Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1332/07.2TBCHV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: ARRENDAMENTO
DEFEITOS NO LOCADO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP201110271332/07.2TBCHV.P1
Data do Acordão: 10/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A necessidade de obras estruturais no locado não confere ao inquilino o direito de exigir a demolição administrativa e nova construção, nem estas pretensões podem ser opostas ao senhorio.
II - A demolição do prédio arrendado, por intervenção oficiosa do município para impedir a sua ruína, determina a caducidade do contrato de arrendamento e esta inviabiliza a sua resolução pelo locatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1332/07.2TBCHV
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Des. Filipe Caroço
Segundo Adjunto: Des. Maria Amália Santos

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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B… e marido C… instauram a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra D…, pedindo que [a)] se declare resolvido pelos autores o contrato de arrendamento por culpa imputável à ré, por carta enviada à ré em 18/5/2007, nos termos dos arts. 1050 e 1083 do Código Civil (CC), e [b)] ser a ré condenada a pagar aos autores a quantia de 59.326,07€ pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento, nos termos dos arts. 798, 801 e 1086 do CC.
Na petição inicial aperfeiçoada, alega-se sumariamente o seguinte:
A ré é dona de um prédio urbano sito em São João da Madeira;
Por contrato de 21/2/1944 o então proprietário arrendou esse prédio, o qual posteriormente veio à posse da sociedade E… na posição de inquilina;
Por contrato de trespasse de estabelecimento comercial celebrado entre tal sociedade e os autores, em 20/7/2000, pelo valor de 32.421,86€, assumiram os autores a qualidade de inquilinos da ré;
Desde o ano de 2003 os autores vêm alertando a ré para o estado de degradação progressiva do locado e dos problemas no imóvel que lhe é contíguo, também pertença da ré, o qual se encontrava devoluto e em estado avançado de degradação, exigindo da ré uma intervenção urgente com obras de conservação e manutenção do locado, incluindo obras no prédio contíguo;
Tais pretensões constam em cartas de 12/5/2003, 19/10/2006, 23/1/2007 e 6/3/2007, de tudo estando a ré ciente;
A ré nada fez, sendo obrigação dela assegurar aos autores o gozo do locado para os fins a que o mesmo se destina e executar as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelo fim do contrato;
A ré limitou-se a participar o facto à Câmara Municipal …, onde reconhece os graves problemas de sua responsabilidade e tenta que aquela entidade tome providências para resolver os problemas;
Devido à inércia consciente da ré, a degradação estrutural do prédio comprometeu definitiva e irremediavelmente a utilização do locado, pondo em perigo a vida e saúde dos autores e seus clientes, além de deteriorar a mercadoria do estabelecimento;
Face à gravidade da situação, com perigo iminente de derrocada, a Câmara Municipal … procedeu à demolição do edifício em 26/4/2007, com prévio despejo sumário dos autores;
A ré nunca teve intenção de fazer as obras necessárias à manutenção do locado e nunca apresentou à dita Câmara projecto de obras, votando os autores ao total abandono quanto à manutenção do contrato de arrendamento, antes sendo sua intenção vender o terreno livre dos inquilinos à própria Câmara;
A ré não fez obras no locado para provocar o despejo administrativo e a demolição do locado, tentando evitar indemnizar os autores;
Face a tal situação, os autores, por carta enviada à ré em 18/5/2007, resolveram o contrato de arrendamento, por culpa imputável à ré, uma vez que esta incumpriu o contrato perante os autores;
A ré é responsável por todos os prejuízos que os autores sofreram, devendo indemnizar pelo valor do direito ao trespasse, 32.421,86€, e pelo valor do stock existente à data da demolição, 16.904,21€, stock esse que os autores não mais vão conseguir vender, acrescendo danos morais que devem ser ressarcidos com 10.000€.
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Na contestação que se sucede à petição inicial aperfeiçoada, a ré conclui que a acção deve ser julgada improcedente e não provada, absolvendo-se a ré dos pedidos e formula reconvenção a fim de ser declarada a caducidade do contrato de arrendamento, com efeito à data de 26/4/2007.
Sumariamente, alega a ré:
O imóvel integrava-se num bloco de prédios geminados e interligados, construídos todos antes de 1920;
A ré adquiriu o imóvel em 1986, conjuntamente com outros dois daqueles prédios;
Os prédios que formam o bloco pertencem a vários proprietários e quando, em 20/7/2000, os autores comunicaram à ré a aquisição do direito ao arrendamento por trespasse já o local arrendado se encontrava com graves problemas estruturais;
A ré tentou, junto da Câmara Municipal … e dos proprietários confinantes, obter uma solução para a demolição e reconstrução do edifício arrendado, bem como dos edifícios adjacentes, tendo, no ano de 1987, sido presente pela ré e ditos confinantes àquela Câmara um plano de viabilidade que passaria por um contrato de urbanização entre todos os proprietários da zona, o que não foi conseguido, uma vez que alguns dos proprietários não aceitaram o contrato de urbanização com as alterações que vieram a ser impostas pelo município, pese embora o empenho da ré;
Era impossível à ré cumprir sozinha as condições camarárias e viu-se impedida de proceder à projectada reconstrução, com necessária demolição prévia, esta já indispensável em razão da deterioração do edifício;
Em 2002 a Câmara Municipal … fez proposta de desenvolvimento urbano do local, mas os restantes proprietários recusaram de novo essa proposta;
Os autores de tudo estão cientes e de tudo foram expressamente elucidados pela própria ré;
Entre outros contactos, a ré, em 26/1/2007, comunicou à Câmara Municipal … a urgência da reconstrução do arrendado e responsabilizou essa Câmara pela sua inércia, sem resposta da mesma Câmara;
A única atitude da Câmara Municipal … foi a vistoria e subsequente demolição administrativa do arrendado, tendo ainda demolido os imóveis adjacentes, num total de cinco imóveis;
A ré, nos limites do que era possível, fez todas as diligências para manter o imóvel e o próprio arrendamento e tal não foi possível por razões burocráticas e de planeamento urbanístico;
A ré nunca requereu a demolição em si mesma e só soube da demolição depois de ela ter sido efectivada;
A ré nunca teve qualquer intenção de vender o terreno livre à dita Câmara;
A ré nunca foi notificada pela Câmara Municipal … para proceder a obras de reconstrução e de conservação extraordinária;
A demolição operou a perda total do arrendado e a caducidade do arrendamento, o que deve ser declarado em sede de reconvenção.
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Na réplica à nova contestação, os autores reafirmam que a ré nunca fez obras no arrendado e é certo que se as tivesse feito, ultrapassando a natural deterioração, nunca o arrendado chegaria à situação a que chegou; acrescentam que essas obras não implicavam intervenção de fundo ou estrutural no prédio e não existia ligação estrutural com os edifícios vizinhos, bem como que, aquando do trespasse, o prédio assegurava perfeitamente a actividade que nele se exercia, surgindo os problemas em 2003 e tornando-se estruturais só em 2006/2007; mais alegam que a Câmara Municipal só demoliu o prédio arrendado e não cinco prédios.
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No despacho saneador foi admitida a reconvenção e seleccionou-se a matéria de facto assente e a base instrutória.
Procedeu-se ao julgamento.
Na audiência de julgamento de 2/3/2010 e a constar na respectiva acta, a ré invocou abuso de direito por parte dos autores, com resposta dos autores no sentido de essa invocação constituir alteração da causa de pedir, devendo ter sido invocado na contestação e não devendo ser admitida tal alteração, por intempestividade, ao que se seguiu decisão no sentido de a questão do abuso de direito vir a ser apreciada na sentença.
Proferiu-se despacho que enuncia os factos provados e não provados.
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Na sentença decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente, declarando-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os autores e a ré e condenando-se a ré a pagar aos autores a quantia de 32.421,86€, correspondente ao valor do direito ao trespasse, a quantia de 13.523,37€, correspondente ao valor do stock existente à data da demolição, a quantia de 2.500€, correspondente ao lucro cessante que os autores iriam obter com a venda do stock, e a quantia de 4.000€, correspondente aos danos não patrimoniais, acrescendo a todas essas quantias juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se a ré no mais que lhe vinha pedido. Mais se decidiu julgar a reconvenção improcedente, dela se absolvendo os autores.
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A ré apelou da sentença, a fim de obter a correspondente revogação, com improcedência total da acção e procedência da reconvenção.
Formula as seguintes conclusões:
A – Matéria de Facto:
1.A Apelante não concorda com a resposta dada à matéria de facto, motivo pelo qual deve ser alterada, com os seguintes fundamentos:
2.Existe erro na apreciação da prova, designadamente na resposta ao facto número 9 da Douta Base Instrutória.
3.No entender da Apelante, nada existe nos Autos que permita ter dado como provado o facto n.º 9 da Douta Base Instrutória – que as obras referidas nos factos n.º 5, 6, 7 e 8 da Base Instrutória teriam resolvido os problemas do locado.
4.Da análise da prova produzida, e nomeadamente do depoimento das testemunhas ouvidas acerca desta matéria, cujo depoimento supra se transcreve, outra conclusão não poderá ser retirada, senão a de que nenhuma das testemunhas se pronunciou de forma a que tal quesito pudesse ter sido dado como provado.
5.Muito pelo contrário, o que deveria ter sido dado como provado eram os factos quesitados a 53, 54, 55, 64, 65, 66, 67, 68 e 69 – o que não aconteceu.
6.Sobre esta matéria, deverá atender-se à idade do prédio, anterior a 1920 (facto n.º 49 dado como provado), ao facto de o imóvel se integrar num bloco de prédios todos interligados entre si (facto n.º 48), que pertenciam a vários proprietários (facto n.º 51), sendo que, em Julho de 2000, já se encontrava em estado de velho (facto n.º 52) e nomeadamente também à conjugação com os factos dados como provados sobre o tipo de obras exigidas pelos AA. (factos n.º 5, 6 e 7) e ainda com a prova documental junta aos Autos, nomeadamente, o relatório constante como documento n.º 1 junto à Petição Inicial, às fotografias constantes como documentos n.º 12 a 30 junto com a Contestação.
7.Sobre esta matéria foram importantes, também, os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré/Apelante, nomeadamente o Sr. Eng. F…, a testemunha indicada pela Ré, G…, a testemunha, também indicada pela Ré, Eng. H…, a testemunha Arquitecto I… e Arquitecta J…, cujos depoimentos se transcreveram supra.
8.Da análise destes depoimentos, conjugados com os outros elementos de prova já aludidos supra, não restam quaisquer dúvidas, e dando o quesito 9º como não provado e, pelo menos, os quesitos 64, 65, 66, 67, 68 e 69 como provados, que qualquer intervenção, em termos de obras no locado passaria sempre pela realização de obras estruturais de grande monte quer em termos de obras propriamente ditas, quer em termos económicos.
9.Factos que o Meritíssimo Juiz “ad quo”, não atendeu e que deveriam e deverão ser atendidos, no entender da Ré, na decisão de mérito sobre a Acção em causa.
B – Matéria de Direito:
I – Falta de Fundamentação da Resposta à matéria de facto:
10.O Meritíssimo Juiz “ad quo” não fundamentou a resposta aos quesitos, violando o preceituado no Artigo 653º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
11.Ao Meritíssimo Juiz, e nos termos do disposto no Artigo supra citado, cabia, e relativamente a cada facto, isolada e autonomamente considerado, a indicação dos meios probatórios decisivos na formação da sua convicção.
12.Da análise do Douto Despacho de resposta à matéria de facto, o Meritíssimo Juiz não indicou os meios probatórios a que atendeu para formar a sua convicção somente tendo tecido considerações gerais sobre o depoimento de algumas testemunhas e relativamente a outras testemunhas, nomeadamente às testemunhas O…, P…, Q… e S… somente alegou terem feito um depoimento “rigoroso”, “coerente”…
13.Assim, deverá ser sanado o vício por falta de fundamentação por aplicação do disposto no Artigo 712º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
II – Erro na aplicação do direito aos factos:
14.O Meritíssimo Juiz “ad quo” no enquadramento que fez dos factos ao Direito, considerou que houve, por parte da Ré, um incumprimento culposo do contrato de arrendamento, porquanto não zelou pela conservação do prédio ao longo dos anos, o que determinou um “estado tal de degradação que a Câmara Municipal veio a demoli-lo”.
15.Esta é a alegação simples e desprovida de fundamento que o Meritíssimo Juiz “ad quo” invoca para alicerçar a sua decisão de considerar resolvido o contrato de arrendamento por culpa da Ré.
16.Entende a Apelante que esta forma simplificada e desprovida de factualidade não pode merecer o acolhimento do Direito.
17. É incontestável que, nos termos previstos nos Artigos 9º, 10º e 12º do
R.G.E.U. (D.L. 38 382 de 07/01/1951), os proprietários são obrigados a reparar e beneficiar as edificações, pelo menos, uma vez em cada período de 8 anos.
18.Os diversos tipos de obras que podem ter lugar nos prédios urbanos, no âmbito do regime de arrendamento, estão previstos e como é referido na Douta Sentença recorrida, nos Artigos 11º e seguintes do R.A.U..
19.De acordo com este preceito, essas obras podem ser de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação.
20.A distinção é importante porque o senhorio só terá de efectuar as obras de conservação extraordinária ou de beneficiação se, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe for imposta pela Câmara Municipal competente ou se tiver acordado isso, por escrito, com o arrendatário (Artigo 13º do R.A.U.).
21.Por outro lado, o arrendatário deverá, em princípio, pedir ao senhorio as reparações, seja qual for a natureza das obras a realizar, já que, nos termos do Artigo 1038º, alínea h) do Código Civil, constitui sua obrigação avisá-lo imediatamente sempre
que tenha conhecimento de vícios da coisa ou saiba que ameaça algum perigo.
22.De acordo com o Artigo 1032º do Código Civil, quando a coisa locada apresente vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido:
a) se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa;
b) se o defeito surgir posteriormente à entrega por culpa do locador.
23.Mas o disposto neste Artigo não tem aplicação, se o locatário não avisou o defeito ao locador, como lhe cumpria (Artigo 1033º, alínea d) do Código Civil).
24.Ora, não resulta dos factos dados como provados que os AA. e/ou os anteriores inquilinos antes de 2003 tenham denunciado à Ré quaisquer defeitos do arrendado, ou solicitado a realização de obras de conservação.
25.Daí que não possam, até essa data, considerar-se a senhoria constituída em mora quanto à obrigação de efectuar obras de conservação ordinária no arrendado.
26.Houve, sim, aviso e pedido de realização de obras após o ano de 2003, devido ao facto de o telhado do prédio contíguo ter ruído parcialmente (facto n.º 2).
27.Mas quanto a estas, coloca-se a questão de saber se as obras de que o prédio ficou a necessitar podem ser consideradas obras de simples conservação ordinária.
28.Quer pela relação de obras peticionadas pelos AA. constantes dos factos 5, 6, 7 e 8 quer pelos factos 64, 65, 66, 67, 68 e 69 que a Apelante pretende ver provados, nunca estas poderão qualificar-se como de simples conservação ou de beneficiação, mas obras de conservação extraordinárias.
29.Estas obras, tal como referido supra, estas obras de conservação extraordinária só têm de ser executadas pelo senhorio quando, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe for imposta pela Câmara Municipal competente ou se tiver acordado isso, por escrito, com o arrendatário – e dão direito à actualização de rendas – Artigo 13º do R.A.U..
30.São obras de conservação extraordinárias, entre outras: as tornadas necessárias por caso fortuito ou de força maior; e, em geral, todas as que, não sendo imputáveis a acção ou omissão ilícita do senhorio, ultrapassagem, no ano em que se tornem necessárias, 2/3 do rendimento líquido do prédio (Artigo 11º, n.º 3 do R.A.U.).
31.No caso dos presentes Autos, não pode deixar de se considerar que a reconstrução do locado se tornou necessária por caso fortuito ou de força maior pois deveu-se ao facto de o telhado do prédio contíguo (já em 2003) ter os barrotes podres, telhas partidas e já ter ruído parcialmente (facto n.º 2) por razões não apuradas.
32.Ou seja, não se encontra provado que, em 2003, o facto de o prédio contíguo ter os barrotes podres, telhas partidas e o telhado ter ruído se deveu a qualquer conduta e muito menos ilícito por parte da Ré, por acção ou omissão.
33.Assim, quando os AA., em 2003, e mais propriamente por carta datada de 12 de Maio de 2003 (cfr. documento n.º 4 junto à Petição Inicial e facto n.º 1), avisaram, pela primeira vez, a Ré da necessidade de realização de obras no locado, já este locado necessitava de obras de reconstrução ou conservação extraordinária.
34.Constituindo, nomeadamente, a substituição do telhado e a substituição dos barrotes, assim como as necessárias obras constantes dos Artigos 64º, 65º, 66º e 67º que se pretendem como provados obras de reconstrução extraordinária, a Ré só ficava vinculada à realização das mesmas depois de notificada pela Câmara Municipal para as executar.
35.Não resulta dos factos dados como assentes que os AA. tenham, em momento algum, requerido à Câmara Municipal a intimação da Ré para a realização de tais obras ou que a Câmara Municipal tivesse intimado a Ré para a realização dessas obras.
36.Muito pelo contrário, resulta dado como provado que foi a própria Ré quem deu conhecimento e participou o estado do locado à Câmara Municipal (facto n.º 15) e carta junto à Contestação como documento n.º 31 (facto G) onde solicitou a intervenção da Câmara Municipal na resolução do assunto, em virtude, não só da necessidade de obtenção de licença de construção para a reconstrução, como pelo facto de entender que a intervenção a efectuar poderia afectar os outros imóveis contíguos e interligados ao locado.
37.Após a recepção desta carta da Ré à Câmara Municipal …, foi realizada a vistoria, cujo teor consta de fls. 74 a 76 dos Autos (facto H), e a demolição do edifício deliberada e concretizada a 26 de Abril 2007 (facto I).
38.Assim, dado que as obras a efectuar pela Ré devem ser qualificadas como obras de conservação extraordinária, e não resultando dos Autos que tenham sido impostas à Ré por deliberação camarária, a sua não realização, após a primeira interpelação ocorrida em 2003, não podia esta considerar-se obrigada a realizá-las.
39.Pelo que, contrariamente ao sufragado na Douta Sentença recorrida, aquando da interpelação dos AA. “para que fizesse obras no locado” (alínea f) e facto n.º 1 e 2), já as obras necessárias no locado não eram de mera conservação ordinária mas de reconstrução.
40.A Ré, também contrariamente ao sufragado na Douta Sentença e pelas razões supra expostas, não teve qualquer atitude de omissão culposa pois se não fez as obras pretendidas (conservação ordinária) já não eram as suficientes para “atalhar o avanço de degradação do prédio”.
41.Refere, ainda, o Meritíssimo Juiz “ad quo” que o imóvel só atingiu o estado de degradação que levou à sua demolição porque jamais se efectuaram obras de conservação e que se tivessem sido efectuadas, o imóvel estaria sempre em condições.
42.Esqueceu-se o Meritíssimo Juiz “ad quo” que o prédio onde se encontrava instalado o locado, era um edifício antigo, cuja construção era anterior ao ano de 1920 (facto n.º 49) e que, já em Julho de 2000, data em que os AA. adquiriram o direito ao arrendamento se encontrava em estado de velho (facto n.º 50).
43.Por estas razões e pelas expostas supra, é por demais evidente que a Apelante não teve qualquer responsabilidade por acção ou omissão na perda da coisa locada.
44.Perda essa que se deveu, essencialmente, à própria antiguidade (velhice) do prédio locado, antiguidade e velhice, essa já existente à data do Trespasse (facto n.º 52) e do total conhecimento dos AA..
45.Não havendo qualquer responsabilidade da Apelante por acção e/ou omissão quer quanto à realização das obras, quer quanto à demolição do prédio locado, deverão improceder os pedidos de resolução contratual e de indemnização em que aquela foi condenada.
Sem prescindir,
III – Do abuso de direito por parte dos autores e omissão de pronúncia:
46.Por requerimento verbal apresentado na Audiência de Julgamento realizada em 02 de Março de 2010, pelas 14h30m, transcrito supra Apelante, através da sua Mandatária forense, alegou, invocando o Abuso de Direito por parte dos AA. e juntou um documento (recibo da renda).
47.Por Douto Despacho então proferido, foi admitida a junção do documento e relegada a apreciação do invocado Abuso de Direito para conhecimento na Sentença.
48.Na Douta Sentença recorrida houve omissão de pronúncia quanto à apreciação do invocado Abuso de Direito, omissão essa que, não tendo sido conhecida, influi decisivamente na decisão a proferir sobre o mérito, sendo também ferida de nulidade.
49.Conforme alegado, os AA., com a presente Acção, pretendem exercer um direito por forma ilegítima, havendo da sua parte um verdadeiro Abuso de Direito.
50.Como salienta o Professor Castanheira Neves (“Questão de facto e questão de Direito”, pág. 526 e nota 46) “o Abuso de Direito é um limite normativo ou interno dos direitos subjectivos – pelo que, no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados.”. Ora, no caso “sub judice” há, por parte dos AA., um sair fora desses limites em relação ao Direito que invocam para alicerçar a sua pretensão.
51.Também para calcular esse limite, haverá que salientar que, em matéria obrigacional, vigora, quanto aos negócios onerosos, o princípio do equilíbrio das prestações (cfr. Artigos 237º e 994º do Código Civil).
52.Da matéria de facto dada como provada resulta que:
- os AA., em 22 de Julho de 2000, adquiriram a qualidade de inquilinos da Ré, por contrato de Trespasse celebrado com a anterior inquilina (alínea D));
- no referido contrato foi declarado que o preço do trespasse era de 32.421,86€ (alínea E));
- o edifício objecto de trepasse era de construção anterior ao ano de 1920 (facto n.º 49);
- já em Julho de 2000 (data do Trespasse), o prédio locado se encontrava em estado de valho (facto n.º 52);
- em 12 de Maio de 2005 (cerca de 3 anos após o Trespasse), os AA. dirigiram à Ré uma carta (alínea F)), alertando a Ré para o estado de degradação progressiva do locado (facto n.º 1);
- exigindo a realização de obras, obras essas de conservação extraordinária (factos n.º 5, 6, 7 e 8 e 64, 65, 66, 67 e 68);
- obras essas avultadas e de muito dispêndio económico;
- a renda paga pelos AA. pela ocupação do locado era de 66,50€ (cfr. documento junto à Acta de Julgamento de 02 de Março de 2010).
53.Não pode admitir-se, e perante esta factualidade dada como provada que a Apelante (Senhoria) seja obrigada a suportar a realização de obras avultadas, quando pela ocupação do locado (espaço comercial) recebe a módica renda de 66,50€.
54.É claramente chocante o inquilino estar a impor ao senhorio obras de conservação extraordinária, de reconstrução total ou quase total de um edifício centenário (construído antes de 1920), cujo direito ao arrendamento foi adquirido por trespasse cerca de 3 anos antes já no estado de velho.
55.Mais chocante ainda é o inquilino exigir ao senhorio essas mesmas obras, nas circunstâncias descritas, que exige o dispêndio de vários milhares de euros sem a correspondente contrapartida económica.
56.É inadmissível, e por isso Abuso de Direito, a actuação dos AA., ao peticionarem a resolução do contrato de arrendamento invocando a falta de realização de obras por parte da Apelante, bem sabendo que essas obras eram de conservação extraordinária e que exigia o dispêndio de avultadas quantias por esta, das quais nunca seria reembolsada, atento o diminuto da renda paga pela ocupação do locado, tanto mais que, à data de aquisição do direito ao arrendamento, conheciam o estado de degradação do locado.
57.Por manifesto Abuso de Direito por parte dos AA. deverão improceder os pedidos de resolução contratual e de indemnização em que a Apelante foi condenada.
Sem prescindir,
IV – Da Indemnização:
58.De qualquer forma e caso V. Exas. mantenham a decisão condenatória no que diz respeito a resolução contratual – o que só se admite por mera cautela e hipótese académica –, sempre os montantes indemnizatórios em que a apelante foi condenada são, além de exorbitantes, destituídos de qualquer base legal e mormente de qualquer equidade.
59.Alegaram os AA. que o direito ao trespasse, relativamente ao estabelecimento instalado no locado, tinha, à data da demolição do imóvel, o valor de 32.421,86€.
60.Este facto alegado pelos AA. foi dado como não provado, no entanto, ao arrepio disso, o Meritíssimo Juiz “ad quo”, sem qualquer fundamentação, entendeu condenar a Ré no pagamento dessa quantia.
61.Como é que é possível fixar um montante indemnizatório relativo a um valor que não foi apurado?!!!
62.Trata-se de um dado objecto passível de prova e para cujo cálculo o Meritíssimo Juiz não pode recorrer, de forma alguma, à equidade, tanto mais que não pode, como o fez, fixar um valor igual ao praticado à mais de 10 anos, quando é sabido que, devido à recessão económica que grassa o nosso país e todo o mundo, o valor dos trespasses é muito mais diminuto e num prédio que, caso não tivesse sido demolido, apresentaria, cada vez mais, um estado de velhice próprio de um prédio centenário.
63.É por demais evidente que a Apelante não podia nem pode ser condenada no pagamento na quantia fixada relativo ao direito de trespasse, por total ausência de prova quanto a esta matéria, sendo que o Meritíssimo Juiz não pode substituir-se ao ónus probatório que impedia sobre os AA. sobre esta matéria.
64.O mesmo argumento se aplica ao montante fixado para o lucro cessante, já que, não tendo os AA. provado o lucro de 25%, caber-lhes-ia provar o lucro bruto.
65.Os AA. não forneceram ao Tribunal qual o montante do lucro bruto e, como tal, também o Meritíssimo Juiz não se lhes pode substituir e aí também recorrer à equidade, equidade essa que nem sequer foi fundamentada, nem sequer com a explicação sobre a noção de lucro bruto.
66.Quanto à indemnização por danos morais, sempre a Ré entende que a mesma é exagerada, devendo ser reduzida para um montante mais consentâneo com a realidade dos factos.
C – Da Reconvenção:
67.Tal como supra alegado e contrariamente às razões e argumentos aduzidos pelo Meritíssimo Juiz, não restam dúvidas que houve a perda da coisa locada, perda essa que se deveu devido à demolição do locado ordenada e executada pelas autoridades administrativas.
68.Nos termos do artigo 1051º, n.º 1, al. e) do Código Civil, o contrato de locação caduca “pela perda da coisa locada”.
69.Por sua vez, o n.º 1 do artigo 790º do mesmo diploma legal prescreve que, “a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.
70.O desaparecimento da coisa locada pode suceder por facto natural ou por acção legítima do homem.
71.No caso de desaparecimento por acção legítima do homem – como o dos Autos – é necessário que o facto não resulta de perda imputável a título de culpa ao próprio senhorio, e que seja justificada ou legítima, por ser imposta por Lei ou encontre na Lei a sua justificação.
72.Não restam dúvidas que, nos presentes Autos, o arrendamento caducou porque, sem culpa do locador, a coisa locada deteriorou-se em termos tais que, só a sua reconstrução total a podia tornar novamente apta para o fim a que se destinava.
73.Reconstrução essa inviável pelas razões supra expostas.
74.Se os AA. solicitaram obras de reparação do edifício e que a Ré não as efectuou, o certo é que essas obras, só poderiam ser consideradas de reconstrução ou conservação extraordinária, e nunca a Ré foi notificada pela Câmara Municipal para as executar.
75.Pelo contrário, foram pedidas pela Ré e a Câmara Municipal não as deixou efectuar sem a “união” com os restantes proprietários contíguos, estando, assim, impossibilitada de as realizar.
76.Daí não haver qualquer responsabilidade da Ré pela perda da coisa locada, perda essa, que se deveu essencialmente à própria antiguidade (velhice) do prédio locado, antiguidade já existente à data do Trespasse e do total conhecimento dos AA.
77.Porque, “tudo tem o seu limite de vida”…… até o Homem!!!!!
78.A Douta Sentença violou, entre outros, os artigos 653º, número 2, 661º, 668º, número 1, alínea d), e 712º, número 3, todos do Código de Processo Civil, artigo 11º e 13º da RAU e artigos 1032º, 1033º, alínea d), 1031º, alínea b), 1038º alínea h), 237º e 994º todos do Código Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Face à objecção de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre o abuso de direito dos autores suscitado pela ré durante a audiência de julgamento, foi proferida nova decisão em primeira instância em que se julgou “improcedente tudo o que a ré requereu quanto à apreciação por este tribunal do alegado abuso de direito dos autores”.
A ré reiterou a nulidade da sentença na parte em que se reporta ao abuso de direito dos autores.
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Foram colhidos os vistos legais.
As questões a decidir prendem-se com a reapreciação da matéria de facto provada e não provada, com a obrigação de a ré realizar obras, com a intervenção do município na matéria de obras, com algumas das parcelas da indemnização arbitrada e com o abuso de direito por parte dos autores.
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Na sentença consideram-se provados os seguintes factos:
A) A ré é dona do imóvel a que corresponde o nº .. da Rua …, em São João da Madeira, situado na …, praça … desta cidade (A dos factos assentes).
B) Mediante documento escrito cujo teor consta de fls. 16 e aqui se dá por reproduzido, intitulado Título de Arrendamento de Prédio Urbano, celebrado em 21/2/1944, o então proprietário K… deu de arrendamento a L… o imóvel referido em A) (B dos factos assentes).
C) O estabelecimento que aí veio a ser instalado, designado M…, veio à posse da sociedade E…, tendo esta tomado a posição de inquilina do imóvel (C dos factos assentes).
D) Nessa qualidade e por contrato de trespasse de estabelecimento celebrado entre a referida sociedade e os autores em 20/7/2000, comunicado à ré nessa mesma data, assumiram os autores a qualidade de inquilinos da ré (D dos factos assentes).
E) No referido contrato foi declarado que o preço do trespasse era de 32.421,86€ (6.500.000 escudos) (E dos factos assentes).
F) Os autores dirigiram à ré, e esta recebeu, as cartas de 12/5/2003, 19/10/2006, 23/1/2007 e 6/3/2007, cujo teor consta, respectivamente, de fls. 21 e verso, 27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, e aqui se dá por reproduzido (F dos factos assentes).
G) A ré remeteu à Câmara Municipal … carta cujo teor consta de fls. 38 a 40, e que aqui se dá por reproduzido, dando disso conhecimento aos autores por carta registada de 26/1/2007 (G dos factos assentes).
H) Após vistoria realizada ao edifício referido em A), cujo teor consta de fls. 74 a 76 e que aqui se dá por reproduzido, em reunião de 24/4/2007, a Câmara Municipal … deliberou: “atendendo à precariedade absoluta das condições de estabilidade do edifício, com risco de desmoronamento (…) tomar de imediato a iniciativa para promover a demolição deste mesmo edifício, nas condições referidas no auto de vistoria da comissão técnica nomeada para o efeito, com o despejo sumário do inquilino (…)”, em conformidade com a comunicação cujo teor consta de fls. 197 que aqui se dá por reproduzida (H dos factos assentes).
I) A demolição do edifício veio a ser concretizada em 26/4/2007 (I dos factos assentes).
J) Por carta registada com aviso de recepção, os autores remeteram à ré a comunicação que consta de fls. 80 e sgs., com data de 17/5/2007, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mediante a qual declararam exercer o seu direito de resolução do contrato de arrendamento por culpa imputável à ré (J dos factos assentes).
1) Desde o ano de 2003 que os autores vinham a alertar a ré para o estado de degradação progressiva do seu locado traduzido no seguinte:
i. Existência de rachadelas com 3 a 4 cms na parede da casa de banho;
ii. Entrada de chuva lá dentro;
iii. Formação de uma “barriga” na parede da loja aí instalada e de uma fenda nessa parede com cerca de 3 a 4 cms (1 da base instrutória).
2) Esse estado do locado deveu-se ao facto de o telhado do prédio contíguo ter os barrotes podres, telhas partidas e ter já ruído parcialmente (2 da base instrutória).
3) Sendo que esse prédio era e é também pertença da ré (3 da base instrutória).
4) E estava na altura devoluto (4 da base instrutória).
5) Os autores exigiram da ré que procedesse ao escoramento e substituição dos aludidos barrotes podres e telhas partidas do prédio contíguo (5 da base instrutória).
6) À substituição do telhado do locado onde tinham instalada a M… (6 da base instrutória).
7) Ao escoramento da parede da casa de banho e da parede meeira da loja com o aludido prédio contíguo (7 da base instrutória).
8) E ao tapamento das fissuras com argamassa e sua pintura (8 da base instrutória).
9) Obras essas que teriam resolvido os problemas do locado referidos em 1) (9 da base instrutória).
10) A não execução destas concretas obras era susceptível de levar à queda do telhado do referido prédio devoluto contíguo à M… (10 da base instrutória).
11) O que determinaria a queda do telhado e paredes da M… (11 da base instrutória).
12) Que, por sua vez, causaria ferimentos graves ou a morte das pessoas que ali se encontrassem (12 da base instrutória).
13) Estragando ainda todos os produtos lá comercializados (13 da base instrutória).
14) A ré tinha conhecimento dos factos supra referidos (14 da base instrutória).
15) Mas limitou-se a participá-los à Câmara Municipal … (15 da base instrutória).
16) Nada mais tendo feito (16 da base instrutória).
17) Em consequência do que veio a cair parte do telhado do dito prédio contíguo (17 da base instrutória).
18) Que passou a exercer pressão sobre o telhado da M…, paredes da casa de banho e parede meeira da loja (18 da base instrutória).
19) Começando, por isso, o telhado da M… a entortar e as fendas das paredes a aumentarem de espessura para 5/6 cms (19 da base instrutória).
20) Com desabamento parcial da parede meeira do edifício (20 da base instrutória).
21) Assim tornando definitivamente inviável a utilização do locado (21 da base instrutória).
22) O telhado da M… começou então a inclinar e a abrir, provocando a queda de telhas e infiltrações das chuvas (22 da base instrutória).
23) Infiltrações que se verificavam também através das fendas nas paredes (23 da base instrutória).
24) Levando ao apodrecimento do soalho colocado no chão da loja (24 da base instrutória).
25) E à inutilização dos jornais e revistas que eram vendidos na loja, por acção da água das chuvas infiltrada (25 da base instrutória).
26) Ninguém os comprando nesse estado (26 da base instrutória).
27) Nessa sequência, passou a ocorrer perigo de derrocada iminente do edifício (27 da base instrutória).
28) Estando posta em risco a vida e saúde dos autores e seus clientes (28 da base instrutória).
29) A ré teve conhecimento do relatório de vistoria técnica que consta de fls. 50 a 58 (29 da base instrutória).
30) O que sucedeu através da carta remetida à ré pelos autores, cujo teor consta de fls. 35 e ss., em 16/1/2007 (30 da base instrutória).
34) Por força da demolição do locado, os autores ficaram impedidos de explorar o estabelecimento comercial de M… nele instalado (34 da base instrutória).
35) E bem assim de comercializar os produtos que ali tinham em stock (35 da base instrutória).
36) E que não mais conseguirão vender (36 da base instrutória).
38) O stock de bens existente no estabelecimento na data da demolição valia 13.523,37€ (38 da base instrutória).
39) Com a venda desses bens teriam obtido um lucro bruto de 25% sobre o valor dos mesmos (resposta a 39 da base instrutória).
40) Os autores sentiram medo e receio pela sua vida e saúde devido ao mau estado do locado (40 da base instrutória).
41) Tendo ainda sofrido profunda tristeza e desgosto pela demolição do imóvel onde tinham o seu estabelecimento (41 da base instrutória).
42) Porquanto ali tinham investido a sua vida e as suas economias (42 da base instrutória).
43) Havendo contraído ainda um empréstimo bancário para aquisição do estabelecimento (43 da base instrutória).
44) Que se encontram ainda a pagar mensalmente (44 da base instrutória).
45) Era com os rendimentos obtidos pela exploração da M… que os autores conseguiam amortizar o referido empréstimo (45 da base instrutória).
46) E pagar as suas despesas com alimentação e vestuário, e bem assim as do filho menor do casal, incluídas as de educação deste (46 da base instrutória).
47) Bem assim como as demais despesas do agregado familiar, designadamente com os serviços de água, electricidade e telefone para a respectiva casa de habitação (47 da base instrutória).
48) O imóvel referido em A) integrava-se num bloco de prédios, todos eles interligados entre si (resposta a 48 da base instrutória).
49) Cuja construção era anterior ao ano de 1920 (49 da base instrutória).
50) E que pertencem a vários proprietários (50 da base instrutória).
51) Sendo a ré dona, além do prédio locado, de mais dois desses prédios (51 da base instrutória).
52) Já em Julho de 2000, o prédio locado se encontrava em estado de velho (52 da base instrutória).
59) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 150 (resposta a 59 da base instrutória).
60) Exigindo a Câmara, além do mais, que fosse celebrado um contrato de urbanização entre todos os interessados, proprietários da zona (60 da base instrutória).
61) Alguns proprietários não assinaram este contrato de urbanização (61 da base instrutória).
62) Inviabilizando o pedido de viabilidade de construção (62 da base instrutória).
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O quesito 9 teve a resposta provado e tem o seguinte teor: Obras essas que teriam resolvido os problemas do locado referidos em 1).
Tal quesito coordena-se com a matéria dos quesitos 1 a 8, também com respostas provado, e que têm o seguinte teor:
1 Desde o ano de 2003 que os autores vinham a alertar a ré para o estado de degradação progressiva do seu locado traduzido no seguinte:
i. Existência de rachadelas com 3 a 4 cms na parede da casa de banho;
ii. Entrada de chuva lá dentro;
iii. Formação de uma “barriga” na parede da loja aí instalada e de uma fenda nessa parede com cerca de 3 a 4 cms.
2 Esse estado do locado deveu-se ao facto de o telhado do prédio contíguo ter os barrotes podres, telhas partidas e ter já ruído parcialmente.
3 Sendo que esse prédio era e é também pertença da ré.
4 E estava na altura devoluto.
5 Os autores exigiram da ré que procedesse ao escoramento e substituição dos aludidos barrotes podres e telhas partidas do prédio contíguo.
6 À substituição do telhado do locado onde tinham instalada a M….
7 Ao escoramento da parede da casa de banho e da parede meeira da loja com o aludido prédio contíguo.
8 E ao tapamento das fissuras com argamassa e sua pintura.
Já os quesitos 53 a 55 e 64 a 69 tiveram a resposta não provado, averiguando-se neles a seguinte matéria:
53 [provado que “Já em Julho de 2000 o prédio locado se encontrava em estado de velho] (...) e com os seguintes problemas estruturais:
i) Fissuras nas paredes, que eram tabicadas e de sustentação;
ii) Flexão nas vigas de madeira?
54 Esta flexão resultou do facto de as referidas vigas fazerem a ligação entre vários prédios confinantes?
55 (...) e da avançada idade do prédio?
64 Só a reconstrução permitiria que se mantivesse o prédio para os fins a que se destinava?
65 (...) o que implicava proceder a alterações ao nível das vigas, pilares, paredes mestras e lajes?
66 (...) obras para cuja realização a ré tinha que obter licença camarária?
67 (...) sendo insuficientes quaisquer obras de conservação ou manutenção ordinárias como a pintura e reparação de paredes, reparação de fissuras, substituição de telhas partidas, escoramento de barrotes e de paredes?
68 Qualquer intervenção ou alteração nas paredes mestras, lajes e vigas do prédio em questão implicava a sua prévia demolição?
69 (…) e caso a ré demolisse o prédio contíguo ao locado, este ruiria?
Entende a ré que o quesito 9 deve ser considerado não provado e que os quesitos 53 a 55 e 64 a 69 devem ser considerados provados.
A ré reúne os requisitos previstos nos arts. 712 nº 1 al. a) e 685-B nº 1 e nº 2 do CPC para ver reapreciada tal matéria de facto.
Conferidos os depoimentos gravados das testemunhas, as soluções de construção estrutural do locado e o facto de em Julho de 2000 ser construção velha, estruturalmente agregada a outras construções velhas e muito deterioradas, bem como as cartas da autora mulher em que se descrevem as deficiências no ano de 2003 e no ano de 2006, tal como – com valor preponderante – os relatórios de vistoria técnica de fls. 50 a 58 (incluindo as fotografias) e de fls. 60 a 76 (incluindo as fotografias), a decisão camarária, em 27/5/1994, de não autorizar à ré, para um prédio vizinho, mas integrado no mesmo conjunto de degradação urbanística, a realização de obras aparentemente tão óbvias e necessárias como a reconstrução de um telhado e substituição de janelas, além de outra prova documental reportada à intervenção municipal no assunto, tem-se por correcto que já em Julho de 2000 o locado se encontrava em declínio estrutural irreversível, condenado, tanto natural, como administrativamente, à ruína e tendo como única solução economicamente praticável e urbanisticamente aceite pela autoridade municipal a demolição até às fundações. O ofício camarário de fls. 150 (cfr. resposta ao quesito 59) repristina a atitude camarária de não autorizar soluções de recuperação conjuntural ou de mera manutenção do edificado a data bem anterior àquela decisão de 27/5/1994, concretamente a deliberação de 12/5/1987.
Por outro lado, não se divisa no despacho de 17/3/2010 juízo crítico suficiente sobre a prova em ordem à sustentação das respostas dadas aos quesitos (salvo no valor do stock e margem de lucro) e na sustentação mínima da asserção de o tribunal ter ponderado todo o período de vida útil do edifício nas respostas aos quesitos 63 a 69, bem como na contextualização pertinente da afirmação de que era possível fazer obras ao longo das várias décadas.
Da reanálise dos elementos de prova citados resulta o acerto da crítica da apelante às respostas em causa, pelo que passará a ter a resposta não provado o quesito 9 e as respostas provado os quesitos 53 a 55 e 64 a 69.
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Assim sendo, a matéria de facto considerada provada passará a ser a seguinte:
A) A ré é dona do imóvel a que corresponde o nº .. da Rua …, em São João da Madeira, situado na …, praça … desta cidade (A dos factos assentes).
B) Mediante documento escrito cujo teor consta de fls. 16 e aqui se dá por reproduzido, intitulado Título de Arrendamento de Prédio Urbano, celebrado em 21/2/1944, o então proprietário K… deu de arrendamento a L… o imóvel referido em A) (B dos factos assentes).
C) O estabelecimento que aí veio a ser instalado, designado M…, veio à posse da sociedade E…, tendo esta tomado a posição de inquilina do imóvel (C dos factos assentes).
D) Nessa qualidade e por contrato de trespasse de estabelecimento celebrado entre a referida sociedade e os autores em 20/7/2000, comunicado à ré nessa mesma data, assumiram os autores a qualidade de inquilinos da ré (D dos factos assentes).
E) No referido contrato foi declarado que o preço do trespasse era de 32.421,86€ (6.500.000 escudos) (E dos factos assentes).
F) Os autores dirigiram à ré, e esta recebeu, as cartas de 12/5/2003, 19/10/2006, 23/1/2007 e 6/3/2007, cujo teor consta, respectivamente, de fls. 21 e verso, 27 e 28, 31 e 32, 35 e 36, e aqui se dá por reproduzido (F dos factos assentes).
G) A ré remeteu à Câmara Municipal … a carta cujo teor consta de fls. 38 a 40, e que aqui se dá por reproduzido, dando disso conhecimento aos autores por carta registada de 26/1/2007 (G dos factos assentes).
H) Após vistoria realizada ao edifício referido em A), cujo teor consta de fls. 74 a 76 e que aqui se dá por reproduzido, em reunião de 24/4/2007, a Câmara Municipal … deliberou: “atendendo à precariedade absoluta das condições de estabilidade do edifício, com risco de desmoronamento (…) tomar de imediato a iniciativa para promover a demolição deste mesmo edifício, nas condições referidas no auto de vistoria da comissão técnica nomeada para o efeito, com o despejo sumário do inquilino (…)”, em conformidade com a comunicação cujo teor consta de fls. 197 que aqui se dá por reproduzida (H dos factos assentes).
I) A demolição do edifício veio a ser concretizada em 26/4/2007 (I dos factos assentes).
J) Por carta registada com aviso de recepção, os autores remeteram à ré a comunicação que consta de fls. 80 e sgs, com data de 17/5/2007, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mediante a qual declararam exercer o seu direito de resolução do contrato de arrendamento por culpa imputável à ré (J dos factos assentes).
1) Desde o ano de 2003 que os autores vinham a alertar a ré para o estado de degradação progressiva do seu locado traduzido no seguinte:
i. Existência de rachadelas com 3 a 4 cms na parede da casa de banho;
ii. Entrada de chuva lá dentro;
iii. Formação de uma “barriga” na parede da loja aí instalada e de uma fenda nessa parede com cerca de 3 a 4 cms (1 da base instrutória).
2) Esse estado do locado deveu-se ao facto de o telhado do prédio contíguo ter os barrotes podres, telhas partidas e ter já ruído parcialmente (2 da base instrutória).
3) Sendo que esse prédio era e é também pertença da ré (3 da base instrutória).
4) E estava na altura devoluto (4 da base instrutória).
5) Os autores exigiram da ré que procedesse ao escoramento e substituição dos aludidos barrotes podres e telhas partidas do prédio contíguo (5 da base instrutória).
6) À substituição do telhado do locado onde tinham instalada a M… (6 da base instrutória).
7) Ao escoramento da parede da casa de banho e da parede meeira da loja com o aludido prédio contíguo (7 da base instrutória).
8) E ao tapamento das fissuras com argamassa e sua pintura (8 da base instrutória).
10) A não execução destas concretas obras era susceptível de levar à queda do telhado do referido prédio devoluto contíguo à M… (10 da base instrutória).
11) O que determinaria a queda do telhado e paredes da M… (11 da base instrutória).
12) Que, por sua vez, causaria ferimentos graves ou a morte das pessoas que ali se encontrassem (12 da base instrutória).
13) Estragando ainda todos os produtos lá comercializados (13 da base instrutória).
14) A ré tinha conhecimento dos factos supra referidos (14 da base instrutória).
15) Mas limitou-se a participá-los à Câmara Municipal … (15 da base instrutória).
16) Nada mais tendo feito (16 da base instrutória).
17) Em consequência do que veio a cair parte do telhado do dito prédio contíguo (17 da base instrutória).
18) Que passou a exercer pressão sobre o telhado da M…, paredes da casa de banho e parede meeira da loja (18 da base instrutória).
19) Começando, por isso, o telhado da M… a entortar e as fendas das paredes a aumentarem de espessura para 5/6 cms (19 da base instrutória).
20) Com desabamento parcial da parede meeira do edifício (20 da base instrutória).
21) Assim tornando definitivamente inviável a utilização do locado (21 da base instrutória).
22) O telhado da M… começou então a inclinar e a abrir, provocando a queda de telhas e infiltrações das chuvas (22 da base instrutória).
23) Infiltrações que se verificavam também através das fendas nas paredes (23 da base instrutória).
24) Levando ao apodrecimento do soalho colocado no chão da loja (24 da base instrutória).
25) E à inutilização dos jornais e revistas que eram vendidos na loja, por acção da água das chuvas infiltrada (25 da base instrutória).
26) Ninguém os comprando nesse estado (26 da base instrutória).
27) Nessa sequência, passou a ocorrer perigo de derrocada iminente do edifício (27 da base instrutória).
28) Estando posta em risco a vida e saúde dos autores e seus clientes (28 da base instrutória).
29) A ré teve conhecimento do relatório de vistoria técnica que consta de fls. 50 a 58 (29 da base instrutória).
30) O que sucedeu através da carta remetida à ré pelos autores, cujo teor consta de fls. 35 e ss., em 16/1/2007 (30 da base instrutória).
34) Por força da demolição do locado, os autores ficaram impedidos de explorar o estabelecimento comercial de M… nele instalado (34 da base instrutória).
35) E bem assim de comercializar os produtos que ali tinham em stock (35 da base instrutória).
36) E que não mais conseguirão vender (36 da base instrutória).
38) O stock de bens existente no estabelecimento na data da demolição valia 13.523,37€ (38 da base instrutória).
39) Com a venda desses bens teriam obtido um lucro bruto de 25% sobre o valor dos mesmos (resposta a 39 da base instrutória).
40) Os autores sentiram medo e receio pela sua vida e saúde devido ao mau estado do locado (40 da base instrutória).
41) Tendo ainda sofrido profunda tristeza e desgosto pela demolição do imóvel onde tinham o seu estabelecimento (41 da base instrutória).
42) Porquanto ali tinham investido a sua vida e as suas economias (42 da base instrutória).
43) Havendo contraído ainda um empréstimo bancário para aquisição do estabelecimento (43 da base instrutória).
44) Que se encontram ainda a pagar mensalmente (44 da base instrutória).
45) Era com os rendimentos obtidos pela exploração da M… que os autores conseguiam amortizar o referido empréstimo (45 da base instrutória).
46) E pagar as suas despesas com alimentação e vestuário, e bem assim as do filho menor do casal, incluídas as de educação deste (46 da base instrutória).
47) Bem assim como as demais despesas do agregado familiar, designadamente com os serviços de água, electricidade e telefone para a respectiva casa de habitação (47 da base instrutória).
48) O imóvel referido em A) integrava-se num bloco de prédios, todos eles interligados entre si (resposta a 48 da base instrutória).
49) Cuja construção era anterior ao ano de 1920 (49 da base instrutória).
50) E que pertencem a vários proprietários (50 da base instrutória).
51) Sendo a ré dona, além do prédio locado, de mais dois desses prédios (51 da base instrutória).
52) Já em Julho de 2000 o prédio locado se encontrava em estado de velho (52 da base instrutória).
53) E com os seguintes problemas estruturais:
i) Fissuras nas paredes, que eram tabicadas e de sustentação;
ii) Flexão nas vigas de madeira (53 da base instrutória).
54) Esta flexão resultou do facto de as referidas vigas fazerem a ligação entre vários prédios confinantes (54 da base instrutória).
55) E da avançada idade do prédio (55 da base instrutória).
59) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 150 (resposta a 59 da base instrutória).
60) Exigindo a Câmara, além do mais, que fosse celebrado um contrato de urbanização entre todos os interessados, proprietários da zona (60 da base instrutória).
61) Alguns proprietários não assinaram este contrato de urbanização (61 da base instrutória).
62) Inviabilizando o pedido de viabilidade de construção (62 da base instrutória).
64) Só a reconstrução permitiria que se mantivesse o prédio para os fins a que se destinava (64 da base instrutória).
65) O que implicava proceder a alterações ao nível das vigas, pilares, paredes mestras e lajes (65 da base instrutória).
66) Obras para cuja realização a ré tinha que obter licença camarária (66 da base instrutória).
67) Sendo insuficientes quaisquer obras de conservação ou manutenção ordinárias como a pintura e reparação de paredes, reparação de fissuras, substituição de telhas partidas, escoramento de barrotes e de paredes (67 da base instrutória).
68) Qualquer intervenção ou alteração nas paredes mestras, lajes e vigas do prédio em questão implicava a sua prévia demolição (68 da base instrutória).
69) Caso a ré demolisse o prédio contíguo ao locado, este ruiria (69 da base instrutória).
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É obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para o fim a que esta se destina, conforme prevê o art. 1031 al. b) do CC.
Dispõe o art. 1032 do CC que quando o locado apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinado, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim, se considera não cumprido o contrato, isso nos casos em que o defeito surge posteriormente à entrega, por culpa do locador, e nos casos em que o defeito já existir nessa data da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa.
Mas logo o art. 1033 al. d) do CC dispõe que a disciplina do art. 1032 não é aplicável quando o locatário não avisar o locador dos defeitos, como lhe cumpria: “O disposto no artigo anterior não é aplicável se este [o locatário] não avisou do defeito o locador, como lhe cumpria”.
Essa norma do art. 1033 al. d) coordena-se com o art. 1038 al. h) do CC: “São obrigações do locatário avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador”.
Embora os defeitos estruturais no locado fossem anteriores a 20/7/2000 – data em que os autores assumiram a condição de inquilinos –, demonstrou-se que os autores em 12/5/2003 denunciaram à ré defeitos no locado e reclamaram que ela realizasse obras.
Os autores cumpriram a obrigação de denúncia dos defeitos junto da ré e cumpriram as obrigações previstas nos citados arts. 1033 al. d) e 1038 al. h), obrigação que, em bom rigor, até nem teriam, na medida em que a ré tinha conhecimento dos defeitos (14 da base instrutória) e a parte final do mesmo art. 1038 al. h) dispensava os autores desse ónus de aviso.
Mas o cumprimento dessa obrigação só está demonstrado a partir do ano de 2003 e o conhecimento pela ré dos defeitos também só está demonstrado a partir desse ano.
Em 20/7/2000, vigorava o Regime do Arrendamento Urbano (RAU) aprovado pelo art. 1 do Decreto-Lei 321-B/90, de 15/10. A partir de 27/6/2006 o contrato de arrendamento passou a reger-se pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pelo art. 1 da Lei 6/2006, de 27/2.
Dispõe o art. 11 nº 3 do RAU: “São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputadas a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse ano”.
Acrescenta o art. 13 nº 1: “As obras de conservação extraordinária e de beneficiação ficam a cargo do senhorio quando, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe seja ordenada pela câmara municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a realizar”.
Essa remissão para as leis administrativas e competência da câmara municipal coordena-se com o disposto no art. 89 do DL 555/99, de 16/12 (republicado em 4/6/2001 com o DL 177/2001, considerando-se a redacção anterior à conferida pela Lei 60/2007, de 4/9).
Dispõe esse art. 89:
1- As edificações devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade.
3 - A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
4 - Os actos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário.
O disposto no art. 91 do DL 555/99, com a epígrafe “obras coercivas” (a realizar pelo município) é decorrência do disposto nesse art. 89 e não altera o critério que pode justificar a intervenção camarária.
Demonstrou-se que em Julho de 2000 o locado já apresentava deficiências estruturais e que essas deficiências implicavam a sua demolição.
O procedimento de entrega aos autores de um espaço locado compatível com a venda corrente de tabacos, jornais e revistas é um procedimento conjunto de demolição do prédio locado e de construção de prédio novo.
Os autores só poderiam obrigar a ré a tal procedimento com intermediação – decisiva – do Município ….
Não havendo acordo entre senhorio e inquilino, um procedimento de obras extraordinárias no arrendado não é faculdade que o inquilino possa impor directamente ao senhorio.
Antes se trata de imposição cuja competência pertence ao município.
Ao inquilino só é reconhecida legitimidade para iniciar esse procedimento administrativo, mas não lhe é reconhecido direito a obra extraordinária que possa reclamar directamente ao senhorio (um erro típico em acções como a presente).
As normas dos transcritos arts. 13 nº 1 e 89 estabelecem regulação especial que afasta as normas gerais de responsabilização pelo incumprimento do contrato, nomeadamente o disposto nos arts. 801 nº 1 e nº 2, 798 e 799 do CC (cfr. art. 7 nº 3 do CC).
No quadro ora demonstrado tem de ocorrer demolição do arrendado.
Sucede que os autores, a um tempo, não podem requerer ao município demolição em ordem à realização da nova construção, pela razão de a demolição, ainda que instrumental, implicar expropriação por utilidade particular do edifício da ré. O princípio do numerus clausus dos direitos reais (art. 1306 nº 1 do CC), conjugado com a genérica proibição de o proprietário ser privado, ainda que em parte (no caso só o edifício, não o terreno), da sua propriedade fora dos casos previstos na lei (art. 1308 do CC), logo obstariam a essa verdadeira expropriação por utilidade particular, já que não vem prevista na lei.
A Lei 2088, de 3/6/1957, ressalva ao senhorio o direito de demolição do prédio arrendado em virtude da sua degradação, mas não faculta a inversa ao inquilino, sob a forma de demolição instrumental para nova construção. Repete-se que estes considerandos ponderam a circunstância de ser demolição instrumental em ordem a nova construção e ponderam que a ré só seria expropriada da construção, não do terreno.
Por outro lado, o transcrito art. 89 nº 3 do DL 555/99 só faculta a demolição, ordenada pelo município, nos casos em que a construção ameace ruína ou ofereça perigo para a saúde pública e/ou segurança das pessoas, esgotando-se o objectivo da demolição nesses fins: evitar a ruína descontrolada, evitar perigo para a vida de alguém ou, genericamente, para a segurança das pessoas e evitar perigo para a saúde pública.
Sob pena de desvio de poder, o município não pode ordenar a demolição para o específico efeito de construção do que quer que seja e muito menos para assegurar a um arrendatário a continuação de objecto negocial sucedâneo (diz-se sucedâneo em virtude de o arrendado ser demolido).
Requeressem os autores ou não, o município não podia ordenar a demolição em conjunto com ordem de nova construção: só podia ordenar a demolição e o único motivo porque a poderia ordenar – como veio a ordenar, mas no âmbito de diligência oficiosa – prende-se com a circunstância de tal construção ameaçar ruína ou constituir perigo para a saúde pública e/ou a segurança das pessoas.
Provou-se que dentro do arrendado os autores e seus clientes corriam risco de vida e de saúde, mas tal circunstância não habilita os autores a pedirem a demolição em ordem à construção de sucedâneo. Só habilita os autores a afastarem-se fisicamente do arrendado.
O alcance da norma do art. 13 nº 1 do RAU, quando conjugado com o disposto no art. 89 nº 2 e nº 3 transcritos, acaba por ser limitado a obras extraordinárias de conservação a executar no prédio arrendado, mas sem que esse prédio possa ser totalmente demolido.
A demolição total ordenada pela câmara municipal na circunstância de ruína iminente, ou por constituir perigo para a saúde pública e/ou a segurança das pessoas, esgota-se nessa demolição e a autoridade camarária não pode ordenar ao proprietário que construa novo edifício.
Só em tese – que não se aceita –, se se entender que as obras de que o locado precisava para ser instalação ajustada à venda de tabacos, jornais e revistas eram obras de conservação ordinária, também seria indispensável a intervenção camarária para a ré ser obrigada a executá-las, uma vez que essas obras, não obstante serem encargo do senhorio (art. 12 nº 1 do RAU), só justificariam a transferência da sua execução material para os autores verificado que fosse o não acatamento pela ré da intimação camarária para as realizar. Para as obras de conservação ordinária, o art. 14 do RAU também obriga à intervenção camarária para se vencerem e realizarem direitos dos inquilinos.
A intermediação camarária seria sempre indispensável para os autores realizarem a faculdade contratual de terem espaço ajustado e seguro para a venda de tabacos, jornais e revistas, mas, por outro lado, essa intervenção não pode ordenar à ré a construção de novo prédio.
Não existindo acordo entre senhorio e inquilino, o dever do senhorio de assegurar ao inquilino o gozo do arrendado para os fins a que se destina – citado art. 1031 al. b) – não o obriga a realizar obras de conservação extraordinárias que não sejam determinadas pela câmara municipal.
As pretensões dos autores sustentam-se – sempre – numa intervenção municipal e não podem ser opostas directamente à ré, o que é crucial para a improcedência da acção.
A afirmação que antecede é válida mesmo no quadro factual que foi acolhido na sentença: ainda que não fosse necessário demolir o arrendado para os autores o poderem usar para os fins correntes do arrendamento, a conjugação das normas dos arts. 13 e 14 do RAU e do art. 89 do DL 555/99 obrigavam à intervenção do município para impor obras de reabilitação à ré. Como essa intervenção – que, na tese da sentença, se consuma em obras que não requerem prévia demolição – nem existiu, nem foi requerida pelos autores, não existe direito que os autores possam impor directamente à ré, tal como não se consolida omissão culposa da ré que a obrigue a indemnizar os autores: a obrigação de indemnização só surgiria depois de a ré não ter aceite intimação camarária para executar obras.
Trata-se – sempre – de assunto tripartido e as intervenções que o município manifestou retiram à ré culpa na efectiva privação do arrendado.
Com efeito, se os autores já se encontravam num deserto de salvaguarda jurídica dos seus interesses – não se leia direitos, porque interesses sem salvaguarda jurídica não chegam a ser direitos –, esse deserto amplia-se no quadro de intenções e decisões concretas que o município já tinha definido e tomado.
O ofício de fls. 150 revela que o município, em 12/5/1987, ou seja 13 anos antes de os autores poderem exigir responsabilidades e assacarem culpas à ré, já não autorizava intervenção no prédio arrendado que não se integrasse numa solução urbanística que abrangeria outros prédios vizinhos, alguns dos quais não pertencentes à ré.
O município agravou intolerância administrativa a intervenção alguma para recuperação do prédio arrendado quando em 27/5/1994 (fls. 459) não autorizou a ré, para um prédio vizinho, mas integrado no mesmo conjunto urbanístico, a realizar obras como a reconstrução de um telhado e substituição de janelas. Esse acto antecede em 6 anos a data em que os autores podem exigir responsabilidades e assacar culpas à ré.
Ou seja: ainda que a ré quisesse executar qualquer tipo de obras que redimissem minimamente as qualidades do prédio para o fim do arrendamento, o município não as autorizaria com os mesmos argumentos que tinha empregue para não autorizar que outro prédio da ré sofresse intervenção básica e aparentemente óbvia.
E sem essa autorização municipal as obras também não se podiam realizar.
Assim, a um primeiro tempo a intervenção activa do município em 1985 e 1994 neutralizou e efectivamente proibiu conduta útil que a ré porventura quisesse ter em beneficio dos autores (ou da sua antecessora, a sociedade E…), a um segundo tempo o município não foi chamado pelos autores a ordenar obras no arrendado, isso no contexto árido em que tal intervenção nem podia ordenar a construção de edifício sucedâneo, nem os autores podiam pedir a demolição do arrendado, e, a terceiro tempo, o município, por iniciativa oficiosa e à margem da condição contratual dos autores (salvo para os despejar administrativamente ao abrigo do art. 92 do DL 555/99), ordenou em 24/4/2007 a pura e simples demolição do edifício, demolindo-o efectivamente em 26/4/2007.
Tais factos confirmam que o assunto entre os autores e a ré sempre foi, legal e efectivamente, um assunto tripartido, em que o município era parte e teve intervenção centralíssima, seja pelo que fez, seja pelo que não foi chamado a fazer.
Desde 27/6/2006 vigora para o assunto o NRAU (cfr. respectivos arts. 27 e 59 nº 1) e os arts. 1074 nº 1 – “Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário” – e 1111 do CC, ao passo que o DL 157/2006, de 8/8 (regula as obras em prédios arrendados e revoga a Lei 2088), entrou em vigor no dia 8/9/2006.
Os (novos) arts. 1101 al. b) e 1103 nº 8 do CC reservam ao senhorio a possibilidade de demolição do prédio arrendado, continuando a não existir no CC e no DL 157/2006 prerrogativa para o inquilino de obter a demolição por deterioração do locado em ordem à realização de nova construção.
O art. 48 nº 1 e nº 2 e nº 4 al. b) do NRAU estabelecem: “1- No caso de o senhorio não tomar a iniciativa de actualizar a renda, o arrendatário pode solicitar à Comissão Arbitral Municipal (CAM) que promova a determinação do coeficiente do locado. 2- Caso o nível de conservação seja de classificação inferior a 3, o arrendatário pode intimar o senhorio à realização de obras. 4 al. b)- Não dando o senhorio início às obras, pode o arrendatário solicitar à câmara municipal a realização de obras coercivas” (essa norma aplica-se ao arrendamento dos autos por via do disposto no art. 50 do NRAU).
O art. 3 do DL 157/2006 reitera que é o município quem pode obrigar o senhorio a fazer as obras, tanto ordinárias como extraordinárias, obras essas realizadas em conformidade com o disposto no art. 30 nº 2 do DL 157/2006 e do DL 555/99, embora com especificidades que passam a ser previstas nos arts. 12 a 22 do DL 157/2006 (cfr. ainda o art. 48 de diploma).
O direito do inquilino a obras vem melhor detalhado nos arts. 29 a 34, normas essas que nunca facultam ao inquilino a possibilidade de obter a demolição do arrendado em ordem à construção de novo edifício. Veja-se que ainda que a CAM conclua que o edifício está de tal forma deteriorado que tem de ser demolido, o disposto no art. 6 do DL 156/2006, de 8/8 (não confundir com o DL 157/2006), não confere sequência a essa conclusão em ordem a conferir ao inquilino a prerrogativa de solicitar a demolição do arrendado para ser construído novo edifício.
Ou seja, também na fase em que vigorou o NRAU e o DL 157/2006 se perfilam para os autores, ainda que com algumas especificidades não essenciais, os obstáculos legais à consumação dos seus interesses que vigoravam na vigência do RAU, sendo certo que os autores não iniciaram sequer o procedimento junto da CAM previsto no transcrito art. 48 nº 1.
O contrato caducou por intervenção legal do município, o qual agiu, no âmbito de poderes próprios e não suscitados pelos autores, ao abrigo dos arts. 89 a 92 do DL 555/99.
Claro que não se confunde a intervenção oficiosa e lícita do município, ao abrigo do disposto no art. 89 citado, para impedimento de ruína descontrolada e salvaguarda dos assinalados perigos, com uma outra intervenção que os autores reclamariam ao mesmo município, ao abrigo da mesma norma, para um efeito conjugado – que se entende como ilícito – de demolição e de construção de edifício sucedâneo.
A caducidade do contrato de arrendamento resulta – ipso jure e nos termos do art. 1051 al. e) do CC – da demolição do prédio, num contexto em que o município não ordenou, nem podia ordenar, a construção de novo edifício [esse art. 1051 al. e) não foi abrangido pelas alteração ao mesmo art. 1051 introduzidas pelo NRAU].
O art. 1086 nº 1 do CC faculta a cumulação dos efeitos da denúncia com os efeitos da resolução, mas no caso dos autos o que operou foi a caducidade do contrato, e mesmo essa caducidade por acto do município, ou seja parte distinta das partes do contrato de arrendamento.
Através da carta de 17/5/2007 os autores não podiam resolver o contrato de arrendamento por pura e simples inexistência desse contrato desde a demolição de 26/4/2007 e inerente caducidade ope legis: verificada a perda da coisa locada por demolição, trata-se de consequência ope legis, com extinção automática e simultânea do contrato, não estando essa extinção dependente de qualquer comunicação por uma das partes do arrendamento à outra e não estando dependente de qualquer declaração nesse sentido por órgão administrativo ou por tribunal.
Procede a reconvenção e improcede o pedido dos autores para verem reconhecida a resolução do contrato por culpa da ré.
A ré não tem de indemnizar os autores num contexto em que não se venceu para ela uma qualquer obrigação de proceder a obras, isso num contexto subsidiário em que nem se lhe pode assacar culpa por as não ter realizado, nem se verificou a possibilidade de as executar legalmente ainda que quisesse.
Não se reconhecendo aos autores qualquer direito que possam opor à ré nestes autos, fica prejudicado a questão de abuso de direito por parte dos autores.
Também ficam prejudicados o conhecimento da questão relativa ao acerto da parcela de 32.421,86€ no âmbito da indemnização fixada – não obstante a resposta não provado ao quesito 37 –, a fixação da parcela de 2.500€ reportada a lucros cessantes, sem impostos, por não ter sido vendida a mercadoria em stock à data da demolição e o alegado exagero da parcela de 4.000€ para ressarcir danos não patrimoniais.
Por outro lado, fica prejudicada, com a reapreciação da prova e alterações às respostas questionadas, a questão de alegada falta de fundamentação das respostas dadas aos quesitos.
Procede a apelação, com improcedência total da acção e procedência da reconvenção.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar procedente a apelação, pelo que:
- Revogam a sentença;
- Julgam a acção totalmente improcedente e absolvem a ré dos pedidos;
- Julgam a reconvenção procedente e declaram que o contrato de arrendamento terminou em 26/4/2007, por ter caducado.
Custas pelos autores.

Porto, 27/10/2011
Pedro André Maciel Lima da Costa
Filipe Manuel Nunes Caroço
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha (Dispensei o visto)