pelo Assistente, pelo que não os pronuncio pelos crimes de difamação pp. e pp. pelos artigos 180°/1 e 183º/2 C Penal, com referência ao artigo 30° e 31º/3 da Lei de Imprensa, Lei 2/99, de 13 de Janeiro, de usurpação, p. e p. pelo artigo 195°/1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, CDADC e de utilização ilícita de fotografia, p. e p. pelo art. 199°/2 alínea b)do Código Penal.

I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o assistente, apresentando as seguintes conclusões:
Da nulidade por falta de promoção processual pelo MP
1. Em 18/05/2004, o assistente, ora recorrente, deduziu acusação particular contra os arguidos pela prática dos crimes de difamação pp. e pp. pelos artigos 180°/1 e 183°/2 do C Penal, com referência aos artigos 30° e 31°/3 da Lei da Imprensa.
2. Na sequência da dedução da referida acusação particular, o Ministério Público proferiu despacho em que determinou o cumprimento do disposto no artigo 283°, no 3 do CPP, fls. 110 e, no despacho seguinte, fls. 251, determinou a remessa dos autos à distribuição.
3. Ou seja, relativamente à acusação particular deduzida pela assistente o Ministério Público não se pronunciou: não se absteve de acusar; não subscreveu, acompanhando-a, a acusação particular; não acompanhou a acusação particular apenas por parte dos factos ali referidos; ou ainda, não acusou por quaisquer factos que não importassem uma alteração substancial daqueles. Nada disse.
4. Suscitada pelo assistente, no início do debate instrutório, a nulidade prevista na al. b) do artigo 119º do CPP, por o Ministério Público não ter tomado posição sobre a acusação particular, decidiu o Tribunal” a quo”, em conclusão, que ”o facto do Ministério Público nada dizer sobre a acusação particular não integra a nulidade de falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48°, uma vez que este mesmo artigo ressalva as restrições resultantes dos artigos 49° a 52°”do CPP.
5. De facto, nos termos do artigo 219º/1 da Constituição da República Portuguesa, “ao Ministério Público compete (…) exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade”, donde decorre a sua sujeição a princípios/ deveres de legalidade.
6. Por outro lado, fazendo apelo às normas ordinárias, ao Ministério Público compete “colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade”, artigo 53°/1 do CPP, bem como, em procedimento dependente de acusação particular, proceder “oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência”, participar “em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular”, acusar “conjuntamente com esta” e recorrer “autonomamente das decisões judiciais”, artigo 50°/2 do CPP.
7. É certo que nos crimes dependentes de acusação particular o Ministério Público tem de aguardar a iniciativa do assistente, assim como, nos crimes que revestem natureza semi-pública, tem de ser exercido o direito de queixa do ofendido ou de outras pessoas, para que este promova o processo. No entanto, satisfeito o pressuposto da legitimidade para a existência de impulso processual, quer em procedimento dependente de queixa, quer em procedimento dependente de acusação particular, o Ministério Público passa a manifestar-se no processo de acordo com a posição e com as atribuições que legalmente lhe são cometidas, artigo 53° do CPP.
8. Quer isto significar que uma vez deduzida a acusação particular, acto para o qual apenas o assistente “ab initio” é competente, o Ministério Público tem obrigação legal de intervir em defesa da legalidade, colaborar na descoberta da verdade e na realização do direito, norteando a sua actividade por princípios de objectividade. Nessa medida “ele tem de tomar posição: estar do lado da acusação particular ou defender a inexistência de responsabilidade penal do acusado(…) o que não” pode” é assumir uma atitude de inércia ou não intervenção” (…)” não pode alhear-se do processo.”
9. Assegurada a legitimidade do procedimento pela dedução da acusação particular, o Ministério Público assumirá no processo a plenitude das suas atribuições.
10. Assim sendo, não perfilhamos em absoluto a tese expendida pelo Tribunal “a quo”, de que “nos crimes particulares o Ministério Público como que assume uma posição subsidiária em relação ao assistente”. A ser assim, qual o conteúdo e alcance do posicionamento do Ministério Público no processo em que se julguem os chamados crimes particulares: Alheamento? Aplicação do princípio da oportunidade?
11. Cremos bem que não e a ratio do artigo 285°/3 leva-nos exactamente a considerar que a faculdade aí estabelecida relativamente ao posicionamento do Ministério Público perante a acusação particular deduzida pelo assistente é a de, exactamente, marcar o momento em que a respectiva intervenção processual adquire plenitude face às atribuições que legalmente lhe estão fixadas, devendo, a partir desse momento, pautar a sua actuação no estrito respeito pelo exercício da acção penal orientada pelo princípio da legalidade.
12. À luz das razões acabadas de expor, atentemos no conteúdo útil do disposto no artigo 285°/3 do CPP, para aderirmos sem restrições ao entendimento expresso no acórdão da Relação de Lisboa supra referido, onde se diz: “ O conteúdo útil do preceito do preceito do artigo 285°/3 do CPP, ultrapassando a mera literalidade em que se pretende confiná-lo, reside em esclarecer, pois tal poderia não resultar claro das normas gerais aplicáveis e designadamente do dito artigo 53° do CPP, o que MP como titular que continua a ser do exercício da acção penal, tem possibilidade de fazer e que é;
abster-se de acusar; ou
subscrever, acompanhando-a, a acusação particular; ou
acompanhar a acusação particular apenas por parte dos factos ali referidos; ou ainda,
acusar, mas por outros factos, que não importem uma alteração substancial daqueles.
13. Ora, relativamente à acusação particular deduzida pela assistente o Ministério Público não se pronunciou: não se absteve de acusar; não subscreveu, acompanhando-a, a acusação particular; não acompanhou a acusação particular apenas por parte dos factos ali referidos; ou ainda, não acusou por quaisquer factos que não importassem uma alteração substancial daqueles. Neste particular, nada disse.
14. Tal significa que o Ministério Público, em face da acusação particular deduzida, utilizando a formulação do acórdão da Relação de Lisboa que temos vindo a seguir, na “fase da acusação, não lhe deu impulso, nem trabalhou a favor dela, diligenciou, requereu ou propôs o que quer que fosse”.
15. Verifica-se pois a falta de promoção do processo pelo Ministério Público e, em consequência, verificada está a nulidade expressa na 1ª parte do artigo 119º alínea b) do CPP.
16. Assim, ao não decidir pela verificação da nulidade nestes termos suscitada pelo assistente, o Tribunal a quo” violou por erro de interpretação e aplicação os artigos 219º/1 da CRP, 285°/3 e 48° do CPP.
17. Deve pois tal nulidade ser declarada e os seus efeitos serem determinados nos termos do artigo 122º do CPP.
Da decisão de não pronúncia relativamente ao crime de usurpação
18. Resulta dos autos que o assistente é co-autor de uma obra literária intitulada “L……… – 75 anos de história (1924-1999)”. Nessa mesma obra (livro), ou seja, no seu interior, mais concretamente na página 303, está inserto um retrato do assistente, associado à respectiva biografia.
19. Tal retrato foi utilizado pelo jornal “G………”, sem autorização ou consentimento do autor da obra (livro), para “ilustrar” o texto publicado na página 7 da já referida edição nº. 3005 do mesmo, datada de 06/12/2003, onde surge associado a um texto que o assistente considera ofensivo da sua honra e consideração.
20. Entretanto, como se refere no douto despacho de não pronúncia, notificado o arguido D................ para proceder a averiguações sobre se a “fotografia no sistema informático do jornal tinha sido ou não retirada do livro referente ao aniversário da L……….., se é a mesma fotografia ou para identificar a sua origem” o mesmo nada veio dizer.
21. Por outro lado, considerou o Tribunal o seguinte: “Compulsados os autos, a semelhança das fotografias indicia que a fotografia publicada no jornal terá sido retirada do referido livro”.
22. Ora, preceitua o artigo 195°/1 do CDAOC o seguinte: “Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor (...), utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código”.
23. As formas de utilização de uma obra estão previstas no artigo 67º do CDADC, referindo o nº. 2, do citado artigo que “assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes (…) a reprodução total ou parcial (da obra), qualquer que seja o modo por que for feita”, artigo 68°/2 alínea i).
24. Por outro lado, no artigo 75° do CDADC estão previstas as formas de utilização livre de uma obra, licitamente e sem o consentimento do autor, não contemplando a circunstância, em qualquer das suas alíneas, da utilização da obra tal como foi feita pelo jornal “G................”, uma vez que tal utilização não visou qualquer dos fins ou objectivos que legitimam a utilização livre das obras sem consentimento do seu autor.
25. Assim sendo, como é, a obra da qual o assistente é co-autor foi parcialmente reproduzida pelo jornal “G................” – concretamente foi reproduzido um retrato do assistente incluído no respectivo interior - sem que, para tal, o referido órgão de comunicação social estivesse legitimado pelo consentimento do autor da obra (livro) ou protegido por qualquer das formas de utilização livre previstas no CDADC.
26. Verificam-se pois os pressupostos do cometimento do crime de usurpação pelo arguido D................ enquanto responsável pelo dever funcional de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação, artigo 20° da Lei da Imprensa, designadamente:
utilização de um retrato contido na obra (livro) de que o assistente é co-autor;
sem autorização deste ou de outro co-autor;
a utilização foi feita sob a forma de reprodução, artigo 68°/2 alínea i) do CDADC);
a reprodução foi publicada pelo jornal “G................” com fins e objectivos diversos dos que legitimam a utilização livre das obras sem consentimento dos seus autores, cfr. o previsto no artigo 75° do CDADC.
27. Nessa medida, verificados os pressupostos do cometimento do ilícito penal e deles resultando claros indícios nos autos, a decisão de não pronúncia proferida pelo Tribunal” a quo” viola, por erro de interpretação e aplicação o artigo 195°/1 do CDADC.
28. Refira-se ainda que o Tribunal” a quo” laborou a sua argumentação jurídica, para determinar a decisão de não pronúncia, com base nas normas de protecção da obra fotográfica, as quais, manifestamente, não estão em análise nos autos. De facto, nos autos está em causa a reprodução parcial não autorizada de uma obra literária (livro) e não de uma obra fotográfica.
29. De resto, tal obra literária beneficia, como qualquer outra, do respeito pelo princípio da neutralidade estética a que o julgador deve estar sujeito, não lhe cabendo ajuizar se a obra ou se determinadas partes da obra reúne os requisitos gerais para protecção do direito de autor, designadamente se constitui ou não criação intelectual.
30. Por outro lado, tratando-se de reprodução em órgão de comunicação social, acresce um especial dever de cuidado por parte dos seus responsáveis na utilização dos conteúdos a publicar, designadamente, quando tais conteúdos se encontram inseridos em obras protegidas pelo direito de autor.
31. E não se diga que a utilização da reprodução do retrato do assistente está legitimada pela “pertinência” da notícia. Para tal, dispõem os órgãos de comunicação social da possibilidade de fotografar as pessoas, sem o seu consentimento, observados os limites impostos pela lei.
32. Face ao exposto, deve o arguido D................ ser pronunciado pela prática do crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195°/1 do CDADC.
33. Ao não decidir assim, o Tribunal a quo” violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 195º/1 do CDADC.
Da decisão de não pronúncia relativamente ao crime de difamação
34. O jornal “G................” publicou na página 7 da sua edição nº. 3005, datada de 06/12/2003, na rubrica O……….”, um texto assinado por “H……….”, escrito esse que o assistente considera ser ofensivo da sua honra e consideração.
45. Notificado o Director do jornal “G................” para no prazo legal declarar no inquérito qual a identidade do autor ou autores do texto, veio o mesmo dizer que o autor do texto foi o arguido C………….
36. No referido texto caracteriza o assistente como sendo uma pessoa sem credibilidade, que enquanto vereador da Câmara ………., cargo que exerceu na década de 80, foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio em razão do exercício de tais funções, imputando-lhe uma conduta subserviente, credora de favores e admiração a J………., ex-Presidente da Câmara, classificando-o como seu apoiante entusiástico, retratando-o como um pessoa que não domina convenientemente as suas paixões, que é precipitado e fala atabalhoadarnente, ou seja, o assistente é retratado como sendo uma pessoa sem credibilidade, precipitada, oportunista e sem independência.
37. Realizado o debate instrutório entendeu o Tribunal a quo” não pronunciar os arguidos, fundamentando tal decisão basicamente no seguinte:
- Quanto ao autor do texto – arguido C………. – entendeu o Tribunal que tendo em conta o contexto em que foi escrito o artigo, resposta a um artigo escrito pelo Assistente, no qual apesar de não nomear nomes também utilizava expressões mais fortes, afirmando que uma determinada facção politica terá contado uma não verdade, menciona ter a inteligência sucumbido, refere a casmurrice e esperteza saloia, o interesse público dos assuntos em causa, o relatório do qual foi junta cópia aos autos que se indicia verdadeiro, face ao declarado pelo Assistente quanto a ter sido interrogado por um inspector da IGAT, sendo que no mesmo relatório se refere que a deliberação beneficia directamente os membros da Cooperativa e que os Vereadores se ainda exercessem funções por terem intervindo na deliberação incorriam na perda de mandato, a admissão do próprio assistente quanto a ter participado na deliberação sendo sócio da Cooperativa, considero que a conduta foi legitima, por ocorrer no uso do seu direito de informar, de expressão e critica, reportando-se a factos de interesse público, em relação aos quais existia fundamento sério, para em boa fé, os reputar como verdadeiros, assim o benefício e o incorrer em perda de mandato.
Quanto ao Subdirector do jornal – arguido D................ – entendeu o Tribunal não existirem quaisquer indícios da verificação dos pressupostos contidos no nº. 3 do artigo 31° da Lei da Imprensa, de forma a vir o mesmo a ser criminalmente responsabilizado.
38. Considera o Tribunal” a quo” que a actuação do arguido foi legítima, pelo seguinte:
a) Ter o escrito em questão surgido como resposta a um artigo escrito pelo assistente, “no qual apesar de não nomear nomes também utilizava expressões mais fortes, afirmando que uma determinada facção politica política terá contado uma não verdade, menciona ter a inteligência sucumbido, refere a casmurrice e esperteza saloia;
b) o interesse público dos assuntos em causa;
c) o relatório do qual foi junta cópia aos autos que se indicia verdadeiro, face ao declarado pelo Assistente quanto a ter sido interrogado por um inspector da IGAT, sendo que no mesmo relatório se refere que a deliberação beneficia directamente os membros da Cooperativa e que os Vereadores se ainda exercessem funções por terem intervindo na deliberação incorriam na perda de mandato;
d) A admissão do próprio assistente quanto a ter participado na deliberação sendo sócio da Cooperativa;
e) Por ocorrer no uso do seu direito de informar, de expressão e critica, reportando-se a factos de interesse público, em relação aos quais existia fundamento sério, para em boa fé, os reputar como verdadeiros, assim o benefício e o incorrer em perda de mandato
39. O direito de informar, de expressão e crítica não é um direito absoluto que possa ser utilizado sem que se verifique a correspondência com o fim que visa atingir, qual seja, sumariamente, o da disponibilização de conteúdos informativos, de forma livre, incondicionada, podendo mesmo ser parcial e vigorosa. O direito de informar, de expressão e de crítica constitui indubitavelmente um dos vectores fundamentais do Estado de Direito.
40. Contudo tal direito tem que ser compatibilizado com o ordenamento jurídico protector de direitos igualmente relevantes, maxime, direitos e bens jurídicos pessoais, sob pena de, relativamente a estes, se impor e sobrepor intoleravelmente.
41. A liberdade de crítica deve corresponder ao fim para que tal liberdade é concedida e não atender a outros fins, e deve ser exercida por modos correctos. Quando se ultrapassam os limites da necessidade, ou os processos usados são, de per si, difamatórios, a crítica é ilegítima.
42. O arguido pretende legitimar as afirmações contidas no texto por si escrito e publicado no jornal “G................” fazendo apelo a dois elementos fundamentais: 1) a sua actuação visou responder ao Editorial escrito pelo assistente no jornal “R................” e 2) fundamenta-se num relatório elaborado em finais da década de 80, onde o assistente é visado por ter participado na votação de uma deliberação camarária estando pretensamente impedido de o fazer por ter um interesse directo e pessoal na matéria objecto da referida deliberação.
43. No entanto, no escrito em questão não se vislumbra uma nota que seja de “resposta” ao Editorial escrito pelo assistente, aliás, no uso legítimo do seu direito de informação, expressão e crítica e na qualidade de Director de um jornal, antes constituindo, todo o texto, um ataque pessoal e desproporcionado ao bom nome, imagem e reputação deste.
44. Daqui se conclui que o escrito em questão não visou atingir o fim que lhe quis emprestar o arguido para legitimar o seu direito de exercício de critica na qualidade de cronista de um órgão da imprensa regional.
45. De facto o arguido visou descredibilizar socialmente o assistente de forma a condicionar o seu direito de informar, expressar e criticar. Ultrapassou o critério da necessidade que subjaz ao direito de crítica, tendo enveredado pela via do ataque pessoal de forma despudorada e manifestamente desleal à realidade dos factos.
46. Por outro lado, escudou-se o arguido no já referido relatório da IGAT para que, dessa forma, o seu maldizer obtivesse uma sólida protecção. O arguido quis atirar a pedra e esconder a mão”.
47. No entanto, fê-lo de forma conscientemente deturpada, alterando os dados concretos da questão relatada no relatório da IGAT, referindo-se nomeadamente que se tinha tratado de uma “doação” dos terrenos da Cooperativa, quando efectivamente se tratou de uma cedência dos mesmos em direito de superfície; fazendo crer que o assistente era “proprietário” de uma das habitações construídas nos ditos terrenos tendo-se beneficiado deliberadamente em razão de tal circunstância, quando este era apenas arrendatário, facto essencial que o Tribunal expressamente desvalorizou; deixando nas entrelinhas que o assistente tinha incorrido na perda de mandato, quando tal nunca sucedeu e, por fim, servindo-se dessas considerações para noticiar publicamente a falta de credibilidade do assistente e a sua falta de independência relativamente a determinado politico local pela razão de lhe ser devedor de favores. Tudo isto decorridos cerca de 30 anos (!) sobre o sucedido.
48. Como colaborador de um jornal, responsável por artigos e notícias que aí escreve e que aí são publicados, o arguido tinha obrigação de respeitar o dever de correcção e informação relativamente à fonte em que se escudou, o relatório da IGAT, por outro lado, sendo pessoa ligada à actividade político-partidária local e membro de sucessivas Assembleias Municipais, conhecedor privilegiado do processo que envolveu a cedência do direito de superfície do ditos terrenos, tinha obrigação de avaliar com maior rigor as circunstâncias que determinaram a deliberação camarária e, por fim, sendo pessoa de cultura académica de nível superior, tinha obrigação de saber – como sabe – qual o exacto significado, para o cidadão comum da mensagem deturpada que quis transmitir e do grau de lesividade que esta representa para o bom nome, imagem e reputação do assistente.
49. Assim, afastada a circunstância da notícia tratar de factos de interesse público; afastada a boa-fé que deveria estar subjacente à elaboração da notícia, pois o arguido deturpou intencionalmente os dados em que se escudou para desferir o ataque à credibilidade do assistente; demonstrada pelo assistente a (im)possibilidade de ter obtido qualquer benefício e de poder incorrer na perda de mandato; não pode aceitar-se que a decisão do Tribunal” a quo” tenha legitimado a actuação de arguido.
50. Por último, mas não menos significativo, é o facto de não ter sido concedido ao assistente o contraditório na defesa da “exceptio veritatis” invocada pelo arguido para afastar a punibilidade da sua conduta.
51. De facto, o Tribunal baseou toda a sua argumentação num relatório da IGAT que considerou “indiciariamente” verdadeiro, bastou-se com as declarações do assistente sobre o facto de efectivamente ter sido inquirido pelo instrutor do mesmo, alheando-se da circunstância do assistente ter declarado não conhecer o conteúdo do dito relatório e de não ter podido apresentar prova em sua defesa, e, ainda mais, valorou significativamente a mera opinião de uma testemunha ouvida em inquérito registando o seguinte, como se tal pudesse relevar no nosso ordenamento jurídico: “Sintomático também o facto de uma das testemunhas indicadas pelo próprio assistente não ter considerado que o artigo fosse injurioso ou difamatório (Q……….., inquirido a fls. 81).
52. Pelo contrário, relativamente ao arguido, em face de elementos objectivos e concretos – um texto/notícia publicado, manifestamente ofensivo da honra e consideração do assistente, destituído de interesse público relativamente aos factos relatados que justifiquem o modo e o teor das considerações, imputações e juízos feitos relativamente à personalidade do assistente, um texto deturpado relativamente à fonte em que se escudou e infundamentado quanto às conclusões que daquele retirou, um texto utilizado para fim diverso do contexto em que o arguido justificou a respectiva elaboração e publicação – o Tribunal considerou não existirem indícios suficientes para o pronunciar pelo crime de que vinha acusado, quando se afigura manifesto que este não agiu com o intuito de realização de interesses legítimos e na convicção da verdade das imputações, que deliberadamente deturpou.
53. Face ao exposto entende o recorrente que o Tribunal” a quo” ao não pronunciar o arguido C………., violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 180°/1, 2 alínea b) e 4 e 183°/2 do CPP, com referência ao artigo 30° e 31°/3 da Lei da Imprensa e ainda, o princípio da igualdade de partes no processo penal e o princípio do processo equitativo, constantes respectivamente do artigo 32º/5 e 32º/1 da CRP, quanto ao julgamento da exceptio veritatis, à qual o assistente não teve oportunidade de deduzir oposição em sede de debate instrutório.
54. Por outro lado, o Tribunal “a quo” decidiu-se pela não pronúncia do arguido D................, Subdirector do jornal, em razão da não verificação dos pressupostos vertidos no nº. 3 do artigo 31° da Lei da Imprensa, referindo, designadamente, que “além do facto do arguido D................ ser subdirector do Jornal e de estar a exercer as funções de director, não existe nenhum elemento de prova quanto a ter tido qualquer participação na publicação do artigo”.
55. Ora, a conclusão da não verificação dos referidos pressupostos – a oposição, através da acção adequada, por parte do subdirector (no caso), à comissão de crime, podendo fazê-lo – decorre exclusivamente das declarações dos arguidos: o arguido C………… porque assumiu inteira responsabilidade pelo teor do artigo, dizendo “tratar-se de artigo de opinião”, reconhecendo “ser ele arguido C…………) que escolhia os assuntos, sobre os mesmos não dar conhecimento prévio ao subdirector e segundo pensa não lhe ter dado conhecimento prévio do assunto em causa”, enquanto que o arguido D................, subdirector do jornal, referiu no requerimento de abertura de instrução, não tendo sido ouvido no debate instrutório, “que constituindo o artigo em causa, um artigo de opinião, assinado pelo seu autor, só o autor pode ser criminalmente responsabilizado”.
56. Do exposto decorre que o Tribunal se bastou com as declarações não consistentes do arguido C…………., porque afirma uma possibilidade não isenta de dúvida, ao afirmar que “segundo pensa não lhe ter dado, ao subdirector, conhecimento prévio do assunto em causa, e com a posição do subdirector que afasta a sua responsabilidade por se tratar de um artigo de opinião, assinado pelo seu autor.
57. Em bom rigor, decorre da própria defesa dos arguidos que os artigos publicados no jornal “G................” sob a rubrica “O………” não constituem artigos de opinião, mas sim, crónicas jornalísticas da responsabilidade do jornal.
58. De facto, contrariamente ao que sustenta o arguido D................, o que aliás foi confirmado pelo arguido C………., tais crónicas nem sempre são escritas pela mesma pessoa e nem sequer são assinadas de forma a que os leitores possam identificar o respectivo autor.
59. Os artigos da crónica “O……….” são sempre identificados pelo pseudónimo “H………” (o facto de ambos os arguidos terem como nome próprio H……… é uma perfeita coincidência). Sendo assim pergunta-se: quem decide o conteúdo da crónica, ou seja, quem define quais as personalidades a visar em cada crónica e a razão de serem consideradas em “O……..” ou “em P………..”?
60. Atendendo ao tipo de crónica e aos seus objectivos, nomeadamente ao facto de se tratar de uma “rubrica” semanal do jornal, que nem sempre é escrita pelo mesmo cronista, não pode sustentar-se, sem quebra de razão, que o subdirector, neste caso responsável funcional pelos conteúdos publicados, não veja responsabilizada a sua actuação. De facto, alguém terá de decidir qual o colaborador que escreverá a crónica em cada semana e ainda quais os personagens a visar na mesma.
61. O artigo 31°/3 da Lei da Imprensa, prescreve a responsabilidade funcional do responsável pelo jornal, a não ser que este demonstre cabalmente que não teve forma de se opor à publicação da notícia. A não ser assim, no limite, nunca qualquer Director, Director-Adjunto ou Subdirector de qualquer jornal seriam responsabilizados funcionalmente nos termos do no 3 do referido artigo, pois que, para tal bastaria declarar que não teve conhecimento prévio de artigo onde se publiquem calúnias a alguém.
62. De resto, tratando-se de um jornal regional, de publicação semanal, de reduzido número de páginas e logo de disponibilidade de espaço, fácil é percebermos que não será difícil aos responsáveis editoriais, por imperativo funcional, terem conhecimento dos assuntos que aí são publicados, pois serão estes a definir indubitavelmente as prioridades dos conteúdos a inserir no mesmo.
63. Assim sendo, como estamos certos, deveria o arguido D................ ser objecto de pronúncia pela prática, em comparticipação, de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180°/1 e 183º/2 do Código Penal, com referência aos artigo 30° e 31°/3 da Lei de Imprensa.
64. Face ao exposto entende o recorrente que o Tribunal” a quo”, ao não pronunciar o arguido D................, violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 180°/1 e 183°/2 do CPenal, com referência ao artigo 30º e 31°/3 da Lei da Imprensa.
Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso quanto à suscitada nulidade por falta de promoção processual pelo Ministério Público, sendo declarados os respectivos efeitos e ainda, ser o arguido D................ pronunciado pela prática de um crime de usurpação. No restante, na medida do julgamento da nulidade referida e dos efeitos que relativamente a esta venham a ser fixados deve, em caso de improcedência da mesma, ser apreciada a matéria referente à prática do crime de difamação por ambos os arguidos e, em conformidade, relativamente a estes, ser proferido despacho de pronúncia e ordenada a baixa do processo para submissão a audiência de julgamento.

I. 3. Respondeu Exma. Sra. Magistrada do MP, na 1ª instância, concluindo que:
1 – A nulidade a que se refere o art. 119.° alínea b) do C.P.P. deverá ser apreciada tendo em consideração a diferente natureza dos crimes em questão, ou seja, deverá sempre ter em consideração as restrições a que alude o art. 48º do C.P.P., e para o qual aquela norma remete.
Assim, nos crimes particulares, a faculdade a que se refere o art. 285°/3 do C.P.P. não é condição de procedibilidade, tanto mais que, caso o assistente não deduza acusação particular, também não compete ao Ministério Público fundamentar o respectivo arquivamento dos autos, nem tão pouco pronunciar-se quanto aos indícios existentes.
Neste sentido, cfr. Acórdãos da RL de 19.6.98 e da RP de 19.11.2003, e no sentido de se verificar esta nulidade, mas para casos distintos relativos a crimes semi-públicos, em que os assistentes vieram deduzir acusação sem que o Ministério Público antes o tivesse feito, cfr. Acs. da RP de 4.3.98, 18.3.98, 20.10.99, 6.2.02 e de 25.9.02, todos in www.dgsi.
2 – A ilustração de um artigo de jornal com uma fotografia retirada de uma obra literária que aí se encontra para retratar a biografia do seu autor e que não constitui, em si mesma, qualquer criação, não é de molde a indiciar a prática do crime de usurpação a que se refere o art. 195°/1 do C.D.A.D.C.
A foto do assistente que foi publicada junto de um artigo jornalístico referente à sua pessoa, faz parte integrante da obra, mas só por si não merece qualquer protecção, pois não constitui, em si, qualquer criação ou originalidade, ou seja, não é merecedora da protecção dos direitos de autor.
3 – O que verdadeiramente se questiona no artigo a que se refere a acusação particular é o facto de nele se dizer expressamente que o assistente não tinha credibilidade para escrever o artigo acima referido e que foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio ao votar a favor da doação de uns terrenos pertencentes a uma cooperativa, sendo o assistente proprietário de um apartamento dessa cooperativa.
Ora, nas declarações que prestou no decurso da instrução o assistente reconhece ter participado nesta deliberação que foi aprovada por unanimidade, no sentido da doação à Cooperativa – da qual era associado e da qual em função do pagamento de uma renda habitava uma fracção - que posteriormente veio a adquirir.
O que acontece é que, à data da votação de tal deliberação, o assistente não era proprietário da habitação que posteriormente adquiriu, mas vivia nela, mediante o pagamento de uma renda e tinha o direito de a vir a adquirir, como efectivamente sucedeu
Considerando, assim, o teor das declarações do assistente prestadas durante a instrução, por um lado, e que o artigo jornalístico em questão se insere na resposta a um outro, da autoria do assistente, e ainda, o teor do relatório da IGAT, ambos juntos aos autos no decurso da instrução, por outro, é também nosso entendimento que o escrito reproduzido na acusação particular se enquadra na não punibilidade a que se refere o art. 180°/2 alínea b) do C.P., devendo, por isso, o respectivo autor não ser pronunciado pelo crime que lhe vem imputado na acusação particular.
4 - Ao decidir pela não verificação da nulidade a que se refere o art. 119.° alínea b) do C Penal e pela não pronuncia dos arguidos quanto aos crimes de usurpação e difamação, a M.a Juiz realizou justiça e não violou qualquer norma jurídica.

I. 4. Igualmente a respondeu, no sentido da manutenção do decidido, o arguido C................, apresentando as seguintes conclusões:

1. O crime de difamação imputado pelo Assistente ao Arguido e pelo qual este foi acusado por aquele tem natureza particular.
2. Após ter deduzido tal acusação, o Ministério Público não acusou pelos mesmos factos, por partes deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
3. Tal circunstância não encerra qualquer vício do procedimento.
4. Nomeadamente, não configura falta de promoção do processo, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 119º do CPP.
5. O vício da falta de promoção do processo por parte do Ministério Público a que alude a alínea b) do artigo 119 do CPP, apenas se reporta a situações em que tal promoção é condição de procedibilidade e sem a qual, por ausência de legitimidade de qualquer outro sujeito processual para a promoção dos termos do processo, este não poderia tramitar.
6. Na verdade, sendo o Ministério Público o titular da acção penal, é esta entidade que detém a legitimidade para a promoção dos termos do processo, artigo 48º do CPP.
7. Todavia, tal legitimidade, em determinadas circunstâncias, sofre condicionantes, ora exigindo-se a prévia existência duma queixa do ofendido ou de outras pessoas, ora exigindo-se, para além da dita queixa, que aqueles se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
8. Pressupostos de cuja verificação depende, então, ou seja, nos crimes de natureza semi-pública e particular, a legitimidade do Ministério Público para promover o processo, nos termos dos artigos 48º e ss. do CPP.
9. Ora, apenas a falta de promoção nos termos dos artigos 48º e ss. do CPP pode gerar a ocorrência do vício aludido na alínea b) do artigo 119º do CPP, já não quando, perante indiciação de um crime de natureza particular, o Ministério Publico não usa da faculdade incita no nº. 3 do artigo 285º do CPP, que refere que, perante a acusação particular o MP pode, nos 5 dias posteriores à apresentação desta, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
10. Ora, este poder “mais não é do que uma mera faculdade (pese embora de exercício desejável), cujo não exercício é insusceptível de impedir a normal tramitação processual, estado a legitimidade para os termos do processo assegurada pela existência da queixa, da constituição como assistente e da dedução da acusação particular.
11. Ou seja, o facto do Ministério Publico, nos crimes de natureza particular, perante a dedução de acusação particular, não usar da faculdade de intervenção processual que lhe é atribuída pelo nº. 3 do artigo 285º do CPP não influi na normal e subsequente tramitação dos termos do processo, podendo este prosseguir verificadas que estão todas as condições de procedibilidade, nomeadamente assegurada que foi a legitimidade para a promoção do processo penal nos termos do disposto nos artigos 48º e 55.º do citado diploma.
12. Neste sentido o Ac. da RP de 19-11-2003, que refere que “a omissão de tomada de posição do Ministério Publico quanto à acusação deduzida pelo assistente por crime de natureza particular, não configura qualquer nulidade ou irregularidade processual, possível de paralisar ou fazer retroceder o curso normal do processo, quando nesses casos aquela (acusação) bastará para que o mesmo (processo) possa prosseguir para as fases ulteriores”.
13. Alcança-se assim que o “silêncio” do Ministério Publico perante a acusação particular, não configura qualquer vício de procedimento, sendo insusceptível de obstar à subsequente tramitação, assegurada que esteja a legitimidade daquele por via da existência de queixa, de constituição como assistente e da dedução, por este, de acusação particular.
Quanto ao crime de difamação
14. O Arguido escreveu um artigo de opinião.
15. Onde mais não fez do que criticar as opiniões públicas assumidas e propaladas pelo Assistente, denunciando aquilo que considerou e considera ser a incoerência, a falta de isenção e de credibilidade da postura política deste.
16. O Assistente desempenhou funções como vereador na Câmara ………….. .
17. O arguido era o Autor de escritos semanais, publicados no Jornal “G................” onde sob a epígrafe “O………” e “P………” fazia uma análise dos actos e comportamentos de figuras públicas locais.
18. Nomeadamente relatando acontecimentos da vida pública BF……….., opinando sobre opções políticas assumidas no espectro partidário local.
19. Ora apoiando ora criticando, ora denunciando aquilo que, no seu entender, se afigurava desajustado ao interesse público local.
20. Neste contexto, surge publicado no jornal local “G................”, em 22-11-2003, uma notícia, com o título “Tribunal de Contas reconheceu ilegalidades financeiras nos últimos anos do mandato de J………….”, cfr. doc. 1 junto com o requerimento para a abertura da instrução.
21. Com tal escrito anunciava-se que o Tribunal de Conta havia considerado ilegais despesas e outros procedimentos que o executivo de então (2001) autorizou e a remessa de tal situação ao Ministério Público.
22. Tal escrito referiu, assim, a divulgação de um relatório do Tribunal de Contas, acusando o executivo camarário, liderado por J………. e os Vereadores que o acompanharam no exercício de funções autárquicas no período de 1999 a 2001.
23. Neste contexto ainda, no jornal “R................”, de que o Assistente é director, noticiava-se tal facto do Tribunal de Contas ter considerado a gestão autárquica dos últimos 3 anos do executivo liderado por J………… como sendo inédita e ilegal e o processo ter sido remetido à Procuradoria Geral da República.
24. Mais se relatava que uma das consequências poderia ser a reposição da legalidade através da atribuição da responsabilidade financeira pelos actos a todos os elementos do executivo de então.
25. Tal escrito, que não era da autoria do Assistente, encontrava-se assinado por X…………. .
26. Sem perdas de tempo, o Assistente, em editorial dessa mesma edição e comentando tais notícias sobre as alegadas ilegalidades imputadas à gestão do Sr. J…………., escreveu:
“... apesar do foguetório na altura dominante propagandeasse responsabilidade exclusiva do então Presidente da Câmara (referindo-se a J……….), não tanto por ser essa a verdade toda mas porque essa “verdade” – como outras que não eram - serviram plenamente à estratégia de uma parte da oposição política … e não só … percebe-se, pois, que a culpa não é tanto dos intervenientes que usaram as lacunas legais em defesa das suas opções, mas antes e principalmente de te tal “legislador” … é, pois lícito, concluir que, a ter de ser alguém o responsável, será o legislador” neste caso a Assembleia da República a quem o Tribunal de Contas remeteu as suas conclusões…”.
27. Veio, assim, o Assistente em “socorro” do Presidente J……….., fazendo uma leitura política das opções deste, “absolvendo-o”, por entender ser a responsabilidade do “legislador”, pese embora a censura do Tribunal de Contas.
28. Assim, perante o que o Arguido considerou ser mais um desaforo político do Assistente, em ordem a legitimar politicamente condutas que, na sua perspectiva, são ilegais, mercê até da posição anunciada pelo Tribunal de Contas, escreveu o escrito em causa e pelo qual se encontra acusado.
29. Tal escrito faz parte de uma rubrica semanal, onde se elegem as figuras públicas que, pela positiva ou pela negativa, mais se evidenciaram na semana, face a posições públicas assumidas e com destaque.
30. Nesse escrito o Arguido considerou o teor do referido editorial do Assistente, e continua a assim entender, um desagravo da gestão publica do J…………. no que concerne à prática de factos que o Tribunal de Contas considerou ilegais.
31. Tentando convencer os eleitores da licitude da conduta de J………… e da ausência da sua responsabilidade, por ela caber antes ao “legislador”.
32. Posto isto, escreveu o Arguido que o escrito do Assistente espelhava desvalorização das ilegalidades constatados pelo Tribunal de Contas e o envio de relatório deste para o Procuradoria Geral da Republica.
33. E explicou porquê:
afirmando que há bastantes anos o Assistente era Vereador eleito pelo PS.
34. Facto que é verdadeiro, se encontra indiciado nos autos e é reconhecido pelo próprio Assistente nestes.
35. Que J……… resolveu, então, ou seja, na gestão autárquica em que o assistente era vereador e J……….. Presidente, doar terrenos à I……….. .
36. Os quais eram propriedade do Município.
37. Que o Assistente pertencia a essa Cooperativa, sendo sócio cooperante.
38. Que era proprietário de um dos apartamentos por ela construídos nesses terrenos e que, enquanto Vereador, votou a favor da doação, que foi aprovada.
39. Concluindo que o Assistente foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio, incorrendo, assim, na perda de mandato.
40. Que o Assistente passou a admirar sobremaneira J………. e a apoiá-lo com entusiasmo.
41. Que por via do supra expendido não admira que tenha desvalorizado o envio do relatório do Tribunal de Contas para o Procurador Geral da República.
42. Concluindo, dizendo que o escrito do Assistente foi má opção porque, mercê do acima exposto não tem credibilidade para escrever em abono da gestão de J………… .
43. Ou seja, o arguido ficou indignado pela circunstância do Assistente ter elaborado editorial no qual expressa opiniões no sentido de convencer os eleitores de que as conclusões do Tribunal de Contas, que apontavam para a existência de ilegalidades da responsabilidade do Sr. J………. e seus Vereadoras, eram erróneas, pois que as ditas responsabilidades, segundo o Assistente, só ao legislador poderiam ser imputadas.
44. Por esta razão, e discordando frontalmente de tal leitura politicamente ousada e não verdadeira, decidiu-se pelo escrito em causa.
45. Onde, face ao comportamento e condutas do Assistente enquanto autarca, denuncia a ilegalidade e imoralidade destas, concluindo que quem assim age não é merecedor de credibilidade.
46. Credibilidade, obviamente, política que o Arguido não lhe reconheceu, nem reconhece.
47. Pois Que considera que o Assistente foi beneficiado patrimonialmente por uma deliberação da Câmara Municipal presidida pelo Sr. J……….. e em que aquele participou e votou.
48. Donde conclui pela falta de crédito político do Assistente.
49. Quer para defender a gestão do Sr. J………., quer para se pronunciar sobre o lícito ou ilícito, legal ou ilegal, da boa administração Municipal.
50. Pois que sente que o Assistente não é portador de um adequado sentimento do desvalor da sua própria acção, ao ter participado num negócio de atribuição patrimonial, por via de uma doação de bens públicos a uma entidade onde mantinha interesses jurídico/patrimoniais.
51. E o Arguido sabia e sabe do que falava, ao justificar a falta de credibilidade do Assistente para analisar, em editorial, a legalidade da gestão camarária em causa, senão vejamos:
52. Em 11.02.1977 foi constituído, por escritura pública, a I……….. SCRL, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de …… sob o nº. 1/770606, cfr. doc. 2 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
53. Dessa Cooperativa foi sócio, até há cerca de 1/2 anos, o Assistente.
54. Nela retendo participações sociais.
55. Em 1977, por que pretendia esta Cooperativa a cedência de terreno, em direito de superfície, para a realização do seu escopo social – promoção de habitação cooperativa – solicitou à Câmara Municipal, de então, a respectiva cedência.
56. A qual deliberou, a 01-03-1977, nesse sentido, cfr.doc.3 junto com o requerimento para abertura da instrução.
57. A 18-02-1983 a Câmara Municipal …….. enviou à referida Cooperativa um estudo de preço do terreno a ceder, no valor então, de Esc. 35.032.500$00 (à data de 28-11-1982), cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
58. Em reunião da Câmara Municipal …….., esta, com a presença e o voto do Assistente, enquanto Vereador, deliberou doar o direito de superfície, da área de implantação das construções da Cooperativa 11 de Outubro, cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
59. Em 23-02-1987, foi celebrado o contrato de constituição de direito de superfície entre a Câmara Municipal e I………. CRL, sem que a execução da deliberação tenha sido autorizada pela Assembleia Municipal, cfr. doc.3 junto com requerimento para a abertura da Instrução.
60. Tais factos foram constatados através de uma inspecção realizada ao Município de ………, através da Inspecção Geral da Administração do Território, cfr. doc. 3 junto com requerimento para a abertura da instrução.
61. Que concluiu pela verificação da ilegalidade da actuação do Assistente, face à lei, e na circunstância da sua conduta o fazer incorrer em pena de declaração de perda de mandato, nos termos do nº. 2 do artigo 81° do DL 100/84, tendo em atenção o parecer da Procuradoria Geral da República, publicado na II Série, nº. 90 de 18-04-88, cfr. doc.3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
62. Mais concluiu tal inspecção que o valor do terreno doado, em 1985, em direito de superfície, rondaria 70 mil contos, cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
63. E que o Assistente era, à data da deliberação da doação, sócio e cooperante da cooperativa donatária, cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
64. Que, os ditos sócios cooperadores tinham acesso à propriedade individual dos fogos que lhe fossem atribuídos após integral amortização do seu valor de custo à cooperativa, sendo este valor determinado pelo custo do terreno e das infra estruturas.
65. Pelo que, face aos estatutos da Cooperativa e à cedência gratuita operada, os membros da Cooperativa beneficiaram, directamente, da doação, uma vez que o valor do terreno é levado em conta aquando da venda dos fogos.
66. E que a intervenção do Assistente na votação da doação contrariou o disposto no nº. 1 do artigo 1º – d) do DL 370/83 de 6-10.
67. Tal relatório mereceu a concordância do competente Inspector Geral da Inspecção Geral da Administração do Território.
68. Tendo este ido ao ponto de qualificar actuações do Sr. Presidente da Câmara de então e demais membros do executivo como de ilícitos de natureza criminal, cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
69. Sobre tal relatório viria a ser elaborado parecer por parte do Inspector geral de Inspecção Geral da Administração do Território.
70. Que apontava para a existência de graves ilegalidades, até de natureza criminal, do Presidente da Câmara e demais membros do executivo, cfr. doc. 3. junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
71. Tal relatório mereceu, então, a concordância do respectivo Secretario de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e do próprio Ministro da Tutela, Prof. BG…………., cfr. doc. 3 junto com o requerimento para a abertura da Instrução.
72. Os cargos de vereador são cargos políticos, competindo aqueles a responsabilidade pela gestão municipal. O exercício de tais cargos, tem ou deve ter em vista, exclusiva e primordialmente o bem público, competindo-lhes e aos seus colaboradores, gerirem os dinheiros e interesses públicos de forma honesta, cuidadosa, eficiente e profícua, evitando erros e lapsos, por incúria, desatenção ou impreparação.
73. Acresce que, quando o Assistente exerce um cargo político, embora não veja por esse lado diminuída a protecção da sua honra no que tange à sua esfera privada, o quadro já é outro do lado a esfera publica.
74. Isto é, quando se trata de criticar, combater o pensamento, as palavras, as atitudes e as condutas das “public figures” no âmbito da publicidade, por exemplo, no campo político.
75. Do exame do escrito objecto do processo resulta, claramente, que o mesmo é uma peça jornalística, na qual o seu autor aborda questão de interesse público local, atinente a uma deliberação de um ente público, do qual fez parte o assistente, que nela participou e da qual resultaram vantagens patrimoniais para a sua pessoa, tudo ao arrepio da lei vigente.
76. É lícito, assim, ao Arguido pugnar pela censura da conduta do Assistente, denunciá-la e fazer com que a mesma seja conhecida dos eleitores e do público, para que possam fazer o respectivo julgamento político do seu protagonista.
77. No artigo em apreço, não se está perante um ataque pessoal gratuito, antes um ataque objectivamente fundamentado, ainda que eventualmente polémico, tal como as ideias do visado, dando-se assim aos leitores o ensejo de, por si próprios, ajuizarem.
78. Relatar e denunciar os abusos, excessos e desvios do poder público não é crime. A crítica política pretende essencialmente informar o cidadão-eleitor. Pode suceder que alguns elementos da vida privada de um candidato relevem para a formação do juízo dos cidadãos” (ut., pág. 263). Daí que só “as expressões injuriosas, desacompanhadas de qualquer explicação justificativa, não representam manifestações do direito de crítica” (ut. pág.263).
79. Não se verifica, outrossim, a vontade e, muito menos, a intenção e o propósito (animus diffamandi) do Arguido ofender o Assistente, sendo certo e pacífico que o crime do artigo 180º é essencialmente doloso.
80. A vontade e intenção de ofender verificam-se excluídas e prejudicadas pelo “animus narrandi”, pela vontade de aconselhar e informar.
81. “O direito à crítica deve ser amplo e livre quando se tem o desejo de ser útil ao País e à causa social e, se não houver o propósito de ofender, tal crítica, ainda que violenta, constitui uma grande missão social (…)” – R. Lxa de 8.3.78, CJ, III, 424.
82. Foi, deste modo e com este propósito, pautada a acção do Arguido, legítima, própria e adequada, legalmente correcta e moral e socialmente relevante.
83. Perante o exposto, não tendo o artigo em causa carácter ofensivo da honra e consideração do Assistente, o que se conclui é que há uma situação de atipicidade, não se podendo ter por preenchido o tipo objectivo de ilícito imputado ao Arguido.
84. Não se tendo demonstrado a existência dos elementos cognitivo e volitivo e este, em qualquer a suas modalidades, pelo que o crime de difamação fica afastado, já que se não apura o essencial elemento subjectivo da conduta do agente.
85. Foi, do supra aludido modo e com tais propósitos, pautada a acção do arguido, mormente ao exprimir factos já constados e propalados e, aliás, referentes a factos públicos e notórios e. por isso mesmo, livres de publicação.
86. Verificam-se no caso, ainda e se necessário fosse, as causas de justificação especial ou específica do facto, ditas da exclusão de punibilidade, previstas nas alíneas a) e b) do nº. 2 do artigo 180° do C.P.
87. Com efeito, o Requerente produziu todas e cada uma das afirmações, acima mencionadas, para “realizar o interesse público legítimo”.
88. Nomeadamente na defesa dos superiores interesses públicos municipais.
89. Em ordem a denunciar e criticar os factos delas constantes.
90. E, mediatamente, aos munícipes e à opinião pública, alertando-os para actuações concretas do Presidente da Câmara e do Assistente.
91. Actuou outrossim o Arguido na defesa da coisa pública, censurando condutas e comportamentos que reputou e reputa de ilegais, bem como denunciando aqueles que na sua perspectiva, os pretendiam mitigar, disfarçar ou desagravar.
92. E, mais, no estrito e rigoroso cumprimento dos seus direitos e deveres como eleitor e munícipe de ………, como autarca, como político, no exercício, portanto, de direitos de cidadania e realizando, a pari, interesses públicos legítimos.
93. Além de que, sobre serem verdadeiros, o Arguido tinha fundamento sério para, em boa fé, reputar, como reputou, os factos e as imputações constantes das suas afirmações como verdadeiros.
94. Não se colhem nos autos indícios suficientes e bastantes da prática, pelo aqui Arguido dos factos integradores do crime que lhe é imputado na acusação.
95. A decisão recorrida não violou qualquer preceito ou dispositivo legal.

I. 5. Também o arguido D................, respondeu, concluindo pela forma seguinte:

1. Padece de nulidade a decisão de, no âmbito de instrução, os factos indicados pelo arguido D……….., terem sido arredados do feito, como se não existissem ou nenhum valor tivessem para o processo.
2. Devendo ser inquiridas testemunhas quanto a esses factos que enquadram e explicam a realidade em que o artigo foi escrito e o porquê das suas afirmações e o contexto relevante de factos conexos.
3. Ao arguido acusado de difamação a lei permite fazer a prova da veracidade das imputações ou demonstrar que, em boa fé, as reputa de verdadeiras, o que a não admissão da prova pretendida que consta de requerimento de instrução impede.
4. A decisão recorrida nos termos da lei aplicável e indicada no corpo destas alegações violou os artigos 180° do Código Penal, 286°, 290°, 291° do C P Penal.
Nestes termos e nos do douto suprimento deve a decisão de não pronúncia ser mantida.
Se assim não for entendido deve ser apreciado e julgado procedente o pedido de declaração de nulidade da decisão da Sra. Juíza de não ouvir as teste unhas indicadas pelo arguido à matéria que as indicou, sendo proferido despacho que ordene a sua inquirição e todas as diligências de prova constantes do seu requerimento de instrução e não efectuadas pelo Tribunal.

II. 1. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido de que:
a omissão de tomada de posição por parte do MP depois de deduzida acusação particular, não preenche a nulidade prevista no artigo 119º C P Penal, constituindo, antes, mera irregularidade, cuja arguição, se encontra sanada e mesmo prejudicada pelo processado ulterior, artigos 118º/2 e 123º/1 C P Penal;
deve improceder a pretensão de estar verificado o crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195º CDADC, uma vez que nos autos está em causa a reprodução parcial não autorizada de uma obra literária, livro, e não de uma obra fotográfica e isto porque nessa obra, livro, mais concretamente na página 303, está inserto um retrato do assistente associado à respectiva biografia, que não se integra no conteúdo da obra literária, antes está associado à respectiva biografia, pelo que só formalmente está inserido no livro, mas não faz parte da obra literária, enquanto criação do espírito ou expressão da personalidade literária do autor e só esta é que é tutelada pelo direito de autor;
como, da mesma forma deve improceder o recurso, no tocante ao alegado crime de difamação, acompanhando, aqui, o sentido da resposta oferecida pelo MP na 1ª instância.

II. 2. Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

Assim, tendo presente as, extensas e prolixas, conclusões com que o assistente rematou a sua motivação de recurso, podemos enunciar, da forma seguinte, as questões submetidas a apreciação deste Tribunal:
1. saber se existe a nulidade de falta de promoção por parte do MP;
2. saber se existem indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a imputação, aos arguidos, de um crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195º CDADC e,
3. de um crime de difamação cometido através da imprensa.

III. 2. Passemos, então, agora aos fundamentos do recurso e para começar, analisaremos a questão da nulidade, a primeiramente colocada pelo assistente, o que sempre teria que acontecer, por razões de precedência lógica, já que a ser a mesma declarada, pode levar à anulação dos actos subsequentes praticados no processo, o que prejudicaria o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso apresentado pelo assistente.

Defende o assistente estarmos perante a nulidade que integra no artigo 119º alínea b) C P Penal, da falta de promoção por parte do MP, dado o facto de este depois de ter mandado notificar o assistente para, querendo, deduzir acusação particular, pelo denunciado crime de difamação, depois, não ter sobre ela tomado posição.
Vejamos:
dispõe o artigo 285º/1 C P Penal, que “findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em l0 dias, querendo, acusação particular” e no nº. 3 que, “O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles”.
Por outro lado, prescreve-se no artigo 50º/1 C P Penal, que “Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular” e no nº. 2 que “O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais”.

Por sua vez, dispõe o artigo 48° C P Penal, que “O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49° a 52°”.
O artigo 49º trata da legitimidade em procedimento dependente de queixa e o 51º e 52º, contempla as situações de ocorrência de desistência de queixa ou da acusação particular e do concurso de crimes.
Apenas o artigo 50º C P Penal, se reporta a legitimidade dependente de acusação particular e dispõe que, no seu nº. 1 “Quando o procedimento depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular” e no nº. 2, que “O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais”.

Do regime acabado de enunciar, resulta competir ao Ministério Público a legitimidade para promover o processo penal, com as restrições decorrentes do previsto nos artigos 49° a 52°.
Assim, nos crimes semi-públicos e particulares o Ministério Público não pode promover o processo se não for deduzida queixa e nos crimes particulares é necessário a constituição de um assistente e que este deduza acusação particular.
Desta forma nos crimes particulares se o ofendido não se constituir assistente e não deduzir acusação particular, ao Ministério Público não caberá pronunciar-se sobre a existência ou não de indícios da prática destes crimes, nem poderia fazê-lo.
Tendo este deduzido acusação particular, pode o Ministério Público acusar e se o fizer terá de o fazer pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
Nos termos da alínea b) do artigo 119° do CPP, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48°, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência.
“A omissão de tomada de posição do Ministério Público quanto a acusação deduzida pelo assistente por crime de natureza particular, não configura qualquer nulidade ou irregularidade processual, possível de paralisar ou fazer retroceder o curso normal do processo, porquanto nesses casos aquela acusação bastará para que o mesmo processo possa prosseguir para as fases ulteriores”, cfr. AC deste Tribunal de 19.11.2003, consultável no sítio da dgsi.
Donde, resulta que independentemente do facto de o MP, exprimir a sua posição, o seu entendimento, deduzindo ou não acusação, “acompanhando” ou não, a acusação particular, sendo esta de resto, a expressão, usualmente utilizada, será, sempre, suficiente a acusação particular para que o processo prossiga para as fases processuais seguintes, de instrução e ou de julgamento.
Assim, sendo, como inelutavelmente, parece ser, não existe falta de promoção do processo por parte do MP, nos termos do artigo 48º C P Penal, quando este depois da acusação particular não toma posição sobre a mesma, “nada diz”, remetendo o processo para Tribunal, sem que tenha deixado exarado o seu entendimento, o seu juízo sobre a mesma, uma vez que aquela mesma norma, ressalva as restrições resultantes dos artigos 49° a 52°, tendo, por isso, o seu campo de aplicação restrito, tão só, aos crimes de natureza pública.

Termos em que se decide, nesta parte, nenhuma censura merecer o despacho recorrido, pois que interpretou e aplicou, as normas atinentes, de forma correcta, sensata e ponderada.
Atente-se na dificuldade que o assistente sentiu nas conclusões da sua motivação, quando se viu confrontado com os efeitos da sua alegada nulidade, pois que a sua procedência, in casu, nos termos do artigo 122º C P Penal, não implicaria a anulação de nenhum acto processual, pois que não existem actos processuais dependentes daquela omissão ou que por ela pudessem ser afectados, atente-se que na fase da Instrução o MP tomou parte activa, na mesma, não deixando, nunca, de tomar posição quando a situação, o exigia e a oportunidade surgia.
Estamos perante aquilo que se pode designar de norma imperfeita, a do artigo 285º/3 C P Penal, pois que o facto de o MP não tomar qualquer posição, seja, por mero lapso, seja, por convicção, nenhuma sanção tem no ordenamento jurídico.
De resto, poder-se-ia, cair num impasse, se o Tribunal ordenasse a remessa dos autos ao MP, para se pronunciar nos termos do artigo 285º/3 C P Penal e ele mantivesse o entendimento de que nada queria dizer, pois que a lei fala em faculdade de se pronunciar, “ O MP pode “ e, não em obrigatoriedade de tomar posição sobra a acusação particular.

III. 3. Vejamos agora a questão da verificação ou não, in casu, dos elementos constitutivos dos tipos legais de crime de usurpação, inicialmente e, de difamação, ulteriormente.

Preliminarmente, comum ao conhecimento de ambas as questões, devemos recordar, aquilo que é por todos consabido:

A instrução “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, artigo 286º/1 C P Penal.
Enquanto que “na fase de inquérito o MP se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem é o seu agente, deduz contra ele acusação”, nº. 1 do artigo 283º C P Penal.
Por sua vez, “consideram-se suficientes os indícios, sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, um julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”, nº. 2 do artigo 283º.
Em matéria de instrução, regula o artigo 308º C P Penal, que no seu nº. 1, dispõe que: “se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ai arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”, norma que remete, ainda para a noção de indícios suficientes contida no referido nº. 2 do artigo 283º, nº. 2 do artigo 308º.
Por criação da doutrina e da jurisprudência, vem-se entendendo que “são bastantes os indícios, quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis, que lhe são imputados e que por indícios suficientes, entendem-se os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele. Para a pronúncia, não sendo necessário a certeza da existência da infracção, exige-se, no entanto, que os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”, cfr. AC. RC de 31.3.93, in CJ, II, 66.
Numa asserção deveras expressiva e conhecida, que tem feito escola, do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º, 133, “o arguido deve ser pronunciado se existir alta probabilidade de vir a ser condenado ou se esta probabilidade for maior que a de ser absolvido”.

De pertinente, quanto ao crime de usurpação podemos elencar a seguinte materialidade provada:
o assistente é co-autor de uma obra literária intitulada “L……….. – 75 anos de história (1924-1999)”. No interior do livro, na página 303, está inserto um retrato do assistente, associado à respectiva biografia.
Tal retrato foi utilizado pelo jornal “G................”, sem autorização ou consentimento do autor da obra, para “ilustrar” o texto publicado na página 7 da já referida edição nº. 3005 do mesmo, datada de 06/12/2003, onde surge associado a um texto sobre a pessoa do assistente.
Notificado o arguido D................, que exercia ao tempo as funções de subdirector do jornal, em substituição do Director, doente, para proceder a averiguações sobre se a “fotografia no sistema informático do jornal tinha sido ou não retirada do livro referente ao aniversário da L…………, se é a mesma fotografia ou para identificar a sua origem” o mesmo nada veio dizer.
O Tribunal a quo, considerou, no entanto, que dada a semelhança das fotografias, se indiciava que a fotografia publicada no jornal terá sido retirada do referido livro.

A Constituição da República, artigo 42º estabelece que “é livre a criação intelectual, artística e científica”, e acrescenta que “esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor”.
Dispõe o artigo 195º/1 do CDADC, aprovado pelo Decreto Lei 63/85 de 14.3, alterado pela Lei 45/85 de 17.9 e 114/91 de 3.9, no seu nº. 1 que ”comete crime de usurpação quem, sem a autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código
2 – Comete também o crime de usurpação:
a) Quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respectivo autor, quer se proponha ou não obter qualquer vantagem económica;
b) Quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas, sem a autorização do autor;
c) Quem, estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão radiodifundida, exceder os limites da autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos neste Código.
No crime de usurpação, como noutros previstos no CDADC, protege-se “a obra intelectual como tal, em nome do direito de autor, nos seus aspectos patrimoniais bem como nos eminentemente pessoais ou morais, que ao seu criador cabe de que só ele pode dispor. A obra intelectual é o objecto da agressão criminosa, enquanto o direito de autor na complexidade dos seus elementos componentes é, patentemente, o bem protegido naquelas incriminações, observam os Profs. Figueiredo Dias e Anabela Rodrigues, no Parecer sobre a legitimidade da SPA, em Processo Penal, publicado in Direito de Autor, Gestão e Prática Judiciária, Temas de Direito de Autor. SPA, 1989, 3, 119.
As formas de utilização de uma obra estão previstas no artigo 67º do CDADC, referindo o nº. 2, desta norma que “assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes (…) a reprodução total ou parcial (da obra), qualquer que seja o modo por que for feita”, artigo 68°/2 alínea i).
Atentemos, no entanto, na especificidade do direito de autor. Desde o seu objecto às condições do seu exercício, tudo nele é “sui generis”. E compreende-se que assim seja.
Com efeito, o direito de autor exerce-se sobre coisas imateriais - as criações do espírito, os produtos do pensamento, seja um poema ou um romance, uma peça de teatro, um ensaio literário ou filosófico, uma sinfonia ou uma canção, um filme ou uma telenovela, uma pintura ou um desenho, uma escultura ou uma fotografia – embora estas criações possam materializar-se num objecto ou fixar-se num suporte: o livro onde está impresso o romance ou o poema, o disco onde está reproduzida a sinfonia ou a canção, a película onde está gravado o filme, o registo magnético da telenovela, etc. No entanto qualquer desses objectos ou suportes é distinto da obra de que é, por assim dizer, o veículo. Quem adquire o livro, quem compra o disco ou o videograma, não fica por isso a ter qualquer direito sobre a obra que neles se contém, mas apenas sobre o objecto em si mesmo. Por outro lado, a obra, sendo o reflexo do pensamento do seu autor, sendo a expressão da sua personalidade, nunca chega a desprender-se inteiramente dele. Vendido o livro, o romance continua a ser de quem o escreveu; vendido o disco, a canção continua a ser de quem a compôs. Ninguém pode fazê-los passar por seus. Nem utilizá-los seja de que modo for sem autorização do autor, nem, mesmo que autorizado, pode modificá-los, mutilá-los, desvirtuar-lhes o sentido, porque isso seria atentar contra a personalidade do autor, cfr. Luiz Francisco Rebelo, ibidem, fls. 63.
A primeira condição para a protecção de uma obra literária, científica ou artística é sua originalidade, ié, a obra tem que ser uma criação artística do seu autor, sendo ainda necessário, que a criação do espírito tenha sido exteriorizada, expressa de certa forma, artigo 1º CDADC
O direito de autor abrange 2 categorias fundamentais de direitos: os chamados direitos patrimoniais e os direitos morais, artigo 9º/1 CDADC.
Os primeiros consistem na faculdade que assiste ao autor de receber uma remuneração como compensação pelo trabalho de criação intelectual, que é em regra devida sempre que o autor autoriza a utilização ou a exploração da sua obra por qualquer forma, enumerando o artigo 68º, alguns exemplos de situações que o autor pode negociar.
Por outro lado, o artigo 56º dispõe que o autor tem o direito de reivindicar a paternidade da obra e de assegurar a genuidade e integridade desta, opondo-se a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da mesma.
O que está em causa no crime de usurpação é a utilização de uma obra sem autorização do seu autor.
Os crimes de usurpação e de contrafacção, p. e p. no artigo 196º, correspondem ao que comummente se designa de pirataria e plágio, cfr. António Maria Pereira, ibidem, 32.
Existem, no entanto limites àqueles direitos dos autores, os quais derivam da própria natureza das obras literárias e artísticas, dado que estas têm como destino natural a sociedade, ié, o público, constituído por todos aqueles que as vão ler, ver ou ouvir e que com elas se irão enriquecer intelectualmente.
Desde logo, existe o limite do tempo, que no caso português é de 50 anos, contados da morte do autor, artigo 61º, sendo de 25 anos para o caso de obras fotográficas e de arte aplicada, artigo 84º/1.
O artigo 75º, a par dos artigos 80º e 81, enumera as situações de livre utilização de obras intelectuais, fundadas, essencialmente, em razões que se prendem com necessidades de informação e de ensino.
Do seu elenco, taxativo, consta a situação, alínea c) de “fixação, reprodução e comunicação pública, por quaisquer meios, de curtos fragmentos de obras literárias ou artísticas, quando a sua inclusão em relatos de acontecimentos de actualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido”.
Ao contrário do que defende o assistente, cremos que a utilização, do seu referido retrato, de meio corpo, em mangas de camisa, sentado à secretária, defronte de um computador e com uma estante com livros a servir de pano de fundo, digamos uma banal e inócua, fotografia, sem a sua autorização, enquanto co-autor do livro, no caso concreto, é susceptível de integrar aquela excepção, “de reprodução de curto fragmento, quando a sua inclusão for destinada a relatos de acontecimentos de actualidade justificada pelo fim da informação prosseguido”.
Este raciocínio é desenvolvido no pressuposto, que, de resto, não resulta evidenciado ou provado, nos autos e apenas o poderia ser, cabalmente, com as declarações do arguido, ao tempo responsável pelo jornal, de que o retrato do jornal tenha sido retirado do livro de que o assistente é co-autor.
Doutra forma se a fotografia não foi retirada daquela obra, o problema estava solucionado à partida. Não existia qualquer hipótese de conflito, em termos de direito de autor, no confronto, assistente, co-autor da obra e qualquer dos arguidos, designadamente com o aquele que assumidamente utilizou a fotografia, a ilustrar o seu escrito.

Assim, cremos poder concluir, como concluiu a acusação pública e como concluiu o despacho recorrido, que a reprodução de um retrato do assistente, mesmo que extraído, de um livro de que este seja co-autor, sem o seu consentimento, ou do de qualquer outro dos co-autores, destinada a ilustrar um artigo de jornal, inserto na rubrica “O……… – P……….”, em que ele é o objecto, o tema versado, não é susceptível de preencher o tipo legal de crime de usurpação, p. e p. pelo artigo 195º CDADC.

III. 4. Finalmente apreciemos a questão do crime de difamação.

No caso dos autos e considerando a descrição fáctica da acusação particular, está, pois, em causa a pretensão do assistente em que os arguidos tenham cometido um crime de difamação.
Sobre esta matéria, podemos convocar os seguintes factos provados:

em 11.02.1977 foi constituído, por escritura pública, a I……….. SCRL, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de ……. sob o nº. 1/770606.
Dessa Cooperativa foi sócio, até há cerca de 1/2 anos, o Assistente, nela retendo participações sociais.
Em 1977, por que pretendia esta Cooperativa a cedência de terreno, em direito de superfície, para a realização do seu escopo social – promoção de habitação cooperativa – solicitou à Câmara Municipal, de então, a respectiva cedência. A qual deliberou, a 01-03-1977, nesse sentido.
A 18-02-1983 a Câmara Municipal de ……… enviou à referida Cooperativa um estudo de preço do terreno a ceder, no valor então, de Esc. 35.032.500$00, à data de 28-11-1982.
Em reunião da Câmara Municipal de ………, esta, com a presença e o voto do Assistente, enquanto Vereador, deliberou doar o direito de superfície, da área de implantação das construções da I……….. .
Em 23-02-1987, foi celebrado o contrato de constituição de direito de superfície entre a Câmara Municipal e a I………. CRL, sem que a execução da deliberação tenha sido autorizada pela Assembleia Municipal.
Estes factos foram constatados através de uma inspecção realizada ao Município de ………, através da Inspecção Geral da Administração do Território, que concluiu pela verificação da ilegalidade da actuação do Assistente, face à lei, e na circunstância da sua conduta o fazer incorrer em pena de declaração de perda de mandato, nos termos do nº. 2 do artigo 81° do DL 100/84, tendo em atenção o parecer da Procuradoria Geral da República, publicado na II Série, nº. 90 de 18-04-88. Mais concluiu tal inspecção que o valor do terreno doado, em 1985, em direito de superfície, rondaria 70 mil contos e que o Assistente era, à data da deliberação da doação, sócio e cooperante da cooperativa donatária, que, os ditos sócios cooperadores tinham acesso à propriedade individual dos fogos que lhe fossem atribuídos após integral amortização do seu valor de custo à cooperativa, sendo este valor determinado pelo custo do terreno e das infra estruturas, pelo que, face aos estatutos da Cooperativa e à cedência gratuita operada, os membros da Cooperativa beneficiaram, directamente, da doação, uma vez que o valor do terreno é levado em conta aquando da venda dos fogos e que a intervenção do Assistente na votação da doação contrariou o disposto no nº. 1 do artigo 1º – d) do DL 370/83 de 6-10.
Este relatório mereceu a concordância do Inspector Geral da Inspecção Geral da Administração do Território, que qualificou actuações do Sr. Presidente da Câmara de então e demais membros do executivo como de ilícitos de natureza criminal.
Sobre tal relatório viria a ser elaborado parecer por parte do Inspector Geral de Inspecção Geral da Administração do Território, que apontava para a existência de graves ilegalidades, até de natureza criminal, do Presidente da Câmara e demais membros do executivo.
Aquele relatório mereceu a concordância do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e do próprio Ministro da Tutela, Prof. BG……….. .
No jornal “R................”, de que o Assistente é director, na mesma edição de 20.11.2003:
noticiou-se através de escrito assinado por X……….., o facto do Tribunal de Contas ter considerado a gestão autárquica dos últimos 3 anos do executivo liderado por J……… como sendo inédita e ilegal e o processo ter sido remetido à Procuradoria Geral da República e mais se relatava que uma das consequências poderia ser a reposição da legalidade através da atribuição da responsabilidade financeira pelos actos a todos os elementos do executivo de então e,
em editorial, o assistente, na qualidade de director do jornal, publicado na página 3, com o título “E agora?”, escreveu:
“... apesar do foguetório na altura dominante propagandeasse responsabilidade exclusiva do então Presidente da Câmara, referindo-se a J………., não tanto por ser essa a verdade toda mas porque essa “verdade” – como outras que não eram - serviram plenamente à estratégia de uma parte da oposição política … e não só … percebe-se, pois, que a culpa não é tanto dos intervenientes que usaram as lacunas legais em defesa das suas opções, mas antes e principalmente de te tal “legislador” … é, pois lícito, concluir que, a ter de ser alguém o responsável, será o legislador” neste caso a Assembleia da República a quem o Tribunal de Contas remeteu as suas conclusões…”.
O arguido D................, era então, subdirector do jornal “G................”, na falta por doença do director.
O arguido C................, semanalmente, na coluna, “ O………”, fazia uma análise dos actos e comportamentos de figuras públicas locais, nomeadamente relatando acontecimentos da vida pública BF……….., opinando sobre opções políticas assumidas no espectro partidário local, ora apoiando ora criticando, ora denunciando aquilo que, no seu entender, se afigurava desajustado ao interesse público local.
Este jornal,
na edição de 22-11-2003, publicou uma notícia, com o título “Tribunal de Contas reconheceu ilegalidades financeiras nos últimos anos do mandato de J…………., onde se anunciava que o Tribunal de Conta havia considerado ilegais despesas e outros procedimentos que o executivo de então (2001) autorizou e a remessa de tal situação ao Ministério Público, tendo-se referido, assim, a divulgação de um relatório do Tribunal de Contas, acusando o executivo camarário, liderado por J………….. e os Vereadores que o acompanharam no exercício de funções autárquicas no período de 1999 a 2001,
na edição nº. 3005, datada de 06/12/2003, na referida rubrica, na secção “ Em baixa”, inserta na página 7, publicou um texto assinado por “H………”, da autoria do arguido C................, do seguinte teor:
“O Tribunal Constitucional acusou o ex-presidente da Câmara Municipal, J………., de gestão ilegal.
Idêntica acusação foi feita à vereação.
Face a isto, o Dr. B………., economista e director do “R................”, saiu sobretudo em defesa do ex-presidente.
Contudo, foi má opção, porque não tem credibilidade para o fazer. Vejamos porquê.
Há bastantes anos atrás, o Dr. B……….. era vereador, eleito pelo PS.
J………… resolveu, então, doar terrenos à I……….., que eram propriedade do Município. Fê-lo por interesses eleitorais.
O Dr. B………. pertencia a esta Cooperativa. Era proprietário de um dos apartamentos por ela construídos, nesses terrenos.
Votou também a favor da doação, que foi aprovada. Logo, foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio, incorrendo assim, na perda de mandato.
Passou, então, a admirar sobremaneira J……….. e a apoiá-lo com entusiasmo.
Por isso não admira que, agora, tenha desvalorizado o envio do relatório do Tribunal de Contas para o Procurador Geral da República. Nem é surpresa ter já concluído que o culpado é o “legislador” e não J………. .
Se o Dr. B………… dominasse melhor as suas paixões, não se precipitava, nem falava, atabalhoadamente, para o povo de …………, que, afinal, já condenou J………… .
Esperava serenamente pelas decisões dos tribunais, para, depois, fazer ou não comentários”.

Vejamos:
o artigo 180º C Penal, dispõe que:
nº. 1 ”quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Nos termos do artigo 183º/2 C Penal, “se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias”.
Por sua vez a Lei de Imprensa, aprovada pela Lei 2/99 de 13 de Janeiro, dispõe no seu nº. 30º, que
nº. 1 “a publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda vens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do disposto na presente lei, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais”;
nº. 2 “ sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminatória, elevadas de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo”.
O artigo 31º dispõe que,
nº. 1 “sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitui a ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras”;
nº. 2 “nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido”;
nº. 3 “o director, o director adjunto, o subdirector ou quem concretamente o substitua, assim, como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através de acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de 1/3 nos seus limites”.
A tutela penal do direito ao bom nome e reputação, é assim, assegurada pelo referido artigo 180.º, bem como pelo artigo 181.º, ambos do C Penal, este último, que prevê e pune o crime de injúria, normas que na descrição dos tipos de difamação e de injúria, utilizam a expressão “ofensivos da honra e consideração”.
Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto síntese do apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação”, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., 180/1.
A honra constitui um “bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”, cfr. Maria Paula G. Andrade, in “Da Ofensa do crédito e do bom nome”, 1996, 97.
“Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais”, cfr. Ac. deste Tribunal de 31.1.96, processo nº 9540900, no site da dgsi.
Segundo Nélson Hungria citado por Leal-Henriques e Simas Santos, in C Penal anot., a difamação “é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao visado”.
Ainda segundo o mesmo autor, “o bem jurídico lesado é, prevalentemente, a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou a respeitabilidade pessoal”.
Como refere Beleza dos Santos, "Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, in RLJ, ano 92 e 95, os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: a honra diz respeito à estima, "ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa", a consideração, ao juízo do público, isto é, ao apreço ou não "desconsideração que os outros tenham por ele".
Como acrescenta o mesmo autor, "a honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo".
“O bem jurídico honra traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros, que decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade”, cfr. Augusto Silva Santos, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, A.A.F.D.L.,17/8.
O crime de difamação tutela o bem jurídico - pessoalíssimo e imaterial – honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos. A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
No fundo, o que está em causa é a pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.
Fazem parte do tipo do crime de difamação, um elemento objectivo, concretizado na imputação de factos ou emissão de palavras dirigidas ao ofendido, ofensivas da sua honra e consideração e um elemento subjectivo, traduzido no facto de o agente ter a consciência de que as palavras que dirige acerca do ofendido são ofensivas da honra e consideração.
O bem jurídico assim delineado apresenta um lado individual - bom nome - e um lado social - a reputação ou consideração - fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa por parte dos outros.

O artigo 25º/1 da Constituição da República, dispõe que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”.
Dispondo depois o artigo 26º que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação”
Também, o artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no pressuposto de que estamos perante um direito de personalidade, dispõe que “ninguém sofrerá (...) ataques à sua honra e reputação. Contra tais (...), ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei".
Por seu lado, estabelece o artigo 37º da Constituição da República, que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento por palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”.
Por sua vez, o artigo 38º/1, estatui que “é garantida a liberdade de imprensa” o que implica nos termos do mesmo preceito “a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários.”
Mas esta liberdade não é absoluta uma vez que sofre as restrições necessárias à coexistência, numa sociedade democrática, de outros direitos como os da honra e reputação das pessoas, como vem enunciado quer no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 19º/ 2 e 3, quer na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 10º/1 e 2.
Qualquer um destes direitos, o direito ao bom nome e reputação, por um lado e, a liberdade de expressão e informação, por outro, merece ainda a tutela da lei ordinária, o primeiro na referida Lei 2/99, denominada de Lei de Imprensa e o segundo, no artigo 70º C Civil.
O artigo 3º da Lei 3/99 estabelece que “a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
O artigo 70º/1 C Civil, dispõe que ”a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua integridade física ou moral”
O jornal, onde o texto, em causa, foi publicado, é um meio de comunicação social. “A comunicação social realiza-se na pluralidade de meios que, em determinado momento histórico, a comunidade é capaz de fornecer para a difusão dos diferentes fluxos informacionais e que visa, tem por específica finalidade, atingir com essa informação um conjunto alargado ou maciço de pessoas”, ibidem, 642.
São frequentes os conflitos entre o direito à honra, por um lado, e o direito de expressão do pensamento e da informação, por outro, todos direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição no mesmo Título II – Direitos, liberdades e garantias - e Capítulo I – Direitos, liberdades e garantias pessoais – da Parte I.
A Constituição reconhece a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como ao exercício do direito de informar e, por essa via, ao exercício da liberdade da imprensa, preceituando, no artigo 37.º, n.º 3, que “as infracções cometidas no exercício destes direitos - de expressão e informação - ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
Deste n.º 3 conclui-se, que a liberdade de expressão não é ilimitada, “há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. A liberdade de expressão e de informação não pode efectivamente prevalecer sobre direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, à sua integridade moral, à reserva da sua vida privada. Esses limites encontram-se concretizados na lei penal. A injúria e a difamação não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou informação”, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 110-111
Por sua vez, Figueiredo Dias, a propósito do direito de informação e tutela da honra no direito penal de imprensa português, in RLJ, 115º, 100 e ss., sobre a forma como o direito penal há-de resolver as situações de conflito entre o direito à honra e o direito de expressão e de informação quando a imprensa actue no exercício da sua função pública, onde cabe toda a sua actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política, económica e cultural, “sustenta que, em primeiro lugar, é indispensável à correcta justificação pelo exercício da informação que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto”, cfr. pág. 136/7.
A liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa, constitucionalmente consagradas, implicando a liberdade de expressão e criação dos jornalistas, não se esgota na narração de factos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao chamado “direito de opinião” o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor.
“A liberdade de expressão e informação, deve ser entendida como estruturada numa tripla vertente, o direito de informar; de se informar e ser informado, sem impedimentos e restrições.
Deve considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições.
Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade moral do cidadão, nomeadamente o seu nome e reputação, como vimos já”, cfr. Ac. STJ de 12. 01.00, in BMJ, 493º, 156.
“O direito de liberdade de imprensa e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro”, cfr. Ac. STJ de 24.4.96, processo 97A652, no site da dgsi.
“Tão importante, assim, vem a ser assegurar o livre exercício dos direitos de informação e de livre expressão do pensamento, de que a liberdade de imprensa constitui modo qualificado”, cfr. Ac. TC 113/97 de 5.2.97, in BMJ 464, 119, enquanto “elemento imprescindível ao funcionamento e aperfeiçoamento das instituições democráticas”, cfr Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, Coimbra, 39 e ss., “como garantir o respeito pelos demais direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, em que, em idêntico plano constitucional, se inclui a da dignidade humana, dos direitos à integridade moral e ao bom nome e reputação”, cfr. Ac. STJ de 26.2.2004, processo 03B3898, igualmente no site da dgsi.
A questão que se nos coloca, que importa dirimir prende-se, então, manifesta e inequivocamente, com o conflito de dois direitos, constitucionalmente consagrados e com idêntico valor: o direito ao bom nome e reputação do assistente, por um lado e o direito de liberdade de expressão e informação, por parte do responsável pelo escrito, por outro.

Nos termos do artigo 18º/2 da Constituição da República, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Para resolver o conflito entre bens ou interesses de igual valor constitucional ter-se-á que obter a “harmonização” ou “concordância prática “do bens em colisão, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível.
”Gozando, embora os dois direitos de igual garantia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação”, cfr. Ac. STJ de 5/3/96, in CJ, S, I, 122 e Ac. STJ de 27/6/95 in BMJ 460º, 693.
“Designadamente assim sucede nos casos em que estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação”, cfr. Ac. STJ de 26.9.2000, in CJ, S, III, 42.
“É exigível que a informação veiculada se cinja à estrita verdade dos factos,” cfr. Ac. STJ de 3.10.95, in BMJ 450º, 424.
“Suscita-se, assim um conflito entre dois direitos com a mesma dignidade jurídico-constitucional, ambos sistematizados no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias”, que tem de ser solucionado à luz de uma interpretação caso a caso”, cfr. Ac. deste Tribunal de 30.6.2004
Como concluiu a Relação do Porto em Ac. de 28 de Novembro de 1979, "ao direito de ser informado, corresponde a correlativa obrigação de informar por parte de quem tem o próprio direito de informar. Deste modo, o direito de informar é, simultaneamente, uma obrigação".
A par das apontadas limitações consagradas no texto constitucional, pelo respeito de outros valores, designadamente a honra e reputação das pessoas, a liberdade de imprensa está sujeita a exigências, nomeadamente de seriedade, autenticidade e garantia de objectividade, pois o direito de informar só existe e só se justifica, com vista a bem informar.
Com efeito, como sujeito passivo da liberdade de informação, é direito do cidadão ser informado com rigor e exactidão, isto é receber informação verdadeira.
Daí que a Lei de Imprensa no seu artigo 4º, estabeleça como limite da liberdade de imprensa a salvaguarda e do rigor e objectividade da informação, e também o próprio Código Deontológico do Jornalista e bem assim o seu Estatuto, aprovado pela Lei 1/99 de 13.1, imponha a este o dever de relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade, determinando que são deveres fundamentais dos jornalistas, entre outros “exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção.”
Tem entendido a doutrina que não há ofensa à honra, no exercício do direito de informação, quando o conteúdo desta seja verdadeiro, corresponda a um interesse público, e a forma de exposição seja correcta, isto é sem recurso a expressões vexatórias.
Pode-se enumerar da seguinte forma os limites à liberdade de imprensa:
- relevo social do facto;
- verdade;
- moderação,
- ponderação e
- adequação na forma.

Se a notícia ultrapassa aqueles limites e atinge o direito ao bom nome e reputação das pessoas, o direito de informar não existe, não existindo, dessa forma qualquer conflito. Se, pelo contrário, atingiu o bom nome e reputação de qualquer pessoa mas foram observadas tais limitações, fica afastada a ilicitude desse facto, visto ser correcto o exercício da liberdade de imprensa.
O relevo social tem que relacionar-se directamente com o interesse público. “Factos noticiáveis de interesse público” serão todos aqueles que permitem a formação de um sentido crítico nos cidadãos na apreciação dos mesmos, o que supõe um exercício mais efectivo dos direitos e um melhor sentido das obrigações para com a sociedade”, cfr. Maria da Glória Carvalho Rebelo in “A Responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão”, 41.
Sobre a verdade da imputação escreve Figueiredo Dias, in RLJ, 115, 137 e ss., “que a mesma não significa verdade absoluta nem tem de corresponder integralmente ao facto histórico narrado“.
“O que importa em definitivo é que a imprensa, no exercício da sua função pública não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente”.
Entende este Professor que, neste âmbito, para a sua comprovação, basta as exigências derivada das “legis artis” dos jornalistas, das sua convicções profissionais sérias, e que não se satisfaçam com a criação de um convencimento meramente subjectivo, mas antes que repousem numa base objectiva. Nestas circunstâncias, é obvio que cabe ao jornalista a prova de que as imputações correspondem à verdade, ou que as tomou como tais depois de cumprido o dever de esclarecimento.
“O direito de informar e o direito de ser informado têm necessariamente de ser exercidos com a salvaguarda do bom nome e da dignidade da pessoa humana e dos direitos individuais consagrados no texto constitucional”, cfr. Ac. deste Tribunal, de 2.2.99, processo nº 9910617, no site da dgsi.
No mesmo sentido, cfr. Maria Glória, idem, “A informação verdadeira no âmbito da liberdade consagrada no artigo 37º CRP significa, pois, informação comprovada segundo os cânones da profissionalidade informativa, excluindo invenções, rumores ou meras insídias”.
“A verdade entendida de forma absoluta não é possível. Se esta fosse exigível nestes termos a informação não se produziria senão nos casos em que a verificação dos factos possa dar-se e provar-se exactamente o que, em certas ocasiões é impossível. Portanto, não se pode exigir uma verdade absoluta e total, mas sim que a essência do facto seja verdadeira e, ainda que contenha inexactidões, tenha sido obtida de acordo com o padrão razoável de cuidado do profissional. Para tanto, bastará cumprir o dever de diligência por parte do profissional de informação que está obrigado a realizar aquelas comprovações necessárias para determinar a veracidade da notícia que se vai difundir, e a quem se pode e deve exigir que dê publicidade e notícias previamente confrontadas com dados objectivos.”
Por fim, quanto ao 3.º requisito escreve Figueiredo Dias "é indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra se revele como meio adequado e razoável do cumprimento da função pública da imprensa; ou mais concretamente: de cumprimento do fim que a imprensa, no exercício da sua função pública, pretende atingir no caso concreto. Por isso mesmo, o meio utilizado não só não pode ser excessivo como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido. Qualquer excesso pode ser suficiente para empurrar a conduta para o âmbito do ilícito.”
“É ofensiva a informação desnecessariamente gravosa e susceptível de abalar o prestígio e bem nome da pessoa”, cfr. Ac. STJ de 18.3.97, processo nº 97A652, no site da dgsi.
Todavia a ofensa à honra pode concretizar-se não só através de imputação de factos, mas também na manifestação de juízos referentes à personalidade alheia acções e comportamentos de outrem. Nestes casos mesmo que os juízos tenham a ver com factos verdadeiros a notícia “só será licita no seu próprio conteúdo quando também não brigue com as regras correntes de adequação social, face à necessidade de aqui se defender a dignidade da pessoa humana, quaisquer que sejam os acidentes do seu percurso”, cfr. Capelo de Sousa, in “ O Direito Geral de Personalidade”, 309.
À impossibilidade de provar a veracidade dos factos não se segue automaticamente a condenação do jornalista, mas apenas na medida em que tal juízo é desrazoável ou desproporcionado.
Na realidade, tal como acima ficou referido, para se apreciar e decidir se a conduta do arguido é lesiva do bom nome e reputação do assistente, pouco importa que os factos por si difundidos correspondam ou não à realidade ou sejam ou não do conhecimento público. O que importa é saber se, ponderadas as circunstâncias do caso, os mesmos são susceptíveis de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações - prejuízo do crédito ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida - prejuízo do bom nome - no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
Esta questão vem no seguimento da anterior e prende-se com a questão de fundo, o averiguar e concluir se de facto a conduta do arguido, autor do escrito, para já, ponderadas as circunstâncias do caso, é susceptível de diminuir a confiança na capacidade e na vontade do assistente para cumprir as suas obrigações ou de abalar o prestígio de que o mesma goze ou o bom conceito em que ela seja tida no meio social em que vive ou exerce a sua actividade.
Tendo presentes os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais que acima deixámos expostos, há que analisar o escrito do arguido, de molde a apurar se o mesmo merece a censura jurídica-penal, pretendida pelo assistente.
No escrito pode-se colocar o acento tónico, nas expressões:
“o assistente não tem credibilidade para o fazer”. Vejamos porquê.
Há bastantes anos atrás, o Dr. B………… era vereador, eleito pelo PS.
O Dr. B………. pertencia à Cooperativa. Era proprietário de um dos apartamentos por ela construídos, nesses terrenos. Votou também a favor da doação, que foi aprovada. Logo, foi beneficiado e beneficiou-se a si próprio, incorrendo assim, na perda de mandato.
Passou, então, a admirar sobremaneira J……….. e a apoiá-lo com entusiasmo.
Por isso não admira que, agora, tenha desvalorizado o envio do relatório do Tribunal de Contas para o Procurador Geral da República. Nem é surpresa ter já concluído que o culpado é o “legislador” e não J………. .
Se o Dr. B………… dominasse melhor as suas paixões, não se precipitava, nem falava, atabalhoadamente, para o povo de ……., que, afinal, já condenou J………… .
Esperava serenamente pelas decisões dos tribunais, para, depois, fazer ou não comentários.

No entanto com a contextualização deste excerto, permitirá proceder a uma melhor leitura dos factos em apreço:

o assistente foi sócio da I………, constituída a 11.2.1977, até há cerca de 1/2 anos, o Assistente, nela retendo participações sociais.
No ano da constituição, a Cooperativa solicitou à Câmara Municipal a cedência de terreno, em termos de direito de superfície, para a realização do seu objectivo social, de promover a habitação cooperativa.
Em reunião da Câmara Municipal de ………, com a presença e o voto do Assistente, enquanto Vereador, foi tomada a deliberação de doar o direito de superfície, da área de implantação das construções da I………. .
A 18-02-1983 a Câmara Municipal de ……. enviou à referida Cooperativa um estudo de preço do terreno a ceder, no valor então, de Esc. 35.032.500$00, à data de 28-11-1982.
Em 23-02-1987, foi celebrado o contrato de constituição de direito de superfície entre a Câmara Municipal e a I………. CRL, sem que a execução da deliberação tenha sido autorizada pela Assembleia Municipal.
Estes factos foram constatados através de uma inspecção realizada ao Município de ………, através da Inspecção Geral da Administração do Território, que concluiu pela verificação da ilegalidade da actuação do Assistente, face à lei, e na circunstância da sua conduta o fazer incorrer em pena de declaração de perda de mandato, nos termos do nº. 2 do artigo 81° do DL 100/84, tendo em atenção o parecer da Procuradoria Geral da República, publicado na II Série, nº. 90 de 18-04-88. Mais concluiu tal inspecção que o valor do terreno doado, em 1985, em direito de superfície, rondaria 70 mil contos e que o Assistente era, à data da deliberação da doação, sócio e cooperante da cooperativa donatária, que, os ditos sócios cooperadores tinham acesso à propriedade individual dos fogos que lhe fossem atribuídos após integral amortização do seu valor de custo à cooperativa, sendo este valor determinado pelo custo do terreno e das infra estruturas, pelo que, face aos estatutos da Cooperativa e à cedência gratuita operada, os membros da Cooperativa beneficiaram, directamente, da doação, uma vez que o valor do terreno é levado em conta aquando da venda dos fogos e que a intervenção do Assistente na votação da doação contrariou o disposto no nº. 1 do artigo 1º – d) do DL 370/83 de 6-10.
Este relatório mereceu a concordância do Inspector Geral da Inspecção Geral da Administração do Território, que qualificou actuações do Sr. Presidente da Câmara de então e demais membros do executivo como de ilícitos de natureza criminal.
Sobre tal relatório viria a ser elaborado parecer por parte do Inspector Geral de Inspecção Geral da Administração do Território, que apontava para a existência de graves ilegalidades, até de natureza criminal, do Presidente da Câmara e demais membros do executivo.
Aquele relatório mereceu a concordância do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e do próprio Ministro da Tutela, Prof. BG………….
No jornal “R................”, de que o Assistente é director, na mesma edição de 20.11.2003:
Noticiou-se através de escrito assinado por X………, o facto do Tribunal de Contas ter considerado a gestão autárquica dos últimos 3 anos do executivo liderado por J……….. como sendo inédita e ilegal e o processo ter sido remetido à Procuradoria Geral da República e mais se relatava que uma das consequências poderia ser a reposição da legalidade através da atribuição da responsabilidade financeira pelos actos a todos os elementos do executivo de então e,
em editorial, o assistente, na qualidade de director do jornal, publicado na página 3, com o título “E agora?”, escreveu:
“... apesar do foguetório na altura dominante propagandeasse responsabilidade exclusiva do então Presidente da Câmara, referindo-se a J………, não tanto por ser essa a verdade toda mas porque essa “verdade” – como outras que não eram - serviram plenamente à estratégia de uma parte da oposição política … e não só … percebe-se, pois, que a culpa não é tanto dos intervenientes que usaram as lacunas legais em defesa das suas opções, mas antes e principalmente de te tal “legislador” … é, pois lícito, concluir que, a ter de ser alguém o responsável, será o legislador” neste caso a Assembleia da República a quem o Tribunal de Contas remeteu as suas conclusões…”.
O arguido D................, era então, subdirector do jornal “G................”, na falta por doença do director.
O arguido C................, semanalmente, na coluna, “ O………”, fazia uma análise dos actos e comportamentos de figuras públicas locais, nomeadamente relatando acontecimentos da vida pública BF…………., opinando sobre opções políticas assumidas no espectro partidário local, ora apoiando ora criticando, ora denunciando aquilo que, no seu entender, se afigurava desajustado ao interesse público local.
Este jornal, na edição de 22-11-2003, publicara uma notícia, com o título “Tribunal de Contas reconheceu ilegalidades financeiras nos últimos anos do mandato de J……….., onde se anunciava que o Tribunal de Conta havia considerado ilegais despesas e outros procedimentos que o executivo de então (2001) autorizou e a remessa de tal situação ao Ministério Público, tendo-se referido, assim, a divulgação de um relatório do Tribunal de Contas, acusando o executivo camarário, liderado por J………. e os Vereadores que o acompanharam no exercício de funções autárquicas no período de 1999 a 2001.

Cremos bem que nenhuma das expressões utilizadas pelo arguido, por si ou na sua articulação em conjunto, tendo presente o evidenciado contexto dos factos, apreciadas por um normal cidadão, segundo a sã e desapaixonada opinião da generalidade das pessoas atentas à vida municipal de ………., os eleitores do concelho, através da qual o arguido deixou vincada a sua opinião, estruturada em factos incontroversos e objectivos, pode ser considerada ofensiva da honra e consideração do assistente.
Não esqueçamos, que estamos no mundo da vida política, a nível local, num concelho de pequena dimensão, onde tudo o que diga respeita à vida pública e da autarquia, é vivida com interesse, participação, apaixonada, por vezes, matizada pelas opções ideológicas e partidárias de cada um, as mais das vezes, porventura, provocando comportamentos e condutas, carentes de lucidez, e onde os códigos de conduta existente entre os vários protagonistas é, assumidamente interiorizado, como caracterizado pela tolerância e pela frontalidade, frequentemente excessivas, o que torna, quiçá, a vida político-partidária, designadamente, a nível autárquico, como um mundo muito próprio, com o seu próprio código de conduta, dada a especificidade, a proximidade e a intensidade da vivência de tudo o que se relaciona com o quotidiano da vida municipal.
Este sentimento, está, de resto, bem generalizado na comunidade, na opinião pública e na própria imprensa, designadamente regional, quer, no tocante à forma de relacionamento, entre si, quer entre os actores da vida local, sobre tudo o que se relaciona com os respectivos quotidianos.

O circunstancialismo envolvente traduz, inequivocamente, o relevo social dos factos, o que melhor contribui para interpretar a actuação do arguido, que terá mais a ver, com o lembrar ao assistente, não deixando apagar da memória, as suas responsabilidades, passadas e censurar a sua actual posição, publicada em editorial num jornal, de desculpabilização, atribuindo responsabilidades ao legislador, pela concreta actuação da vereação, tema, em suma, sempre actual e atinente com a vida da res publica.
Factos são factos. O arguido pronunciou-se de forma correcta, com verdade, com excepção da questão, eminentemente, jurídica, da perda de mandato, pois que o assistente não era já autarca, ao tempo da elaboração do relatório do IGAT e quanto à questão, de pormenor, de ser ou não proprietário do apartamento, questão, de resto, bem dilucidada e, melhor tratada, pelo IGAT e que o desenrolar dos factos, veio a demonstrar e confirmar, pois que o assistente veio a adquirir o apartamento, o que de resto estava já, natural e implicitamente, em vista, desde o início, o que é de resto co-natural, à situação de cooperante de uma cooperativa de habitação.
O escrito está elaborado de forma moderada, ponderada, tendo em vista o apontado objectivo e adequado na forma da sua apresentação, na rubrica “O………. – P………..”, naturalmente, na secção “em baixa” como resposta ao editorial assinado pelo assistente, 16 dias antes.
A questão subjacente ao escrito é real, sobre questão de interesse público, não actual, ultrapassada é certo, no tempo, mas com interesse renovado, renascido, com o editorial que o assistente assinou e publicou, cujo teor, motivou o arguido a escrever o que escreveu.

“Neste quadro, as opiniões expressas no artigo que se reconduzem a juízos valorativos mostram-se justificadas pelos interesses da livre discussão das questões políticas enquanto manifestação da liberdade de expressão do jornalista e do direito de informação. Na ponderação dos interesses em conflito, tais juízos valorativos representam um meio razoavelmente proporcionado à prossecução da finalidade legítima visada tendo em conta o interesse da sociedade democrática em assegurar e manter a liberdade de imprensa”, cfr. Ac. deste Tribunal de 27.11.2002.
Lidas as passagens do texto, no seu contexto, resulta que este tem como principal objectivo criticar, denunciar, a actual tomada de posição do assistente sobre o relatório do IGAT, que versava sobre o desempenho da vereação da Câmara Municipal, apontando-lhe irregularidades, isto porque no entendimento, explicitado, narrado factualmente, pelo arguido, o assistente não tinha credibilidade para o fazer, sendo o arguido de opinião que melhor fora que, o assistente ficasse a aguardar as decisões dos tribunais, em vez de sair em defesa e a desculpabilizar o Presidente da Câmara, atribuindo as culpas, pelas faltas apontadas no relatório, ao legislador.
O exercício do direito de informação, tal como do direito de opinião e de crítica, que naturalmente, se exercem mediante a emissão de juízos de valor, direitos, qualquer deles garantidos a qualquer pessoa, pode valer como causa justificativa, em termos penais, de quaisquer ofensas à honra que o exercício daqueles direitos seja, porventura, portador, tendo em consideração o dito princípio da ponderação de interesses, estando por isso excluída a ilicitude da conduta do arguido, artigo 31º/2 alínea b) C Penal.
Em conclusão, ao escrever o artigo em litígio, o arguido situou-se no âmbito estrito do exercício da função pública da imprensa, que reconhecidamente, tem um papel essencial na informação e formação da opinião pública, na sociedade democrática e pluralista, especialmente no campo político.
O artigo em causa tem o propósito de exercer o direito de informação e revela-se meio adequado e razoável, do cumprimento do fim que pretendia atingir no caso concreto.
Existe um interesse público no conhecimento do conteúdo do artigo na exacta medida em que concorre - com os factos que divulga e com a apreciação da posição actual do assistente, lida de acordo com o seu passado de responsável autárquico, que não se coibiu, então, de votar uma deliberação que beneficiava os seus interesses pessoais, o que lhe era vedado por lei para a correcta formação plural da opinião pública, designadamente concelhia, numa área de indiscutível importância para a comunidade local, como é a vida pública num pequeno concelho, as relações entre a comunicação social aí radicada e a forma de relacionamento entre os diversos actores, que por um lado têm vida e interesses privados e, por outro, assumem responsabilidades a nível da cargos de poder político, onde devem dar primazia aos interesses públicos da comunidade .
O interesse público do artigo está constatado, por versar sobre acontecimentos cuja relevância directa sendo limitada apenas ao assistente, ao tempo vereador, hoje director de um jornal da terra, mas que podem assumir um significado emblemático para a vida da colectividade inteira. Decisivo, no caso, é a circunstância de a narração possuir uma ressonância que ultrapasse o círculo estrito das pessoas envolvidas.
É tempo de concluir, afirmando a falta de fundamento, em qualquer uma das suas vertentes, do recurso apresentado pelo assistente B………..

IV. Decisão

Atento todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pela assistente, confirmando-se a decisão recorrida.

Taxa de justiça, pelo recorrente, que se fixa no equivalente a 6 UCs, artigos. 513º/1 C P Penal e 82º/1 e 87º/1 alínea b) C. das Custas Judiciais.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 06 de Dezembro de 2006
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob ( Vencido, nos termos da declaração que junto)
DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto vencido relativamente à questão das consequências da falta de promoção do processo por parte do M.P., por entender que tal omissão traduz a nulidade prevista no art. 119°, al. b), do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam também as demais normas citadas sem menção de origem).
Dispõe o n° 3 do art. 285° que " o Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles".
O termo “pode” constante desta norma tem gerado alguns equívocos, nomeadamente, no que concerne a saber se deduzida a acusação particular o M.P. está vinculado a uma tomada de posição ou se tem a faculdade de deixar de o fazer.
As regras da boa hermenêutica desaconselham uma interpretação isolada, pelo perigo que esta envolve de descontextualização da norma objecto da interpretação. É na harmonia do sistema que a lei se oferece ao intérprete em toda a sua plenitude, não prescindindo do recurso às demais regras interligadas com a que é objecto de interpretação e mesmo ao quadro constitucional, se o houver.
Nesta perspectiva, assume particular relevo a norma do n° 1 do art. 219º da Constituição da República Portuguesa, que comete ao Ministério Público o exercício da acção penal, orientada pelo princípio da legalidade. Desta norma se extrai fundamento bastante para concluir pela obrigatoriedade de o M.P. tomar posição expressa relativamente à acusação particular deduzida pelo assistente nos crimes particulares. Em sintonia com este enquadramento constitucional, o art. 119º do CPP prevê como nulidade insanável, a declarar oficiosamente em qualquer fase do procedimento, "a falta de promoção do processo pelo Ministério Público... " (al. b), sem distinguir entre crimes de natureza pública, semi-pública ou particular, não se vislumbrando qualquer razão válida para que o intérprete distinga onde a lei não distingue. De resto, a interpretação daquela norma no sentido de que ao M.P. é lícito desinteressar-se, pura e simplesmente, do prosseguimento do processo, alheando-se deste ao ponto de nem sequer tomar posição perante a acusação particular deduzida, esbarra com a concepção legal do assistente como colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvaguardadas as excepções previstas na lei (art. 69º, n° 1) e não é compaginável com o dever de procedimento oficioso previsto no art. 50º, n° 2, em cujos termos, ainda que o procedimento criminal dependa de acusação particular, "o Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais".
Ou seja e em conclusão: O termo “pode” utilizado pelo n° 3 do art. 285° tem que ser interpretado no contexto da norma, mas também na harmonia do sistema, o que impõe a conclusão de que se reporta às opções previstas na norma, se o M.P. se decidir pela acusação ("acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles") e não a uma faculdade de uso discricionário.
Claro que para além de tomar uma destas posições, o M.P. poderá também abster-se de acusar. Porém, terá que dizê-lo expressamente, terá sempre que tomar posição, sob pena de cometimento da nulidade prevista no art. 119º, al. b), qualificada como insanável.
Nesta medida, não tendo o M.P., enquanto titular da acção penal, tomado posição após a dedução da acusação particular, ocorre falta de promoção da acção penal, nulidade insanável, a declarar oficiosamente em qualquer fase do procedimento (proémio do art. 119º do CPP).
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