Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19460/09.8TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: INJÚRIA
DIFAMAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RP2011091419460/09.8TDPRT.P1
Data do Acordão: 09/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se, relativamente a pessoa singular, em sede de difamação ou de injúria, tanto importa fazer uma imputação desonrosa de um facto como formular um juízo, de igual sorte desonroso, já no âmbito da ofensa a pessoa coletiva, apenas releva a imputação de factos.
II - Posto que grosseira e ordinária, a expressão “merda de empresa” com que o arguido se refere à assistente (pessoa coletiva) não assume dignidade penal por comportar apenas um juízo de valor, sem imputação de factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 19460/09.8TDPRT da 3ª secção do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I.1 Remetido o processo à distribuição depois de deduzida acusação particular pela assistente B…, Lda., contra o arguido C…, que o MP fez menção de acompanhar, veio a ser proferido o seguinte despacho:

“autue como processo comum, da competência do tribunal singular.
O Tribunal é competente.
A assistente, “B…, Lda.” deduziu acusação particular a fls. 105 e ss., contra o arguido C…, imputando-lhe a prática do crime de ofensa à pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º/1 C Penal.
Alega, no referido despacho que:
- no dia 23 de Junho de 2009, o arguido, enquanto realizava o seu trabalho no estabelecimento comercial designado D…, sito na estrutura da …, Porto, propriedade da participante, proferindo lamúrias em relação à sua empresa, aqui ofendida, a saber: “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta”.
- Esta ocorrência foi presenciada por clientes que se encontravam na cafetaria nesse momento, e por outros funcionários da empresa. Tal atitude revela uma total falta de respeito pela entidade patronal, denigre a sua imagem perante clientes e funcionários.
- Com esta atitude, o arguido, ofendeu o prestígio, credibilidade e confiança da ofendida, perante a comunidade, prejudicando o normal exercício da actividade e causando-lhe elevados prejuízos.
- A assistente tem boa reputação, bom-nome e credibilidade a manter.
- As palavras em mérito são altamente gravosas e não correspondem à verdade.
Sendo que foram dirigidas contra a assistente sem que nada o justificasse, extravasando qualquer direito de crítica legítima.
- O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito e intenção, plenamente conseguidos, de violar, como violou, a credibilidade, prestígio e confiança da assistente.
Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Por despacho de fls. 113, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Ministério Público acompanhou a acusação particular.
Vejamos:
Como vem sendo uniformemente entendido, “no nosso actual sistema, de acordo com o n.º 5 do artigo 32º da Constituição da República, o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório...”.
E, num processo penal de estrutura acusatória, a acusação é que define o objecto do processo e este (objecto) integra não só os factos mas também a incriminação.
Assim, ao Juiz do julgamento está vedado ultrapassar o objecto que lhe é submetido, sendo certo que este compreende também, a qualificação jurídica, pelo que não pode, no despacho a que se refere o artigo 311º alterar, sem mais, a qualificação jurídica dos factos” (cfr. Ac. da R.L. de 03/03/04, CJ, Ano XXIX, tomo II, p. 142 e Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, pág. 278).
Por outro lado, conforme resulta do art. 311º/1 C P Penal., “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.
Ao arguido foi imputada a prática, de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º C Penal.
Antes de mais, caberá referir que nos termos do artigo 188º/1 C Penal, o procedimento criminal para este tipo de ilícito – uma vez que a ofendida não exerce autoridade pública - depende de acusação particular, pelo que a legitimidade do Ministério Público para iniciar ou prosseguir o procedimento criminal depende de estarem reunidas as condições de procedibilidade: apresentação da queixa, constituição como assistente e acusação particular do assistente – cfr. artigo 50º C P Penal.
E, no caso dos autos, quem requereu e se constitui como assistente foi a empresa “B…, Lda.” e não os respectivos representantes legais (cfr. fls. 10-11 e 22), tendo sido esta quem deduziu a acusação particular dos autos, sendo, pois, esta empresa, a única ofendida.
Assim, suscita-se a questão de saber se os factos alegados na acusação particular são susceptíveis de integrar o ilícito imputado ao arguido.
Dispõe o n.º 1 do artigo 187º C Penal, que “quem, sem ter fundamento para, em boa fé os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerça autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Assim, visou-se tutelar com tal norma, o crédito, prestígio ou confiança de determinada pessoa colectiva.
Sujeito passivo deste crime é a pessoa colectiva, instituição ou corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública e activo é qualquer pessoa.
Por outro lado, são elementos deste crime:
a) que o agente afirme ou propale factos inverídicos;
b) que o agente esteja de má fé, na convicção que formou acerca da sua veracidade, ou seja, que o agente, no caso concreto, não tenha razões sérias para aceitar esses factos como verdadeiros;
c) que os factos sejam idóneos a ferir a credibilidade, prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer.
(Neste sentido, Leal-Henriques e Simas-Santos, Cód. Penal Anot., 2.º vol., p. 351-352).
Ora, no caso dos autos, a assistente é uma sociedade por quotas, pelo que goza de credibilidade, prestígio e confiança e pode ser ofendida deste tipo de ilícito.
No ilícito em apreço, criminalizam-se as acções e rumores atentatórios do crédito, prestígio ou confiança de uma pessoa colectiva, organismo ou serviço, que se distinguem do bem jurídico protegido pela difamação ou injúria, p. e p. pelos artigos 180º e 181º C Penal, reservadas às pessoas singulares.
Ora, no caso dos autos, as expressões imputadas ao arguido são as seguintes: “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta”.
Ora, a expressão “merda” é definida como “excremento, porcaria, sujidade, coisa reles, coisa desagradável, insignificância” (Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora, 8.ª ed., p. 1081).
A referida expressão constitui expressão de baixo calão e pertence à categoria da gíria, apresentando, dentro desta, um cunho ofensivo, rude, agressivo, constituindo por vezes, um insulto mas também às vezes meros desabafos ou lamentos (como será o caso de alguém referir que a sua vida “é uma merda”, “o mundo é uma merda”, etc.).
No caso dos autos, o arguido é acusado de “proferindo lamúrias em relação à sua empresa, aqui ofendida”… ter referido a expressão: “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir”.
Assim sendo, entende-se que no referido contexto, a referida expressão, ainda que rude, grosseira ou vulgar, tem apenas o sentido de desabafo ou lamento e não constitui expressão susceptível de ofender ou denegrir a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à ofendida, a empresa “B…, Lda.”, nos termos exigidos pelo ilícito em apreço.
Por outro lado, ao arguido é também imputada a expressão, dirigida à assistente: “são todos um bando de gatunos e filhos da puta”.
Ora, quanto a esta expressão, não se vislumbra que a mesma possa ser dirigida à assistente, empresa “B…, Lda.”, enquanto pessoa jurídica, mas antes às pessoas singulares que a constituem.
Assim, tais expressões, são aptas a ofender e honra e consideração de uma pessoa singular, mas já não o crédito, prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva.
E, conforme acima se referiu, nos presentes autos, apenas a sociedade se constituiu assistente e deduziu acusação particular.
Dispõe o artigo 311º/2 alínea a) C P Penal que ao proceder ao saneamento do processo o juiz despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
E, refere-se no n.º 3 alínea d), do mesmo diploma legal que se considera acusação manifestamente infundada, a acusação quando os factos aí descritos “não constituírem crime”.
No caso dos autos, tendo em conta o supra referido, entende-se que os factos imputados ao arguido não constituem crime relativamente à assistente dos autos.
Assim, entende-se que os mesmos são susceptíveis de integrarem um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º C Penal relativamente a uma pessoa singular, mas já não relativamente à assistente nestes autos (pessoa colectiva).
Por outro lado, entende-se que os factos imputados ao arguido também não são susceptíveis de integrar os elementos objectivos do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º C Penal, de que foi acusado.
Pelo exposto, por entender que os factos de que vem o arguido acusado não constituem crime, ao abrigo do artigo 311º/1 e 2 alínea a) e 3 alínea. d) C P Penal., rejeito a acusação particular de fls. 105 e ss., por manifestamente infundada.
Custas a cargo da assistente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s.
Do pedido cível formulado a 107 e ss.:
Uma vez que a acusação particular de fls. 105 e ss. foi rejeitada e o pedido cível de fls. 107 e ss. se funda na referida acusação (artigo 71º C P Penal), indefere-se liminarmente tal pedido cível.
Custas cíveis pela demandante.
Notifique e após, trânsito, arquive”

I. 4. Inconformada com o assim decidido, recorreu a assistente, pugnando “pela revogação de tal sentença, que deve ser substituída por Acórdão que receba a acusação particular, seguindo-se os ulteriores termos até final” (sic), apresentando, as seguintes conclusões:

1. a recorrente interpôs recurso da sentença que entendeu que os factos de que o arguido vinha acusado não constituem crime, rejeitando a acusação particular por infundada e condenou a mesma em custas de 3 UC,s;
2. a decisão judicial não fez correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
3. no caso sub judice, a recorrente deduziu a respectiva acusação particular com fundamento nas expressões proferidas pelo arguido;
4. nomeadamente, “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta”;
5. entendeu o Mmo. Juiz que os factos descritos não constituem crime;
6. a expressão “merda desta empresa” ao ter sido proferida pelo arguido põe em causa o crédito, prestígio e confiança da recorrente;
7. o arguido afirma um facto que não é verdade, está de má fé e ao ser ouvido por funcionários e clientes da empresa aqui recorrente, denegriu a imagem da mesma, ofendendo a sua confiança e prestígio no âmbito das suas relações comerciais;
9. (assim no original) o arguido ao proferir a expressão “são todos um bando de gatunos e filhos da puta” referia-se à empresa em si, como se constata pela análise da frase proferida;
10. o arguido sempre se referiu à empresa em si, enquanto organismo, com estas expressões;
11. as expressões referidas não são idóneas de injuriar os sócios da empresa, pois as mesmas não são objectivas nem concretas, não fazem uma imputação directa aos sócios na sua pessoa, como erradamente conclui o Mmo. Juiz;
12. existe um manifesto erro de apreciação dos factos aqui em discussão e a aplicação do direito;
13. o arguido vem acusado de afirmar factos inverídicos, nomeadamente, “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta”, factos esses que se mostram capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da aqui recorrente e não tinha o arguido fundamento para, em boa fé reputar de verdadeiros os factos inverídicos ora descritos;
14. encontram-se preenchidos todos os elementos necessários do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, como postulado no artigo 187º C Penal;
15. o MP concluiu que existem indícios da prática do referido crime pelo arguido, acompanhando a acusação deduzida pelo recorrente;
16. o Mmo. Juiz violou o disposto no artigo 187º C Penal e no artigo 311º C P Penal, ao não considerar que as expressões “merda de empresa” e “são todos um bando de gatunos e filhos da puta”, constituem factos capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança da pessoa colectiva e aqui recorrente e, em consequência rejeitando a acusação particular por infundada.

I. 3. Apenas respondeu o MP. que pugnou no sentido da improcedência do recurso, sustentando as seguintes conclusões:

1. a sentença recorrida ao rejeitar a acusação imputada ao arguido pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º/1 C Penal, por considerar ser a mesma infundada, interpretou e aplicou correctamente o direito ao caso concreto;
2. com efeito, as expressões imputadas ao arguido, designadamente, “merda desta empresa” e “são todos um bando de gatunos e filhos da puta”, apenas têm uma dimensão ofensiva da honra e consideração de pessoas singulares. Não são idóneas a ofender a credibilidade, prestígio e confiança devidas a uma entidade patronal;
3. assim, não se mostrando violado qualquer preceito legal, deve a douta decisão ser mantida na íntegra.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação, que devem conter os elementos determinados no artigo 412º, nº 2 do CPP.
Assim, tendo presente as conclusões com que o assistente rematou a sua motivação de recurso, podemos enunciar, como única questão submetida a apreciação deste Tribunal, a de saber se existem indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a imputação, ao arguido, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º/1 C Penal.

III. 2. Passemos, então, agora aos fundamentos do recurso, apreciando se in casu se verificam, ou não, indícios suficientes do preenchimento dos elementos constitutivos de tal tipo legal de crime.

III. 2. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

A acusação particular deduzida pela assistente B…, Lda. Foi rejeitada, por ter sido considerada manifestamente infundada, na consideração de que os factos imputados ao arguido não constituíam crime, relativamente à sociedade, única assistente constituída e com acusação deduzida nos autos, pelo crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º/1 C Penal.
Isto porque,
por um lado, a expressão “merda” é definida como “excremento, porcaria, sujidade, coisa reles, coisa desagradável, insignificância” (Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora, 8.ª ed., p. 1081), sendo uma expressão, ainda que rude, grosseira ou vulgar, tem apenas o sentido de desabafo ou lamento e não constitui expressão susceptível de ofender ou denegrir a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à ofendida, a empresa “B…, Lda.”, nos termos exigidos pelo ilícito em apreço e, por outro lado,
por outro lado,
quanto à expressão “são todos um bando de gatunos e filhos da puta” – tidas como aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa singular, mas já não o crédito, prestígio ou a confiança de uma pessoa colectiva – considerou-se que não pode ser dirigida à assistente, “B…, Lda.”, enquanto pessoa jurídica, mas antes às pessoas singulares que a constituem, por isso, susceptível de integrar um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º C Penal relativamente a uma pessoa singular, mas já não relativamente à assistente nos autos - pessoa colectiva.

III. 2. 2. Os fundamentos do recurso.

Pretende a recorrente que a actuação do arguido, seu funcionário - no tempo e local de trabalho, na presença de outros funcionários e de clientes - ao dizer que não se importava de ficar sem o seu salário, para a merda da empresa falir e que eram todos um bando de gatunos e filhos da puta, integra a previsão do tipo legal de ofensa a pessoa colectiva, previsto no artigo 187º/1 C Penal.
Entende, então, a recorrente que,
o arguido ao proferir a expressão “merda desta empresa” colocou em causa o crédito, o prestígio e a confiança da sociedade, pois que afirma um facto que não é verdade, está de má fé e denigre a sua imagem e,
por outro lado ao proferir a expressão “são todos um bando de gatunos e filhos da puta”, estava, também, como ali, a referir-se à sociedade – como se constata pela análise da frase – e não, como se considerou na decisão recorrida, aos seus sócios.

Isto é, entende a recorrente que o arguido sempre se referiu a si própria e que as expressões referidas não são idóneas a ofender a honra e consideração dos seus sócios, pois que “as mesmas não são objectivas nem concretas, não se lhes fazendo uma imputação directa”, donde, se encontrarem preenchidos todos os elementos necessários do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, como postulado no artigo 187º C Penal

3. 2. 3. O crime de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva.

Dispõe o n.º 1 do artigo 187º C Penal, que:
“quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

Esta norma foi introduzido na Reforma operada pelo Decreto Lei 48/95 de 15MAR, colocando-se fim à controvérsia a que se vinha assistindo sobre a questão de saber se as pessoas colectivas podiam ou não ser sujeito passivo de crimes contra a honra.
Como consta da acta n.º 25 da Comissão Revisora do C Penal de 1995, “visa o tipo legal previsto no artigo 187º C Penal criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”.

Como é sabido os tipos legais de difamação e de injúria, previstos, respectivamente, nos artigos 180º e 181º C Penal, pressupõem, respectivamente, a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, bem como em qualquer dos casos, a sua reprodução – no primeiro - e a imputação de factos ou a utilização de palavras – no segundo.
Por seu lado, o tipo objectivo de ilícito do artigo 187º C Penal pressupõe,
a afirmação ou a propalação de factos inverídicos;
idóneos a ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva;
que o agente não tenha fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros.

III. 2. 4. Conhecendo.

O dito do arguido - “não me importava de ficar sem o meu salário, para esta merda desta empresa falir, são todos um bando de gatunos e filhos da puta”.
Começaremos a sua análise pela parte final.
Obviamente que, sem descurar e olvidar – antes tendo presente - a primeira arte da expressão, de carácter único de resto, proferida num mesmo momento, de um só fôlego – afirmar-se que são todos uns gatunos e filhos da puta, no seguimento de se ter afirmado que a empresa era uma merda, visa tão só as pessoas de alguém com ela relacionado.
Quem, a represente, quem a dirige, o que é compatível com os seus sócios e ou gerentes.
É a eles que o arguido se refere, inequivocamente, quando afirma, serem todos um bando de gatunos e filhos da puta.
Desde logo, a empresa é uma entidade singular, por definição e, o arguido utiliza, não só o plural, para se referir a quem tem em mente na sua afirmação, como, utiliza, mesmo, um nome colectivo, “bando”, o que pressupõe, naturalmente, uma pluralidade de visados/destinatários, o que não pode deixar de afastar, liminarmente, qualquer possibilidade de se estar a referir, nesse segmento, sequer, ou também, à sociedade.

Por outro lado a natureza das expressões utilizadas, “gatuno e filhos da puta”, qualquer delas, pelo seu sentido etimológico e corrente, com que vulgarmente são utilizadas, traduzindo ligações a desonestidades e actos menos sérios, necessariamente, se reportam a pessoas singulares e não a sociedades.
Donde, manifesta e inequivocamente que a parte final da expressão do arguido não pode ter tido a sociedade como alvo.
Não lhe era direccionada, nem de resto é idónea, pelo seu significado intrínseco, a visar.
Visava, seguramente as pessoas – mais do que uma – que o arguido identifica com a empresa, porventura os seus sócios e ou gerentes.
Visados que, apesar de não terem podido deixar de tomar conhecimento do que o arguido afirmou não consideraram que os juízos de valor a que se reconduzem as expressões “bando de gatunos e filhos da puta”, como ofensivas da sua honra e consideração, do seu bom nome, pelo menos por forma a justificar a instauração de um processo crime.

Bem andou, a decisão recorrida, desde logo, neste segmento ao considerar que com as precisas expressões “bando de gatunos e filhos da puta” se não dirigiam à sociedade assistente, pelo que a mesma não constituía crime – atentando-se naturalmente que estamos em sede de crimes de natureza particular e que os visados não se queixaram, sequer e quem assumiu as dores da ofensa foi a sociedade, enquanto tal.

Quanto ao mais.
Também não merece censura a decisão recorrida, ao considerar que a expressão “merda de empresa” no contexto e que foi afirmada traduz uma expressão rude, grosseira, vulgar, com um sentido de desabafo ou lamento, mas não susceptível de ofender ou denegrir a credibilidade, o prestígio ou a confiança devidos à assistente.
Ademais e decisivamente, a anteceder tal género de apreciação, atinente à objectividade da expressão, ao contrário do que exige o tipo em questão, “merda de empresa” não encerra, em si mesmo, quaisquer factos, mas tão só constitui um juízo (rude e grosseiro) de valor que a norma em causa não prevê, como forma de cometimento do ilícito.

Se em sede de difamação tanto importa, pois, fazer uma imputação desonrosa de um facto, ”fulano tirou-me a carteira”, como formular um juízo, de igual sorte, desonroso, “fulano é um ladrão” e se em sede de injúria tanto basta a imputação do mesmo facto ou a afirmação da palavra, já no âmbito da ofensa a pessoa colectiva, apenas releva a imputação de factos.
Donde, ressalta um evidente interesse, real e efectivo na distinção (tarefa, as mais das vezes, plena de dificuldades) entre facto, por um lado, juízo e palavras, por outro.
A noção de facto constitui, assim, o ponto nuclear, no conhecimento da relevância jurídico-criminal da conduta do arguido.
A propósito da distinção facto versus juízo, refere o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense:
“facto é o que se traduz naquilo que é ou que acontece, na medida em que se considera como um dado real da existência, facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, um juízo de existência.
Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjunto de cações que se protelam no tempo.
Por sua vez, o juízo, independentemente dos domínios em que pode operar (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa a existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor”.
Quanto à palavra, a questão por demais evidente, não suscita dúvidas, de maior.

No caso concreto, com a expressão “merda de empresa”, seguramente que não estamos na presença, da imputação de factos, mas fundamentalmente, perante a formulação de um juízo de valor, sobre a imagem que o arguido tem da assistente (ainda que directamente relacionada com os comportamentos e posturas que conhece dos seus representantes).

“Merda de empresa” não contém qualquer elemento de descrição/narração de realidade factual.
A expressão “merda de empresa” numa linguagem boçal, grosseira e ordinária, não tem outro significado que não seja adjectivar a imagem que o arguido tem da assistente e que equivale a , pouco correcta e pouco séria.
Donde, no caso concreto, uma vez que o que o arguido fez, foi formular um juízo de valor e não afirmar, ou propalar factos, modo, via, instrumento, de todo, não previsto, no tipo legal do artigo 187º C Penal, não assume a conduta do arguido dignidade penal, por falta de tipicidade, podendo, então, a assistente, através de outro ramo de direito – o civil – satisfazer perfeita e plenamente – aliás até de maneira sistematicamente mais coerente e eficaz – os seus interesses, em ver ressarcidos os prejuízos que a alegada violação da sua credibilidade, do seu prestígio e confiança, provocou.

Se a emissão de um juízo de valor não é susceptível de integrar a factualidade típica, desde logo, com este fundamento – que precede a análise, avaliação e apreciação do sentido, que lhe é dado, com que foi utilizado e que é idóneo a traduzir – nunca por nunca, este segmento da expressão utilizada pelo arguido, se pode traduzir ou ter a virtualidade de integrar o tipo do artigo 187º/1 C Penal – que é o que aqui está em questão.

Em resumo, não pode deixar de se manter o despacho recorrido, ainda que com outros argumentos – na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º/1 C Penal, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas.

É tempo de concluir, afirmando a falta de fundamento, para o recurso apresentado pela assistente.

IV. DISPOSITIVO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente, B…, Lda., confirmando-se – ainda que com fundamentação diversa - a decisão recorrida.

Taxa de justiça pela recorrente que se fixa no equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2011.setembro.14
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira