Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
45/11.5TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: DIRIGENTE SINDICAL
CRÉDITO DE HORAS
Nº do Documento: RP2012013045/11.5TTOAZ.P1
Data do Acordão: 01/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O crédito de horas, até 4 dias por mês, atribuído aos dirigentes sindicais para o exercício das respetivas funções, traduz uma medida de proteção da liberdade sindical, constitucionalmente imposta e cumprida pelo legislador ordinário e visa fazer com que os empregadores não prejudiquem, por qualquer forma, os trabalhadores eleitos para as respetivas estruturas representativas, por causa do exercício das correspondentes funções, fazendo equivaler a utilização do crédito a trabalho efetivo, para todos os efeitos, inclusive o da retribuição
II – Tal deve ser assim entendido, mesmo na vigência do CT2009 e apesar do disposto no seu Art.º 260.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 827
Proc. N.º 45/11.5TTOAZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B… deduziu em 2011-01-18 ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C…, pedindo a condenação deste no pagamento do subsídio de alimentação correspondente aos dias em que usou do crédito de horas para atividade sindical e o mesmo não lhe foi pago, no montante de € 205,00, bem como o pagamento do mesmo subsídio para os dias em que tal venha a ocorrer no futuro.
Alega para tanto que desde janeiro de 2010 o R. deixou de lhe pagar tal subsídio nos dias em que esteve ausente do trabalho em atividade sindical, usando o crédito de horas previsto no CT2009, pois é dirigente sindical eleita desde setembro de 2005.
A R. contestou, por impugnação, expondo as razões de direito pelas quais entende que a A. não tem direito ao subsídio de refeição nos dias em que se encontre no exercício da atividade de dirigente sindical.
Procedeu-se a julgamento sem gravação da prova pessoal e assentou-se a matéria de facto provada pela forma constante de fls. 103 a 106, que não mereceu qualquer reclamação.
Proferida sentença, o Tribunal a quo condenou o R. a pagar à A. o subsídio de refeição nos dias em que a mesma se encontre em gozo de crédito de horas enquanto dirigente sindical, bem como a pagar-lhe, a esse título, o valor de € 195,00 pelos dias já utilizados pela A. para o mesmo fim.
Inconformado com o assim decidido, veio o R. interpôr recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1.ª As relações laborais entre o réu e os seus funcionários, incluindo a autora, apenas se regem pelo Código do Trabalho, pois não há qualquer convenção coletiva de trabalho que lhe seja aplicável.
2.ª Donde, não há qualquer disposição legal pela qual esteja obrigado a pagar subsídio de refeição.
3.ª O réu paga esse subsídio, porque decidiu atribuí-lo através de nota de serviço conforme consta dos n.ºs 10.º e 11.° dos factos provados.
4.ª Sendo certo que podia atribuí-lo nas condições que entendesse, o réu fez depender essa atribuição da presença física diária do trabalhador ao seu serviço de pelo menos 3 horas.
5.ª De acordo com o que estabeleceu, o réu não paga subsídio de refeição nos dias em que os trabalhadores faltam, seja qual for o motivo, de modo a não estarem presentes ao serviço pelo menos 3 horas.
6.ª Tanto assim, que nunca processou esse subsídio à autora quando a mesma faltava para exercer funções de dirigente sindical nas referidas condições.
7.ª Estando o réu liberto de quaisquer limitações legais para atribuir o subsídio de refeição, não há que chamar à colação o disposto nos art.ºs 408.° e 468.° do Código do Trabalho, mas apenas que considerar as condições estabelecidas anteriormente pelo mesmo e atrás definidas na conclusão 3.ª.
8.ª Como elas não se verificam no caso reclamado pela A., devem os pedidos formulados ser julgados improcedentes.
9.ª Ainda que se entenda que é de aplicar os referidos preceitos do C.T., nem assim a solução de direito deve ser diferente. Com efeito,
10.ª Embora o mencionado art. 408.°, mais precisamente o seu n.º 2, estabeleçam que o crédito de horas, para o exercício de funções sindicais, conta como tempo de serviço efetivo, inclusivamente para efeito de retribuição, daí não resulta que o subsídio de refeição devesse ser pago no caso das faltas dadas para o exercício de funções sindicais.
11.ª O Código do Trabalho estabelece um regime para as faltas justificadas que nuns casos contam como serviço efetivo, exceto para efeitos de retribuição e noutros contam para serviço efetivo, sem perda de retribuição (cf. art.ºs 65.° e 255.° do C.T.).
12.ª Se contam como serviço efetivo mas sem direito a retribuição, quer dizer que contam para antiguidade, promoção, e demais direitos relacionados com o tempo de serviço.
13.ª Se contam como serviço efetivo, sem perda de retribuição quer dizer que além dos anteriores direitos tem também direito a receber a retribuição.
14.ª Mas apenas dão direito ao que se integra no conceito de retribuição e não a outros complementos remuneratórios que não integram esse conceito.
15.ª Doutro modo a lei teria de o dizer expressamente para os abranger.
16.ª Se o Código do Trabalho quisesse incluir esses complementos remuneratórios na previsão do seu art. 408°, nº 2, por maioria de razão teria de o dizer. Pois se sentiu necessidade de acrescentar que o respetivo tempo de serviço contava para efeitos de retribuição, não poderia deixar de o dizer se quisesse ir mais além e fazê-lo contar para efeitos doutro complementos remuneratórios que estão fora desse conceito. Ora,
17.ª O subsídio de refeição não faz parte da retribuição tal como a define o Código do Trabalho, como resulta do confronto do n.º 2 do art. 260.° do C.T., confrontado com a alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo.
18.ª O que é geralmente aceite pela doutrina e pela jurisprudência conforme citações transcritas nestas alegações.
19.ª Assim, mesmo que o disposto no art. 408.° do C.T. fosse aplicável ao caso, não haveria lugar ao pagamento do subsídio de refeição.
20.ª A douta decisão recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação das disposições legais atrás citadas.

A A. apresentou a sua contra-alegação pedindo a final a confirmação da sentença.
O Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1. A Autora foi contratada pela R. por contrato de trabalho a prazo celebrado em 23 de abril de 1990 para desempenhar as funções de secretariado, com a categoria de Estagiária.
2. A A. é a sócia n° ….. do D… desde fevereiro de 2004 e foi eleita Dirigente Sindical nas eleições de 27 e 28 de setembro de 2005 e reeleita nas eleições realizadas em 16 e 1 7 de março de 2010.
3. Mercê da sua eleição para os corpos gerentes do referido Sindicato, e em face das obrigações que o exercício de tal cargo impõe, a Autora vem beneficiando de crédito de horas e do regime de faltas justificadas.
4. Sempre dá conhecimento, por escrito, aos Serviços da Ré, dos dias em que estará ausente por tal motivo.
5. Desde 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2010 a A. utilizou o regime de crédito de horas, em dias completos, nas seguintes datas:
Janeiro de 2010 - 6, 8, 15 e 20 - Dirigente Sindical
fevereiro de 2010 – 5 e 18 – Dirigente Sindical
Março de 2010 - 3, 8, 16, 26 e 31 - Dirigente Sindical
Abril de 2010 - 8, 12, 26, 28 e 30 - Dirigente Sindical
Maio de 2010 - 7, 18, 20 - Dirigente Sindical
Junho de 2010 - 9, 14 e 15 - Dirigente Sindical
Julho de 2010 - 2, 7, 8 e 14 - Dirigente Sindical
Setembro de 2010 - 17, 22, 24 e 29 - Dirigente Sindical
Outubro de 2010 - 1, 13, 20 e 21 - Dirigente Sindical
Novembro de 2010 - 10, 11, 16 e 22 - Dirigente Sindical
Dezembro de 2010 - 9, 16 e 17 - Dirigente Sindical.
6. A Ré nunca incluiu nos vencimentos da Autora o processamento do subsídio de refeição referente aos dias em que aquela utilizara o crédito de horas para atividade sindical.
7. A Autora solicitou, por intermédio do seu Sindicato, que a Ré informasse das razões que presidiam à antedita subtração do subsídio de refeição.
8. A Ré veio a responder à segunda solicitação informando que considerava que a Autora não tinha direito a tal subsídio nos dias em que faltava o dia completo.
9. Por carta datada de 15/09/2010, a Ré informou a Autora de que: "O Centro estabeleceu, através de nota de serviço dada a conhecer ao pessoal, que o pagamento do subsídio de cada dia ficava dependente da prestação de pelo menos 3 horas de presença em serviço e, portanto, só os trabalhadores que preencherem esse requisito é que terão direito a tal subsídio".
10. A Ré estabeleceu que concederia subsídio de refeição (de 5 € diários) aos funcionários do Centro desde que houvesse um tempo mínimo diário de presença ao serviço de pelo menos 3 horas.
11. O que fez constar de nota de serviço dada a conhecer a todos os trabalhadores do Centro datada de 23-05-2005.
12. Nos dias referidos em 6) a Autora não trabalhou na Ré durante, pelo menos, 3 horas.
13. A Ré contabiliza no recibo de cada mês o subsídio de refeição relativo aos dias de trabalho do mês anterior.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objeto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redação que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[3], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, a única questão a decidir consiste em saber se não é devido o subsídio de refeição nos dias em que a A. utiliza o crédito de horas, até 4 dias de trabalho por mês, para o exercício da atividade sindical, como dirigente sindical.
Vejamos.
Reportando-se os factos ao ano de 2010, é aplicável o CT2009, em cujo Art.º 408.º se dispõe, nomeadamente:
1. Beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código ou em legislação específica, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores.
2. O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efetivo, inclusivamente para efeito de retribuição.[4]
Tais normas foram antecedidas por disposições semelhantes do CT2003, Art.º 454.º, do seguinte teor:
1. Beneficiam de crédito de horas, nos termos previstos neste Código, os trabalhadores eleitos para as estruturas de representação coletiva.
2. O crédito de horas é referido ao período normal de trabalho e conta como tempo de serviço efetivo.[5]
Por sua vez, estas normas foram precedidas pelo disposto no Art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de abril, designadamente vulgarmente por Lei Sindical - LS - que se transcreve na parte que ora interessa considerar:
1. As faltas dadas pelos membros da direção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos os da remuneração como tempo de serviço efetivo.
2. Para o exercício das suas funções cada membro da direção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração.
Como se vê da sucessão legislativa acabada de efetuar, o legislador pretendeu estabelecer medidas concretas no sentido de afirmar a liberdade sindical, manifestada na constituição e funcionamento de sindicatos, sendo uma delas o estabelecimento do crédito de horas para o exercício da atividade sindical, neste caso, o atribuído aos dirigentes sindicais eleitos.
Tal liberdade sindical veio a ter consagração constitucional, encontrando-se atualmente prevista no Art.º 55.º da Constituição da República, em cujo n.º 6 se dispõe:
Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.
Ora, tendo atualmente a liberdade sindical, nela incluída a constituição, organização e funcionamento de sindicatos, respaldo constituicional, o crédito de horas acima referido é hoje uma medida de proteção legal dos representantes eleitos dos trabalhadores, efetuada pelo legislador ordinário - nos Códigos do Trabalho - em cumprimento do comando constitucional ínsito na norma [constitucional] acabada de transcrever.
A ratio legis de tais disposições legais consiste na necessidade de proteger os representantes eleitos dos trabalhadores, aqui, os dirigentes sindicais, das represálias ou da vindicta dos empregadores motivadas pelo exercício de funções sindicais, na medida em que a estes cabe encabeçar e dirigir as reivindicações dos seus representados, o que os “transforma naturalmente em alvos privilegiados de retaliações ou outros abusos de poder privado...”.[6].
Daí o estabelecimento de um especial regime de proteção visando impedir que os trabalhadores eleitos para estruturas de representação coletiva dos trabalhadores sejam “... alvo de qualquer penalização, encargo, ónus ou discriminação...” em relação aos restantes trabalhadores em nome de quem exercem as funções de dirigentes sindicais.[7] [8]
Pretendeu, assim, o legislador que os dirigentes sindicais tenham em concreto os mesmos direitos que os seus companheiros de trabalho, apesar de – e enquanto – utilizarem o crédito de horas para o exercício das suas funções sindicais, de forma que tal exercício corresponda a trabalho efetivo, a todos os níveis, isto é, tanto retributivos como outros, mesmo que não tenham tal natureza. Vale dizer, pretende-se evitar que o dirigente sindical, pelo facto de execer as respetivas funções durante o crédito de horas, possa ser por isso prejudicado por qualquer forma, inclusive a nível patrimonial. Tratar-se-ia de fazer atuar o que a jurisprudência espanhola «denominou “princípio de omniequivalência ou de igualdade absoluta” entre os representantes dos trabalhadores e os seus companheiros...». Daí que a utilização, no quadro legal, do crédito de tempo por parte dos dirigentes ... sindicais não dê “... lugar à subtração de qualquer parcela da remuneração que lhes seria devida se estivessem a prestar serviço efetivo, nem podia implicar quaquer efeito inerente a uma não prestação de serviço...”.[9], ou, dito de outro modo, “... não pode ter qualquer efeito prejudicial na sua esfera jurídica”.[10]
Tem-se também entendido que o crédito de horas tem uma natureza salarial, abrangendo “... todas as prestações, em dinheiro ou em espécie, que o trabalhador teria normalmente direito: o salário e os complementos salariais, tais como o subsídio de turno, o prémio de risco, de insalubridade, de assiduidade e outros, que não podem ser objeto de qualquer redução, tudo se passando, pois, como se, durante ele, o trabalhador tivesse estado a trabalhar. O princípio parece ser o de que o uso do crédito não pode implicar qualquer prejuízo para o trabalhador, designadamente no que respeita à remuneração. As faltas dadas pelos membros da direção das associações sindicais para desempenho de funções contam para todos os efeitos como tempo de serviço efetivo, salvo na medida em que ultrapassem o crédito, caso em que não contam como serviço efetivo apenas para efeito de remuneração...”[11]
Em suma, o crédito de horas, até 4 dias por mês, atribuído aos dirigentes sindicais para o exercício das respetivas funções, traduz uma medida de proteção da liberdade sindical, constitucionalmente imposta e cumprida pelo legislador ordinário e visa fazer com que os empregadores não prejudiquem, por qualquer forma, os trabalhadores eleitos para as respetivas estruturas representativas, por causa do exercício das correspondentes funções, fazendo equivaler a utilização do crédito a trabalho efetivo, para todos os efeitos, inclusive o da retribuição.[12]
Ora, assim sendo, não podia o R. deixar de pagar o subsídio de alimentação, ainda que com o fundamento de que ele foi atribuído por sua iniciativa para os casos em que o trabalhador preste, no respetivo dia, pelo menos 3 horas de serviço. Na verdade, exercendo a A. funções de dirigente sindical e estando ela no uso do crédito de horas, tudo se passa como se ela estivesse a prestar trabalho efetivo, tal como qualquer outro trabalhador, seu companheiro, não eleito representante sindical, sendo irrelevante que o subsídio não tenha fonte convencional e tenha sido instituído voluntariamente pelo R. O importante é, como se referiu acima, a observância do “princípio de omniequivalência ou de igualdade absoluta” entre os trabalhadores em geral da empresa ou serviço e os eleitos para as estruturas de representação coletiva dos trabalhadores, o que não foi observado.
Nem se diga, com o R., como ele faz em segunda linha argumentativa, que tendo o CT2009 acrescentado ao Art.º 408.º, n.º 2 a expressão “inclusivamente para efeito de retribuição”, relativamente à redação - correspondente - do Art.º 454.º, n.º 2 do CT2003, não sendo agora tal subsídiio considerado retribuição[13], a proteção legal ínsita no crédito de horas deixou de abarcar o subsídio de alimentação, o que legitimaria o comportamento do R., de não pagar tal subsídio, desde janeiro de 2010. Na verdade, comparando a redação dada em cada diploma à regulamentação do crédito de horas, logo verificamos que cada um deles se reporta ao trabalho efetivo e à retribuição pois, embora o elemento retribuição não constasse na norma correspondente do CT2003, constava do seu Regulamento, no Art.º 400.º, n.º 2, transcrito em nota supra, o que desagua no mesmo resultado. Isto é, o CT2009 nada inovou relativamente ao crédito de horas dos dirigentes sindicais e a qualificação do subsídio de alimentação como retribuição, ou não, em nada bole com o anteriormente referido. Na verdade, correspondendo o uso do crédito de horas a trabalho efetivo, o trabalhador não pode sofrer qualquer prejuízo quando no exercício de funções sindicais, seja ele patrimonial ou não, pelo que a qualificação jurídica do subsídio de refeição, como retribuição, ou não, irreleva, in casu.
Por outro lado, mesmo que a tese do apelante devesse prevalecer quanto à natureza não retributiva do subsídio de alimentação, desde o CT2009, certo é que a proteção imposta constitucionalmente sempre conduziria ao designado “princípio de omniequivalência ou de igualdade absoluta” entre os representantes dos trabalhadores e os seus companheiros, pelo que o R. sempre teria de ficcionar que a A., em cada dia em que tenha estado no uso do crédito de horas, trabalhou efetivamente pelo menos 3 horas, como qualquer outro trabalhador do R.
Em síntese, a A. tem direito ao subsídio de refeição quando utiliza o crédito de horas, até 4 dias por mês, para o exercício das suas funções de dirigente sindical, pelo que a sentença deve ser confirmada, assim improcedendo o recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo R.

Porto, 2012-01-30
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
________________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respetivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.
[4] Estabelece o Art.º 468.º, n.º 1 do mesmo diploma:
Para o exercício das suas funções, o membro da direção de associação sindical tem direito a crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês...
[5] Estabelece, por sua vez, o Art.º 400.º, n.º 2 do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho:
Para o exercício das suas funções, cada membro da direção beneficia do crédito de horas correspondente a quatro dias de trabalho por mês, mantendo o direito à retribuição.
[6] Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 737.
[7] Cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1987-03-11, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XII-1987, Tomo 2, págs. 190 e 191.
[8] Cfr. também Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, Verbo, 1986, págs. 147 a 151, nomeadamente, pág. 148 e Bernardo da Gama Lobo Xavier, com a colaboração de P. Furtado Martins, A. Nunes de carvalho, Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, in Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, págs. 202 e 203.
[9] Cfr. Parecer n.º 19/97 da Procuradoria-Geral da República de 2001-07-19, in Diário da República – II Série, de 2001-08-24.
[10] Cfr. Luís Gonçalves da Silva, in Sujeitos Coletivos, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume III, Almedina, 2002, págs. 287 e ss., nomeadamente, pág. 367.
[11] Cfr. Jorge Leite, in Crédito remunerado para desempenho de funções sindicais, Questões Laborais, Ano I, N.º 1, 1994, Associação de Estudos Laborais, págs. 3 e ss., nomeadamente, págs. 7 e 8.
[12] Cfr., com interesse, Jorge Leite, in Ausência do Trabalho no Desempenho de Funções Sindicais, Revista do Ministério Público, Ano 8.º, Outubro-Dezembro 1987, N.º 32, págs. 85 e ss., Luís Miguel Monteiro, in Ausência ao Serviço de Membros de Estruturas Representativas dos Trabalhadores, Centro de Estudos Judiciários, Prontuário de Direito do Trabalho, 72, setembro.Dezembro de 2005, Coimbra Editora, págs. 67 e ss. e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1983-12-16, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 332, págs. 397 e ss., nomeadamente, págs. 402 e 403.
[13] Dispõe o CT2009:
1. Não se considera retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
(…)
2. O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
__________________
S U M Á R I O
I – o crédito de horas, até 4 dias por mês, atribuído aos dirigentes sindicais para o exercício das respetivas funções, traduz uma medida de proteção da liberdade sindical, constitucionalmente imposta e cumprida pelo legislador ordinário e visa fazer com que os empregadores não prejudiquem, por qualquer forma, os trabalhadores eleitos para as respetivas estruturas representativas, por causa do exercício das correspondentes funções, fazendo equivaler a utilização do crédito a trabalho efetivo, para todos os efeitos, inclusive o da retribuição
II – Tal deve ser assim entendido, mesmo na vigência do CT2009 e apesar do disposto no seu Art.º 260.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.