Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0313016
Nº Convencional: JTRP00036264
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RP200307030313016
Data do Acordão: 07/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Indicações Eventuais: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: .
Sumário: Nos termos do artigo 85 alínea d), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, o tribunal do trabalho é materialmente competente para conhecer da acção intentada pela entidade patronal contra a companhia de seguros, demandando que esta seja condenada a pagar-lhe as importâncias que pagou a um seu trabalhador vítima de acidente de trabalho, cuja reparação a seguradora não assumira, alegando que o contrato de seguro já estava resolvido à data do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:

1. Manuel... propôs no tribunal judicial de Gondomar acção contra a Companhia de Seguros..., pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe as importâncias de 5.865,86 €, a título de indemnização pela incapacidade temporária por ele paga ao seu trabalhador Vítor..., a quantia que se vier a apurar em execução de sentença relativa às prestações em espécie não efectuadas, 2.500,00 € a título de danos morais e juros de mora desde a citação.

O autor fundamentou o pedido, alegando ter celebrado com a ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º.... Que, em Janeiro de 20002, aquele seu trabalhador sofreu um acidente de trabalho, tendo-se a ré recusado a assumir a responsabilidade pela reparação do acidente, com o fundamento de que o contrato tinha sido anulado em 30.11.99, por falta de pagamento de recibos, o que não é verdade, uma vez que todos os recibos foram pagos e que a ré nunca procedeu à resolução do contrato.
Mais alegou que perante a recusa da ré, teve de pagar ao trabalhador sinistrado a quantia de 900.000$00 (4.489,18 €), com vista à reparação do acidente, tendo aquele direito a 1.176.000$00 de indemnização referente ao período de incapacidade temporária absoluta de que esteve afectado durante doze meses, por cujo pagamento a ré é responsável, tal como é responsável pelo pagamento de todas as prestações em espécie não efectuadas, atinentes ao restabelecimento do estado de saúde daquele seu empregado, nomeadamente assistência médica, farmacêutica, hospitalar e outras.
Alegou, ainda, ter sofrido danos morais, devido ao enorme desgosto emocional que o angustiante e moroso processo contencioso com a ré lhe causou.

Na contestação a ré impugnou, por desconhecimento, a existência do acidente de trabalho, excepcionou a incompetência material do tribunal judicial, defendendo que tal competência pertence ao tribunal do trabalho e excepcionou ainda a caducidade do direito de acção.

Na resposta, o autor defendeu a improcedência das duas excepções, alegando, no que diz respeito à incompetência material, que a causa de pedir era o direito de regresso e não o acidente de trabalho.

No despacho saneador, o Ex.mo Juiz do tribunal judicial de Gondomar julgou procedente a referida excepção e absolveu a ré da instância.

Usando da faculdade prevista no art. 105.º, n.º 2, do CPC, o autor veio requerer que o processo fosse remetido ao tribunal do trabalho de Gondomar.

Remetido o processo ao Tribunal do trabalho de Gondomar, o Mmo Juiz daquele tribunal também julgou o tribunal incompetente em razão da matéria.

Perante o trânsito em julgados daquelas duas decisões, o autor veio requerer a resolução do conflito negativo de competência.
Notificados para responder, nenhum dos M.mos Juizes usou desse direito e nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que a competência devia ser atribuída ao tribunal judicial de Gondomar.

Dispensados os vistos, atenta a simplicidade da questão, cumpre apreciar e decidir.

2. A competência material do tribunal determina-se, pelos termos em que o autor estrutura a acção, ou seja, em função do pedido e dos respectivos fundamentos, sem que o tribunal fique vinculado à qualificação jurídica que o autor lhes atribua. E compreende-se que assim seja, uma vez que é o autor que fixa o tema a decidir.

Como ensinava Manuel de Andrade, citando Redenti, a competência “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum);” é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. A competência do tribunal, continua M. Andrade, não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, ano 1979, pag. 91).

Essa tem sido a orientação seguida nos tribunais superiores, não havendo razões para que a mesma seja alterada.
(Vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 9.2.94 (CJ - acórdãos do STJ- ano II, tomo I, pag. 289) e de 11.12.2002, proferido no recurso de revista n.º 1193/02, da 4.ª Secção (Sumários de acórdãos do STJ, n.º 66, pag. 91) e o acórdão desta Relação de 25.2.2002 (CJ, I, 252).

Por outro lado, é sabido que os tribunais do trabalho são tribunais de competência especializada (vide Anexo VI do DL n.º 186-A/99, de 31/5 - Regulamento da LOTJ-), o que significa que só têm competência para conhecer das matérias expressamente previstas na lei. No que diz respeito à matéria cível, os tribunais do trabalho são competentes para conhecer das questões referidas no art. 85.º da LOTJ (Lei n.º 3/99, de 13/1). São competentes, nomeadamente, para conhecer “das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais” e das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuadas ou pagos em benefício de vítimas de acidentes d trabalho ou doenças profissionais (alíneas c) e d) do art. 85.º).

Como já foi referido, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar determinada importância que ele já pagou ao trabalhador sinistrado e que a este eram devidas em consequência do acidente e o pagamento de outras que ainda terá de lhe pagar. Ou seja, o autor pretende ser reembolsado dos créditos que pagou e terá de pagar ao trabalhador sinistrado, pelo facto de a ré não ter assumido essa responsabilidade, com o fundamento de que o contrato de seguro já não estava em vigor, quando o alegado acidente terá ocorrido e pretende ser ressarcido do dano não patrimonial que tal recusa lhe causou.

O Mmo Juiz do tribunal judicial da comarca de Gondomar julgou o tribunal incompetente, por entender que o objecto do litígio tem a ver com questões emergente do acidente de trabalho alegado pelo autor e atribuiu essa competência ao tribunal do trabalho, com fundamento no disposto na alínea c) do art. 85.º da LOTJ.
Por sua vez, o Mmo Juiz do tribunal do trabalho de Gondomar julgou o tribunal do trabalho incompetente, por entender que “o que está em causa é a relação jurídica estabelecida entre a seguradora e o tomador do seguro e não o acidente de trabalho em si.”

Perante isto, pergunta-se: qual é o tribunal competente?

Olhando para o pedido formulado e para os fundamentos invocados (a causa de pedir), é óbvio que o objecto da acção não emerge directamente do acidente de trabalho de que terá sido vítima o Vítor..., em Janeiro de 2000, quando trabalhava por conta do autor. É evidente que o pedido do autor emerge do contrato de seguro e não do acidente de trabalho em si, como bem diz o Mmo Juiz do tribunal do trabalho de Gondomar. O objecto do litígio prende-se com a vigência, ou não, à data do acidente, do contrato de seguro de acidentes de trabalho que havia sido celebrado entre o autor e a ré/seguradora. Não estamos, por isso e salvo o devido respeito, perante questão emergente de acidente de trabalho ou doença profissional, o que significa que o disposto na alínea c) do art. 85.º não tem aqui cabimento.

Todavia, isso não significa que o tribunal do trabalho de Gondomar não seja competente em razão da matéria para conhecer da acção. Tal competência resulta, claramente, do disposto na alínea d) do citado art. 85.º, uma vez que o autor pretende ser reembolsado das prestações efectuadas à vítima do acidente de trabalho.

3. Decisão
Nos termos expostos, decide-se que o tribunal do trabalho de Gondomar é o competente em razão da matéria para conhecer da presente acção.

PORTO, 3.7.2003

Manuel Joaquim Sousa Peixoto
João Cipriano Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva