Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1420/11.0T3AVR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: APREENSÃO
CORRUPÇÃO
PERDA DE INSTRUMENTOS PRODUTOS E VANTAGENS
EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
Nº do Documento: RP201312181420/11.0T3AVR-C.P1
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Embora a apreensão de objetos prevista pelo n.º 1 do art. 178º do CPP se destine, essencialmente, a conservar provas reais, ela visa também garantir a efetivação da privação definitiva do bem.
II – No âmbito dos crimes de corrupção, a compressão do direito constitucional à propriedade privada [art. 62º da CRP] decorrente da perda de vantagens consagrada pelo art. 109º do CPenal, encontra a sua justificação no valor concretamente superior da repressão da violação da legalidade democrática.
III - Para a declaração de excecional complexidade de um processo ainda em fase de inquérito, há que olhá-lo como uma realidade dinâmica, não apenas verificando o que o processo já contem, como o que se perspetiva que – potencial, previsível ou prospectivamente – virá a ser.
IV - São conhecidas as dificuldades da investigação dos crimes de corrupção, acrescidas pelo conluio entre os seus agentes, pela ocultação dos seus vestígios e pelos pactos de silêncio que em regra envolve os intervenientes, e ainda pela intrincada sofisticação geralmente ligada à execução deste crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 1420/11.0T3AVR-C.P1
Origem: 2º Juízo de Instrução Criminal do Porto

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
Com base nos factos descritos no despacho do Ministério Público, de fls. 6466 e seguintes do processo principal – que fundamentou a apresentação em juízo, para 1º interrogatório, de 22 arguidos detidos – foi julgada fortemente indiciada a prática pelos mesmos arguidos, em execução continuada e em comunhão de esforços, de um crime de corrupção passiva, previsto pelo artigo 373°, nº 1, do Código Penal e aí declarado punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Em síntese e segundo tal despacho, tais factos traduzem-se em “um esquema montado pelos arguidos – uns como examinadores de condução automóvel e outros como instrutores e empresários de escolas de condução – na concessão de carta de condução a quem, por algum modo, não a podia obter ou não a conseguia obter, a troco de quantia monetária, que repartiam.
Na sequência desse 1º interrogatório, foram aplicadas diversas medidas de coação, designadamente: a suspensão do exercício de funções/profissões quanto a 12 arguidos, a obrigação de permanência na habitação a 3 arguidos e a prisão preventiva de 5 arguidos, incluindo do arguido B…, enquanto examinador de condução automóvel.
Posteriormente, por ter sido ordenada a apreensão de um veículo pertencente ao referido arguido B…, veio este requerer (folhas 8044 e segs.) o levantamento da apreensão de tal veículo automóvel, alegando que o mesmo foi adquirido com o crédito proveniente do seu trabalho e em data anterior a qualquer ilícito que lhe é imputado.
Entretanto, o Ministério Público requereu a declaração de excecional complexidade do processo.
Por despacho de 14/8/2013, o Ex.mo Juiz de Instrução indeferiu o levantamento da apreensão do veículo e decretou a excecional complexidade do processo.
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Foi por discordar do decidido nesse despacho de 14/8/2013, que o arguido B… veio interpor os presentes dois recursos.
No primeiro desses recursos, o mencionado arguido resume o conteúdo das suas alegações através das seguintes conclusões:
A) O veículo automóvel apreendido ao arguido não tem qualquer relação com o objeto de investigação.
B) O douto despacho de fls. 8069 a 8071, na parte em que se pronunciou quanto ao pedido de revogação da medida que decretou a apreensão do veículo automóvel, marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-IX-.., é nulo, por falta da fundamentação prevista no art. 97º, nº 5, do Código de Processo Penal, que, por isso, foi violado.
C) A apreensão do veículo automóvel, de marca BMW, não revela grande interesse para a prova, nos termos do art. 178.° do Código de Processo Penal, porque a prova a produzir, já foi toda recolhida.
D) Não existe qualquer ligação funcional ou instrumental entre o automóvel do arguido e o crime de corrupção passiva que está a ser investigado nos presentes autos, "uma vez que entre a utilização o automóvel e a alegada prática do crime não se verifica uma relação de causalidade adequada", consabido que sem a utilização do veículo a infração teria sido praticada na mesma "com efeito, o arguido sempre ter-se-ia deslocado a Mirandela utilizando outro meio de transporte,
E) Conforme resulta dos autos, o veículo de marca BMW, aquando do início das investigações, já se encontrava na posse do arguido, ora recorrente, pelo que não foi adquirido com o dinheiro proveniente, de qualquer ilícito.
F) O automóvel, não é assim um meio indispensável para a alegada prática do crime de corrupção que está a ser investigado nos presentes autos.
G) Nos termos do artigo 186º do Código de Processo Penal, os bens apreendidos devem ser restituídos logo que se mostrar desnecessária a apreensão.
H) A interpretar desta forma tão "extensiva" os segmentos legais do artigo 178º do Código de Processo Penal e art. 109.° do Código Penal, sempre se violaria, como viola, o art. 18º da CRP, por crassa desproporcionalidade e desnecessidade da medida limitadora de direitos fundamentais, inconstitucionalidade que para todos os efeitos se deixa desde já invocada.
I) No caso em apreço, o veículo apreendido não tem qualquer relação com o objeto do processo, a sua posse foi devidamente justificada, não há qualquer indício de ter uma proveniência ilícita e a manutenção da apreensão está a causar graves prejuízos para o arguido e seu agregado familiar.
Termina o arguido B… este seu recurso requerendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine o imediato levantamento da apreensão do veículo automóvel de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-IX-.., e a sua restituição imediata ao recorrente.
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No 2º recurso que interpôs, o mesmo arguido condensou as suas motivações formulando as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido não tem mérito, deverá ser revogado porque contrário à lei (veja-se em idêntico sentido o Ac. do VTRP de 28-07-2010, 1ª Secção, proferido nos autos nº 974/09.6JAPRT-A.P1).
2. Não se pode ter por fundamentada de facto a declaração de direito da excecional complexidade do processo, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 215° do Código de Processo Penal, visto que o presente procedimento criminal, nem de longe nem de perto, se aproxima das características de excecional complexidade objeto de apreciação nos acórdãos citados no item 5 do texto das motivações e para os quais se remete, que mais não é que um expediente artificial e gravoso para a vida dos arguidos,
Por isso,
3. A pretensa fundamentação aduzida para a referida declaração nem atinge a virtualidade de vir a ser considerada como tal
4. O arguido considera que a existência de 50 arguidos, 5 em prisão preventiva, não é suficiente para considerar que estamos perante um processo com uma complexidade acima do comum.
5. Porque não basta aferir o número de arguidos para um processo ser declarado de excecional complexidade.
6. Cremos que não pode falar-se de um processo com excecional complexidade, pois este não pode ser intitulado de processo “monstruoso”.
7. Não sendo os autos excecionalmente complexos, como não são, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, deferindo a pretensão do recorrente, ordene a imediata restituição deste à liberdade, logo que se mostrem cumpridos seis meses de prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação.
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Respondeu o Ministério Público aos recursos interpostos, sustentando que nenhum deles merece provimento.
Idêntica posição tomou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, no breve parecer apresentado nesta 2ª instância (em que remete para as contra-alegações da resposta).
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Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Depois de proceder à transcrição das peças processuais que revelam interesse para a decisão da causa, passar-se-á à decisão dos recursos, adiantando-se que as principais questões a decidir são as de saber se:
● o despacho que indeferiu o levantamento da apreensão do veículo é nulo;
● não existe fundamento para manter tal apreensão;
● o processo não é excecionalmente complexo, para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
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A)- O despacho sobre medidas de coação após 1º interrogatório (transcrição)
«Face às declarações dos arguidos constantes a fls. 4627 e ss. do vol. 15°, e as constantes no vol. 21°, como da testemunha a fls. 6058 do vol. 21°, como das Mº Pº, designadamente escutas telefónicas, no despacho que introduziu os factos a juízo de fls. 6466 e ss. e por esses mesmos factos de que tudo foi dado a conhecer aos arguidos, ficando a fazer parte integrante deste despacho dando-se por reproduzido nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 6 e 7 do artigo 194° do Código de Processo Penal, indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos, em execução continuada e em comunhão de esforços, de um (1) crime de corrupção passiva, previsto e punido pelos artigos 28°, nº1 e 373°, nº 1 do Código Penal, com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Importam sucintamente os factos num esquema montado pelos arguidos, uns como examinadores, e outros como instrutores e empresários de escolas de condução, na concessão de carta de condução a quem, por algum modo, não a podia obter ou não a conseguia obter, a troco de quantia monetária que repartiam.
Era assim este esquema conseguido pelos arguidos face à atividade profissional que os mesmos exerciam.
O modo de execução dos factos, revela, assim, uma personalidade fria e organizada dos arguidos, sendo que poderiam e deveriam prever as consequências da sua conduta, nomeadamente quanto ao impacto da mesma no seio da comunidade, sendo que, atentas as funções dos arguidos C…, D…, B…, E…, G…, H… e I…, como examinadores, e por sua vez, por toda a ação envolvente por parte do arguido F… toma na prática do mesmo como instrutor e profícuo angariador, fazem impor como única medida proporcional, necessária e adequada a privativa da liberdade.
[ ] Isso impõem questões de ordem de prevenção geral e especial.
A prevenção geral de integração assenta na ideia de que, primordialmente, a finalidade visada pela pena há de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto [a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada]. Tutela não num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada e do estabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime – Ac. Rel. Porto, de 06-03-2013, proc. 425/12.9 PDPRT, Relator: Dr. Francisco Marcolino.
Na verdade, como muito bem refere o Mº Pº na sua promoção, "os arguidos para tirar a carta de condução e para poderem circular nas estradas de forma segura, sempre necessária ao exercício da condução. Por isso inevitavelmente, com o decurso do tempo, seriam condutores fautores de acidentes de viação e de multiplicação da criminalidade estradal, com toda a danosidade social e individual associada a este tipo de criminalidade".
A personalidade dos arguidos e o modo como praticaram o crime, e a gravidade do mesmo, num critério de adequação, fazem afastar quanto à medida privativa da liberdade, a obrigação de permanência na habitação quanto aos arguidos C…, D…, B…, E… e F…, não só como referido pelo modo de execução, como pelos inúmeros casos imputados que os envolve, como pela sanção que previsivelmente lhes venha a ser aplicada (pena de prisão efetiva). Com efeito, razões de perturbação da ordem pública, tendo até em atenção o período difícil em que vivemos, impedem em absoluto a aplicação de tal medida, pois o cidadão comum não entende que alguém que comete os inúmeros factos como os aqui indiciados sofra as consequências desses atos no recato do lar, ainda que dele não se possa ausentar, sendo certo que em casa e com acesso, nomeadamente à internet, os arguidos podem elaborar novos planos, nomeadamente perturbação do decurso da investigação para aquisição, conservação ou veracidade da prova.
O bom senso, as exigências de justiça e fundamentalmente razões de prevenção afastam a aplicação dessa medida, sob pena de se esvaziar o conteúdo e a função da prisão preventiva, medida que deve sempre ser aplicada em ultima ratio, tratando-se o caso em apreço de uma situação dessas.
Os factos geram forte instabilidade social, pondo em causa a ordem e tranquilidade públicas, sendo que os princípios da adequação, da subsidiariedade e da proporcionalidade, consagrados no artigo 193º do Código de Processo Penal aconselham a aplicação da prisão preventiva, já que não se vislumbra nenhum outro modo de acautelar os já Processado por computador apontados perigos de perturbação da ordem pública e continuação da atividade criminosa.
Ainda, e relativamente à perturbação da ordem e tranquilidade pública e continuação da atividade criminosa, ela é evidenciada face à motivação dos mesmos e como forma rápida de obtenção de dinheiro, como quanto ao perigo de perturbação do inquérito que, reportando-se às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas, e que consistindo no risco sério e atual de ocultação ou alteração das mesmas por parte dos arguidos, ela se verifica, como bem refere o Mº Pº, na medida em que faltam diligências de prova, designadamente testemunhal e de suspeitos cuja identidade foi agora conhecida com as diligências efetuadas.
E sobre a necessidade e adequação da medida, às exigências cautelares e proporcional à gravidade dos crimes é a sanção que previsivelmente lhes venham a ser aplicadas, há que reafirmar que a sociedade exige que quem não quiser viver em sociedade e para ela contribuir de acordo com as suas regras e valores, se afaste, tais são as necessidades de prevenção geral, face ao alastramento do crime e do crime violento, e se não podia antes ser entendido de outro modo, as ainda atualíssimas considerações, expressas no "Relatório de Monitorização da Reforma Penal" do Observatório Permanente da Justiça, ao defender agora a aplicação do antigo regime da prisão preventiva (aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 3 anos).
Também quanto à fuga ou perigo de fuga, evidencia-se este perigo, tendo em conta a gravidade dos ilícitos praticados e o modo da sua execução, sendo pois provável que, de alguma forma, se procurem furtar à ação da Justiça, além de que este perigo não pode deixar de estar presente quer na mente do juiz quer na dos arguidos, que se veem confrontados, com o julgamento por um crime punido com a pena de 1 a 8 anos de prisão, e portanto esse perigo de fuga resultará da natureza dolosa dos crimes, da moldura penal e forte probabilidade de serem os arguidos C…, D…, B…, E… e F… condenados em penas de prisão efetiva como já supra referido.
Na verdade, acresce que, a nosso ver, e mais uma vez refere, porque os factos se revestem de particular gravidade, a medida de coação da prisão preventiva se mostra proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, e a sociedade não entenderia, face a essa gravidade plasmada no Código Penal através das penas previstas, que os arguidos permanecessem em liberdade – numa situação como a atual e perante aquela atuação – podendo continuar a agir do mesmo modo, como se nada tivessem feito, e às penas de prisão que é previsível lhes venham a ser aplicadas.
Se, quanto àqueles arguidos C…, D…, B…, E… e F…, não é qualquer outra medida, incluindo a medida de coação de permanência em habitação, com ou sem vigilância eletrónica, que vai minorar ou evitar os perigos do artigo 204º Código de Processo Penal, porque inadequada e insuficiente para o efeito, pois que sempre pode, como tem acontecido, ser quebrada pelos arguidos e eximirem-se à ação da [justiça] e continuarem na senda criminosa, já a mesma não se revela desse modo quanto aos arguidos G…, H… e I… face ao espaço temporal e ao número de factos imputados (ao tempo e ao número), e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada, e assim também há não verificação do perigo de fuga.
De todo o exposto, cremos que a sua adequação às exigências cautelares, ou seja, neutralizar os perigos enunciados, se demonstra a necessidade da aplicação de medida privativa da liberdade quanto a estes arguidos, para prevenir esse perigo e adequada a neutralizá-los, mas proporcional e suficiente a medida coativa de permanência na habitação com vigilância eletrónica quanto a esses mesmos arguidos G…, H… e I….
Como vem sendo referido, o princípio da "adequação" das medidas de coação exprime a exigência de que exista uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar no caso concreto e a medida imposta ou a impor nesse caso, e o princípio da proporcionalidade, por sua vez, exprime a exigência, «estreitamente relacionada com a precedente, de que, em cada estado ou grau do procedimento, exista uma relação de proporcionalidade entre a medida aplicada ou a aplicar e a importância do facto imputado e a sanção que se julga que pode vir a ser imposta. Este princípio tem aqui o sentido de proibição de excesso, impedindo a desproporcionalidade entre, por um lado, o sacrifício que a medida de coação implica e, por outro lado, a gravidade do crime e a natureza e medida da pena que previsivelmente, com base nele, virá a ser aplicada.
Assim, não revela essa adequação a medida coativa proposta pelo Mº Pº de prestação de caução, porquanto a mesma, como requerida, se revela como medida económica (e a caução económica só está prevista nos termos e para os efeitos do artigo 227º do Código de Processo Penal) como sanção, e não como medida cautelar, ou seja, atentos os requisitos do art. 204º do Código de Processo Penal – atente-se que apenas se pretende assegurar o lucro indiciado (não se atenta à natureza cautelar e minimamente à condição sócio-económica dos arguidos). Ora, o lucro apreende-se, artigo 178º, nº1, do Código de Processo Penal.
Nos termos de todo o exposto, [atendendo] à gravidade do crime indiciado, facilitado e prosseguido pela natureza das funções ou atividade profissional que exercem, e ainda à personalidade revelada pelos factos, como adequadas, necessárias, suficientes, e proporcionais, arts. 191°, 193°, 196°, e 204°, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino aplicar:
- a todos os arguidos a proibição de contactos entre si e com as pessoas identificadas e que lhes foi dada a conhecer na narração dos factos, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 200° do Código de Processo Penal;
- aos arguidos C…, D…, B…, E… e F…, a medida coativa de prisão preventiva, nos termos do artigo 202°, nº1, alínea a), do Código de Processo Penal;
- aos arguidos G…, H… e I…, a medida coativa de permanência na habitação com controlo à distância por meios eletrónicos, nos termos do art. 201° do Código de Processo Penal, tomando-se o respetivo consentimento;
- aos arguidos J…, K…, L…, M…, N…, O…, P…, Q…, S…, T…, U… e V…, a medida coativa de suspensão da função/atividade profissional de instrutor e/ou gerente de escola de condução, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 199º do Código de Processo Penal, a acumular com aquela estabelecida de proibição de contactos, e a medida coativa de obrigação de apresentações periódicas, semanais, às sextas-feiras, entre as oito (8) e as vinte (20) horas, no posto policial da respetiva área de residência, nos termos do art. 198° do CPP;
- aos arguidos W… e X…, a medida coativa de obrigação de apresentações periódicas, semanais, às sextas-feiras, obrigação de apresentações periódicas, semanais, às sextas-feiras, entre as oito (8) e as vinte (20) horas, no posto policial da respetiva área de residência, nos termos do art. 198° do Código de Processo Penal, a acumular com aquela estabelecida de proibição de contactos.
Passem-se os competentes mandados de condução ao EPP e às respetivas residências dos arguidos com permanência na habitação com controlo à distância por meios eletrónicos.»
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B)- Os despachos recorridos (transcrição)
«Por requerimento de fls. 8044 e segs. veio o arguido B… requerer o levantamento da apreensão do veículo automóvel apreendido aquando da sua detenção e do qual ficou nomeado fiel depositário, porquanto o mesmo foi adquirido com o crédito proveniente do seu trabalho e em data anterior a qualquer ilícito que lhe é imputado.
O M.P. opôs-se a que lhe seja deferida tal pretensão pelos fundamentos expostos na promoção de fls.8067/8068.
Cumpre decidir:
Dispõe o artigo 109° nº 1 do Cód. Penal que “São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico (...).
O veículo em causa encontra-se apreendido nos autos como meio de obtenção de prova (artigo 178° do C.P.P.), isto é, "como instrumento de que se servem as diversas autoridades para investigar e recolher meios de prova, sendo, nessa conformidade, apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime" (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª ed., p.209).
Por tal motivo, isso implica que, enquanto o veículo exercer essa função instrumental, a apreensão mantém-se até se tornar desnecessária a manutenção da mesma para efeitos de prova, devendo então, e só então, ser restituídos a quem de direito.
Pelo exposto e por se afigurar necessário aos fins da presente fase em que nos encontramos, mantém-se a apreensão do veículo, indeferindo-se, consequentemente, o requerido.
Notifique.
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O Ministério Público veio requerer a declaração de especial complexidade deste processo e consequente elevação do prazo de prisão preventiva para um ano com os fundamentos expostos na douta promoção de fls. 7143/7144.
Notificados os arguidos, opôs-se F…, conforme requerimento de fls. 8050/8052, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Cumpre decidir:
Segundo o disposto no artigo 215° nº 3 do C.P.P. "Os prazos referidos no nº 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de especial complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime".
O presente processo iniciou-se na sequência de diligências levadas a cabo pela P.J., tendo, em face dos elementos de prova carreados para os autos, sido detidos para lº interrogatório judicial vinte e dois arguidos, indiciados pela prática dos crimes de corrupção passiva p.p. pelo artº 371º, nº 3, que, submetidos a 1° interrogatório judicial, ficaram 5 em situação de prisão preventiva, 3 com permanência na habitação com vigilância eletrónica, bem como ainda outros arguidos a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos a outras medidas de coação.
A investigação prossegue no sentido de averiguar outros agentes envolvidos, sendo de prever o seu alargamento.
O processo é nesta data constituído por 29 volumes e inúmeros apensos, contendo exames periciais, depoimentos de testemunhas e outras diligências de prova que poderão contribuir para um melhor esclarecimento da verdade material.
As atividades delituosas em causa nos autos requerem e impõem a realização de um elevado número de diligências de diversa natureza, algumas morosas e técnicas.
Como já se referiu, o número de testemunhas dos crimes em investigação é também em número elevado e, atendendo a que se encontram indiciadas dezenas de situações de candidatos que obtiveram a carta de condução de forma fraudulenta, que se deslocavam aos centros de exame de Bragança e de Mirandela indivíduos provenientes de diversas zonas do país, bem como até emigrantes, é previsível o alargamento do número de arguidos.
Por conseguinte, face à extensa e complexa factualidade em investigação, a dispersão territorial dos factos, o elevado número de intervenientes e a necessidade de recurso aos mais variados meios de obtenção de prova e posterior análise e apreciação, conclui-se que este é um processo em que não há a mínima dúvida em afirmar que é de especial complexidade.
Pelo exposto, decide-se declarar o processo de excecional complexidade, ao abrigo do disposto no artº 215° nºs 3 e 4 do C.P.P.
Notifique.
Porto, d.s. (14/8/2013)»
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C)- A alegada nulidade do 1º despacho recorrido
Começa o recorrente por alegar que o despacho de folhas 8069 a 8071, na parte em que se pronunciou quanto ao pedido de revogação da medida que decretou a apreensão do veículo automóvel, marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-IX-.., é nulo, por falta da fundamentação prevista no artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal.
Com efeito, o nº 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal estipula que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Embora o primeiro dos despachos agora postos em crise não constitua um modelo a seguir, por ser pouco nítida a separação entre argumentos de facto e de direito, mostrando-se, quer uns quer os outros, reduzidos a um mínimo indispensável, não deve entender-se que seja omisso quanto à sua fundamentação. Esta encontra-se presente, sendo possível discernir as razões de facto e de direito pelas quais o tribunal recorrido decidiu como decidiu.
Em todo o caso, mesmo que tal vício formal existisse, entende-se, na esteira de Maia Gonçalves [2], que a falta de fundamentação dos atos decisórios, quando não tenha tratamento específico previsto na lei, constitui irregularidade, submetida ao regime do artigo 123º do Código de Processo Penal (caso de tratamento específico é o de falta de fundamentação da sentença, que, nos termos do artigo 379º/1/a), importa nulidade).
Ora, o arguido só suscitou este vício formal quando interpôs o presente recurso, muito para além dos 3 dias previstos no nº 1 do artigo 123º do citado diploma.
Assim, não tendo sido arguida tempestivamente, no mencionado prazo, a irregularidade correspondente à alegada insuficiência de fundamentação, este vício formal mostra-se sanado [3].
Improcede, assim, este fundamento do 1º recurso.
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D) A alegada falta de fundamento legal para a manutenção da apreensão
Chamando, agora, à liça o aspeto substancial da manutenção da apreensão do seu veículo ..-IX-.., alega o arguido B… que a discutida apreensão “não revela grande interesse para a prova, nos termos do artigo 178.° do Código de Processo Penal, porque a prova a produzir já foi toda recolhida”, não existindo qualquer ligação funcional ou instrumental entre o automóvel do arguido e o crime de corrupção passiva que está a ser investigado nos presentes autos, uma vez que entre a utilização do automóvel e a alegada prática do crime não se verifica uma relação de causalidade adequada, consabido que, sem a utilização do veículo, a infração teria sido praticada na mesma, pois o arguido sempre se teria deslocado a Mirandela utilizando outro meio de transporte.
Para melhor ilustrar este aspeto, alegou o arguido, no seu 1º recurso, que «(…) nos presentes autos, [d]a realização da busca já resultou a obtenção, no interior do veículo automóvel, de inúmeros meios de prova, a saber: "Iphone." a operar com cartão SIM a que corresponde o nº ………, bem como um telemóvel Nokia .. a operar com cartão SIM a que corresponde o nº ………, dois telemóveis Nokia, um computador e três pen drive; no interior da pasta que acondicionava o computador encontrava-se um cheque ao portador, do Y…, titulado por Z… (relativo à conta …………….) com ordem de pagamento de € 4.000, um envelope vazio com o timbre da empresa "AB…, Lda", uma declaração de dívida de € 2.500, datada de 3/julho/2009, em que é devedor declarante AC… e credor B…, uma declaração de dívida de € 1.500, datada de 30/05/2010, em que é devedor declarante AC… e credor B…, uma fotocópia a cores do Bilhete de Identidade e Cartão de contribuinte de AC…» (ver item nº 12 das alegações de recurso).
Vejamos.
O nº 1 do artigo 178º do Código de Processo Penal estabelece que são apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova.
Daqui decorre, pois, desde logo, que a suscetibilidade de apreensão prevista neste normativo não se esgota nas virtualidades probatórias dos objetos à mesma sujeitas, estendendo-se a outros aspetos, como o de constituírem produto, lucro, preço ou recompensa de um crime. Dito de outro modo, embora a apreensão se destine, essencialmente, a conservar provas reais, visa também garantir a efetivação da privação definitiva do bem [4].
Com efeito, basta atender à matrícula do veículo em causa (de março de 2010), para se perceber que foi adquirido há menos de 4 anos.
A Lei nº 5/2002 de 11/01 – que estabelece um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e de perda de bens a favor do Estado no âmbito do combate à criminalidade organizada e económico-financeira – trata especificamente da perda de bens a favor do Estado nos seus artigos 7º a 12º, que compõem do seu capítulo IV.
Ora, o nº 1 do artigo 7º estipula que, em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1º – de cujo elenco (na sua alínea d)), fazem parte os crimes de corrupção ativa e passiva – e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, [se] presume constituir vantagem da atividade criminosa [5] a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
O nº 2 do mesmo artigo, por sua vez, estabelece que, para os efeitos desta lei, [se] entende por património do arguido o conjunto dos bens: a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais tenha o domínio e o benefício à data da constituição como arguido ou posteriormente [6]; b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
Por outro lado, o próprio artigo 111º do Código Penal prevê a perda a favor do Estado (a final do processo) das coisas, direitos ou vantagens que tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie (nº 2), isto se aplicando, por força do seu nº 3, às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
Se bem se reparar, existem nos autos indícios indisfarçáveis de que o veículo em causa foi adquirido através das vantagens patrimoniais conseguidas por meio do ilícito-típico em causa.
Com efeito, como refere o Ministério Público na sua resposta, o veículo em causa (BMW …) é um modelo de luxo e de alta cilindrada (2993 c.c.) de uma marca de luxo, cuja aquisição pelo arguido não é congruente com o seu rendimento lícito.
Aquando do seu interrogatório judicial, constante de folha 6654, o recorrente disse ter a profissão de examinador de condução e auferir o rendimento de cerca de €2.000,00 mensais.
Por outro lado, também aí se referencia que, do relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais inserido a folhas 8961 a 8964 dos autos principais, consta que os filhos do arguido são estudantes e que a sua esposa está desempregada, suportando o arguido despesas – com crédito bancário para compra de habitação, com crédito para compra do veículo automóvel e com despesas com a frequência escolar dos filhos – que totalizam o valor mensal de €1.600,00. Não se vislumbra, pois, como pode o arguido, com o referido rendimento lícito que auferia, arcar com o conjunto destas despesas, suportar as outras despesas inevitáveis do quotidiano e ainda conseguir capitalizações em dinheiro e ações que depositou em nome dos filhos.
Também se refere na resposta do Ministério Público (cujo teor foi dado como reproduzida no parecer apresentado pelo Ministério Público na 2ª instância e que não foi contraditado) que aos filhos estudantes do recorrente foram apreendidas duas contas bancárias com €80.293 e 62, €59.175,27 e ações no valor de €28.483,27. (v. fls. 4794 a 4797).
Concorda-se, pois, com o Ministério Público quando diz que “todos os elementos constantes dos autos apontam não só para o acerto das apreensões efetuadas, como também para a altíssima probabilidade de os objetos, veículo e valores apreendidos virem a ser declarados perdidos definitivamente a favor do Estado a final do processo”.
Não se diga, como o faz o recorrente, que uma interpretação tão abrangente do nº 1 do artigo 178º do Código de Processo Penal e do artigo 109.° do Código Penal estará ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da proporcionalidade dos sacrifícios ou compressões dos direitos fundamentais que lhe subjaz, nem dos seus diversos subprincípios – da conformidade ou adequação de meios, da exigibilidade, da necessidade ou da proporcionalidade em sentido restrito.
Por um lado, a disposição substantiva que está em causa não é o artigo 109º, mas o artigo 111º do Código Penal.
Depois, na verdade, a assinalada compressão do direito constitucional à propriedade privada, consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, encontra a sua justificação no valor concretamente superior da repressão da violação da legalidade democrática (artigo 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), que é atingida no seu âmago, de forma insidiosa, sempre que é praticado um crime de corrupção.
Não se vislumbra que outra medida menos intrusiva pudesse assegurar a realização eficaz da justiça penal, quando é manifesto que o recorrente ostentava um padrão de vida e de gastos, com aquisição de bens de luxo e a transferência de aforro para terceiros familiares, em circunstâncias que suscitam a mais elevada suspeição.
Assim, embora por razões algo diversas das invocadas no despacho recorrido, é de manter o indeferimento do pedido de levantamento da apreensão do veículo automóvel marca BMW modelo …, assim se desatendendo o recurso deduzido pelo arguido B….
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E) A declaração de excecional complexidade do processo
No seu segundo recurso, sustenta o arguido B… que “não se pode ter por fundamentada de facto a declaração de direito da excecional complexidade do processo, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 215° do Código de Processo Penal”, argumentando, designadamente, nas suas conclusões, que a existência de 50 arguidos, 5 em prisão preventiva, não é suficiente para considerar que estamos perante um processo com uma complexidade acima do comum.
Diremos, desde já, que a questão não se põe nos termos e com a linearidade que o recorrente pretende sugerir nas suas alegações.
Para a declaração da excecional complexidade de um processo ainda em fase de inquérito, há que olhá-lo como uma realidade dinâmica, não apenas verificando o que o processo já contém, como o que se perspetiva que – potencial, previsível ou prospetivamente – virá a ser.
Assinalava-se, no despacho recorrido, que, tendo, em face dos elementos de prova carreados para os autos, sido detidos para lº interrogatório judicial vinte e dois arguidos, indiciados pela prática dos crimes de corrupção passiva previstos e punidos pelo artigo 371º, nº 3, que, submetidos a 1° interrogatório judicial, ficaram 5 em situação de prisão preventiva, 3 com permanência na habitação com vigilância eletrónica, bem como ainda outros arguidos a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos a outras medidas de coação.
Mas acrescentava-se: a investigação prossegue no sentido de averiguar outros agentes envolvidos, sendo de prever o seu alargamento.
O processo é nesta data constituído por 29 volumes e inúmeros apensos, contendo exames periciais, depoimentos de testemunhas e outras diligências de prova que poderão contribuir para um melhor esclarecimento da verdade material.
As atividades delituosas em causa nos autos requerem e impõem a realização de um elevado número de diligências de diversa natureza, algumas morosas e técnicas.
Como já se referiu, o número de testemunhas dos crimes em investigação é também em número elevado e, atendendo a que se encontram indiciadas dezenas de situações de candidatos que obtiveram a carta de condução de forma fraudulenta, que se deslocavam aos centros de exame de Bragança e de Mirandela indivíduos provenientes de diversas zonas do país, bem como até emigrantes, é previsível o alargamento do número de arguidos.
É o próprio recorrente que informa que os arguidos constituídos eram já 50, informando, depois disso, o Ministério Público, na sua resposta, que já haviam sido constituídos 112 arguidos, tendo o processo 31 volumes e diversos anexos.
Isto é, o processo principal encontra-se em claro “crescendo”, sendo ainda patente o carácter altamente organizado e a dispersão territorial dos coarguidos (sendo alguns, mesmo, emigrantes).
O nº 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal não define o que é um procedimento criminal de excecional complexidade. Cinge-se a fornecer elementos exemplificativos, indiciadores dessa realidade de facto, tais como o número de arguidos ou ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime, podendo caber neste conceito diversos tipos de criminalidade.
O critério material para a declaração de excecional complexidade tem que emergir de fatores objetivos encontrados em cada procedimento criminal concreto, devendo o juiz apreciar todos os seus elementos e formar a sua convicção de modo a proferir uma decisão prudencial fundamentada.
Já anteriormente à revisão do Código de Processo Penal atuada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, o S.T.J. expunha o seu entendimento nesse sentido, sendo justamente citado o paradigmático acórdão de 26/1/2005, proferido no processo nº 05P3114 [7], assim sumariado:
“1. A noção de ‘excecional complexidade’ do artigo 215.º, n.º 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respetivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos”.
2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspetiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento, enquanto conjunto e sequência de atos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação, com refração nos termos e nos tempos do procedimento.
3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta, nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de atos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.
4. O juízo sobre a excecional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, nº 2, do CPP”.
Esta correta compreensão do conceito de excecional complexidade tem vindo a ser adotada e repercutida pela generalidade da jurisprudência dos tribunais superiores que sobre o tema se tem vindo a debruçar.
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/9/2011, processo 431/10.8GAPRT-I.P1 [8], julgou-se preenchido o requisito de especial complexidade, estando-se face a um processo com 24 arguidos, encontrando-se em investigação crimes como a atividade ilegal de segurança, a detenção e tráfico de armas, a ofensa à integridade física e a associação criminosa.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/10/2012, no processo nº 534/10.9TASTS-GK.P1 [9], entendeu-se existir excecional complexidade, quando, no caso concreto, existiam, à data do recurso, três presos preventivos num total de 26 (sendo a lista ainda provisória, face ao decurso das investigações), dezenas de testemunhas, sendo o processo composto por 4 volumes principais e 50 anexos de escutas telefónicas.
Ora, em nenhum dos aludidos exemplos se nos afigura estar-se perante processos mais complexos do que o que é objeto do presente recurso.
Como bem se salienta na resposta, “a promoção do Ministério Público para o interrogatório judicial previsto no artigo 141º do Código de Processo Penal, que se encontra no 22º volume, começa na página 6465 e termina na página 6570. E, se atentarmos ao seu conteúdo, tal peça processual não contém citações jurisprudenciais ou factos supérfluos e inócuos para o objeto do processo, antes a matéria factual nele constante é muito densa e objetiva, indicando-se nessa peça processual os elementos do processo que indiciam os factos imputados aos arguidos de forma exaustiva e discriminada”.
Acrescem as sabidas dificuldades da investigação dos crimes de corrupção, reconhecidamente acrescidas pelo conluio entre os seus agentes, pela ocultação dos seus vestígios e pelos pactos de silêncio que, em regra, envolve os intervenientes, e ainda pela intrincada sofisticação geralmente ligada à execução deste crime.
Desnecessários se mostram, pois, outros considerandos para se concluir que bem andou o Ex.mo Juiz de Instrução ao declarar, no caso concreto, a excecional complexidade do processo principal de onde se extraíram estes autos de recurso em separado, pelo que também não merece provimento o 2º recurso interposto pelo arguido B….
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III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente não providos os dois recursos interpostos pelo arguido B…, confirmando o(s) despacho(s) recorrido(s).
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Custas, nesta instância, a cargo do arguido, fixando-se em 4 U.C.s a taxa de justiça.
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Porto, 18 de dezembro de 2013
Vítor Morgado
Raul Esteves
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[1] Tal decorre, desde logo, de uma interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 412º e nos nºs 3 e 4 do artigo 417º. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Código de Processo Penal Anotado, 17ª edição (2009), página 279.
[3] Em idêntico sentido, veja-se, também, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/11/2006, proferido no processo nº 6988/06-9, relatado por Ricardo Cardoso, pesquisável em www.pgdlisboa.pt.
[4] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume II, Verbo, 5ª edição (dezembro de 2010), página 289, em que refere, designadamente: “(…) a apreensão destina-se essencialmente a conservar provas reais e bem assim de objetos que, em razão do crime com que estão relacionados, podem ser declarados perdidos a favor do Estado”. Vejam-se, também, o acórdão da Relação do Porto de 31/1/1990, sumariado em B.M.J. 393º-655, e o acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2006, proferido no processo nº 1837/06-1ª, relatado por Cruz Bucho, em que se entende: “(…) neste domínio especial dos crimes aduaneiros, a perda dos instrumentos não está condicionada à perigosidade ou ao risco de poderem ser utilizados para a prática de novos crimes, ao contrário do que sucede no âmbito do artº 109º do Código Penal; por isso que, também por esta via, a apreensão deva ser mantida para garantir a futura e eventual declaração de perda a favor do Estado.”
[5] Sublinhado nosso.
[6] Sublinhado nosso.
[7] Relatado por Henriques Gaspar, acedível, designadamente, em www.dgsi.pt.
[8] Relatado por Moisés Silva, acedível em www.dgsi.pt.
[9] Relatado por Augusto Lourenço, acedível em www.dgsi.pt.