Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0732332
Nº Convencional: JTRP00040406
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
TERCEIRO
RESPONSABILIDADE
EMPREITEIRO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20070524073232
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 719 - FLS 19.
Área Temática: .
Sumário: I – O DL nº 267/94, de 25.10, que alterou, designadamente, o disposto no art. 1225º, nº1, do CC, é de aplicação imediata segundo o disposto no art. 12º, nº2, 2ª parte, do CC.
II – Assim, não obstante a redacção do art. 1225º, nº1, anterior ao citado DL nº 267/94, não se referir ao “terceiro adquirente”, deve-se entender que a responsabilidade do empreiteiro se estende a quem adquirir do dono original da obra o prédio ou fracções.
III – Além disso, a responsabilidade do empreiteiro existe independentemente do número de alienações do imóvel defeituoso – continuando o empreiteiro a responder sempre perante o último adquirente, dentro do prazo de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono, prazo este que se não renova após cada transmissão de propriedade.
IV – No contrato de empreitada, recai sobre o dono da obra ou seu terceiro adquirente o ónus de provar que a obra apresenta defeitos, enquanto ao empreiteiro incumbe o ónus de fazer prova que o vício ou defeito, caso exista, não provém de culpa sua.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

B………., na qualidade de administrador do condomínio do nº … do prédio urbano sito nas, Rua ………., nº .. a …, ………., nºs .. a …, e Rua ………., nºs .. a .., ………., em Matosinhos, instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:
- C..........., e
- D………..., LDA.,

Pede:
Que as Rés sejam condenadas “A REALIZAR AS OBRAS NECESSÁRIAS PARA TORNAR O IMÓVEL ISENTO DE QUAISQUER DEFEITOS, E DE FORMA A REPOR O MESMO NO ESTADO EM QUE SE DEVERIA ENCONTRAR SE NÃO FOSSEM OS DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO E DE CONCEPÇÃO NO MESMO, DE ACORDO COM A RESPOSTA DOS QUESITOS DA VISTORIA PRÉVIA REQUERIDA E DE ACORDO COM A VISTIRIA/ORÇAMENTO APRESENTADA”, obras essas a efectuar no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.

Alega:
Que a Ré C………. vendeu as fracções que constituem o prédio em causa nos autos e que a Ré D………., Ldª construiu para aquela o edifício, sendo elas, portanto, dona da obra e empreiteira, respectivamente. O prédio tem cerca de 4 anos e apresenta vários defeitos de construção, que discrimina.

Regularmente citadas, contestaram as Rés.
A Ré C………. invocou a caducidade do direito de exigir a eliminação do defeitos em causa e impugnou a existência de quaisquer defeitos.

A Ré D………., Ldª invocou a excepção de ilegitimidade, dizendo que, face ao regime legal em vigor à data de entrega da obra de construção do edifício em causa nos autos, o empreiteiro não é directamente responsável perante terceiros adquirentes. Mais impugnou os defeitos invocados.

Replicou o Autor pugnando pela improcedência das excepções invocadas.

Após produção de prova, nomearam-se os peritos para a realização da perícia prévia requerida pelo Autor, constando o relatório pericial de fls. 281 a 286 (apresentado em juízo em 16.12.2002).

Realizou-se a audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador no qual se considerou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré D………., Ldª, e se relegou para sentença a apreciação da excepção de caducidade invocada pela Ré C………. .

Seleccionaram-se os factos assentes e a base instrutória (fls. 324 a 330).

A Ré D………., Ldª recorreu de agravo da decisão que a julgou parte legítima, tendo tal recurso vindo a ser julgado deserto por falta de alegações (fls. 343).

Realizou-se a audiência de julgamento segundo o legal formalismo, tendo-se respondido à base instrutória pela forma constante de fls. 406 a 409.

Foi, por fim, sentenciada a causa nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e parcialmente improcedente e, em consequência:
a) condeno a ré D………., LDA., a realizar as obras necessárias para reparar os seguintes defeitos que se verificam no edifício em causa nos autos:
i) No terceiro andar direito: manchas escuras de humidades na parede da fachada frontal de um dos quartos, devidas a insuficiente isolamento térmico e insuficiente renovação de ar por ventilação natural. Na sala existem manchas junto às janelas. Na cozinha existem sinais de infiltrações de águas pluviais sobre os móveis, junto à parede da fachada, que se deve à má vedação na zona que liga a caleira da cobertura ao tubo de queda de águas pluviais e na zona da chaminé e à má vedação do rufo que faz a ligação da cobertura à chaminé;
ii) No terceiro andar esquerdo: deficiências na sala e cozinha análogas às descritas em a). Nos quartos existem manchas visíveis junto às janelas, particularmente junto às obreiras, tendo como origem a deficiente vedação dos mastiques de colocação existentes entre as janelas e as ombreiras; fissuras dos panos de azulejo das fachadas; má vedação das juntas dos azulejos da fachada; infiltrações resultantes da deficiente ligação entre os dois panos de tijolo nas ombreiras das janelas e/ou da deficiente vedação das soleiras das janelas superiores e dos varandins adjacentes;
iii) No segundo andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto a algumas ombreiras;
iv) No primeiro andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto às janelas;
v) No primeiro andar direito, existem abundantes manchas no tecto do quarto de banho interior, na zona da banheira;
o que deve ser realizado no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão.
b) Absolvo a ré C………., do pedido quanto a tudo que contra ela vinha peticionado.”

Inconformada com o sentenciado, interpôs recurso a ré D………., Lda., apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“1. Tratando-se de contrato de empreitada, a recorrente somente terá de responder por vícios ou erros decorrentes da má execução dos trabalhos, ou seja, pelo seu cumprimento defeituoso;
2. A factualidade provada não permite a conclusão de que a recorrida cumpriu defeituosamente o contrato de empreitada;
3. Bem pelo contrário, está definitivamente assente e provado que a recorrente respeitou escrupulosamente todas as obrigações resultantes desse contrato, cumprindo o projecto da obra e o respectivo caderno de encargos;
4. Relevando-se que esse projecto nem sequer é da sua responsabilidade;
5. Ou seja, nada nos autos permite retirar a conclusão de que exista o indispensável nexo causal entre os vícios de que padece o imóvel e a (eventual) execução defeituosa da empreitada;
6. Ainda dos autos resulta prova farta de que foram os próprios condóminos quem deu causa às infiltrações de águas pluviais e humidades - únicos vícios de que padece o edifício;
7. Basta, com efeito, notar que abriram clarabóias, que não fecharam, que, caminhando sobre o telhado, partiram telhas e que desprenderam as caleiras e os rufos do telhado, com isto dando causa às inevitáveis entradas de águas e penetração de humidades;
8. O Tribunal "a quo" não deu qualquer relevo a esta factualidade - a qual está provada - e dela fez "letra morta" (aliás, nem lhe fez qualquer referência na parte decisória da sentença);
9. A condenação da recorrente na reparação dessas deficiências - a que não deu causa e originadas pela conduta imprudente e inadequada dos condóminos - constituindo um imerecido "prémio" para estes, é flagrantemente injusta;
10. Ainda que se entendesse - e a factualidade apurada não o permite - que a actuação descuidada dos condóminos apenas agravou vícios preexistentes, sempre haveria que determinar a medida destes vícios e a daquele agravamento;
11. Manifestamente, a recorrida apenas teria de responder pelos danos decorrentes da (pretensa) execução defeituosa da obra e nunca pelo seu agravamento decorrente daquela actuação censurável dos condóminos;
12. Ainda que a recorrente houvesse de responder por (supostos) defeitos na execução da empreitada, nunca essa responsabilidade ocorreria perante o aqui recorrido;
13. Com efeito, tendo a obra sido concluída e entregue no ano de 1992, estava em vigor e é aplicável o art. 1225°, n° 1, do Código Civil, na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo D.L. nº 267/94;
14. De acordo com este preceito legal, a recorrida apenas seria responsável perante o dono da obra e não perante o aqui recorrido, atenta a sua qualidade de terceiro adquirente;
15. Mostram-se, além do mais, violados os arts. 483°, 798°, 1225°, todos do Código Civil.

Termos em que deverá ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que absolva a recorrente do pedido.”.

Não houve resposta às alegações.
Foram colhidos os vistos

II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. AS QUESTÕES:

Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões suscitadas pela apelante são as seguintes:
- Se a apelante apenas pode responder pelos defeitos perante o dono da obra, e nunca perante o terceiro/autor, adquirente, atento o facto de a obra ter sido concluída e entregue antes da (nova) redacção dada ao artº 1225º, nº1 do CC, pelo Dec.-Lei nº 267/94;
- Se a factualidade provada permite responsabilizar a ré/apelante pelos vícios ou defeitos da obra -- ou, ao invés, se de tal factualidade resulta que foram os próprios condóminos os autores dos danos de que o edifico padece:

II.2. OS FACTOS:

No tribunal recorrido deu-se como assente a seguinte factualidade:
1- B………., na qualidade de administrador do condomínio do nº … do prédio urbano sito nas, Rua ………., nº .. a …, ………., nºs .. a …, e Rua ………., nºs .. a .., ………., em Matosinhos, foi mandatado por deliberação da assembleia de condóminos, regularmente convocada e realizada em 03 de Agosto de 1997, para agir em juízo contra os réus, conforme documento constante de fls. 16, cujo teor se dá por reproduzido.
2- A primeira ré C………., foi a vendedora e dono da obra das fracções que constituem o nº … do prédio referido em A), tendo a segunda ré agido na qualidade de empreiteiro, na execução da mesma.
3- As fracções objecto da presente acção foram entregues aos seus proprietários, em Outubro de 1992.
4- Deram-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos constantes de fls. 29 a 56 dos autos.
5- Logo que no primeiro Inverno e ao longo dos anos seguintes, vários condóminos chamaram a atenção da primeira ré para as humidades e infiltrações que o imóvel apresentava e para as respectivas consequências.
6- Esta comunicava-os à segunda ré que efectuou algumas reparações no prédio.
7- As intervenções realizadas pela segunda ré não resolveram tais problemas.
8- A segunda ré deixou de comunicar com os condóminos, e de fazer intervenções no prédio.
9- O administrador do condomínio à altura, Sr. E………., tentou por diversas vezes junto da primeira ré que esta resolvesse o problema, mas em vão.
10- O administrador do condomínio à altura, Sr. E………., solicitou, em representação do condomínio, uma vistoria/orçamento das patologias de construção do prédio, na sequência da qual foi apresentado, em Abril de 1997, o “orçamento” constante de fls. 19.
11- O administrador do condomínio, reclamou então junto da primeira ré daqueles defeitos, tendo igualmente reclamado à segunda ré, através do respectivo advogado, por carta datada de 16/06/97.
12- A primeira ré recusou corrigir qualquer defeito no prédio, declinando a sua responsabilidade na segunda ré.
13- A segunda ré, respondeu através da carta constante de fls.21.
14- A construção do edifício ficou concluída em 1992.
15- O edifício apresenta as seguintes deficiências:
a) No terceiro andar direito: manchas escuras de humidades na parede da fachada frontal de um dos quartos, devidas a insuficiente isolamento térmico e insuficiente renovação de ar por ventilação natural. Na sala existem manchas junto às janelas. Na cozinha existem sinais de infiltrações de águas pluviais sobre os móveis, junto à parede da fachada, que se deve à má vedação na zona que liga a caleira da cobertura ao tubo de queda de águas pluviais e na zona da chaminé e à má vedação do rufo que faz a ligação da cobertura à chaminé;
b) No terceiro andar esquerdo: deficiências na sala e cozinha análogas às descritas em a). Nos quartos existem manchas visíveis junto às janelas, particularmente junto às obreiras, tendo como origem a deficiente vedação dos mastiques de colocação existentes entre as janelas e as ombreiras; fissuras dos panos de azulejo das fachadas; má vedação das juntas dos azulejos da fachada; infiltrações resultantes da deficiente ligação entre os dois panos de tijolo nas ombreiras das janelas e/ou da deficiente vedação das soleiras das janelas superiores e dos varandins adjacentes;
c) No segundo andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto a algumas ombreiras;
d) No primeiro andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto às janelas;
e) No primeiro andar direito, existem abundantes manchas no tecto do quarto de banho interior, na zona da banheira.
16- Tais infiltrações danificaram as respectivas fracções e seus recheios, bem como as partes comuns do edifício.
17- Em consequência das referidas infiltrações de água e humidade deterioraram-se bens que os condóminos têm no imóvel, nomeadamente, mobiliário, cortinados e vestuário.
18- O prédio foi executado pela segunda ré de acordo com o projecto e o caderno de encargos apresentados pela primeira ré, excepto o facto de não ter sido colocado sobre o tecto dos últimos andares granulado negro de cortiça.
19- A inclinação e altura do telhado são as que estavam previstas no projecto.
20- Alguns condóminos usaram as clarabóias para aceder ao telhado, nomeadamente para colocação e orientação de antenas.
21- Algumas clarabóias não foram convenientemente fechadas, provocando entrada de águas.
22- Ao caminharem sobre o telhado, os condóminos partiram telhas e desprenderam as caleiras dos rufos do beiral, provocando penetração de águas pluviais.
23- As paredes das fachadas são duplas, com caixa de ar e pingadeiras.
24- O projecto que não é da responsabilidade da segunda ré.

3. O DIREITO:

Antes de mais, deve anotar-se que a apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Apreciemos, então, as questões suscitadas pela apelante nas conclusões das suas doutas alegações de recurso.

- Primeira questão: se a apelante apenas pode responder pelos defeitos perante o dono da obra, e nunca perante o terceiro/autor, adquirente, atento o facto de a obra ter sido concluída e entregue antes da (nova) redacção dada ao artº 1225º, nº1 do CC, pelo Dec.-Lei nº 267/94:

Relativamente a esta primeira questão, cremos que se impõe a sua improcedência.
Vejamos.

A ré apelante foi a construtora do imóvel em causa nos autos. E fê-lo mediante um contrato de empreitada outorgado com a 1ªré
do C. Civil).
Estamos perante um imóvel de longa duração a que é aplicável, como tal, o artº 1225º do C. Civil.

A controvérsia está, então, em saber se no caso deve aplicar-se o nº 1 deste normativo legal aos terceiros a quem o imóvel (as fracções) tenha sido vendido-- como é o caso sub judice, pois as fracções do imóvel já foram (todas) vendidas a terceiros, ora representados pelo condómino autor.
É que, tendo a entrega das fracções do imóvel ocorrido em 1992, foi-o em data em que não vigorava o Dec.-Lei nº 267/94, de 25.10, que alterou o aludido preceito.

Com efeito, a redacção do artº 1225º em vigor à data da conclusão da construção era a o seguinte: “l. Sem prejuízo do disposto nos artigos l 219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ruir, total ou parcialmente, ou apresentar defeitos graves ou perigo de ruína, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo para com o dono da obra”.

Já o referido D. L. nº 267/94, de 25.10, veio dar a seguinte redacção ao mesmo normativo: “l. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.° e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros móveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.”

Assim se vê que há diferenças nas duas redacções do normativo: são as que se assinalaram a negrito na nova redacção, às quais acresce que na nova redacção, se eliminou a palavra graves no que respeita aos defeitos.

A questão a decidir é, então, saber qual das duas redacções deve aplicar-se.
Como bem se anota na sentença recorrida, não obstante a anterior redacção do artº 1225º não referir o terceiro adquirente, já então havia jurisprudência que entendia que com a venda do imóvel, os direitos do dono da obra decorrentes do regime do contrato de empreitada se transferiam para o comprador. Veja-se, como exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.83, in BMJ, nº 236º, pág. 472[1].

Anota-se na sentença, a favor da aplicação da nova redacção do artº 1225º, CC, -- além do que designa por “argumento de autoridade decorrente da circunstância de assim ter sido decidido pela mais alta instância judicial”--, o facto de a maior predominância de aplicação do normativo em causa se referir à da construção de edifícios que posteriormente foram constituídos em propriedade horizontal e destinavam-se exactamente a serem vendidos a terceiros, sendo que, muitas vezes, os contratos promessa eram celebrados enquanto a obra decorria e a escritura era celebrada o mais rapidamente possível.
Tem inteira razão a sentença, neste segmento. É que, de facto, se não se responsabilizasse o empreiteiro perante o terceiro adquirente estaríamos perante enorme injustiça, deixando de todo desprotegido o adquirente, que ficaria à mercê da boa vontade do dono original em accionar o empreiteiro para lograr obter (designadamente) a eliminação dos defeitos da obra-- o que normalmente não ocorreria, pois a partir da venda o dono original obviamente que deixaria de ter interesse em defender os interesses de… outrem!

Concorda-se, assim, que a norma do artº 1225º, na redacção introduzido pelo D. L. nº 267/94, de 25.10, na parte em que refere o terceiro adquirente deve ser vista como uma norma interpretativa, integrando-se deste modo na norma interpretada, nos termos do artº 13º/1 do C. Civil.
Como bem se refere na sentença, o que é claramente inovador na nova redacção do artº 1225º é a eliminação da expressão graves relativa aos defeitos, bem como a expressão ou por erros na execução dos trabalhos, pelo que só nessa parte o preceito se não aplica ao caso dos autos, pois a entrega do imóvel ocorreu muito antes da entrada em vigor da nova redacção do artº 1225.

A propósito, escreveu-se no aludido aresto do STJ:
“O artigo 1225." do Código Civil tem como objectivo ver satisfeito o interesse contratual e social de que os imóveis destinados por sua natureza a longa duração reúnam as qualidades indispensáveis para tal efeito.
A contemplação dos interesses sociais e contratuais em presença demandam vivamente que o empreiteiro deva ser responsabilizado sobretudo em atenção à obra, devendo proceder a esta com os cuidados exigíveis pela sua natureza.
Este entendimento que cabe, sem esforço, no teor literal do preceito, conduz a que a referência a dono da obra corresponda à de seu proprietário, quando ambas coexistirem.
E o artigo 1212.° do Código Civil reforça essa conclusão ao afirmar que no caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo.
Por isso, e de harmonia com as disposições combinadas dos artigos 879º, alínea a), 1225.° e 1305.° do Código Civil, quando o dono da obra, igualmente seu proprietário, vende a propriedade da coisa, transmite para o comprador o direito a efectivar a responsabilidade que o empreiteiro assumiu em consequência do contrato de empreitada. Em tais hipóteses, não se trata de cessão de posição contratual que, segundo os artigos 424º a 427º do Código Civil, exija o consentimento do empreiteiro, mas sim de efeito do contrato de compra e venda, feita esta pelo seu proprietário e dono de obra objecto de empreitada”.

Aliás, cremos que a esta solução se chegaria até pela aplicação do princípio da boa fé contratual[2].
Com efeito, a ré, empreiteira, bem sabia que as fracções não eram para ser habitadas pela dona original-- “C………. …..”--, até porque se tratava de muitas fracções. Sabia que essa “dona” as destinaria à venda a terceiros. Pelo que não podia deixar de estar nas cogitações da empreiteira/apelante que a responsabilização perante a “C……….” se estenderia aos compradores das fracções. Sob pena de, assim se não entendendo, se esvaziar de todo essa responsabilidade do empreiteiro, que a lei previu e acautelou.

Não desconhecemos que houve diferente entendimento, como mostram Pires de Lima e Antunes Varela e Pedro Romano Martinez[3]. Mas o aludido Dec.-Lei nº 267/94 veio consagrar expressamente a extensão da responsabilidade do empreiteiro ao terceiro adquirente do imóvel onde se realizou a obra, precisamente em conformidade com o que já havia sido proposto pelo anteprojecto Vaz Serra (artº 25º, nº3).
Sustentavam Pires de Lima e Antunes Varela[4] que se não está perante um caso de responsabilidade extracontratual por danos causados a terceiros, mas perante uma cessão de créditos resultantes da responsabilidade contratual, imposta por lei[5].

Como quer que se qualifique juridicamente a situação, cremos que a leitura do artº 1225º, nº1, antes da redacção emergente do DL nº 267/94, não deve ser outra se não no sentido de entender que a responsabilidade do empreiteiro se estende, de facto, a quem adquirir do dono original da obra o prédio ou fracções.
E mais: a responsabilidade do empreiteiro existe independentemente do número de alienações do imóvel defeituoso-- continuando o empreiteiro a responder sempre perante o último adquirente, dentro do prazo de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono. Este prazo não se renova após cada transmissão de propriedade.[6]

Anote-se, ainda, por outro lado, que, como bem refere Cura Mariano[7], “o terceiro adquirente não pode utilizar todos os direitos conferidos ao dono da obra para reagir perante a existência de defeitos na obra. O direito de redução do preço e de resolução só podem ser exercidos pelo dono da obra, uma vez que esse exercício tem repercussões no contrato de empreitada (modificação e extinção), pelo que só os seus intervenientes podem utilizá-los”[8]. “Ao terceiro adquirente ficam reservados os direitos de eliminação do defeitos, realização de nova obra e indemnização”[9].
Por outro lado, “terceiros adquirentes não devem ser considerados apenas aqueles que adquiriram o direito de propriedade sobre o imóvel onde decorreu a obra, mas também os adquirentes de um direito real limitado que lhes proporcione a sua fruição e administração, como sucede com o direito de usufruto (artº1446.°, do C.C.)”,[10]” mas já não outros direitos reais que não incluam estes poderes, ou meros titulares de direitos de gozo, como o locatário”.

Sobre esta matéria já nos pronunciámos, embora ao de leve, no acórdão que relatámos em 29.06.2006, disponível in www.dgsi.pt. (doc. nº JTRP00039358).
Ali escrevemos: “a este propósito, cita-se o Ac. STJ, de 06.07.2004 (relator Consº Noronha do Nascimento), disponível na Internet, site www.dgsi.pt, onde se escreveu:
O D.L. nº 267/94 de 25/10, que alterou o disposto nos arts. 916 e 1225 do C.Civil, [...], é de aplicação imediata segundo o disposto no art. 12 nº 2, 2ª parte, tal como já decidimos anteriormente (revista nº 793/99). O D.L. nº 267/94 veio, neste particular, introduzir duas modificações fundamentais: por um lado, sujeitou ao regime do contrato de empreitada (mais favorável para o adquirente – consumidor) o vendedor que tenha sido simultaneamente o construtor do edifício vendido; por outro lado, alargou o prazo de denuncia dos defeitos (quer na empreitada quer na venda de coisa defeituosa) e do subsequente direito de acção judicial, uniformizando tais prazos nos dois tipos contratuais.
Quanto ao primeiro ponto (alteração do artº, 1225), aquele diploma veio seguir a solução há muito proposta por Vaz Serra, e durante muito tempo rejeitada até que as iniquidades da vida social tornaram demasiado patente a justeza da sua posição; assim, o empreiteiro tornou-se responsável pelos prejuízos causados por defeitos na construção de imóveis não só perante o dono da obra mas também perante o terceiro-adquirente, além de o regime legal da empreitada de imóveis poder ser invocado pelo comprador sempre que o empreiteiro tenha sido também o vendedor.
Com esta modificação legal, obstaculizou-se a uma das iniquidades flagrantes e frequentes: o mau empreiteiro, vendia a terceiro o produto defeituoso da sua empreitada e, a seguir, confrontado com o cumprimento defeituoso alijava o regime legal do contrato de empreitada, e invocava – a seu favor – o regime mais favorável da venda de coisa defeituosa.”-- sublinhados nossos.

Pelas razões explanadas, não temos dúvidas em sustentar que a 2ª ré--- ora apelante-- é responsável perante o condomínio autor pela reparação dos defeitos havidos no prédio, por deficiência de construção.

Improcede, assim, esta primeira questão.

- Segunda questão: se a factualidade provada permite responsabilizar a ré/apelante pelos vícios ou defeitos da obra -- ou, ao invés, se de tal factualidade resulta que foram os próprios condóminos os autores dos danos de que o edifico padece:

Entendeu-se na sentença que a obra apresenta defeitos “graves”. E, como tal, deveria a apelante responder perante o autor, com vista à sua reparação, pois não demonstrou “que eles lhe são completamente alheios”.
A apelante entende, por sua vez, que os factos provados mostram que os aludidos vícios do prédio não podem ser imputados à apelante, pois -- diz-- o que está provado é que foram os próprios condóminos os autores dos danos de que o edifico padece.
Qui juris?

Assente que o empreiteiro responde perante o terceiro adquirente pelos aludidos defeitos da obra, nos mesmos termos que responderia perante o dono original, vejamos, então, se a ré deve responder pelos danos alegados pelos autores, e em que termos.

Não há dúvida que o contrato outorgado entre a apelante e o dono original da obra-- a 1ª ré-- é de empreitada, o qual vem definido no art. 1207º do Código Civil como “ o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
Trata-se de um contrato «bilateral e oneroso: o direito do dono da obra a que esta seja feita sem defeitos tem o seu correspectivo no dever do empreiteiro a fazê-la sem defeitos; o direito deste a receber o preço tem o correspectivo no dever do dono da obra a pagá-lo.

Por sua vez, dispõe o artº 1218º CC que “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”- art. 1208º do Código Civil.

A execução de um contrato de empreitada implica para o empreiteiro a assunção de uma obrigação de resultado, a qual é definida por Antunes Varela[11], “como aquela em que o devedor, ao contrair a obrigação, se compromete a garantir a produção de certo resultado em benefício do credor ou de terceiro”.
O que está em conformidade com o disposto no artº 762º/1 CC, que refere que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.

O artº 1225º, na redacção vigente à data da conclusão do edifício, dispunha que o empreiteiro responde pelos prejuízos sofridos pelo dono da obra resultantes, designadamente, de “defeitos graves “ da obra resultantes de vício “…..da construção,……..”.
É que se assim for, então pode-se dizer que o cumprimento da obra foi defeituoso ou inexacto-- o qual se define como “a) aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé”.[12]
Só, portanto, “...se a obra não for executada de harmonia com o convencionado, evidenciando vícios que, pelo menos, reduzam o seu valor e a sua atinente aptidão, o dono da obra pode desencadear, por ordem de prioridade, os mecanismos legais à cabeça dos quais está precisamente a eliminação dos defeitos, se estes puderem ser suprimidos[13].

Por outro lado, em sede de ónus da prova, cumpre salientar que no contrato de empreitada, recai sobre o dono da obra ou seu terceiro adquirente o ónus de provar que a obra apresenta defeitos, enquanto ao empreiteiro incumbe o ónus de fazer prova que o vício ou defeito, caso exista, não provém de culpa sua.

Em causa, nesta segunda questão, está, precisamente, saber se os defeitos provados-- que são, sem dúvida, graves, como bem se refere na sentença[14] -- devem ser imputados à apelante.

Provada está a seguinte matéria de facto:
“5-Logo que no primeiro Inverno e ao longo dos anos seguintes, vários condóminos chamaram a atenção da primeira ré para as humidades e infiltrações que o imóvel apresentava e para as respectivas consequências.
“7- As intervenções realizadas pela segunda ré não resolveram tais problemas.
8- A segunda ré deixou de comunicar com os condóminos, e de fazer intervenções no prédio.”
10- O administrador do condomínio à altura, Sr. E………., solicitou, em representação do condomínio, uma vistoria/orçamento das patologias de construção do prédio, na sequência da qual foi apresentado, em Abril de 1997, o “orçamento” constante de fls. 19.”
“15- O edifício apresenta as seguintes deficiências:
a) No terceiro andar direito: manchas escuras de humidades na parede da fachada frontal de um dos quartos, devidas a insuficiente isolamento térmico e insuficiente renovação de ar por ventilação natural. Na sala existem manchas junto às janelas. Na cozinha existem sinais de infiltrações de águas pluviais sobre os móveis, junto à parede da fachada, que se deve à má vedação na zona que liga a caleira da cobertura ao tubo de queda de águas pluviais e na zona da chaminé e à má vedação do rufo que faz a ligação da cobertura à chaminé;
b) No terceiro andar esquerdo: deficiências na sala e cozinha análogas às descritas em a). Nos quartos existem manchas visíveis junto às janelas, particularmente junto às obreiras, tendo como origem a deficiente vedação dos mastiques de colocação existentes entre as janelas e as ombreiras; fissuras dos panos de azulejo das fachadas; má vedação das juntas dos azulejos da fachada; infiltrações resultantes da deficiente ligação entre os dois panos de tijolo nas ombreiras das janelas e/ou da deficiente vedação das soleiras das janelas superiores e dos varandins adjacentes;
c) No segundo andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto a algumas ombreiras;
d) No primeiro andar esquerdo, existem vestígios de humidades junto às janelas;
e) No primeiro andar direito, existem abundantes manchas no tecto do quarto de banho interior, na zona da banheira.
16- Tais infiltrações danificaram as respectivas fracções e seus recheios, bem como as partes comuns do edifício.
17- Em consequência das referidas infiltrações de água e humidade deterioraram-se bens que os condóminos têm no imóvel, nomeadamente, mobiliário, cortinados e vestuário.
18- O prédio foi executado pela segunda ré de acordo com o projecto e o caderno de encargos apresentados pela primeira ré, excepto o facto de não ter sido colocado sobre o tecto dos últimos andares granulado negro de cortiça.
19- A inclinação e altura do telhado são as que estavam previstas no projecto.
20- Alguns condóminos usaram as clarabóias para aceder ao telhado, nomeadamente para colocação e orientação de antenas.
21- Algumas clarabóias não foram convenientemente fechadas, provocando entrada de águas.
22- Ao caminharem sobre o telhado, os condóminos partiram telhas e desprenderam as caleiras dos rufos do beiral, provocando penetração de águas pluviais.”.

Perante este quadro fáctico, não se vislumbra que o mesmo seja de molde a desresponsabilizar a ré/apelante/empreiteira pelos aludidos defeitos do imóvel.
Com efeito, vê-se que as infiltrações e humidades havidas no prédio surgiram logo “logo no primeiro Inverno e ao longo dos anos seguintes”. E tal situação foi reconhecida pela ré/apelante, pois provado está que após lhe ter sido comunicada tal situação a mesma ré (empreiteira) “efectuou algumas reparações no prédio”. Só que as mesmas “não resolveram tais problemas”, tendo a apelante deixado de comunicar com os condóminos e de fazer intervenções no prédio.

Veja-se, por outro lado, que as deficiências que o edifício apresenta, descritas no nº 15 dos factos provados, são, no essencial, defeitos na execução da empreitada: “má vedação na zona que liga a caleira da cobertura ao tubo de queda de águas pluviais e na zona da chaminé e à má vedação do rufo que faz a ligação da cobertura à chaminé”; “deficiente vedação dos mastiques de colocação existentes entre as janelas e as ombreiras; má vedação das juntas dos azulejos da fachada; deficiente ligação entre os dois panos de tijolo nas ombreiras das janelas e/ou da deficiente vedação das soleiras das janelas superiores e dos varandins adjacentes”.
Por outro lado, veja-se que na vistoria/orçamento “das patologias de construção do prédio” pedido pelo administrador do condomínio (fls. 19) se refere (ainda) a necessidade e “levantar e reconstruir ….o telhado, para dar mais 10% de inclinação”.
Trata-se, portanto, assim, de defeitos que não podem ser assacados aos condóminos.

Salienta a apelante o facto de estar (também) provado que: “alguns condóminos usaram as clarabóias para aceder ao telhado, nomeadamente para colocação e orientação de antenas”; “algumas clarabóias não foram convenientemente fechadas, provocando entrada de águas”; “ao caminharem sobre o telhado, os condóminos partiram telhas e desprenderam as caleiras dos rufos do beiral, provocando penetração de águas pluviais.”.
E daí conclui que “estes factos são, por si só, elucidativos quanto à origem dos vícios (humidades e entrada de águas pluviais) de que padece o edifício”. E, como tal, “foram os próprios condóminos os autores dos danos de que o edifício padece e dos quais na acção se dizem vítimas”.

Não cremos que tenha razão.
É certo que tais factos se provaram. Mas não está provado que a “entrada de águas” pelo facto de as clarabóias não terem sido convenientemente fechadas”, ou que a “penetração de águas pluviais” por causa das telhas que os condóminos partiram, tenham tido qualquer influência nos danos alegados e provados, supra referidos. Não se sabe, até, se tal “penetração” ou “ entrada” de águas foi meramente ocasional ou pontual-- bem assim qual a sua dimensão ou relevância!
Aliás, veja-se que as provadas infiltrações de águas pluviais tiveram uma origem bem determinada e que se não mostra que tenham ligação com as aludidas (algumas) telhas partidas ou o também referido esquecimento de fecho das clarabóias.
Com efeito, tal origem das infiltrações está, essencialmente -- e perdoe-se a repetição -- na “vedação na zona que liga a caleira da cobertura ao tubo de queda de águas pluviais e na zona da chaminé e à má vedação do rufo que faz a ligação da cobertura à chaminé”; na “deficiente vedação dos mastiques […...]; na “má vedação das juntas[….]; na “deficiente ligação entre os dois panos de tijolo nas ombreiras das janelas e/ou da deficiente vedação das soleiras das janelas superiores e dos varandins adjacentes”.

Ora, como ficou dito, incumbia ao dono da obra-- ou, in casu, aos terceiros adquirentes das fracções-- a prova dos defeitos. E tal prova foi feita.
Assim sendo, incumbia, então, à ré/empreiteira a prova de que as aludidas infiltrações não eram, de facto, resultado da deficiente execução da empreitada.
Saliente-se que não basta fazer a prova da existência de …. indícios de culpa dos condóminos, ou da eventual (?) existência de culpas concorrentes dos mesmos. É preciso que a ré/empreiteira prove, de forma clara, que os vícios ou defeitos não provêm de culpa sua.
Tal prova, com o devido respeito, não cremos que a tenha feito-- antes dos autos resulta, até, o contrário.

Refere Pedro Martinez[15], relativamente à responsabilidade do empreiteiro, que “em caso de violação do contrato presume-se a culpa daquele (artº 799º, nº1). Esta presunção de culpa é, teoricamente, ilidível. Todavia, tratando-se de prestações de resultado, como acontece no caso da empreitada, na prática ela representa-se como uma presunção iure et de iure, pelo que a responsabilidade do empreiteiro só é afastada nos casos previstos nas alíneas e) e f) deste número”-- que vêm referidas a págs. 197 e 201, respeitantes à “exclusão e limitação legais da responsabilidade” (cit. al. e)), e à “limitação e exclusão convencionais da responsabilidade” (cit. al. f), e que no caso sub judice se não verificam.

Do exposto se conclui que não tendo a ré/apelante logrado provar que é alheia aos aludidos defeitos-- graves, sem dúvida, como foi salientado supra --, a acção não podia deixar de proceder, com a consequente condenação da ré/empreiteira a reparar os provados defeitos, nos termos sentenciados.

Improcede, assim, esta segunda questão.

CONCLUINDO:
- O D.L. nº 267/94 de 25/10, que alterou, designadamente, o disposto no artº 1225, nº1, do C.Civil, é de aplicação imediata segundo o disposto no art. 12 nº 2, 2ª parte.
- Assim, não obstante a redacção do artº 1225º, nº1, anterior ao citado Dec.-Lei nº 267/94, não se referir ao “terceiro adquirente”, deve-se entender que a responsabilidade do empreiteiro se estende a quem adquirir do dono original da obra o prédio ou fracções.
- Além disso, a responsabilidade do empreiteiro existe independentemente do número de alienações do imóvel defeituoso-- continuando o empreiteiro a responder sempre perante o último adquirente, dentro do prazo de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono, prazo este que se não renova após cada transmissão de propriedade.
- No contrato de empreitada, recai sobre o dono da obra ou seu terceiro adquirente o ónus de provar que a obra apresenta defeitos, enquanto ao empreiteiro incumbe o ónus de fazer prova que o vício ou defeito, caso exista, não provém de culpa sua.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
Porto, 24 de Maio de 2007
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves


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[1] Assim sumariado: “a venda do imóvel pelo dono da obra, seu proprietário, transmite para o comprador, de harmonia com as disposições conjugadas dos artºs 879.º alínea a), 1225.º e 1305.º do Cód. Civil, o direito de efectivar a responsabilidade assumida pelo empreiteiro mediante o contrato de empreitada”
[2] Não se deve esquecer, com efeito, que a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código).
É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional--princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e “ A Boa Fé no Direito Comercial”, in “temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e Baptista Machado, in Obras Dispersas, vol. I.
[3] Respectivamente, in Código Civil anotado, vol. II, pág. 902, e em Cumprimento defeituoso..., pág. 404-405, nota 3-- aqui se faz menção das decisões jurisprudenciais que suscitaram as dúvidas que a redacção inicial do artº 1225º do CC de 1966 se suscitaram.
[4] CC Anotado, vol. II, pág. 901.
[5] Diferente é o entendimento de JOSÉ MANUEL VILALONGA, em Compra e venda e empreitada...”, na R.O.A., Ano 57, n.° 1, pág. 224.
[6] Neste sentido, ver José Manuel Vilalonga, ob e loc. cits., a pág. 225 e VINCENZO Roppo, em Contratto di appalto e garanzie per il consumatore finale, em Sicurezza delle contrattazioni..., pág. 153.
[7] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2ª ed., 2005, págs.184.
[8] PIERRE TERCIER, em La partie spéciale du Code des Obligations, pág.
[9] Ver OSÉ MANUEL VILALONGA, em Compra e venda e empreitada...,” na R.O.A., Ano 57, n.° 1, pág. 224 Interpreta o artº 1225.°, do C.C., no sentido de que o terceiro adquirente apenas pode exercer o direito de indemnização.
[10] VAZ SERRA, em Empreitada, no B.M.J., n.° 146, pág. 107
[11] In “Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, 72
[12] Cfr. José Baptista Machado, “Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, 386.
[13] Cfr. Ac. do STJ, de 14.3.1995, in BMJ, 445 pág.464.
[14] Ali se escreveu: “esses defeitos são essencialmente constituídos por humidades que se infiltraram nas fracções e nas partes comuns. Para aquilatar da gravidade do defeito, temos que apurar das suas consequências, pois será um defeito grave aquele que impede o uso da coisa para além do tolerável, para além do simples incómodo. Quanto a este aspecto provou-se que tais infiltrações danificaram as respectivas fracções e seus recheios, bem como as partes comuns do edifício e deterioraram-se bens que os condóminos têm no imóvel, nomeadamente, mobiliário, cortinados e vestuário. Ora, as infiltrações de humidade que chegam a este ponto têm necessariamente que ser consideradas defeitos graves, pois num imóvel destinado a servir de habitação, não é tolerável que as infiltrações de água e humidade cheguem ao ponto de danificar o recheio das fracções, afectando tal situação, de forma grave, o fim a que o imóvel se destina”.
[15] Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, a pág. 180.