Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
148/09.6TBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP00044085
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INQUÉRITO
CONDIÇÕES SOCIAIS
PROGENITORES
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RP20100614148/09.6TBPFR.P1
Data do Acordão: 06/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 147º, 178º, 179º DA OTM.
ARTº 1409 E 1410º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
ART. 27.º, N.°S 1 E 2, DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA.
Sumário: I- A normal tramitação do processo de regulação das responsabilidades parentais inclui a realização de inquérito às condições sociais, morais e económicas dos progenitores, como um importante instrumento de avaliação e percepção das duas realidades familiares (a da mãe e a do pai) que dizem respeito à situação da criança.
II- Não decorre, porém, de qualquer norma legal que a realização desse inquérito seja elemento imprescindível à decisão.
III- Os processos tutelares cíveis são considerados como de “jurisdição voluntária”, e, por isso, não estão sujeitos a critérios de legalidade estrita, o que permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, adoptando em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança a uma decisão em tempo razoável.
IV- Para efeitos do cumprimento da obrigação de alimentos a
capacidade económica dos pais não se avalia apenas pelos rendimentos ao Fisco ou à Segurança Social; avalia-se também pela sua idade, pela actividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa actividade potencia.
V- O conteúdo da obrigação de alimentos a prestar pelos pais não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra.
VI- A lei exige-lhes que assegurem a satisfação das necessidades filhos com prioridade sobre as dos próprios e que se esforcem em propiciar aos filhos as condições económicas adequadas ao seu crescimento sadio e equilibrado, e ao seu “desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social a que todas as crianças têm direito (art. 27.º, n.°s 1 e 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 148/09.67TBPFR.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 06-05-2010
Relator: Guerra Banha
Adjuntos: Des. Anabela Dias da Silva e Des. Henrique Antunes
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público da comarca de Paços de Ferreira requereu, em 26-01-2009, a regulação sobre o exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor B…………, nascida em 02-06-2006, filha de C……….., residente em ……, Guimarães, e D………., residente em ……, Paços e Ferreira.
Alegou que os pais da menor não são casados nem coabitam entre si e não estão de acordo quanto ao exercício das suas responsabilidades parentais.
Foi realizada a conferência com os pais, a que alude o art. 175.º da OTM, em 17-02-2009, na qual não foi conseguido o seu acordo (fls. 7).
Foi ordenada e solicitada à Segurança Social a realização de inquérito às condições familiares, sociais e económicas dos dois requeridos e foram estes notificados para juntarem cópia das notas de liquidação do IRS dos anos de 2007 e 2008 e dos três últimos recibos do seu vencimento (fls. 7 e 14).
Em 19-05-2009, os serviços da Segurança Social remeteram o relatório do inquérito realizado à requerida, o qual consta a fls. 28-34. O relatório do inquérito sobre o requerido não foi apresentado, não obstante as várias tentativas realizadas com esse fim.
Em 08-01-2010, o Sr. Juiz proferiu despacho (fls. 54) em que, ponderando os obstáculos colocados à elaboração do inquérito sobre o requerido e que, não obstante, os autos continham elementos suficientes para regular o exercício das responsabilidades parentais, proferiu imediatamente sentença, a fls. 55-59, com a seguinte decisão:
a) confiou a guarda da menor aos cuidados da mãe;
b) regulou o regime de visitas do pai à menor nos seguintes termos: o pai pode ver e visitar a menor em casa da progenitora quando quiser, em horário diurno e de forma a respeitar as necessidades escolares e períodos de repouso da menor e hábitos do agregado familiar, avisando previamente a mãe dessa sua intenção;
c) fixou a prestação de alimentos a pagar pelo pai à menor na quantia mensal de 100€ (cem euros), a entregar à mãe da menor até ao dia 8 de cada mês, podendo-o fazer por transferência bancária, vale postal ou cheque.

2. O requerido, discordando da prestação de alimentos fixada, apelou da sentença, tendo extraído das suas alegações extensas conclusões, as quais, por não observarem a "forma sintética" exigida pelo n.º 1 do art. 685.º-A do Código de Processo Civil e não sendo motivo de rejeição do recurso, aqui se resumem na seguinte súmula:
1º- A sentença limitou-se a considerar como rendimentos do agregado familiar do Apelante o valor constante do requerimento de apoio judiciário (€ 5.010,00), rendimentos imputados ao ano de 2008.
2º- Em relação ao apelante não foi elaborado qualquer relatório social, porque o Tribunal entendeu "não ser de insistir com o pedido de relatório social", uma vez que considerou que nos autos constavam "elementos a propósito da situação social e económica do progenitor", podendo, por isso, o "Tribunal deles se fazer valer para decidir a prestação alimentar a pagar".
3º- Os proventos considerados na douta sentença como auferidos pelo Apelante não resultam de um qualquer depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento, nem de qualquer documento ou de outro exame prestado segundo o princípio da oralidade em julgamento. Bem como não se basearam em qualquer inquérito social elaborado pelas entidades competentes.
4º- Ao não ser elaborado o citado relatório, foi vedado ao Apelante o direito de sobre ele fazer contraprova. E a negação do exercício desta faculdade põe definitivamente em causa o seu acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
5º- A matéria de facto provada não é totalmente esclarecedora quanto à situação económica do progenitor, segundo é taxativamente assumido na sentença, logo, não pode, obviamente, fazer prova.
6º- O Apelante não declarou quaisquer rendimentos nos anos transactos e não se pode ficcionar que o Apelante aufira quaisquer rendimentos.
7º- Assim, a quem não tem fonte de rendimentos não é exigível, por não ser possível cumprir, a prestação alimentar de € 100,00.
8º- A sentença é nula, nos termos do art. 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC e violadora do art. 2004.º, n.º 1, do CC.
9º- Impõe-se a capitação efectiva dos rendimentos do agregado familiar do Apelante para aplicação do regime da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.
10º- Ou, quando assim se não considere, deverá o recorrente, por absoluta impossibilidade económica, ser, de momento, absolvido do dever de contribuir mensalmente com qualquer pensão de alimentos.
11º- Foram violados os acima citados princípios e preceitos legais.
O Ministério Público contra-alegou, concluindo que "existe insuficiência da matéria de facto para a decisão, omissão de diligências probatórias absolutamente essenciais para uma boa decisão da causa e, sobretudo, violação do preceituado no art. 2004.º, n.º 1, do Código Civil, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que ordene a realização de inquérito às condições económicas, morais e sociais do agregado familiar do recorrente".

3. À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal deve conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Considerando que o próprio apelante limitou a sua discordância com a sentença recorrida à decisão que fixou a prestação de alimentos a pagar à menor, as questões abrangidos nas conclusões que formulou podem equacionar-se nos seguintes termos:
1) se o inquérito às condições sociais e económicas do requerido constitui elemento imprescindível, ou pelo menos essencial, para a fixação da prestação de alimentos devida a filho menor no âmbito das responsabilidades parentais, e, na afirmativa, se a sua falta é causa de nulidade da sentença;
2) se, neste caso, a falta do inquérito social às condições sócio-económicas do requerido prejudicou "os direitos e interesses legítimos" do requerido em relação ao objecto da causa, incluindo o direito ao contraditório:
3) se os elementos constantes dos autos são insuficientes para apreender a real situação económica do requerido e fixar a prestação mensal de 100€.

II – FACTOS PROVADOS
4. A 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1) A B………. nasceu no dia 2 de Junho de 2006 e está registada como sendo filha de C………. e de D……...
2) O C………. e a D……… viveram juntos durante cerca de um ano e meio, tendo-se separado quando a D……….. contava um mês e meio de gestação da B………….
3) A B………. vive com a sua mãe desde que nasceu, numa habitação de tipo T3, com boas condições de habitabilidade, que partilham com E………. e F………., tios da menor, e G………., companheiro actual da mãe.
4 B………….. é caracterizada como sendo uma criança feliz, comunicativa e imaginativa, manifestando carinho e apego à sua mãe, à avó materna, a cujo cuidado é entregue durante o dia, e ao companheiro da mãe.
5) A B……….. não tem qualquer contacto com o pai.
5) A D………… trabalha numa confecção, aufere cerca de 452€ por mês, beneficiando ainda de 42€ mensais de prestações familiares.
6) No ano de 2007 foi apurado à D………….um valor de zero para efeito de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.
7) O G………., companheiro da D……….., está desempregado.
8) O E……….. e a F……….. não trabalham, recebendo 250€ de rendimento social de inserção.
9) No ano de 2007, na Repartição de Finanças de Guimarães, não se mostravam inscritos em nome do C…………. quaisquer bens imóveis.
10) No ano de 2007, o C………… não fez apresentação de declaração para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.
11) Na decisão que concedeu apoio judiciário ao C………. foi apurado um rendimento do agregado familiar líquido (mensal) de 5.010€.
A estes factos pode acrescentar-se, nos termos do art. 712.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil e com base no teor do documento que consta a fls. 11, preenchido e assinado pelo próprio requerido (art. 376.º, n.º 1, do Código Civil), que este exerce a profissão de vendedor na qualidade de trabalhador independente e é proprietário de um veículo da marca Opel Corsa, com a matrícula 12-99-EF, do ano de 1994.
E com base no teor do documento de fls. 24, que é o mesmo que serviu de referência ao facto descrito no item 12), deve também considerar-se provado, pela mesma razão probatório daquele, que o requerido tem encargos mensais fixos, incluindo os encargos com a habitação, no montante mensal de 2.796€.

III – AS QUESTÕES DO RECURSO
5. Nas conclusões 1.ª e 2.ª que formulou, o recorrente invoca que, quanto à situação económica da mãe (a requerida), o tribunal baseou-se nos elementos fornecidos pelo relatório social (que não foi elaborado pelos Serviços de Reinserção Social, como diz, mas pelos serviços locais da Segurança Social, que são serviços orgânica e funcionalmente distintos daqueles), e quanto à situação do pai, ou seja do próprio recorrente, o tribunal entendeu que não devia insistir na sua realização, assim prescindindo desse elemento. E na conclusão 11.ª acrescenta: "A falta deste parecer ou inquérito só foi conhecida do Apelante com a notificação da sentença por a ele expressamente se referir como fundamento de prova".
Uma análise atenta a todos os elementos que constam do processo, e que abaixo irão ser descritos detalhadamente, permite adiantar desde já que esta posição do recorrente situa-se no limite da má fé. Porquanto, como se irá constatar, o ora recorrente sempre soube que o inquérito ordenado em relação à sua pessoa não tinha sido realizado e, mais do que isso, nem ele nem os seus pais, quando contactados, se mostraram colaborantes na realização desse inquérito. E ainda porque, previamente à sentença, foi repetidamente notificado (cfr. fls. 44 e 46) para "no prazo de 10 dias, alegar(em) o que tiver(em) por conveniente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 178.º da Organização Tutelar de Menores" (fls. 43). Tendo, na sequência da segunda notificação efectuada, apresentado o requerimento que consta a fls. 47, sem arguir a omissão do inquérito ordenado 10 meses antes.
Mas, preliminarmente, importa apreciar se o inquérito às condições sociais e económicas dos progenitores constitui elemento imprescindível, ou pelo menos essencial, para a fixação da prestação de alimentos devida a filho menor no âmbito das responsabilidades parentais, e, na afirmativa, se a sua falta é causa de nulidade da sentença, como sugere o recorrente.
O n.º 3 do art. 178.º da Organização Tutelar de Menores (OTM, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, que respeita à tramitação do processo de regulação das responsabilidades parentais (designação dada pelo art. 3.º da Lei n.º 61/2008, de 31/10, em substituição da anterior designação de "poder paternal"), dispõe que: "Findo o prazo para apresentação das alegações, proceder-se-á a inquérito sobre a situação social, moral e económica dos pais …". E art. 179.º, n.º 1, também da OTM acrescenta: "Se os pais não apresentarem alegações ou se com elas não arrolarem testemunhas, junto o inquérito e efectuadas outras diligências indispensáveis é proferida a sentença".
Perante o teor destas normas, não ficam a restar dúvidas de que a normal tramitação do processo inclui a realização do inquérito às condições sociais, morais e económicas dos progenitores, como um importante instrumento de avaliação e percepção das duas realidades familiares (a da mãe e a do pai) que dizem respeito à situação da criança. O que se justifica na medida em que, como dizem RUI EPIFÂNIO e ANTÓNIO FARINHA, "a complexidade crescente dos litígios respeitantes à regulação do exercício do poder paternal e os condicionalismos da vida moderna, tornam cada vez mais difícil … o conhecimento rigoroso da realidade social, moral, afectiva, educativa que envolve o menor e os respectivos progenitores. E sendo assim, parece também cada vez mais necessário surpreender in loco a realidade que se pretende conhecer e valorar, realizando o inquérito em estreita ligação com a comunidade social onde se inserem o menor e os progenitores" (em Organização Tutelar de Menores, "contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família", Almedina, 1987, p. 322).
Não decorre, porém, dessas normas, ou de quaisquer outras, que a realização do dito inquérito aos progenitores seja elemento imprescindível à decisão. Pelo contrário, o art. 147.º-B da OTM, que contém uma norma de aplicação genérica a todos os processos tutelares cíveis ali regulados, sugere que o inquérito pode ser dispensado, nomeadamente quando as informações recolhidas no processo forem suficientes para proferir a decisão. Com efeito, dispõe o n.º 1 deste artigo: "Para fundamentação da decisão, o juiz pode solicitar informações e a realização de inquérito com as finalidades previstas na lei". E o n.º 3: "Só há lugar a inquérito nos processos e nos casos expressamente previstos no capítulo seguinte, quando a sua realização se revelar indispensável, nomeadamente se forem insuficientes as informações a que se refere o número anterior", ou seja, as informações prestadas pelas entidades públicas e privadas solicitadas.
O que leva também a inferir que o inquérito, a um ou a ambos os progenitores, pode ser dispensado quando a sua realização se revelar inútil ou difícil de alcançar, por ausência do progenitor ou por falta de colaboração deste, e estiver a retardar excessivamente a decisão. Neste âmbito, a prática judiciária mostra que, na generalidade dos casos, os inquéritos têm por base entrevistas feitas aos próprios progenitores e seus familiares próximos. De modo que, quando os progenitores estão ausentes ou quando não aceitam colaborar, o seu resultado fica em grande medida frustrado ou mesmo inutilizado. E se a necessidade do inquérito fosse entendida com o grau de imprescindibilidade que o recorrente lhe atribui, uma percentagem elevada de processos nunca chegaria à sentença. Para bem do seu interesse pessoal, eventualmente, mas em manifesto prejuízo para o superior interesse das crianças, que é o primeiro e principal princípio orientador dos processos e das decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de protecção (cfr. art. 148.º, n.º 1, da OTM, e art. 4.º, al. a), da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, para que remete o art. 147.º-A da OTM, aditado pela Lei n.º 133/99, de 28/08. Como refere o recente acórdão do STJ de 04-02-2010 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 1110/05.3TBSCD.C2.S1) "é o superior interesse da criança que norteia toda a regulação do exercício do poder paternal".
Acresce ainda que o processo de regulação das responsabilidades parentais é considerado pela lei como de "jurisdição voluntária" (art. 150.º da OTM). E nos processos de jurisdição voluntária o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 1410.º do Código de Processo Civil). A aplicação deste critério à tramitação do processo permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos (cfr. art. 1409.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projecta no direito a uma decisão rápida ou, pelo menos, em tempo adequado e razoável. Na verdade, o superior interesse da criança na definição de aspectos tão prioritários da sua vida como os que respeitam à sua guarda e aos seus alimentos, os quais se manifestam no dia a dia e em cada momento da sua vida, não se compatibiliza com certo tipo de expedientes formais e meramente burocráticos, nem tão pouco permite que o Tribunal consinta em dilações marginais ao objecto do processo, como a que o recorrente invocou no seu requerimento de fls. 47.
Donde se conclui que o inquérito às condições sociais, morais e económicas dos progenitores, sendo um importante contributo para a decisão, não é um elemento imprescindível, e a sua omissão não leva, necessariamente, à anulação da sentença. E dizemos anulação, e não nulidade da sentença, porquanto não se trata de uma omissão cometida na sentença nem cabe no âmbito das nulidades da sentença previstas no art. 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Tratar-se-ia, sim, de omissão de um acto que a lei prescreve, a qual, a considerar-se que o acto omitido era essencial para a decisão, constituía a nulidade processual do tipo previsto no art. 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. A arguir nos termos previstos no art. 205.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, perante o tribunal que omitiu o acto, no prazo de 10 dias (art. 153.º do CPC) a contar do dia em que, "depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência". Neste sentido se pronuncia o acórdão do STJ de 05-11-2009 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 1735/06.OTMPRT.S1), que concluiu que "não é motivo de nulidade de acórdão (ou sentença) proferido num processo de jurisdição voluntária a discordância sobre a forma como são exercidos os poderes de investigação do tribunal".
Ora, a este respeito, consta do processo que o recorrente foi notificado, por duas vezes, "para, no prazo de 10 dias, alegar(em) o que tiver(em) por conveniente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 178.º da Organização Tutelar de Menores" (cfr. fls. 44 e 46), e, na sequência dessas notificações, apresentou, em 21-12-2009, o requerimento que consta a fls. 47, em que alegou e requereu "que os presentes autos fiquem a aguardar sentença quanto à acção de impugnação da paternidade". Era nesse requerimento que o ora recorrente devia ter arguido a falta de realização do inquérito e alegar fundamentadamente que não prescindia desse elemento de prova, se entendia que era essencial à decisão. O que não fez, apesar de saber que o dito inquérito não tinha sido realizado.

6. Diz ainda o recorrente, nas conclusões 9.ª e 10.ª, que: "Ao não ser elaborado o citado Relatório, foi vedado ao Apelante o direito de sobre ele fazer contraprova. A negação do exercício desta faculdade põe definitivamente em causa o seu acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos".
Importa, assim, apreciar se, no caso concreto, o inquérito omitido era essencial à defesa do requerido e se foi dispensado injustificadamente e com prejuízo para os direitos e interesses processuais do recorrente.
Também neste ponto, os autos revelam que o recorrente não tem razão.
Em primeiro lugar, porque a finalidade que a lei atribui ao inquérito não é, directamente, a de servir os interesses subjectivos dos pais, mas a de servir os interesses da criança. É este o único escopo que subjaz à existência do processo tutelar, e é este o único interesse que determina a decisão a proferir (art. 148.º, n.º 1, da OTM).
Em segundo lugar, o exercício do contraditório coloca-se, essencialmente, em relação a actos praticados no processo. Quanto aos actos omitidos, só se colocaria a eventual violação do contraditório em caso de preterição, sem audição das partes, de actos exigidos por lei ou requeridos pelas próprias partes e que fossem essenciais à defesa dos seus interesses no processo (art. 3.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil).
Sobre o contraditório no processo de regulação das responsabilidades parentais, prescreve o art. 147.º-E da OTM: "1 - As partes têm direito a conhecer as informações, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessários. (…). 3 - É garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios previstos no n.º 1".
Como se vê, a lei garante o contraditório relativamente às provas obtidas. Que inclui o direito a conhecer todas as informações, relatórios, exames e pareceres constantes do processo. Em matéria de direito de defesa, a lei reconhece que cada um dos progenitores junte os elementos ou requeira a solicitação de informações que considere necessários à boa decisão da causa.
Neste âmbito, os autos evidenciam que o Sr. Juiz notificou os requeridos para juntarem ao processo os elementos de prova com relevância para a decisão, designadamente as declarações fiscais do IRS dos últimos dois anos e os últimos 3 recibos do seu vencimento (cfr. fls. 7), e também ordenou a realização de inquérito aos dois progenitores, através dos serviços competentes da Segurança Social. E, por isso, não é exacto que tenha prescindido do inquérito às condições sócio-económicas do requerido.
No que respeita a este inquérito, os autos também revelam que o Sr. Juiz esperou e insistiu (com demasiada tolerância) pela sua realização e, quando constatou que aqueles serviços o estavam a retardar injustificadamente, solicitou-o à autoridade policial competente, que apenas remeteu a informação que consta de fls. 42. E só depois de todas essas insistências e quando já tinham decorrido mais de dez (10) meses desde a data em que foi ordenado e solicitado, é que proferiu despacho fundamentado a dispensar a realização de outras diligências, nos termos que se transcreve infra. E, a nosso ver, agiu correctamente, porque o tempo razoável da decisão estava a ser excedido intoleravelmente e o superior interesse da criança na decisão estava a ser prejudicado injustificadamente.
Com efeito, no que respeita a actos e diligências desenvolvidas no processo relacionadas com a obtenção do inquérito às condições sócio-económicas do requerido, os autos revelam de concreto o seguinte quadro:
1) Por despacho proferido em 06-03-2009, a fls. 14, foi ordenado que se solicitasse a elaboração de "relatórios sociais" aos dois progenitores.
2) Em 19-05-2009, os serviços da Segurança Social remeteram ao processo o relatório do inquérito elaborado às condições sócio-económicas da requerida, o qual consta a fls. 28-34.
3) Por despacho proferido em 25-05-2009, foi ordenado que se "insista pelo envio do relatório social pedido em Março deste ano, sobre o progenitor" (fls. 35).
4) Em resposta a essa insistência, a Segurança Social informou, por ofício de 05-06-2009, a fls. 37, que "durante a entrevista ao requerido … foi-nos referido que está a preparar documentação para dar entrada no Tribunal de uma acção de impugnação de paternidade. Face ao exposto, queira V. Ex.ª decidir o que achar por mais conveniente".
5) Em 23-07-2009, o Ministério Público promoveu que "se solicite é entidade policial competente informação sócio-económica sobre o requerido … e respectivo agregado familiar" (fls. 39).
6) Por despacho proferido em 01-09-2009, foi ordenado que se solicitasse a "informação promovida" (fls. 40).
7) Por despacho proferido em 18-10-2009, foi determinado que se "insista pelo envio de relatório circunstanciado sobre a situação económica e social do progenitor. Prazo de resposta: 10 dias" (fls. 41).
8) Em 20-10-2009, a GNR do Posto territorial de Guimarães informou o seguinte: "… contactados H………. e I……….. … pais do requerido … apurou-se que a menor B……….. não reside e nunca residiu na morada indicada, inclusive que nunca viram a menor. Têm conhecimento tratar-se de uma criança à qual a progenitora diz ser filha do requerido, contudo este diz não corresponder à verdade. Desconhece qual o agregado familiar da menor" (fls. 42).
9) Dada vista desta informação ao Ministério Público, em 02-11-2009, promoveu que "os progenitores sejam notificados para, no prazo de 10 dias, alegarem o que tiverem por conveniente quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 178.º da Organização Tutelar de Menores" (fls. 43).
10) Por despacho proferido em 04-11-2009, o Sr. Juiz ordenou a notificação dos requeridos "nos termos promovidos" (fls. 44).
11) Na sequência dessa notificação, que veio a ser repetida a pedido do próprio requerido (fls. 45 e 46), este, por requerimento a fls. 47, entrado em 21-12-2009, veio dizer, a título de alegações e na parte que aqui importa referir, o seguinte: "… o requerido alega que na data que consta na certidão de nascimento junta a fls… e na qual haveria estado presente na Conservatória do Registo Civil na qualidade de declarante pai, de facto, encontrava-se em prisão preventiva no âmbito de um processo, que correu termos neste Tribunal. Tal motivo obstaria a sua presença física, simultânea, naquela Conservatória. Face ao exposto, requer-se … que os presentes autos fiquem a aguardar sentença quanto à acção de impugnação da paternidade". Todavia, não juntou nem requereu a realização de qualquer prova nem arrolou testemunhas.
12) Então, o Sr. Juiz, preliminarmente à sentença, em 08-01-2010, proferiu o seguinte despacho:
«O Tribunal solicitou em Março de 2009 a realização de relatórios sociais aos progenitores (fls. 14), certo que em Junho de 2009 teve conhecimento que na reunião realizada com o progenitor este terá comunicado que estaria a preparar a instauração de uma acção de impugnação da paternidade, nessa medida não tendo sequência a elaboração do relatório social (fls. 37).
Todavia, não só desta informação como igualmente do exposto no relatório social efectuada à progenitora (fls. 28 e seguintes), em que resulta que a menor B……….. tem residido com a mão desde que nasceu, encontra-se em bom estado e não tem qualquer contacto com o seu pai, conclui-se que a valência mais significativa, para nós, do que envolve o exercício das responsabilidades parentais, o destino da filha e sua guarda, está resolvida por natureza, devendo caber à mãe.
Por outro lado, desse relatório social também resulta que a progenitora não se opõe a que existam contactos entre filha e pai, o que igualmente facilita a decisão quanto à regulação de um direito de visitas.
Por fim, constam dos autos alguns elementos a propósito da situação social e económica do progenitor, podendo o Tribunal deles se fazer valer para decidir a prestação alimentar a pagar.
Por todo o exposto, entende o Tribunal não ser de insistir com o pedido de relatório social, podendo decidir de seguida a regulação do exercício das responsabilidades parentais.» [Os destaques a negrito são de nossa autoria].
Este conjunto de actos permite aferir, para além do que acima já ficou dito, que:
1) O inquérito à mãe da menor (requerida) demorou a concluir cerca de dois meses. O que se configura como um prazo razoável, adequado. Que foi possível observar porque esta colaborou na realização do inquérito.
2) O inquérito ao requerido não conseguiu ser realizado no prazo de 10 meses. E porquê? Porque, além de outras causas inerentes ao mau desempenho do serviço da Segurança Social, o requerido, quando contactado, desculpou-se com a acção de impugnação de paternidade que disse ir intentar, no pressuposto de que não era o pai e nada tinha a ver com esta criança [cfr. supra item 4)]. Argumento depois repetido pelos seus pais quando contactados para o mesmo fim [cfr. supra item 8)]. Trata-se, porém, de um argumento falacioso e inaceitável no âmbito deste processo, em face da prevalência do registo da paternidade, enquanto se mantiver em vigor [cfr. os arts. 1.º, n.º 1, 2.º, 4.º, 62.º, 69.º, n.º 1, al. b), e 102.º, n.ºs 1, al. e), 2 e 3, do Código do Registo Civil]. O que leva a inferir que nem o requerido nem os seus pais se mostraram colaborantes na realização do inquérito e mais não visaram do que protelar a decisão. O requerimento apresentado em 21-12-2009, a fls. 47, é o remate dessa postura. De modo que, a alimentarem-se esses propósitos, a conclusão do inquérito era de todo imprevisível e, por certo, o requerido iria conseguir que não houvesse decisão neste processo, por mais alguns meses ou até anos (que é, como todos reconhecem, um dos principais expedientes dilatórios que afecta o nosso sistema de justiça).
3) No seu despacho, o Sr. Juiz justificou, de forma clara, precisa e transparente, que todos os elementos recolhidos no processo eram inequivocamente esclarecedores quanto ao modo de resolver as duas valências mais significativas das responsabilidades parentais: a da guarda da criança e o regime de contactos da criança com os dois progenitores. Quanto à primeira, disse que devia caber à mãe, porque foi com ela que a criança sempre residiu desde que nasceu, tinha um ambiente familiar afectivamente fiável e a criança nunca teve qualquer contacto com o pai (e as declarações dos pais do requerido são um sinal de rejeição da criança); a do regime de visitas porque a mãe manifestou abertura a um regime de contactos flexível entre a filha e o pai. E a verdade é que, quanto a estes dois aspectos, nenhuma discordância e nenhuma oposição foi manifestada contra a decisão. O que quer dizer que, em relação a estes dois aspectos, o inquérito ao requerido nada mais de útil viria acrescentar.
4) No que respeita à prestação de alimentos, o tribunal considerou que os elementos que já existiam no processo eram suficientes para permitir fixar a prestação alimentícia. Referia-se à cópia da decisão proferida pela Segurança Social sobre o pedido de apoio judiciário formulado pelo requerido/recorrente, da qual consta, em matéria de rendimentos auferidos pelo requerido, o seguinte: o rendimento líquido do agregado familiar do requerente é de 5.010€; a dimensão do agregado familiar é de 1; a dedução para efeitos de protecção jurídica, incluindo aqui os encargos com as necessidades básicas com a habitação é de 2.796€ (fls. 24).
Tratam-se de elementos recolhidos pelos serviços da segurança social para efeitos de apoio judiciário, por isso fiáveis, e que podem também servir apoio à decisão a proferir nesta acção.
Mas o processo contém outros elementos sobre a situação económica do requerido, que podem e devem servir de fundamento à decisão. Referimo-nos à cópia de requerimento subscrito pelo próprio, para efeitos de protecção jurídica, com data de 27-02-2009, a fls. 11 e 12, em que declarou ter a profissão de vendedor como trabalhador independente, não haver outros elementos no seu agregado familiar, não ter bens imóveis e ser proprietário de um veículo automóvel com a matrícula ..-..-EF, da marca Opel Corsa, do ano de 1994.
Estes elementos conferem fiabilidade aos rendimentos apurados na decisão da Segurança Social sobre o apoio judiciário, que o recorrente aceitou, mas também justificam porque é que, para efeitos fiscais, não consta declarado nem apurado qualquer rendimento (cfr. certidão a fls. 10). É que o recorrente exerce uma profissão por conta própria (vendedor), como trabalhador independente, onde o controlo fiscal dos rendimentos auferidos é tarefa difícil, não obstante as cifras vindas a público reconhecerem que tais rendimentos representam cerca de 28% da riqueza anual produzida.
Nessas circunstâncias, a possibilidade de o inquérito vir a revelar outros elementos sobre a situação económica do requerido era reduzidíssima ou nenhuma. Tanto mais que a recolha desses elementos era feita na base das declarações do próprio, o qual já tinha sido notificado para os juntar ao processo e limitou-se a juntar os que constam a fls. 9 a 12, ou seja: a) certidão emitida em 27-02-2009, pelo 2.º Serviço de Finanças de Guimarães, certificando que em nome do requerente (o aqui recorrente) "não consta qualquer declaração de rendimentos em IRS, referente ao ano de 2007 … nem foram encontrados rendimentos" em seu nome (fls. 10); b) e cópia de requerimento subscrito pelo próprio, para efeitos de protecção jurídica, com data de 27-02-2009, em que declarou ter a profissão de vendedor como trabalhador independente, não haver outros elementos no seu agregado familiar, não ter bens imóveis e ser proprietário de um veículo automóvel com a matrícula ..-..-EF, da marca Opel Corsa, do ano de 1994.
Nas circunstâncias descritas, não se vê, nem o recorrente revela, que utilidade podia ter o inquérito na recolha de novos elementos (que novos elementos?...) sobre a situação económica do requerido. De modo que toda a discussão desenvolvida neste recurso à volta da falta do inquérito ao requerido (em que, contraditoriamente, também se deixou enredar o magistrado requerente da acção), não passa de uma discussão meramente formal, teórica e abstracta.

7. Alega ainda o recorrente que os elementos constantes dos autos são insuficientes para apreender a real situação económica do requerido no momento em que foi proferida a sentença e não permitem fixar a prestação de alimentos a pagar à menor.
No essencial, o que ficou dito já responde à questão. No sentido de que os elementos existentes no processo sobre a situação económica do requerido permitiam fixar a prestação que foi fixada e até permitiam ir mais acima.
Acrescenta-se, todavia, que a capacidade económica dos pais, para efeitos do cumprimento da obrigação de alimentos a prestar aos filhos menores, não se avalia apenas pelos rendimentos que declaram ao Fisco ou à Segurança Social. Avalia-se também pela sua idade, pela actividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa actividade permite (cfr. os acs. desta Relação de 28-03-2008 e 21-10-2008, ambos em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0830821 e 0823538). E nesta perspectiva, bastaria a mera constatação de que o requerido exerce a profissão de vendedor como trabalhador independente para se obrigar a prestar alimentos à filha menor.
Com efeito, em matéria da obrigação legal de alimentos aos filhos menores, o art. 36.º, n.º 5, da Constituição da República estabelece o princípio de que "os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos". Significando que a cada um dos pais cabe assegurar a satisfação das necessidades básicas dos filhos, no que respeita ao seu sustento, habitação, vestuário, instrução e educação (arts. 1878.º, n.º 1, e 2003.º do Código Civil).
E sendo verdade que a medida da contribuição de cada progenitor deve fazer-se segundo a capacidade económica de cada um (art. 2004.º, n.º 1, do Código Civil), não é menos verdade que as necessidades dos filhos menores hão-de sobrelevar sobre a disponibilidade económica dos pais. No sentido de que o conteúdo da obrigação de alimentos que lhes compete cumprir não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra. É muito mais do que isso o que a lei lhes exige: que assegurem as necessidades dos filhos menores com prioridade sobre as dos próprios e que se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos menores as condições económicas adequadas ao seu crescimento sadio e equilibrado, e ao seu "desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social", a que todas as crianças têm direito (cfr. art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança).
Nesta perspectiva, o acórdão da Relação de Lisboa de 26-06-2007 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 5797/2007-7, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador ABRANTES GERALDES), toca os aspectos essenciais, ao considerar que: "I – É inerente ao poder paternal o dever de «prover ao sustento» do filho menor, dever que também decorre do artigo 2009.º/1, alínea c), do Código Civil e que tem assento no artigo 36.º da Constituição da República. II – Por isso, e porque ao tribunal cabe decidir «de harmonia com o interesse do menor», é esta a prioridade que o Tribunal deve ter em consideração que sobreleva a questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos. III – Deve o Tribunal proceder à fixação de alimentos a favor do menor ainda que desconheça a concreta situação de vida do obrigado a alimentos designadamente por ser desconhecido o seu paradeiro. IV - O ónus da prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos cabe ao obrigado a alimentos (artigo 342.º/2 do Código Civil)".
E neste quadro e contexto, a decisão recorrida não merece qualquer censura, improcedendo todas as questões suscitadas pelo recorrente no presente recurso.

8. Sumário:
i) A normal tramitação do processo de regulação das responsabilidades parentais inclui a realização de inquérito às condições sociais, morais e económicas dos progenitores (arts. 178.º, n.º 3, e 179.º, n.º 1, da OTM), como um importante instrumento de avaliação e percepção das duas realidades familiares (a da mãe e a do pai) que dizem respeito à situação da criança.
ii) Não decorre, porém, de qualquer norma legal que a realização desse inquérito seja elemento imprescindível à decisão. Pelo contrário, do n.º 3 do art. 147.º-B da OTM decorre que "só há lugar a inquérito … quando a sua realização se revelar indispensável". O que sugere que o inquérito pode ser dispensado, nomeadamente quando as informações recolhidas no processo forem suficientes para proferir a decisão.
iii) Acresce que os processos tutelares cíveis são considerados como de "jurisdição voluntária" (art. 150.º da OTM), e, por isso, não estão sujeitos a critérios de legalidade estrita, o que permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, adoptando em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. arts. 1409.º, n.º 2, e 1410.º do Código de Processo Civil), seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança a uma decisão em tempo razoável.
iv) Deste modo, não constitui motivo de anulação da sentença proferida em processo de regulação das responsabilidades parentais a dispensa do inquérito às condições sócio-económicas do progenitor, decorridos 10 meses desde a data em que foi ordenado e após várias tentativas frustradas para a sua realização, e existindo no processo elementos suficientes para decidir sobre a guarda da criança, o regime de contactos com o progenitor que não fica com a guarda e a prestação de alimentos.
v) Para efeitos do cumprimento da obrigação de alimentos a filhos menores, a capacidade económica dos pais não se avalia apenas pelos rendimentos que declaram ao Fisco ou à Segurança Social; avalia-se também pela sua idade, pela actividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa actividade potencia.
vi) O conteúdo da obrigação de alimentos a prestar pelos pais aos filhos menores não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra. A lei exige-lhes que assegurem a satisfação das necessidades essenciais dos filhos com prioridade sobre as dos próprios e que se esforcem em obter meios de propiciar aos filhos as condições económicas adequadas ao seu crescimento sadio e equilibrado, e ao seu "desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social", a que todas as crianças têm direito (art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança).

III – DECISÃO
Por tudo o exposto:
1) Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
2) Custas pelo recorrente (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.
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Relação do Porto, 14-06-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Henrique Ataíde Rosa Antunes