Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
Descritores: | OFENSA A PESSOA COLECTIVA NULIDADE DEPENDENTE DE ARGUIÇÃO PRAZO DE ARGUIÇÃO LIBERDADE DE EXPRESSÃO BULLYING BANKS | ||
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Nº do Documento: | RP2012111415722/10.0TDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I. A nulidade decorrente da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade por preterição do dever de investigação judicial, que ocorra no decurso da audiência de julgamento, tem de ser suscitada perante o tribunal que a cometeu antes de poder ser fundamento de recurso. II - No que concerne à prática bancária, os bancos não estão apenas sujeitos ao escrutínio das entidades reguladoras do setor mas também aos juízos críticos dos cidadãos em geral, pelo que se deve ter uma maior compreensão e considerar como atípicas as manifestações públicas dos cidadãos que, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, divulgam situações que podem ser enquadradas num comportamento de “bullying banks”, ainda que, para o efeito, usem uma linguagem dura e abstratamente insultuosa, como seja “ENGANARAM O POVO C/ SUAS ACÇÕES P’RA LEVAR NO BOLSO MAIS UNS MILHÕES” ou então “FUI ENGANADO! NÃO POSSO FICAR CALADO!” | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 15722/10.0TDPRT.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No PC n.º 15722/10.0TDPRT do 2.º Juízo Criminal do Porto, em que são: Recorrente/Assistente: B…, SA. Recorrido/Arguido: C… Recorrido: Ministério Público foi proferida sentença em 2012/Abr./19 e constante a fls. 929-939 que absolveu o arguido da prática, como autor material, de um crime de ofensa à pessoa colectiva da previsão do artigo 187.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, bem como do Pedido de Indemnização Cível que o assistente B…, SA formulou contra si. 2. O assistente interpôs recurso por fax expedido em 2012/Mai./21 a fls. 955-993, pedindo que seja decretada a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, aliena a) do Código de Processo Penal (i), ou então e subsidiariamente a revogação parcial da sentença na parte em que não julgou provados os factos constantes das alíneas A), B), C) e E), passando-os a considerar como provados, proferindo-se, consequentemente, decisão condenatória pelo crime de que foi acusado (ii), dando também procedência ao Pedido de Indemnização Cível (iii), apresentando as conclusões que se passam a resumir: 1.ª) O Tribunal a quo cometeu a nulidade de omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade material, prevista no artigo 120º n.º 1 alínea d) do C.P.P.; 2.ª) Como resulta da sentença recorrida, considerou o Tribunal a quo não ter resultado provado que as afirmações difundidas pelo arguido – mormente no que concerne ao alegado “engano” sofrido “pelo povo” na aquisição de ações do B… – eram falsas e que o arguido C… tivesse conhecimento da falsidade dessas afirmações – mormente no que concerne ao alegado “engano” sofrido na aquisição de ações do B…; 3.ª) Até à prolação da sentença absolutória, o recorrente desconhecia em absoluto que, no espírito do julgador, se formava a convicção de que operação de aquisição de ações (denominada “Campanha Accionista”), levada a cabo pelo B…, nos anos de 2000 e 2001, podia ter sido um engano aos denominados “pequenos acionistas”; 4.ª) Com efeito, para demonstrar a falsidade das alegadas imputações – nomeadamente do alegado engano do B… “ao povo” – o Banco juntou aos autos, em 21.03.2012, (1) cópia do recurso de impugnação judicial apresentado na sequência da decisão da CMVM n.º 3/2008 (recurso de impugnação judicial que deu origem ao Processo n.º 1557/08.3TFLSB, a correr então os seus termos no 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa); (2) cópia da decisão judicial proferida – em 25.10.2010, pouco antes da data da prática dos factos aqui em causa –, que absolveu o Banco de todas as acusações vertidas no processo de contraordenação n.º 3/2008, revogando a decisão da CMVM junta aos autos pelo arguido C…, e (3) do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito desse Processo n.º 1557/08.3FLSB.L1, que confirmou a decisão absolutória proferida em primeira instância (cfr. fls. 647 e ss. dos autos); 5.ª) Como é evidente, caso o Tribunal a quo, após a junção dos ditos documentos, permanecesse com dúvidas (como veio a demonstrar ter) quanto ao alegado “engano” por parte do Banco, deveria ter determinado oficiosamente a inquirição dos funcionários do Banco que acompanharam os processos de aquisição de ações do arguido C…, a fim de apurar se efetivamente o arguido foi “enganado”: se foi coagido ou incentivado a comprar ações do B… (em nome próprio e de 26 outras pessoas, para o que falsificou as assinaturas dos ditos titulares, acrescentamos nós), se alguma vez lhe foi garantido que as ditas ações chegariam preço unitário de € 7,00 e se alguma vez foi impedido ou demovido de vender os ditos títulos, quando estes ainda se encontravam acima do preço de venda; 6.ª) Efetivamente, só os ditos funcionários do Banco que acompanharam os processos de aquisição de ações do arguido poderiam esclarecer o Tribunal se este foi coagido ou incentivado a adquirir ações e se, posteriormente, foi impedido de vender esses mesmos títulos; 7.ª) E não se diga que tal diligência não era essencial à descoberta da verdade material ou que o recorrente não a requereu durante o decurso da audiência de julgamento, dado que, como se expôs acima, nunca o recorrente equacionou – até à prolação da decisão absolutória – que o Tribunal a quo, após a junção aos autos das ditas decisões judiciais já transitadas em julgado, permanecesse com dúvidas quanto às circunstâncias em que foram levadas a cabo as Campanhas Acionistas 2000 e 2001; 8.ª) Mas a ter – como o veio o demonstrar – devia ter ordenado oficiosamente a inquirição das únicas pessoas que poderiam relatar a forma como correu tal processo de aquisição de ações – os funcionários da agência de …; 9.ª) A decisão que ora se impugna foi proferida em violação do princípio da apreciação da prova segundo as regras da experiência comum, consagrado no artigo 127º do C.P.P.; 10.ª) Com efeito, a prova produzida, apreciada à luz das regras da experiência comum, impunha que fossem julgados provados os factos identificados nas alíneas a) a c) e e) da matéria de facto considerada não provada pela sentença recorrida, bem como os correspondentes factos subjetivos relativos ao tipo subjetivo em causa e à culpa; 11.ª) Pese embora não se concorde com a fundamentação expendida pelo Tribunal a quo relativamente ao teor dos cartazes exibidos pelo arguido que continham títulos de jornais e excertos de notícias ou artigos de opinião, por terem sido criteriosamente escolhidos pelo arguido e por este difundidos, nos dias 2 e 3 de Novembro de 2010, desfasadamente e fora do seu contexto, discorda-se frontalmente da fundamentação expendida pelo Tribunal a quo para sustentar a decisão absolutória relativamente às afirmações difundidas pelo arguido que aludem a um suposto engano por parte do B…, nas operações de aquisição de ações levadas a cabo em 2000 e 2001; 12.ª) A análise do acervo documental junto aos autos, conjugado com a demais produzida em sede de audiência de julgamento (mormente com o teor das declarações prestadas pelo legal representante do Banco assistente, D…), permite fundadamente considerar provados os factos identificados nas alíneas a), b), c) e e) da matéria de facto considerada não provada pela sentença recorrida, bem como os correspondentes factos subjetivos relativos ao tipo subjetivo em causa e à culpa; 13.ª) Entende o Tribunal a quo não ter resultado provado da prova produzida em audiência de julgamento que “atenta a presença do arguido à porta das instalações do Banco, nas circunstâncias descritas, foi solicitada a intervenção da Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local cerca das 12.44 horas e lavrou o respectivo auto da ocorrência”; 14.ª) Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes da alínea e) da factualidade considerada não provada, impondo decisão diversa as declarações do legal representante do Banco assistente, D…, na sessão de julgamento de 1.03.2012, das 10h47m29s a 11h30m06s (cfr., minuto 18m51s a 19m20s, deste concreto depoimento). 15.ª) Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes das alíneas a) a c) da factualidade considerada não provada, impondo decisão diversa o teor das declarações do legal representante do Banco assistente, D…, na sessão de julgamento de 1.03.2012 (cfr. cd com a gravação da prova produzida na sessão de 1.03.2012, mormente minutos 13m33s a 14m07s; minutos 26m51s a 27m34s; minutos 29m01s a 30m24s; minutos 33m51s a 40m42s; e minutos 38m12s a 40m41s, tudo das declarações do legal representante) e bem assim o teor das declarações do arguido C…, na sessão de julgamento de 1.03.2012 (cfr. cd com a gravação da prova produzida na sessão de 1.03.2012, mormente minutos 1m07s a 4m42s; minutos 6m50s a 7m16s; minutos 11m30s a 13m04s; e minutos 14m16s a 14m46s deste interrogatório); 16.ª) Como resulta da decisão absolutória proferida pelo Tribunal a quo, entendeu o Tribunal julgar improcedente o pedido cível deduzido contra o arguido e demandado C…; 17.ª) Porém, a absolvição do arguido quanto à parte criminal, não impedia o Tribunal de o condenar no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a conduta perpetrada, como entendemos que deveria ter sucedido; 18.ª) Como resulta dos autos, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Banco baseia-se em responsabilidade extracontratual pelo que não há qualquer obstáculo à procedência do mesmo, assim estejam verificados os requisitos da responsabilidade extracontratual; 19.ª) A lei civil é assim clara, ao expressamente qualificar como antijurídica a conduta que ameace lesar o direito subjetivo ao crédito e ao bom nome das pessoas singulares e coletivas; 20.ª) Como é sabido, em sede civilista admite-se qualquer forma de ofensa à honra, sendo certo que não afasta a ilicitude o facto de os factos serem ou não verdadeiros; 21.ª) A pessoa coletiva tem também, logicamente, direito à sua honra, como dignidade social, resultante do mérito dos seus fins estatutários, da integridade moral dos elementos dos seus órgãos e funcionários e da retidão na atividade desenvolvida, direito esse merecedor de tutela civil e penal; 22.ª) O arguido quis efetivamente publicitar os cartazes que ostentava em frente à sede do Banco e, consequentemente, ofender o B… no seu bom nome, credibilidade, prestígio e confiança, bem como dos seus administradores, o que efetivamente conseguiu; 23.ª) As expressões em causa são aptas a ofender o bom nome, o crédito, o prestígio e a confiança de uma Instituição bancária, que vive fundamentalmente da sua imagem, do crédito e da lisura dos seus procedimentos; 24.ª) E, no caso concreto, o B… sofreu danos de imagem, danos esses que são indemnizáveis e merecedores da tutela do direito, mesmo tendo-se verificado a absolvição do arguido, nos termos do disposto no artigo 377 nº 1 do C.P.P.; 25.ª) O Tribunal a quo violou o artigo 120º n.º 2 alínea d), 127º do CPP. Violou ainda os artigos 377º n.º 1 do CPP, 483º, 484º e 487º do Código Civil; 26.ª) O Tribunal a quo interpretou o artigo 120º n.º 2 alínea d) do CPP, considerando que não tinha o poder-dever de investigar todos os factos relevantes para a decisão da causa, por existir um ónus de prova do B…; 27.ª) O Tribunal a quo interpretou o artigo 377º n.º 1 do CPP, considerando que não podia condenar o arguido C… no pagamento de qualquer indemnização ao B…, por as circunstâncias em que foram perpetrados os factos ilícitos em causa não merecerem credibilidade dos transeuntes; 28.ª) O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as normas jurídicas violadas no sentido de era seu poder-dever investigar todos os factos relevantes para a decisão da causa e no sentido de que podia e devia condenar o arguido C… no pagamento da indemnização peticionada pelo B…, por a conduta ilícita perpetrada ter atentado contra o bom nome, a confiança, o prestígio e a credibilidade da pessoa coletiva B…; 29.ª) O recorrente considera que o Tribunal a quo julgou incorretamente como não provado que os factos identificados nas alíneas a), b), c), e e) da matéria de facto considerada não provada pela sentença como os correspondentes factos subjetivos relativos aos tipos subjetivos em causa e à culpa; 30.ª) Impõem decisão diversa da ora recorrida: as declarações do legal representante do Banco, D… (cfr. cd com a gravação da prova produzida na sessão de 1.03.2012, mormente minutos 13m33s a 14m07s; minutos 26m51s a 27m34s; minutos 29m01s a 30m24s; minutos 33m51s a 40m42s; e minutos 38m12s a 40m41s, tudo das declarações do legal representante); e o teor das declarações do arguido C… (cfr. cd com a gravação da prova produzida na sessão de 1.03.2012, mormente minutos 1m07s a 4m42s; minutos 6m50s a 7m16s; minutos 11m30s a 13m04s; e minutos 14m16s a 14m46s deste interrogatório); 31.ª) Impõe ainda decisão diversa a prova documental constante dos autos, nomeadamente: (1) a cópia do recurso de impugnação judicial apresentado na sequência da decisão da CMVM n.º 3/2008 (recurso de impugnação judicial que deu origem ao Processo n.º 1557/08.3TFLSB, a correr então os seus termos no 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa); a (2) cópia da decisão judicial proferida – em 25.10.2010, pouco antes da data da prática dos factos aqui em causa –, que absolveu o Banco de todas as acusações vertidas no processo de contraordenação n.º 3/2008, revogando a decisão da CMVM junta aos autos pelo arguido C…, e (3) a cópia do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito desse Processo n.º 1557/08.3FLSB.L1, que confirmou a decisão absolutória proferida em primeira instância (tudo a fls. 647 e ss. dos autos). 3. O Ministério Público respondeu em 2012/Jun./27 a fls. 1043-1059 ao recurso dizendo que não havia qualquer censura a fazer à decisão sob recurso, a qual deve ser mantida na íntegra, julgando-se o recurso interposto improcedente, porquanto e em suma: 1.º) não assiste qualquer razão à recorrente quando alega a violação da norma contida no artigo 340º C.P.P. e 127º C.P.P., devendo ser julgada improcedente a alegada nulidade prevista no art. 120º, 2, e) C.P.P., bem como a pretendida violação do princípio da livre valoração da prova; 2.º) Efectivamente, a sentença recorrida não padece de qualquer vício ou nulidade, plasmando um conjunto de factos que decorrem da prova produzida, considerando o seu conjunto e uma análise à luz das regras da experiência comum, e aplica o direito correctamente. 3.2 O arguido respondeu por correio electrónico expedido em 2012/Jun./18 a fls. 1036-1040, sustentando como questão prévia a irrecorribilidade da sentença quanto à parte cível (400.º, n.º 2 C. P. P.), não existindo qualquer nulidade por omissão posterior de diligências (120.º, n.º 1, al. c) C. P. P.) nem do princípio da apreciação da prova (127.º C. P. P.). 4. O recurso não foi admitido quanto à parte cível por despacho proferido em 2012/Jul./02, a fls. 1063 e remetido para esta Relação, foi autuado em 2012/Set./07, tendo o Ministério Público vista dos autos em 2012/Set./14, a fls. 1070. * O objecto do processo passa pelo conhecimento da nulidade de omissão de diligências [a)], o reexame da matéria de facto [b)] e o cometimento do crime aqui em causa [c)].* II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1. A sentença recorrida Desta transcrevem-se as seguintes passagens: “A. Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: 1) O arguido é cliente do B…, S.A., ora assistente, sendo titular da conta de depósitos à ordem nº ………. 2) Em 2 de Novembro de 2010, cerca das 10.15 horas, o arguido deslocou-se às instalações da sede do B…, S.A., sitas no …, …, no Porto, munido de um banco, de uma cruz de madeira e de diversos cartazes – cfr. fotografias de fls. 57 a 63 e 134 –, nos quais se liam os seguintes dizeres: “O que se passou no B… é abaixo de tudo”, “ENGANARAM O POVO C/ SUAS ACÇÕES P’RA LEVAR NO BOLSO MAIS UNS MILHÕES”, “E ASSIM DESGRAÇARAM MILHARES DE FAMÍLIAS”; “CMVM segura de crime no B…”; “SE ME DEIXAREM VIVER ESTES CRIMES NÃO VÃO ESQUECER”; “PESQUISE B… CRIME”; “FUI ENGANADO! NÃO POSSO FICAR CALADO!”; “CMVM recomenda ao B… indemnizar pequenos accionistas”; “A MINHA LUTA É POR VERDADE E POR JUSTIÇA”, “QUE ALEGADAMENTE O B… PROCURA TRITURAR”; “QUEM NA JUSTIÇA PROTEGE OS POBRES DAS AVES DE RAPINA?”; “PRÓ INFERNO MEUS EX-ADVOGADOS QUE EM AUDIÊNCIA EM FAFE ALEGADAMENTE EM MINHA CAUSA HIPOTECARAM A ALMA”; “SR. PROCURADOR E CONSELHO S. DE MAGISTRATURA CONHECEM QUE O TRIBUNAL (FAFE) ALEGADAMENTE TEM POSTO PESOS NA BALANÇA DA JUSTIÇA PC. 12/03.2TAFAF???”; “NO TRIBUNAL DE FAFE QUEREM QUE PAGUE INOCENTE OS CRIMES DE OUTRA GENTE”, “OS POBRES TAMBÉM TÊM DIREITO A JUSTIÇA”; “NASCI, SOU E HEI-DE MORRER HONESTO”. 3) O arguido permaneceu sentado à porta daquelas instalações, exibindo os mencionados cartazes desde as 10.15 horas até cerca das 19.20 horas, altura em que abandonou o local. 4) Durante quase todo o período em que o arguido permaneceu no local, envergava uma máscara preta na face, que apenas retirava por breves instantes, sempre que se aproximava algum transeunte. 5) No dia seguinte, 3 de Novembro de 2010, cerca das 07.50 horas, o arguido deslocou-se novamente às instalações da sede do B…, munido dos cartazes e dos objectos anteriormente referidos, tendo aí permanecido até cerca das 17.44 horas. 6) A conduta acabada de descrever foi perpetrada perante todos os colaboradores do Banco que desempenham funções nas instalações da sede do B…, perante os clientes que se dirigiram a essas instalações e perante os inúmeros transeuntes que ali passaram. 7) O arguido sabia que, com a sua conduta, poderia prejudicar a imagem, o prestígio e o bom nome do Banco assistente, não se coibindo, porém, de ostentar publicamente os referidos cartazes. 8) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente. Mais se provou que: 9) Com a conduta perpetrada pelo arguido, o B… sentiu-se bastante desagradado. 10) O B… é o maior banco privado português. Provou-se ainda que: 11) O arguido já foi condenado, por decisão transitada em julgado em 14.10.2010, proferida no processo nº 12/03.2TAFAF, na pena de 250 dias de multa, pela prática, em 1997, de um crime de falsificação de documento. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, em 06.12.2010. 12) O arguido confessou a sua apurada conduta. 13) O arguido está actualmente desempregado e recebe seiscentos e tal euros de subsídio de desemprego. Vive com a mulher (doméstica) e tem a seu cargo duas filhas, de 19 e 24 anos de idade. Tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade. * B. Factos não provados:Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa, nomeadamente, outros factos que estejam em contradição ou em desconformidade com os supra descritos. Não se provou, designadamente, que: a) O arguido conhecia a falsidade dos factos e afirmações apostos nos cartazes que exibiu; b) São falsas e inverídicas as expressões que o arguido divulgou; c) O arguido conhecia perfeitamente a falsidade das expressões que levianamente publicitou, não tendo motivos para os considerar verdadeiros. d) O demandante terá que despender pelo menos € 500 com a promoção em publicidade do B… no Porto, de modo a que seja pelo menos mitigada a má imagem do B… transmitida pelo arguido. e) Atenta a presença do arguido à porta das instalações do Banco, nas circunstâncias descritas, foi solicitada a intervenção da Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local cerca das 12.44 horas e lavrou o respectivo auto da ocorrência. f) Em face da postura do arguido, foi novamente solicitada a intervenção da Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local cerca das 11.21 horas e lavrou o respectivo auto da ocorrência. * C. Motivação:O arguido confessou que é cliente do Banco assistente desde 1986 e que cometeu os factos supra descritos em 2) a 5). Negou, porém, que fossem falsas as afirmações contidas nos cartazes que exibiu, explicando as razões que o levaram a acreditar que foi enganado pelo B…, assim como outros clientes daquele banco, e esclarecendo o porquê da sua conduta. Ora, as declarações do arguido, atenta a forma clara, precisa, pormenorizada e circunstanciada como foram prestadas, mereceram-nos credibilidade, tanto mais que se mostram ancoradas nos documentos juntos aos autos. Na verdade, parte das afirmações contidas nos cartazes exibidos pelo arguido mais não são do que reproduções de partes destacadas de artigos publicados em jornais nacionais, nomeadamente no semanário “E…”, no “F…” e no “G…”, conforme se pode comprovar através dos documentos juntos a fls. 408 (entrevista a H…, com fotografia do mesmo e citação da frase “O que se passou no B… é abaixo de tudo” – cuja cópia consta de um dos cartazes exibidos pelo arguido – v. fls. 57), 409 (artigo com o título “CMVM segura de crime no B…”, com fotografia de I…, cuja cópia também consta de um dos cartazes exibidos pelo arguido – v. fls. 57 –, no qual estão expressas afirmações do presidente na CMVN no sentido de ter havido crime de manipulação do B… com as acções do próprio banco, o qual detinha “offshores” que compravam acções dele próprio, com financiamento dele próprio, e em que também se refere aos créditos cedidos aos pequenos accionistas como fazendo parte de uma mesma lógica de construção), 411 (notícia de primeira página com o título “CMVN recomenda ao B… indemnizar pequenos accionistas”, cuja cópia também consta de um dos cartazes exibidos pelo arguido – v. fls. 58 –, com os subtítulos “Queixas dos subscritores dos aumentos de capital de 2000 e 2001”, “Órgão de supervisão analisa 17 queixas e dá razão aos accionistas que se sentem lesados”). Tendo em conta a credibilidade que merecem os jornais nacionais onde foram publicados tais artigos, dois deles especializados na área económica, a qualidade dos entrevistados que proferiram as frases citadas pelo arguido (presidente do J… e presidente da CMVM), o facto de o arguido, de mote próprio, ter diligenciado no sentido de apurar o que se havia passado no B…, consultando os processos instaurados quer pela CMVN quer pelo Ministério Público (v. cópia do despacho proferido pelo DIAP de Lisboa que consta do anexo a este processo, v. cópia do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional junta a fls. 413 a 424, v. cópia da decisão proferida pela CMVN no âmbito do processo 03/2008 junta a fls. 427 e seguintes, da qual, porém, veio posteriormente a ser interposto recurso por parte do B…, conforme resulta dos documentos juntos a fls. 647 e seguintes) e as declarações prestadas pelo legal representante do Banco assistente, Dr. D…, que reconheceu que correram termos na CMVM processos de contra-ordenação instaurados contra o B…, que reconheceu que à data dos factos foram publicadas notícias no sentido de a CMVM estar a investigar a actuação do B…, que reconheceu que existiram outras pessoas que ficaram na mesma situação do aqui arguido e que a CMVM interveio no sentido de mediar as negociações entre esses clientes e o B…, admitindo ainda que poderá ter havido uma recomendação nesse sentido, é evidente que não se mostra minimamente provado que são falsos os referidos factos e afirmações contidos nos cartazes que o arguido exibiu e que, consequentemente, o arguido conhecia perfeitamente a falsidade dos mesmos, não tendo motivos para os considerar verdadeiros. Quanto às restantes afirmações, umas dizem respeito ao engano de que o arguido diz ter sido vítima e outras ao processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial de Fafe, sendo que estas últimas afirmações não dizem directamente respeito ao B…, na medida em que nelas nenhuma referência se faz à sua intervenção nesse processo. Ora, relativamente ao referido engano, o arguido explicou exaustivamente no que o mesmo consistiu: na campanha de aquisições de acções do B… ocorrida no ano 2000, foi incentivado pelos funcionários da agência do B…de … a adquirir acções, quer em seu nome quer em nome de outras pessoas, com concessão total de crédito e com pagamento das despesas de aquisição por parte do Banco, sendo-lhe garantido que o ganho seria certo e seguro. Face às garantias que lhe foram dadas e por confiar na palavra dos ditos funcionários, acabou adquirir acções do B… não só em seu nome, mas também em nome de mais 27 pessoais (familiares e conhecidos), investindo dessa forma 127 mil contos (mais de 500 mil euros, sendo cerca de 25 mil euros por conta – v. fls. 376, verso, 377 e 378) em acções, ciente que a responsabilidade em tal operação era só sua, sendo a intervenção daquelas outras pessoas apenas virtual, o que os referidos funcionários sabiam e anuíram, tanto mais que nem sequer exigiram a assinatura presencial das mesmas. Mais explicou que, quando as acções começaram a subir foi ao banco com o intuito de vender as acções adquiridas, no que foi impedido pelos ditos funcionários do B…, que lhe garantiram que as acções iriam subir para 7%, tendo tido conhecimento que aqueles funcionários iriam perder dinheiro caso os clientes vendessem as acções e que o gerente da agência insultava os funcionários que permitissem a venda das mesmas. Afirmou, por fim, que as acções acabaram por descer a pique, o que levou a que não tivesse possibilidades para pagar os juros devidos e para fazer amortizações do capital mutuado, conforme lhe foi exigido, motivo pelo qual o Banco assistente interpelou os co-titulares das restantes contas no sentido de pagarem a dívida quando, segundo afirmou, os respectivos funcionários sabiam que os mesmos não tinham tido qualquer responsabilidade na aquisição efectuada. Ora, a agressividade da campanha desenvolvida pelo B… aquando da aquisição das referidas acções está bem patente nos documentos juntos aos autos a fls. 392 a 405, cujo teor o assistente não impugnou. Por outro lado, o legal representante do assistente, Dr. D…, acabou por reconhecer que terá havido um entusiasmo exacerbado na aquisição de acções de B…, à qual não terá sido alheia, dizemos nós, os prémios oferecidos aos respectivos comerciais, que aquele confirmou que existiam. Acresce que, conforme decorre das notícias que constam dos documentos juntos a fls. 406, 407 e 413, não foi apenas o arguido que se sentiu enganado pelo Banco assistente, mas também outros clientes e funcionários do próprio banco, que também acabaram por adquirir acções, não só em nome próprio, mas também em nome de familiares. Tendo em conta os factos relatados pelo arguido, a forma como o arguido – sócio de uma casa de pneus, cujos rendimentos rondavam os € 500 euros e que tinha como único património uma casa – conseguiu, através da abertura de contas em nome de mais 26 pessoas, contrair empréstimos de valor superior a 500 mil euros (e não de cerca de 100 mil euros conforme afirmou o legal representante do Banco assistente) para aquisição de acções do próprio banco, tendo como única garantia tais acções, quando era evidente que não tinha capacidade financeira para tal, o que só pode ter acontecido com a anuência dos funcionários do Banco assistente, que teriam vantagens económicas na venda de tais acções, é também evidente que o tribunal não pode afirmar que o arguido não tenha sido enganado pelos ditos funcionários, no sentido de lhe garantirem como certo algo que não o era. O facto de o arguido não ser inexperiente no que diz respeito ao mercado de acções, conforme o próprio admitiu, e de ser do conhecimento geral e comum que o investimento em acções implica sempre um risco (tanto se pode ganhar como perder) não afasta tal conclusão, face às facilidades que lhe foram concedidas e às garantias que lhe terão sido dadas pelos funcionários do Banco assistente, em quem confiava. Ora, face ao que ficou dito e à ausência de prova por parte do Banco assistente no sentido de o arguido não ter sido enganado pelos seus próprios funcionários, os quais nem sequer foram arrolados como testemunhas, não pode o tribunal considerar como provado que seja falsa a afirmação feita pelo arguido no sentido de ter sido enganado pelo B…, através, como é óbvio, dos respectivos funcionários, e de tal engano ter sido extensível a outros clientes do banco, face às notícias publicadas nos jornais, acima referidas, e ao facto de o legal representante do B… ter admitido que outros clientes se sentiram lesados, levando o Banco assistente a tentar resolver essas situação a contento de todos. Não se provando a falsidade de tais afirmações, é evidente que também não se pode considerar como provado que o arguido conhecia a falsidade das mesmas e que não tinha motivos para as considerar verdadeiras. Relativamente aos danos alegadamente sofridos pelo Banco assistente, não obstante se reconhecer que a conduta do arguido seria susceptível de prejudicar a respectiva imagem, prestígio e bom nome, o certo é que não se provou que tal tenha acontecido, pois as situações em causa, embora consideradas pelo Banco assistente como desagradáveis (conforme declarou o seu representante legal), o que é natural, não tiveram qualquer repercussão na sua imagem e consideração, tanto mais que, tendo em conta a forma como o arguido se apresentou diante da sede do banco – sentado à frente de uma cruz de madeira e envergando uma máscara preta na face (v. fls. 134) – muito dificilmente iria ser levado a sério por quem quer que fosse. Acresce que, não se provou que o assistente despendeu pelo menos € 500 com a promoção em publicidade do B… no Porto, de modo a mitigar a má imagem do B… transmitida pelo arguido, sendo certo que não faz sentido fazê-lo passado mais de um ano. Não se provaram os factos supra descritos nas alíneas e) e f), porquanto o arguido nada referiu nesse sentido, o legal representante do assistente não presenciou tais factos e não foram juntos ao processo documentos comprovativos dos mesmos, designadamente os respectivos autos de ocorrência. Quanto às actuais condições de vida do arguido e suas habilitações literárias, atendeu-se às declarações prestadas pelo próprio, de cuja veracidade não temos razões para duvidar. Por fim, quanto à ausência de antecedentes criminais atendeu-se ao teor do certificado do registo criminal de fls. 350 a 352.” * 2. Fundamentos do recursoa) A nulidade por omissão de diligências Tal invalidade decorreria da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, que está contemplado na parte final da alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do Código de Processo Penal[1], o qual na fase de julgamento deve ser conjugado com outros normativos. Um deles é o artigo 340.º, o qual no seu n.º 1 estipula que “O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, acrescentando-se no n.º 3 que “Sem prejuízo do disposto no art. 328.º, n.º 3, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou respectivo meio forem legalmente inadmissíveis”. Também o n.º 4 do mesmo artigo 340.º estipula que haverá indeferimento “…se for notório que: a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou c) O requerimento tem finalidade dilatória”. Este normativo é pois um afloramento do princípio da verdade material ou da investigação, que deve presidir à actividade do julgador, impondo que o mesmo persiga a verdade material dos factos sujeitos à sua apreciação. Trata-se, ao fim e ao cabo, de um autêntico poder-dever por parte do tribunal na indagação exaustiva de todos os factos relevantes para um exame crítico e ponderado do que é objecto de julgamento. No entanto essa indagação está condicionada ao objecto do julgamento, o qual define a vinculação temática do tribunal aos factos juridicamente relevantes, tanto para a determinação da culpabilidade, como, quando for caso disso, da determinação da pena e da responsabilidade civil (124.º), e ao princípio da legalidade da prova (125.º, 32.º, n.º 8 da Constituição). Daí que esse dever de investigação judicial se encontre vinculado aos critérios de necessidade (340.º, n.º 1), da legalidade (340.º, n.º 3 e 125.º), da adequação (340.º, n.º 4, a) e c)) e da obtenção (340.º, n.º 4, al. b)) da prova. Trata-se, por outro lado, de uma nulidade dependente de arguição, indicando-se no número 3 do mesmo artigo 120.º o momento próprio para o fazê-lo. A situação em apreço encontra-se logo escalonada na primeira alínea deste segmento normativo, ou seja, a alínea a), segundo a qual “As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado”. Tem sido este o posicionamento da jurisprudência, ao considerar que “A omissão de diligências de prova que se possam ter por essenciais não configura nulidade "insanável", mas quando muito “relativa”, que se deve ter por sanada se não tiver sido arguida em acta” (Ac.TRP de 2002/Fev./02).[2] Por outro lado e tratando-se de uma nulidade da audiência de julgamento e não da sentença, não poderia a mesma ser desde logo suscitada como fundamento de recurso (379.º, n.º 2), mas antes prévia e atempadamente invocada perante o tribunal que a teria cometido. Não tendo a mesma sido suscitada no decurso da audiência de julgamento, devemos considerar esse vício sanado, tal como impõe o disposto no artigo 121.º, sendo manifestamente despropositado de sentido e suporte legal vir agora fazê-lo, em primeira mão, como fundamento recursivo pelo que neste preciso segmento este recurso deve ser rejeitado e devidamente sancionado (420.º, n.º 1 e 4). * b) Reexame da matéria de factoDecorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art. 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por sua vez e de acordo com o precedente art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Nesta conformidade e para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii). Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Ac. do STJ de 2005/Jun./16 (Recurso n.º 1577/05), 2006/Jun./22 (Recurso n.º 1426/06)). Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (Ac. STJ de 2007/Jan./10). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. do STJ de 2006/Nov./08).[3] Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no art. 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º). Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 C. Rep.; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (32.º, n.º 2, Constituição; 11.º, n.º 1 DUDH[4]; 6.º, n.º 2 da CEDH[5]). Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”. Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida. * O Banco assistente impugna os factos que não ficaram provados que se encontram assinalados nas alíneas a), b), c) e e), tendo por base certa prova documental e testemunhal.A primeira consistiu numa cópia do recurso de impugnação judicial por si apresentado na sequência da decisão da CMVM n.º 3/2008 (i), cópias da decisão judicial absolutória proferida em 25.10.2010 (ii) e do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão absolutória proferida em primeira instância (iii), os quais se encontram a fls. 647 e ss.. Tais documentos não traduzem minimamente que o arguido sabia e tinha pleno conhecimento da falsidade dos factos e das afirmações por si apostos nos cartazes que exibiu, antes pelo contrário, porquanto para um leigo o que existia eram várias “decisões contraditórias”, enquanto para um jurista apenas subsistirá a decisão, transitada em julgado, do tribunal superior. No que concerne à prova testemunhal a mesma consistiria no depoimento da testemunha D…, legal representante do Banco assistente (advogado no contencioso do Banco), o qual teve conhecimento por “ouvir dizer”, pois como o mesmo disse teve “acompanhamento “online”” (00:57: 01:00), sabendo que as coisas estavam a acontecer, pronunciando-se conclusivamente sobre aspectos da matéria (v. g. “diversos cartazes ofensivos à imagem do banco” (02:00), mas explicitando os acontecimentos então existentes que levaram a que o arguido tivesse tomado aquela posição que, segundo o mesmo, não foi um procedimento “normal”. A propósito deu conta das possíveis razões que levou o arguido a exibir tais cartazes, referindo que o mesmo era cliente do banco, tendo-se sentido enganado por ter investido na bolsa, mais precisamente na compra de acções do B…, aqui assistente, com financiamento do próprio B… (07:20-07:26), tendo tido essas acções uma desvalorização inesperada (07:37), que levou ao incumprimento do pagamento dos empréstimos por parte do arguido e ao subsequente accionamento por parte do Banco assistente (07:59), tendo havido ainda a intermediação da CMVM (16:18). Ora também a partir deste depoimento não podemos sustentar que o arguido sabia da falsidade e da inveracidade daquilo que exibia nos cartazes. E isto sem nos socorrermo-nos do próprio depoimento do arguido, seja quando o mesmo afirma que foi “impedido” de vender as acções do B… com a informação de colaboradores do mesmo Banco de que as mesmas iam subir para 7€ ou então que nas venda de acções da K… até um sobrinho seu de 5 anos de idade teria intervindo na OPV daquela sociedade, apontando esse forma de funcionamento do banco para serem atingidos os objectivos – na sua expressão “delineados pelo mesmo, sem que tenha havido uma fiscalização adequada para a concessão dos respectivos financiamentos. No que concerne à alíneas e) e f) apenas temos de concluir que a falta do respectivo auto de noticia, não permite formar outra convicção para além daquela que foi sentenciada e que foi a seguinte: “Não se provaram os factos supra descritos nas alíneas e) e f), porquanto o arguido nada referiu nesse sentido, o legal representante do assistente não presenciou tais factos e não foram juntos ao processo documentos comprovativos dos mesmos, designadamente os respectivos autos de ocorrência”. Nesta conformidade não existe nenhuma censura a fazer à sentença recorrida quando fixou os factos agora sujeitos a reexame como não provados. * c) O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectivaTal ilícito da previsão do artigo 187.º do Código Penal pune “Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação” Trata-se de um crime que tem raízes no Código Penal de 1886, mais precisamente no então artigo 411.º, onde se tipificavam as condutas de difamação e injúria “contra corporação que exerça autoridade pública, civil ou militar”, excluindo-se da sua previsão as demais pessoas colectivas – por exemplo, enquanto as câmaras municipais (Ac. TRC de 1953/Dez./15) e a Polícia Judiciária (Ac.TRL de 1963/Jul./19) eram consideradas autoridades públicas o mesmo já não acontecia com os CTT (Ac.TRE 1977/Jun./30, BMJ 27/275), que na ocasião eram uma empresa pública. Aliás, o alargamento das condutas integradoras deste ilícito criminal às pessoas colectivas, instituições ou corporações, apenas ocorreu com a Revisão de 2007 do Código Penal (Lei n.º 59/2007, de 04/Set.), pois estas, pelos vistos, não se encontravam abrangidas na redacção pretérita do citado artigo 187.º, uma vez que aí apenas se identificavam no seu texto como sujeito passivos “pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública” – o que dava a entender, como opção legislativa, que até era uma nossa tradição jurídica, que esta última classificativa abrangia todos os anteriores entes colectivos, distinguindo-os daqueles que não exerciam autoridade pública. Mas encontrado o rumo legislativo, haverá que precisar o significado da acção típica aqui em causa, mormente a partir dos constrangimentos constitucionais, e o que através desta previsão típico-legal se pretende proteger. * O direito penal, atento o ancoramento que o mesmo tem na actual narrativa constitucional, não é um fim em si mesmo, mas antes um sistema normativo ao serviço da convivência e das necessidades humanas no âmbito de um Estado de Direito Democrático (1.º, 2.º, 17.º, 18.º, 29.º e 30.º Constituição).Assim, tomando como referência o princípio da dignidade da pessoa humana (1.º; 24.º, n.º 1, 25.º da Constituição; 5.º da DUDH; 3.º, n.º 1 da CEDH; 7.º, n.º 1, 10.º, n.º 1 do PIDCP; 1.º, 3.º, n.º 1, 4.º da CDFUE) e a directriz decorrente do princípio constitucional da intervenção mínima (18.º, n.º 2 Constituição), tanto a definição normativa do crime, como a subsequente estatuição de uma reacção penal, apenas encontram justificação se estiver em causa a protecção de um bem jurídico-penal. Deste modo, podemos constatar que a nossa Constituição acaba por consagrar o princípio constitucional da intervenção mínima da tutela penal, o que passa por conferir uma natureza fragmentária ou subsidiária ao direito penal. Por isso, essa protecção apenas deva surgir nos casos de flagrante ruptura ou interrupção da convivência social entre os cidadãos, surgindo como uma resposta do ordenamento jurídico de “ultima ratio” – as penas e as medidas de segurança não são os únicos meio de protecção da sociedade, mas apenas o seu último expediente – e com “carácter fragmentário” – devendo apenas exercer-se na medida do necessário para essa tutela. A propósito também se alude ao princípio constitucional da proporcionalidade, enquanto “limite dos limites” da necessidade das penas, da subsidiariedade, da ultima ratio, da fragmentaridade e da intervenção mínima, da ofensividade e da exclusiva função de protecção dos bens jurídico-penais. Será pois esta a concepção de um direito penal democrático, enquanto sistema ao serviço das necessidades dos seres humanos, em que os bens jurídicos por si tutelados são a tradução dos seus interesses reais merecedores de uma protecção exigente e necessariamente drástica através do “jus puniendi”, mas de modo a possibilitar uma coexistência e vivência comunitária, mas em democracia. * O Código Penal comina o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva da previsão do artigo 187.º do Código Penal a par dos crimes de difamação, de injúria e de ofensa à memória de pessoa falecida, respectivamente contemplados no artigo 180.º, 181.º e 185.º do Código Penal.Esta distinta tipificação faz incutir que existe uma distinta tutela penal, estando em causa bens jurídicos e acções típicas igualmente diferenciadas, ficando no entanto a nossa apreciação nos crimes matrizes de difamação e injúrias e no crime aqui em causa. Naqueles ilícitos criminais tutela-se a honra, abarcando tanto o valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, como a reputação ou consideração que diz respeito à valoração social que a comunidade tem por essa mesma pessoa. Trata-se, por isso, de um bem jurídico de natureza pessoalíssima, em que se protege a honra e consideração de uma precisa e concreta pessoa, na sua individualidade. A propósito dos crimes de injúrias e difamação a nossa jurisprudência, com destaque para esta Relação do Porto, tem vindo a aferir critérios apertados de tipificação destes ilícitos, de modo a compatibilizar os mesmos com o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal (18.º, n.º 2 Constituição) e com outros direitos fundamentais. Um deles é a liberdade de expressão, que tem consagração no artigo 37.º Constituição, estabelecendo-se no seu n.º 1 que “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “O exercício desses direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. A par deste direito fundamental existe ainda o “direito ao bom nome e reputação” (26.º Constituição), o qual confere dignidade constitucional ao crime de difamação e de injúrias, mas estes, como já referimos, com uma incidência essencialmente pessoalíssima, porquanto tal directriz constitucional surge no âmbito da tutela constitucional da personalidade do cidadão. Nesta conformidade, tem-se considerado como criminalmente atípico todos aqueles casos situados naquela margem jurídico-penalmente aceitável do relacionamento social e descarregados de qualquer imputação objectivamente ofensiva da honra ou consideração de terceiros, que se limitam a expressar, ainda que em termos mais acutilantes, uma consideração crítica ou mesmo qualificativa da pessoa visada (Ac.TRP de 2002/Jun./12 (Recurso n.º 332/02), 2006/Abr./19 (Rec. n.º 5927/05-1), 2005/Dez./07 (Rec. n.º 5154/05-1), 2005/Abr./20, 2007/Dez./19 (Rec. n.º 5118/07-1), 2008/Out./01 (CJ IV/218); 2011/Jan./05).[6] No crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva da previsão do artigo 187.º do Código Penal tutela-se, não naturalmente a honra, pois esta característica é um atributo exclusivo dos indivíduos, mas antes a credibilidade, o prestígio ou a confiança desses entes colectivos ou se se preferir o seu bom-nome. E isto tanto das pessoas colectivas públicas, como expressão da organização estadual, como das pessoas colectivas privadas, enquanto sistemas organizativos, com uma dinâmica própria, em que se destacam aquelas com finalidades empresariais. Trata-se de um crime de perigo concreto, pois as respectivas acções típicas têm que ser “capazes de ofender” e de, quanto à sua realização, mera actividade, uma vez que se basta com a afirmação ou propagação de “factos inverídicos”. No entanto essa mesma acção típica está sujeita a dois condicionalismos ou requisitos, um de natureza subjectiva, em que o agente tem de conhecer que os factos por si difundidos não são verdadeiros (i), e o outro de característica objectiva, que esses factos inverídicos sejam susceptíveis de ofender o bom-nome da pessoa colectiva (ii). Nesta última vertente, será de destacar que o conceito de bom-nome dos entes colectivos não deverá estar subordinado a toda e qualquer desconsideração relativamente à credibilidade, prestígio e confiança dessas pessoas morais e muito menos à compreensão que cada um dos mesmos tem relativamente àquilo que considera precisamente ser ético-socialmente aceitável ou violador da sua aparência enquanto sistema organizativo. Assim, se no âmbito dos crimes de difamação e injúrias se tem aceitado, por razões constitucionais, um critério limitador da ofensividade da honra e consideração que é devida a uma pessoa física, assumindo-se apenas como condutas típicas aquelas que pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias devam ser consideradas como graves, por maioria de razão, como entendemos, ou então por uma perspectiva igualitária, esses constrangimentos constitucionais devem também se fazer sentir no âmbito dos crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva. Por outro lado, estas exigências de tutela penal do bom-nome podem ter compressões ainda mais relevantes e aceitáveis quando estejam em causa a liberdade de expressão crítica (Ac.TC 81/84[7]), mormente quando estejam em causa figuras públicas (Ac.TEDH Casos Observer e Guardian v. Reino Unido, 1991/Nov./26; Castells v. Espanha, 1992/Abr./23; Prager e Oberschlick v. Áustria, 1995/Abr./04; Lopes Gomes da Silva v. Portugal, 2000/Set./28; Özgür Radyo-Ses Radyo Televizyon Yayin Yapim Ve Tanitim A.S. v. Turquiq, 2006/Mar./30; Kobenter e Standard Verlags GMBH v. Áustria, 2006/Nov./02; Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. v. Portugal, 2007/Abr./26).[8] Tem sido este igualmente o caminho seguido nesta Relação do Porto ao considerar que as expressões “esta gerência é antidemocrática, tem uma acção prepotente, unilateral, são uns tacanhos”, ou então “esta empresa tem um comportamento convosco que não é digno, é desumano” (Ac.TRP de 2010/Jun./23) ou mesmo que se trata de uma “merda de empresa” por apenas traduzir um juízo de valor, sem imputação de factos (Ac.TRP de 2011/Set./14).[9] No caso em apreço está em causa o procedimento de um cliente do B…, aqui assistente, ocorrido em 2 e 3 de Novembro de 2010 o qual optou por se manifestar publicamente, junto às instalações desse mesmo banco no Porto, munido de um banco, de uma cruz de madeira e de diversos cartazes, exibindo estes os seguintes dizeres: “O que se passou no B… é abaixo de tudo”, “ENGANARAM O POVO C/ SUAS ACÇÕES P’RA LEVAR NO BOLSO MAIS UNS MILHÕES”, “E ASSIM DESGRAÇARAM MILHARES DE FAMÍLIAS”; “CMVM segura de crime no B…”; “SE ME DEIXAREM VIVER ESTES CRIMES NÃO VÃO ESQUECER”; “PESQUISE B… CRIME”; “FUI ENGANADO! NÃO POSSO FICAR CALADO!”; “CMVM recomenda ao B… indemnizar pequenos accionistas”; “A MINHA LUTA É POR VERDADE E POR JUSTIÇA”, “QUE ALEGADAMENTE O B… PROCURA TRITURAR”; “QUEM NA JUSTIÇA PROTEGE OS POBRES DAS AVES DE RAPINA?”; “PRÓ INFERNO MEUS EX-ADVOGADOS QUE EM AUDIÊNCIA EM FAFE ALEGADAMENTE EM MINHA CAUSA HIPOTECARAM A ALMA”; “SR. PROCURADOR E CONSELHO S. DE MAGISTRATURA CONHECEM QUE O TRIBUNAL (FAFE) ALEGADAMENTE TEM POSTO PESOS NA BALANÇA DA JUSTIÇA PC. 12/03.2TAFAF???”; “NO TRIBUNAL DE FAFE QUEREM QUE PAGUE INOCENTE OS CRIMES DE OUTRA GENTE”, “OS POBRES TAMBÉM TÊM DIREITO A JUSTIÇA”; “NASCI, SOU E HEI-DE MORRER HONESTO”. Trata-se de uma manifestação pública de um cidadão e cliente de um Banco, que perante esta mesma instituição bancária expressa a sua crítica em relação à actuação deste último, em que, pelos vistos, estaria em causa a venda de acções desse mesmo banco com financiamento que lhe foi concedido por esse banco, em que as respectivas acções vieram posteriormente a sofrer um valor bastante diminuto. Sem discutir aqui se os dizeres daqueles cartazes se tratam de meras “expressões valorativas”, as quais estão descarregadas de tipicidade, ou então a difusão de “factos”, pois só estes encontram referência no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva da previsão do artigo 187.º, n.º 1 do C. Penal, não podemos deixar de referenciar as seguintes notas. A primeira é que as instituições de crédito em geral e os bancos em particular, correspondem a instituições com um grande relevo no âmbito de uma economia de mercado, tanto no sector financeiro, como económico, e na nossa sociedade em geral, cujo grau de exposição é muito superior a qualquer outra pessoa colectiva. Para o efeito as mesmas dispõem de uma disciplina jurídica própria, que actualmente corresponde ao designado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras[10], havendo ainda o Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola Mútuo.[11] E essa relevância no contexto económico e financeiro por parte dos bancos comerciais ainda é maior. De tal modo que o Estado, no caso de inevitável insolvência dos mesmos e com o dinheiro dos contribuintes, intervêm nesses mesmos bancos, como sucedeu com o L…, através da Lei n.º 62-A/2008, de 11/Nov., onde se nacionalizaram as acções representativas do seu capital social e se aprovou o respectivo regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização. E quando esses bancos necessitam de reforçar a sua solidez financeira o Estado disponibiliza-se a suportar a mesma e também com o dinheiro dos contribuintes, como resulta da Lei n.º 63-A/2008, de 24/Nov..[12] A segunda nota é que a necessidade de assegurar a solvência e a liquidez das entidades bancárias e de crédito, impõem a adopção de certas linhas de orientação (guidelines) e iniciativas de regulação provenientes das mesmas entidades ou por imposição legislativa. Em relação a estas podemos destacar as referências propostas pelo Basel Committee on Banking Supervision (BCBS), através daquilo que foi designado como “Documento de Basileia III”, de Dezembro de 2009, as quais tiveram como seu ponto de partida os documentos consultivos denominados “Strengthening the resilience of the banking sector” e “International framework for liquidity risk measurement, standards and monitoring”. Aí frisou-se a necessidade de um capital com maior qualidade, consistência e transparência, bem como um standard global de liquidez mínima por parte dos bancos. A terceira nota é que estas iniciativas de regulação são muitas vezes insuficientes, havendo a necessidade de implementar mecanismos adequados de fiscalização e de defesa do consumidor, como sucedeu nos Estados Unidos da América, com a criação do “Consumer Finantial Protection Bureau” – trata-se de uma agência federal que tem os propósitos de proteger os consumidores de produtos e serviços financeiros, instituída através da “Dodd–Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act”, que passou a vigorar em 21 de Julho de 2011 e surgiu na sequência da crise financeira da primeira década do ano 2000 (www.consumerfinance.gov). A quarta e última nota é que tudo isto não invalida a existência de uma atitude crítica por parte do cidadão comum, designadamente na denúncia daquilo que vulgarmente se apelida de “bullying banks”, que ocorrem na actividade bancária quando esta realiza, através dos seus colaboradores, actos, intencionais e repetidos, com o objectivo de vender os seus produtos ou serviços, colocando o consumidor numa situação de acentuada vulnerabilidade decisória, designadamente por omitir a necessária informação para que seja tomada uma opção consciente. Tudo isto leva a ter uma maior compreensão e considerar como atípicas as manifestações públicas dos cidadãos que, no exercício do seu direito de liberdade de expressão e quando está em causa a actividade bancária, mais precisamente a venda de acções de um banco com empréstimos concedidos por esse mesmo banco, manifestam um juízo crítico a um comportamento, que segundo, os mesmos, pode ser enquadrado num comportamento de “bullying banks”, ainda que para o efeito usem uma linguagem dura e até abstractamente insultuosa, como seja “ENGANARAM O POVO C/ SUAS ACÇÕES P’RA LEVAR NO BOLSO MAIS UNS MILHÕES” ou então “FUI ENGANADO! NÃO POSSO FICAR CALADO!” * III. DECISÃO* * Nos termos e fundamentos expostos, rejeita-se o recurso interposto pelo B…, SA quando suscita a nulidade de omissão de diligências e nega-se provimento ao demais e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Mais se condena o assistente na taxa de justiça de quatro (4) Ucs. (515.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal) e ainda na sanção de três (3) Ucs (420.º, n.º 3 C. P. Penal). Notifique. Porto, 14 de Novembro de 2012 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro ____________________ [1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem. [2] Relatado pelo Des. Agostinho Freitas e divulgado em www.dgsi.pt [3] “Impugnada, em sede de recurso, a matéria de facto fixada em 1.ª instância, a Relação não pode eximir-se à respectiva apreciação, a pretexto de que o modo como o aquele tribunal procedeu à apreciação da prova constituir matéria não sindicável, por respeitar ao princípio da livre apreciação da prova. O tribunal da Relação, em sede de fundamentação do seu acórdão, terá necessariamente que abordar especificamente cada uma das provas e correspondentes razões indicadas, salvo naturalmente aquelas cuja consideração tiver ficado prejudicada, sob pena de omissão de pronúncia, conducente à nulidade de tal aresto.” [4] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 Dezembro de 1948. [5] Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13/Out. [6] Relatados, pela ordem indicada, pelo então Des. Manuel Braz, pela Des. Élia São Pedro, pelos Des. Borges Martins, Alves Fernandes, sendo os demais relatados pelo relator aqui signatário, estando todos eles, como os demais a seguir indicados e salvo indicação em contrário, divulgados em www.dgsi.pt. [7] Acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/. [8] Acessíveis em www.echr.coe.int/echr. [9] Relatados, respectivamente, pelos Des. Jorge Raposo e Ernesto Nascimento. [10] Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, a que se seguiram diversas alterações. [11] Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro, com as alterações subsequentes, tendo havido a sua republicação em Anexo ao Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho. [12] Alterada pela Lei 3-B/2010, de 28/Abr., Lei n.º 55-A/2010, de 31/Dez e Lei n.º 4/2012, de 11/Jan.; Portaria n.º 150-A/2012, 17/Mai., que regula os procedimentos necessários à execução daqueles diplomas. |