Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
623/12.5PPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: FURTO
CONSUMAÇÃO
REINCIDÊNCIA
Nº do Documento: RP20130206623/12.5PPPRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Pratica um crime de furto, na forma consumada, o agente que, depois de se introduzir numa residência e de se apoderar de vários objetos em ouro e relógios, acaba por ser intercetado no exterior da vivenda.
II - A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, assenta, essencialmente, numa maior culpabilidade e censurabilidade do agente pelo facto de, apesar de já ter sido anteriormente condenado, insistir em praticar novo crime, persistindo em delinquir.
III - Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional: o primeiro tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais; o segundo reitera a conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 623/12.5PPPRT.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo comum singular, supra identificado, do 2º Juízo Criminal do Porto, 1ª Secção, acusado pelo MP, foi julgado o arguido B…, solteiro, filho de C… e de D…, natural da freguesia …, concelho do Porto, nascido a 30/08/1959, residente, antes de preso, na Rua …, …., .º Dto., Porto, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 203º e 204º, nº 2, al. e), por referência à al. d) do artº 202º, todos do Código Penal, agravado pela circunstância da reincidência, nos termos dos artºs 75º e 76º, também do Código Penal.

Efectuado o julgamento foi proferida sentença que, na procedência da acusação, condenou o arguido como autor material de um crime de furto simples, p. e p. pelo artº 203º, nº 1, do Código Penal, agravado pela reincidência, nos termos dos artigos 75º e 76º do citado Código, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efectiva.

Não conformado, o arguido interpôs recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:
1. Entende o arguido B… que foi efectuada uma errada subsunção jurídica entre os factos dados como provados e a sua qualificação jurídica, pugnando pela sua condenação no crime de furto simples, mas na forma tentada.
2. Sobre este tema (momento da consumação do furto) a doutrina portuguesa designadamente Faria Costa e Paulo Matta, parte da distinção entre subtracção e domínio de facto para concluir que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa.
3. Afirmam esses autores que o simples tocar na coisa e removê-la do lugar onde estava não é disponibilidade dela, não permite falar num mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa, pelo que não há consumação.
4. Ora, nos autos em apreço, o arguido foi abordado por um vizinho da ofendida, no momento em que saía do apartamento da ofendida para o patamar do prédio, não tendo tido, por conseguinte a posse efectiva dos objectos subtraídos, no sentido que defendemos, nunca deixaram de estar “ameaçados” nessa posse.
5. Considerando que o furto se consumaria quando os objectos entrassem de maneira estável no domínio do arguido, ou seja quando este tivesse adquirido um pleno e autónomo domínio dos objectos em questão, e sendo que isso nunca aconteceu, não existiu consumação do crime.
6. Neste sentido segue também a jurisprudência podendo ver-se a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2000, o Acórdão da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 451/08.2PVLSB.
7. Ora, tendo em conta que o arguido foi abordado no momento em que abandonava a casa, e no seguimento do defendido pela doutrina e jurisprudência acima citadas, não se pode tirar outra conclusão que não seja a de condenar o B… pelo crime de furto simples, na forma tentada.
DA CONDENAÇÃO COMO REINCIDENTE
8. Desde logo importa referir que o instituto da reincidência consagrado no art. 75° do C. Penal não é de aplicação automática.
9. Pois além dos pressupostos formais a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
10. O arguido B… não questiona a verificação dos pressupostos formais. A sua divergência incide apenas sobre o preenchimento do pressuposto material.
11. Terá que ser feito um juízo global sobre o comportamento do agente com base no qual se conclua no sentido de maior censura e, também, uma culpa agravada relativamente ao facto cometido pelo reincidente, definida pelo desrespeito em relação às condenações anteriores.
12. E para este efeito torna-se essencial aferir o espaço de tempo que mediou entre a prática de um e outro crime e bem assim o comportamento do arguido nesse espaço de tempo.
13. Ora, entre a prática destes factos e a restituição à liberdade no processo mencionado na acusação decorreram 3 anos.
14. Durante este período de tempo o arguido não contou com grande, senão mesmo com nenhum apoio por parte dos seus progenitores que apenas se limitaram a proporcionar-lhe um lugar para pernoitar.
15. O arguido atravessou um difícil período de transição dependendo da ajuda de varias instituições sociais para subsistir tendo, contudo, e apesar das dificuldades sentidas conseguido ultrapassar a problemática aditiva integrando o programa de substituição com metadona.
16. Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.
17. Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, como já acima foi referido, além da fragilidade do apoio familiar que se agudizou com a morte do seu pai, não conseguiu o arguido arranjar trabalho.
18. Ora, se é certo que, após ter sido restituído à liberdade, praticou os factos dos presentes autos, a verdade é que estamos perante um crime de furto simples, como aliás reconhece o Tribunal a quo tendo o arguido confessado o crime pelo qual vinha acusado colaborando assim, desta forma, com a justiça.
19. Todos estes factores reconhecidos pelo Tribunal a quo como “… ilicitude consideravelmente diminuída…” deveriam ter sido tidos em conta de forma a equilibrar os pratos da balança não concluído sem mais que houve por parte do arguido “falta de interiorização do mal dos crimes que cometeu.”
20. Logo o comportamento global do arguido durante este tempo foi positivo a todos os níveis pelo que entende o arguido não se justificar na punição do actual crime, uma necessidade de censurar a respectiva conduta de forma mais gravosa recorrendo à figura jurídica da reincidência até pelas circunstâncias que rodearam a prática do mesmo designadamente as fragilidades familiares e económicas do arguido.
21. Em face de tudo o exposto supra deve o arguido ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.
DA NÃO SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
22. Não se compreende que face às exigências do artigo 50.º do C. Penal, o arguido não tenha visto a execução da pena de prisão em que foi condenado, suspensa.
23. O arguido necessita de uma oportunidade e não, salvo o devido respeito por opinião diversa, de prisão, pelo que, fará todo o sentido que dando cumprimento ao artigo 50.º do Código Penal seja a pena em que o arguido venha a ser condenado, suspensa na sua execução.
24. São dois os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão: um de ordem formal e que consiste em a pena de prisão não ser superior a 5 anos; e outro de ordem material, e que consiste em o tribunal concluir que, face à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
25. No caso, verifica-se o pressuposto de ordem formal: o arguido foi condenado numa pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
26. Na Sentença recorrida fundamentou-se a não aplicação ao arguido do instituto da suspensão da execução da pena de prisão com base em dois argumentos: 1.º que o arguido tem antecedentes criminais apresentando um comportamento vincadamente desviante e 2.º de que o arguido não conta com qualquer apoio familiar não havendo, assim, um prognóstico de que assuma outro comportamento mais consentâneo com os valores violados.
27. Em nossa opinião, temos de convir que o argumento para a não aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ao arguido é manifestamente insuficiente para a fundamentação de tal decisão.
28. O que releva é a existência de uma prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, tomo I, pág. 444). A fundamentação da necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, no acórdão recorrido, mais não constitui do que considerações de ordem genérica.
29. No caso temos que, à data da prática dos factos, o arguido conta com 53 anos de idade. Anteriormente à condenação nos presentes autos sofreu várias outras condenações por crimes de natureza essencialmente idêntica, o que nos leva a concluir que a ressocialização do arguido não passa por uma pena de prisão efectiva.
30. Do relatório social resulta que o arguido é oriundo de uma família de modesta condição social, sendo que a vivência familiar desde sempre é descrita como conflituosa.
31. Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.
32. Tornou-se abstinente do consumo de drogas, sendo acompanhado no CRI Porto Central integrando o programa de substituição de metadona.
33. Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, designadamente a falta de apoio familiar e a dificuldade em conseguir colocação laboral.
34. Entendemos, assim, que, com o apoio adequado, pode existir uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado, designadamente mediante o seu ingresso na associação F….
35. Nos termos do art. 51.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime. E nos termos do art. 52.º do mesmo código, o tribunal pode impor ao condenado, durante o período da suspensão, o cumprimento de regras de conduta.
36. Uma dessas regras de conduta poderia ser o dever de frequentar curso de formação profissional que permita ao arguido, poder endireitar a sua vida, possibilitando-lhe, assim, ter um futuro inserido plenamente na sociedade pois, e claramente no caso do arguido, não podemos de todo afirmar que a prisão seja solução para a ressocialização do arguido.
37. O Tribunal a quo não atendeu, assim, em nosso entender, como devia: ao percurso de vida do arguido e ao relatório social deste, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de uma oportunidade.

Respondeu o MP concluindo: “considera-se que a pena aplicada ao recorrente está acertadamente determinada e escolhida, nada havendo a censurar à douta decisão recorrida, designadamente a violação dos art. 203º, 1, 75º (reincidência), 70º e 71º (escolha e determinação da medida da pena) e 50º (suspensão da execução da pena), todos do Código Penal, motivo pelo qual o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente”.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA subscreve a resposta do MP em 1ª Instância.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal a quo considerou provada a seguintes factualidade que, por não ter sido impugnada e não correrem os vícios do art.º 410º do CPP, se tem por definitivamente assente:
1. No dia 27 de Abril de 2012, cerca das 12:30 horas, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida E…, sita na Rua …, …, .º, no Porto, com intenção de retirar do seu interior os objectos e quantias monetárias ali existentes e de que se conseguisse apoderar.
2. Animado desse propósito, o arguido, fazendo uso de uma chave de fendas, estroncou a fechadura da porta da residência da ofendida e acedeu ao seu interior.
3. Uma vez no interior daquela residência, o arguido percorreu e remexeu alguns compartimentos da mesma, tendo encontrado, num dos quartos e na sala, e feito seus, guardando-os nos seus bolsos, sete brincos em metal dourado, um relógio de pulso, com bracelete em napa de cor bege, seis brincos em material prateado, um terço com pequenas esferas em plástico verde e metal dourado e com uma medalha em metal prateado, um colarem metal dourado, uma medalha em metal prateado, uma peça decorativa em forma de carrinho, em metal dourado, com um cristal, quatro pingentes em metal prateado e três notas de cem escudos, tudo no valor de €19 (dezanove euros).
4. O arguido agiu da forma descrita com a intenção de se apropriar de dinheiro ou outros valores existentes no interior da residência da ofendida.
5. O arguido bem sabia que os objectos e valores que pretendia e logrou subtrair não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização da sua legítima proprietária.
6. O arguido actuou livre, consciente e voluntariamente, com o conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. O arguido já foi condenado em penas de prisão pela prática de diversos crimes.
8. Assim, por acórdão transitado em 29/09/2003, proferido em 02/07/2003 no Processo nº 332/01.0PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, foi o arguido condenado na pena de dois (2) anos e dois (2) meses de prisão efectiva pela prática, em 04/04/2001, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal.
9. Efectuado, por acórdão transitado em 19/01/2004, o cúmulo jurídico desta última pena e da aplicada no processo nº 1150/00.9PHPRT (três anos e três meses de prisão) foi o arguido condenado na pena única de três (3) anos e dez (10) meses de prisão efectiva.
10. Por acórdão transitado em 28/10/2005, proferido em 13/10/2005 no Processo nº 382/05.8PGMTS, do 3º Juízo Criminal de Matosinhos, foi o arguido condenado na pena de três (3) anos de prisão efectiva pela prática, em 28/04/2005, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo artº 211º, com referência aos artºs 210º, nº1 e 2, al. b), e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal.
11. O arguido esteve preso desde o dia 28.04.2005 até 13.05.2008, data do termo da pena em que foi condenado no processo nº 382/05.8PGMTS.
12. Apesar do arguido ter sofrido as supra descritas condenações, estas não constituíram suficiente reprovação e advertência para o mesmo evitar novas práticas delituosas, antes tendo optado, de forma culposa, por continuar a praticar actos ilícitos em tudo idênticos àqueles porque anteriormente havia sido condenado.
13. As condenações anteriormente sofridas pelo arguido, assim como as penas de prisão cumpridas até então, não constituíram dissuasão suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos criminais
14. O arguido confessou toda a sua apurada conduta.
15. Consta do certificado do registo criminal do arguido que o mesmo já foi condenado:
a) Por acórdão datado de 05.12.79, proferido no processo nº 1627, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, na pena única de 22 meses de prisão e 3 meses de multa, suspensa por 3 anos, pela prática de um crime de furto, um crime de furto tentado e um crime de introdução em casa alheia. Em 17.07.81, foi declarada efectiva a pena aplicada, à qual foi perdoada toda a pena alternativa de multa e 1 ano de prisão;
b) Por acórdão datado de 16.06.81, proferido no processo nº 1387/80, do 1º Juízo, 2ª Secção, de Vila Nova de Gaia, na pena única de 3 anos e meio de prisão e na multa de 15.540$00 pela prática de um crime de furto, um crime de burla e um crime de introdução em casa alheia. Beneficiou do perdão de 6 meses de prisão. Em 08.09.83, terminou o cumprimento desta pena, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva;
c) Por sentença datada de 10.12.82, proferida no processo nº 293/82, do 2º Juízo Correccional de Lisboa, na pena única de 6 meses de prisão e 30 dias de multa pela prática de um crime de furto e de um crime de introdução em casa alheia;
d) Por sentença datada de 16.10.85, proferida no processo nº 5854, do 1º Juízo Correccional de Vila Nova de Gaia, na pena de 65 dias de prisão e 16 dias de multa pela prática de um crime de receptação. Foi-lhe perdoada a pena de prisão e a prisão alternativa;
e) Por sentença datada de 12.10.87, proferida no processo nº 106/87, do 1º Juízo, 2ª Secção, de Polícia do Porto, na pena global de 80 dias de prisão e 24.000$00 de multa pela prática de um crime de injúria a agente de autoridade;
f) Por acórdão datado de 02.03.89, proferido no processo nº 153/88, do 1º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Criminal do Porto, na pena de 20 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado. Tal foi declarada extinta, por cumprida, em 29.01.90, sendo a sua liberdade definitiva reportada a 02.01.90;
g) Por sentença datada de 06.04.89, proferida no processo nº 924/88, do 5º Juízo Correccional do Porto, na pena de 45 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, pela prática de um crime de falsas declarações;
h) Por acórdão datado de 03.07.90, proferido no processo nº 1066/88, do 4º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, na pena de 9 meses de prisão, integralmente perdoada, pela prática, em 22.02.78, de um crime de furto qualificado;
i) Por acórdão datado de 04.12.90, proferido no processo nº 207/90, do 2º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Vila Nova de Gaia, na pena única de 7 anos de prisão, pela prática, em 26.08.90, de um crime de roubo, um crime de introdução em casa alheia e um crime de detenção de arma de fogo proibida. Beneficiou do perdão de 14 meses de prisão. Em 30.04.95, foi tal pena declarada extinta, por cumprida, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva;
j) Por acórdão datado de 11.12.97, proferido no processo nº 1388/97.4PJPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto, na pena única de 2 anos, 6 meses e 15 dias de prisão pela prática, em 08.06.97, de um crime de furto qualificado e um crime de introdução em lugar vedado ao público. Em 13.05.99, foi declarada perdoada a parte da pena restante que lhe restava cumprir, perdão esse entretanto revogado em 21.01.2003. A pena foi declarada extinta em 02.07.2009;
k) Por sentença datada de 06.07.79, proferida no processo nº 1655/79, do 7º Juízo Correccional de Lisboa, na pena única de 29 dias de multa pela prática de um crime de furto, o qual foi declarado amnistiado;
l) Por acórdão transitado em 06.01.2003, proferido no processo nº 1150/00.9PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 17.09.2000, de um crime de furto qualificado;
m) Por acórdão transitado em 29.09.2003, proferido no processo nº 332/01.0PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão pela prática, em 04.04.2001, de um crime de furto qualificado. Em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo nº 1150/00.9PHPRT, foi condenado na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão. Em 16.02.2005, foi-lhe concedida liberdade condicional até 27.03.2006, revogada em 04.04.2006;
n) Por acórdão transitado em 28.10.2005, proferido no processo nº 382/05.8PGMTS, do 3º Juízo Criminal de Matosinhos, na pena de 3 anos de prisão pela prática, em 28.04.2005, de um crime de violência depois da subtracção. Em 13.05.2008, terminou o cumprimento da pena de prisão aplicada.
16. A primeira prisão do arguido ocorreu aos 19 anos de idade, mais precisamente em 23/10/1978, datando o termo da sua última reclusão de 02/07/2009.
17. Decorre do relatório social do arguido que: O processo de desenvolvimento psicossocial do arguido, que integra um conjunto de quatro irmãos, decorreu num agregado familiar de mediana condição sócio cultural e económica, cuja dinâmica familiar se caracterizava pela instabilidade, fruto do relacionamento conflituoso entre os pais. O pai, oficial do exército, efectuou várias comissões na guerra colonial, sendo acompanhado por toda a família. Esse período foi vivenciado com alguma tensão e desconforto pelo agregado e terá estado na origem de vários conflitos familiares. Frequentou o ensino em idade normal, primeiro num estabelecimento de ensino particular, em Angola, onde concluiu o equivalente ao 1º ciclo do ensino básico. Regressados a Portugal, completou o 6º ano de escolaridade, revelando já nessa fase desmotivação pela aprendizagem dos conteúdos curriculares, pese embora evidenciar capacidades aquisitivas. Esta alteração do contexto sociocultural de vida terá acarretado dificuldades de adaptação por parte do arguido, integrando-se em grupo de pares com condutas tidas como desviantes ainda durante a adolescência, particularmente ao nível do envolvimento no consumo de estupefacientes. O seu trajecto laboral caracterizou-se pela irregularidade e desempenho de múltiplas tarefas indiferenciadas, conhecendo longos períodos de inactividade, situação a que não foi alheia a crescente instabilidade pessoal, que viria a culminar em sucessivos confrontos com o sistema de justiça penal a partir dos 18 anos de idade. O modo de vida acima referido traduziu-se em sistemáticos conflitos com os pais, conduzindo, por várias vezes, à sua saída de casa, e, já no decurso de anteriores penas de prisão, à ruptura do apoio familiar e posterior restabelecimento. Efectuou várias tentativas de tratamento, quer em meio livre quer em ambiente prisional, passando pelo acompanhamento nos agora designados CRI, ou, por sua iniciativa, em instituições como a F…, sempre com recidivas. É portador de doença infecciosa grave que afecta o sistema imunológico, desde há vários anos, com acompanhamento no Hospital …. À data dos factos que constantes na acusação, o arguido encontrava-se em liberdade definitiva desde 21 de Junho de 2009, altura em que saiu do Estabelecimento Prisional de … no termo da pena de prisão em que fora condenado. Foi acolhido na habitação dos progenitores. Porém, a retaguarda proporcionada resumia-se essencialmente ao pernoitar, uma vez que a condição de saúde dos pais, sendo que o pai entretanto terá falecido, associada à saturação dos mesmos face ao seu trajecto criminal, condicionava esse apoio. Desenvolvia um quotidiano caracterizado pela inactividade, sendo parte das suas necessidades de subsistência, particularmente as alimentares, supridas com recurso a cantina social. Relativamente à problemática aditiva, era acompanhado no CRI Porto Central, integrando o programa de substituição com metadona. Ainda que conhecido desde há vários anos no meio de residência, onde quer o arguido quer o conjunto do agregado são associados a uma dinâmica intra-familiar conflituosa, é desconhecido o modo de vida do mesmo no período anterior aos factos em julgamento, já que afirmam que não residiria ali há vários anos. Contudo, é lembrado como educado no relacionamento interpessoal, havendo a percepção de que tinha problemas de toxicodependência. Quando restituído à liberdade, reconhecendo o próprio a impossibilidade de enquadramento junto da mãe, pretende integrar a Associação F…, instituição de apoio e tratamento à toxicodependência, onde aliás já esteve. Contudo, efectuado contacto com a referida entidade, que identificou o caso, foi-nos comunicado que o mesmo só poderá ser acolhido num dos centros que possuem após aquele efectuar o processo de desabituação da metadona, já que de acordo com as regras da instituição não são admitidos utentes com uso de substitutos em curso. Deste modo, caso não o realize em meio prisional, numa primeira fase o arguido terá necessariamente que, em liberdade, e por intermédio do CRI em que era utente, proceder ao supra referido processo de desabituação. Ao nível da salvaguarda das necessidades de subsistência, desde há vários anos afastado do mercado de trabalho e sem qualquer projecto de inserção a este nível, o arguido terá necessariamente que se socorrer das estruturas de apoio social comunitárias, caso no imediato não preencha a condição imposta para ingressar na F…. O arguido deu entrada no E.P. Porto em 28/04/2012, na situação de preso preventivo à ordem dos presentes autos, acusado da prática de um crime de furto qualificado. Relativamente aos factos pelos quais está acusado, e em abstracto, é capaz de os identificar como ilícitos face ao ordenamento legal vigente, embora já quanto à correspondente sanção penal relativize a sua gravidade. Em meio institucional, tem registado um comportamento ajustado às regras vigentes. Não exerce qualquer actividade ocupacional, nomeadamente laboral, no estabelecimento prisional, afirmando que é sua intenção inscrever-se na escola para o próximo ano lectivo. Vem dando continuidade ao programa de substituição com metadona, não sendo conhecido qualquer facto que indicie incumprimento do tratamento. Ao nível familiar, não são conhecidos quaisquer impactos negativos com a sua reclusão, considerando a fragilidade desses laços desde há vários anos, sendo que inclusivamente não recebe vistas no estabelecimento prisional.

Considerou o Sr. Juiz que “não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
Não se provou, nomeadamente, que o arguido só não logrou apropriar-se de outros objectos e valores que a ofendida guardava no interior daquela residência, nomeadamente artefactos em ouro, cujo valor ascendia à quantia de € 5.000, porquanto foi surpreendido no interior daquela habitação por dois vizinhos da ofendida que ali o detiveram até comparecer no local a polícia de Segurança Pública”.

Consta da fundamentação da matéria de facto:
“O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido, que confessou a sua apurada conduta e esclareceu que quando foi abordado pela testemunha G… já se encontrava no exterior da residência da ofendida. Este facto foi confirmado pela referida testemunha, a qual afirmou que, quando viu o arguido, este já tinha saído da habitação da ofendida, encontrando-se com a mochila às costas, tendo nas calças, mais precisamente nos bolsos, uma chave de fendas e os objectos que lhe foram apreendidos.
Face ao depoimento da referida testemunha, o tribunal teve que considerar como não provado o facto supra descrito na alínea a), porquanto, estando o arguido no exterior da residência da ofendida aquando da sua detenção, não se mostra minimamente razoável que aquele ainda pretendesse regressar à mesma a fim de se apropriar de outros objectos que se encontrassem no seu interior, nomeadamente dos artefactos em ouro que ali se encontravam guardados e que o arguido não chegou a encontrar, conforme foi confirmado pela testemunha E…, residente em tal habitação.
Quanto à demais factualidade, atendeu-se ao teor do auto de entrega de fls. 6, do auto de apreensão de fls. 7/8, do auto de exame e avaliação dos objectos de fls. 76/77, das certidões de fls. 82 a 103, do certificado do registo criminal de fls. 131 a 149, da ficha biográfica de fls. 151 e do relatório social de fls. 174 a 178”.

Como é sabido, em regra, são as conclusões da motivação que balizam o objecto do recurso.
Delas se vê que o Recorrente submete à apreciação deste tribunal 3 questões:
- O crime perpetrado é o de furto, mas na forma tentada;
- Não pode ser condenado como reincidente atendendo a que não está verificado o pressuposto material.
- Sempre a pena de prisão tem de ser declarada suspensa na sua execução.

Vejamos.
Começamos por afirmar que a doutrina citada na conclusão 2ª da motivação: “a doutrina portuguesa designadamente Faria Costa e Paulo Matta, parte da distinção entre subtracção e domínio de facto para concluir que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”, não permite a conclusão do Recorrente no sentido de que o ilícito cometido é o de furto na forma tentada.
Demonstremos.
Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 203º do C. Penal, comete o crime de furto “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia”.
O bem jurídico protegido pela norma é, parece evidente, o direito de propriedade ou de posse sobre uma coisa.
Afirma Faria da Costa[1] que “o simples poder de facto sobre a coisa, tutelando-se desta forma a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa com um mínimo de representação jurídica... sendo o furto, sobretudo uma agressão ilegítima ao estado actual das relações jurídicas, ainda que provisórias, dos homens com os bens materiais da vida, na sua exteriorização material”.
Elementos constitutivos do crime são:
- A subtracção;
- De coisa móvel alheia;
- A ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem da coisa.
Como bem refere a RC[2], “A subtracção não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia. É necessário que o agente subtraia a coisa da posse exercida pelo lesado e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro. A subtracção consiste, tal como refere Beleza dos Santos, «na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou de dispor dele, e a substituição desse poder pelo do agente» – cfr. RLJ, n.º 58, p. 252.
A subtracção não se tem por completamente integrada com a simples contrectatio, ou mesmo com a aprehensio rei, pois, certamente, veríamos excluída da previsão do furto todas as situações em que a posse não fora sequer violada. Do mesmo modo, não se nos afigura curial exigir-se a ablatio, isto é, a deslocação da coisa de um lado para o outro pelo agente do furto a fim de consolidar a apropriação – cfr. Maia Gonçalves C. Penal Anotado, p. 604.
Assim, é imprescindível que o agente subtraia a coisa do domínio de facto anteriormente exercido sobre ela e a coloque sob o seu domínio, à sua disposição ou à disposição de terceiro.
O crime de furto consuma-se com a entrada da coisa furtada na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, ou seja, o tipo basta-se com a consumação formal ou jurídica, desprezando a doutrina da posse pacífica ou consumação material (cfr. Ac. STJ de 26.01.95, CJ-STJ, t. I, pág. 190 e Ac. STJ de 22.05.97, CJ-STJ, t. II, pág. 224)”.
Também nós entendemos que o crime de furto se consuma no preciso momento em que o agente subtrai a coisa e a coloca na sua disponibilidade ou de terceiro.
Vai neste sentido toda a jurisprudência conhecida, respigando-se, da mais recente, as seguintes passagens:
“Para a consumação do crime de furto tem-se entendido que é suficiente, por exemplo, a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular (usualmente respectivo proprietário) para o agente (normalmente implicando desapossamento do proprietário e sua integração no património do agente), não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego. Ou seja: não é necessário a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura (illatio), para que se considere verificada a consumação do crime de furto”[3].
“O crime de furto consuma-se quando a coisa sai da esfera de domínio do titular inicial e o agente adquire um mínimo de estabilidade no domínio de facto correspondente ao seu empossamento, uma estabilidade que lhe assegure uma possibilidade plausível, ainda que não absoluta (posse pacífica), de fruição e disposição da coisa subtraída”[4].
“Para a consumação do crime de furto é suficiente a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente, não sendo necessário que este último detenha a coisa de forma pacífica ou em tranquilidade ou sossego; ou seja, não é necessária a conservação da posse da coisa, em poder do agente, de forma segura, para que se considere verificada a consumação do crime de furto”[5].
“Se o arguido, após lhe terem sido entregues dois volumes de maços de tabaco, os colocou numa bolsa que trazia à cintura e fugiu da papelaria sem os pagar, revela comportamento adequado a que o poder de facto da queixosa tivesse sido para si transferido, revertendo em seu favor, a partir de então, a disponibilidade e a fruição de tais bens, o que basta para que a subtracção de coisa alheia se mostre perfectibilizada”[6].
“Consuma-se o furto quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que perseguido venha a ser despojado”[7].
“Pratica o crime de furto simples, na forma consumada, aquele que, entrando num estabelecimento sito num centro comercial, aí se apodera de dois tops, dois pares de sandálias, uma camisola e um vestido, no valor total de € 138,94, guardando-os em dois sacos forrados com folhas de alumínio, por forma a impedir que, ao passar com esses artigos na linha de caixa, fossem ativados os alarmes aí existentes e, seguidamente sai desse estabelecimento comercial levando-os consigo sem efetuar o respetivo pagamento, ainda que depois venha a ser intercetado e detido à porta desse estabelecimento”[8].
“O arguido que se apoderou de vários bens no interior de uma habitação e que, ao aperceber-se que um vizinho se dirigia para o local, abandonou alguns no pátio, junto ao portão, pondo-se em fuga com apenas dois dos objetos, comete um crime de furto, na forma consumada, relativamente à totalidade dos bens”[9].
Revertendo ao caso em análise temos que o arguido, no dia 27 de Abril de 2012, cerca das 12:30 horas, dirigiu-se à residência da ofendida E…, sita na Rua …, …, .º, no Porto, com intenção de retirar do seu interior os objectos e quantias monetárias ali existentes e de que se conseguisse apoderar.
Animado desse propósito, o arguido, fazendo uso de uma chave de fendas, estroncou a fechadura da porta da residência da ofendida e acedeu ao seu interior.
Uma vez no interior daquela residência, o arguido percorreu e remexeu alguns compartimentos da mesma, tendo encontrado, num dos quartos e na sala, e feito seus, guardando-os nos seus bolsos, sete brincos em metal dourado, um relógio de pulso, com bracelete em napa de cor bege, seis brincos em material prateado, um terço com pequenas esferas em plástico verde e metal dourado e com uma medalha em metal prateado, um colarem metal dourado, uma medalha em metal prateado, uma peça decorativa em forma de carrinho, em metal dourado, com um cristal, quatro pingentes em metal prateado e três notas de cem escudos, tudo no valor de €19 (dezanove euros).
O arguido agiu da forma descrita com a intenção de se apropriar de dinheiro ou outros valores existentes no interior da residência da ofendida.
O arguido bem sabia que os objectos e valores que pretendia e logrou subtrair não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem autorização da sua legítima proprietária.
O arguido actuou livre, consciente e voluntariamente, com o conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Vê-se da fundamentação da matéria de facto que o arguido “foi abordado pela testemunha G… (quando) já se encontrava no exterior da residência da ofendida. Este facto foi confirmado pela referida testemunha, a qual afirmou que, quando viu o arguido, este já tinha saído da habitação da ofendida, encontrando-se com a mochila às costas, tendo nas calças, mais precisamente nos bolsos, uma chave de fendas e os objectos que lhe foram apreendidos”.
Conclui-se da factualidade referida que o arguido se apoderou dos objectos e os colocou na sua disponibilidade.
É verdade que, pouco tempo depois de se ter apoderado dos objectos, foi interceptado por uma pessoa, testemunha nos autos, que o desapossou dos objectos de que se havia apoderado.
Mas já estava no exterior da habitação e de posse dos objectos, que havia feito seus.
Estamos perante dois momentos distintos, que não podem ser confundidos: o momento da apropriação ou do apossamento do bem alheio; e o momento, fazendo uso das palavras do primeiro dos arestos citados, “necessariamente posterior, em que, tendo havido apropriação (prévia) ilegítima, uma vez descoberta a mesma foi obtida a recuperação do bem e a sua restituição ao dono. Uma coisa é o apossamento/tomada da posse de coisa alheia, tomando-a como sua, assumindo-se como dono. Outra a (eventual, necessariamente posterior) recuperação. De um lado a assunção da posse, uti domino. Do outro a destituição dessa posse/restituição do objecto, por efeito da descoberta, a posteriori, do crime. (…) O crime ficara consumado com a tomada da posse de coisa alheia pré-intencionada à apropriação, uti domino, sem qualquer título de transmissão do direito”.
Assim aconteceu in casu.
Improcede, pois, a primeira questão suscitada pelo Recorrente.

Defende o arguido que não pode ser condenado como reincidente atendendo a que não está verificado o pressuposto material.
A este propósito expendeu o Sr. Juiz:
“Tendo o arguido cometido o crime dos autos (crime doloso punível com prisão até 3 anos), depois de ter sido condenado por sentenças transitadas em julgado em penas de prisão efectivas superiores a 6 meses por outros crimes dolosos de idêntica natureza ao dos autos, é evidente que as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime, tanto mais que grande parte dos crimes que cometeu anteriormente também ocorreram no interior de residências.
Por outro lado, não se computando no prazo previsto no nº 2 do art. 75º do Código Penal o tempo durante o qual o arguido esteve em cumprimento de prisão, verifica-se que os crimes anteriormente cometidos, nomeadamente de furto qualificado e de violência depois da subtracção, relevam para a reincidência.
Assim sendo, considera-se que se mostram preenchidos os pressupostos da reincidência, previstos no art. 75º, nºs 1 e 2, do Código Penal”.
Contrapõe o Recorrente que não questiona a verificação dos pressupostos formais.
A sua divergência incide apenas sobre o preenchimento do pressuposto material.
Alega:
“Terá que ser feito um juízo global sobre o comportamento do agente com base no qual se conclua no sentido de maior censura e, também, uma culpa agravada relativamente ao facto cometido pelo reincidente, definida pelo desrespeito em relação às condenações anteriores.
E para este efeito torna-se essencial aferir o espaço de tempo que mediou entre a prática de um e outro crime e bem assim o comportamento do arguido nesse espaço de tempo.
Ora, entre a prática destes factos e a restituição à liberdade no processo mencionado na acusação decorreram 3 anos.
Durante este período de tempo o arguido não contou com grande, senão mesmo com nenhum apoio por parte dos seus progenitores que apenas se limitaram a proporcionar-lhe um lugar para pernoitar.
O arguido atravessou um difícil período de transição dependendo da ajuda de varias instituições sociais para subsistir tendo, contudo, e apesar das dificuldades sentidas conseguido ultrapassar a problemática aditiva integrando o programa de substituição com metadona.
Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.
Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, como já acima foi referido, além da fragilidade do apoio familiar que se agudizou com a morte do seu pai, não conseguiu o arguido arranjar trabalho.
Ora, se é certo que, após ter sido restituído à liberdade, praticou os factos dos presentes autos, a verdade é que estamos perante um crime de furto simples, como aliás reconhece o Tribunal a quo tendo o arguido confessado o crime pelo qual vinha acusado colaborando assim, desta forma, com a justiça.
Todos estes factores reconhecidos pelo Tribunal a quo como “… ilicitude consideravelmente diminuída…” deveriam ter sido tidos em conta de forma a equilibrar os pratos da balança não concluído sem mais que houve por parte do arguido “falta de interiorização do mal dos crimes que cometeu.”
Logo o comportamento global do arguido durante este tempo foi positivo a todos os níveis pelo que entende o arguido não se justificar na punição do actual crime, uma necessidade de censurar a respectiva conduta de forma mais gravosa recorrendo à figura jurídica da reincidência até pelas circunstâncias que rodearam a prática do mesmo designadamente as fragilidades familiares e económicas do arguido.
Em face de tudo o exposto supra deve o arguido ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.

Não se pode considerar um modelo a fundamentação da sentença, ou seja, daquelas que servem para legitimar o poder judicial.
Mas decidiu bem o Sr. Juiz, apesar de ter sido parco na fundamentação.
Como demonstraremos.

Dispõe o art.º 75º do CPP:
“1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade.
3 - …
4 - …”
São pressupostos formais da reincidência:
- A prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação;
- Crime esse que tem de ser doloso,
- Que deve ser punido, sem a reincidência, com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- Que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- Que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos (este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.
Não se discute, nos presentes autos, a verificação dos pressupostos formais que, na realidade, face à matéria de facto provada, estão integralmente verificados.
Todavia, para além daqueles pressupostos formais, exige a lei a verificação de um pressuposto material, qual seja o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar especialmente porque a condenação ou as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.
Ensina Figueiredo Dias[10]:
“O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido à admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenação anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível.
Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel. Decisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores”.
Aponta no mesmo sentido o nosso mais Alto Tribunal[11]:
“É agora claro que nem o fundamento de tal agravação radica, directa e imediatamente, na perigosidade nem ela resulta, automaticamente, da verificação de certos requisitos, exclusivamente formais. O que a justifica é a culpa agravada do agente, ainda e sempre relativa ao facto, por o ter praticado em circunstâncias que revelam, também, um censurável desrespeito pela solene advertência contida nas condenações anteriores”.

A agravante da reincidência, que jamais pode ser aplicada de forma automática, assenta, essencialmente, numa maior culpabilidade e censurabilidade do agente pelo facto de, apesar de já ter sido anteriormente condenado, insistir em praticar novo crime, persistindo em delinquir. Deverá poder concluir-se que o agente foi insensível à censura contida na(s) anterior(es) condenação(ões) e, por isso, deve ser mais severamente punido.
A jurisprudência é uniforme no sentido de que, para poder operar a reincidência, se exige uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”[12].
Há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional.
Este reitera na conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade.
Aquele tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais.

Regressando aos autos, com facilidade se conclui que, apesar das muitas condenações sofridas pelo arguido, cada vez que é colocado em liberdade, volta a perpetrar crimes contra o património.
O que significa duas coisas:
- Por um lado, que a sua personalidade é propensa à prática deste tipo de ilícitos;
- Por outro, que as condenações não têm sido suficientes para o tornar homem fiel ao direito.
Na verdade:
● Por acórdão transitado em 29/09/2003, proferido em 02/07/2003 no Processo nº 332/01.0PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, foi o arguido condenado na pena de dois (2) anos e dois (2) meses de prisão efectiva pela prática, em 04/04/2001, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs 203º e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal.
● Efectuado, por acórdão transitado em 19/01/2004, o cúmulo jurídico desta última pena e da aplicada no processo nº 1150/00.9PHPRT (três anos e três meses de prisão) foi o arguido condenado na pena única de três (3) anos e dez (10) meses de prisão efectiva.
● Por acórdão transitado em 28/10/2005, proferido em 13/10/2005 no Processo nº 382/05.8PGMTS, do 3º Juízo Criminal de Matosinhos, foi o arguido condenado na pena de três (3) anos de prisão efectiva pela prática, em 28/04/2005, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo artº 211º, com referência aos artºs 210º, nº1 e 2, al. b), e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal.
Mas já anteriormente fora condenado.
● Por acórdão datado de 05.12.79, proferido no processo nº 1627, do 1º Juízo Criminal de Lisboa, na pena única de 22 meses de prisão e 3 meses de multa, suspensa por 3 anos, pela prática de um crime de furto, um crime de furto tentado e um crime de introdução em casa alheia. Em 17.07.81, foi declarada efectiva a pena aplicada, à qual foi perdoada toda a pena alternativa de multa e 1 ano de prisão;
● Por acórdão datado de 16.06.81, proferido no processo nº 1387/80, do 1º Juízo, 2ª Secção, de Vila Nova de Gaia, na pena única de 3 anos e meio de prisão e na multa de 15.540$00 pela prática de um crime de furto, um crime de burla e um crime de introdução em casa alheia. Beneficiou do perdão de 6 meses de prisão. Em 08.09.83, terminou o cumprimento desta pena, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva;
● Por sentença datada de 10.12.82, proferida no processo nº 293/82, do 2º Juízo Correccional de Lisboa, na pena única de 6 meses de prisão e 30 dias de multa pela prática de um crime de furto e de um crime de introdução em casa alheia;
● Por sentença datada de 16.10.85, proferida no processo nº 5854, do 1º Juízo Correccional de Vila Nova de Gaia, na pena de 65 dias de prisão e 16 dias de multa pela prática de um crime de receptação. Foi-lhe perdoada a pena de prisão e a prisão alternativa;
● Por acórdão datado de 02.03.89, proferido no processo nº 153/88, do 1º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Criminal do Porto, na pena de 20 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado. Tal foi declarada extinta, por cumprida, em 29.01.90, sendo a sua liberdade definitiva reportada a 02.01.90;
● Por acórdão datado de 03.07.90, proferido no processo nº 1066/88, do 4º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, na pena de 9 meses de prisão, integralmente perdoada, pela prática, em 22.02.78, de um crime de furto qualificado;
● Por acórdão datado de 04.12.90, proferido no processo nº 207/90, do 2º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal de Vila Nova de Gaia, na pena única de 7 anos de prisão, pela prática, em 26.08.90, de um crime de roubo, um crime de introdução em casa alheia e um crime de detenção de arma de fogo proibida. Beneficiou do perdão de 14 meses de prisão. Em 30.04.95, foi tal pena declarada extinta, por cumprida, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva;
● Por acórdão datado de 11.12.97, proferido no processo nº 1388/97.4PJPRT, da 1ª Vara Criminal do Porto, na pena única de 2 anos, 6 meses e 15 dias de prisão pela prática, em 08.06.97, de um crime de furto qualificado e um crime de introdução em lugar vedado ao público. Em 13.05.99, foi declarada perdoada a parte da pena restante que lhe restava cumprir, perdão esse entretanto revogado em 21.01.2003. A pena foi declarada extinta em 02.07.2009;
● Por sentença datada de 06.07.79, proferida no processo nº 1655/79, do 7º Juízo Correccional de Lisboa, na pena única de 29 dias de multa pela prática de um crime de furto, o qual foi declarado amnistiado;
● Por acórdão transitado em 06.01.2003, proferido no processo nº 1150/00.9PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão pela prática, em 17.09.2000, de um crime de furto qualificado;
● Por acórdão transitado em 29.09.2003, proferido no processo nº 332/01.0PHPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão pela prática, em 04.04.2001, de um crime de furto qualificado. Em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo nº 1150/00.9PHPRT, foi condenado na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão. Em 16.02.2005, foi-lhe concedida liberdade condicional até 27.03.2006, revogada em 04.04.2006;
● Por acórdão transitado em 28.10.2005, proferido no processo nº 382/05.8PGMTS, do 3º Juízo Criminal de Matosinhos, na pena de 3 anos de prisão pela prática, em 28.04.2005, de um crime de violência depois da subtracção. Em 13.05.2008, terminou o cumprimento da pena de prisão aplicada.
É caso para dizer que o arguido faz do furto praticamente o seu modo de vida.
Porque para isso tem vocação.
E não venha invocar circunstâncias exógenas, que inexistem, e que não constam da matéria de facto provada.
Face ao que se expõe não podia deixar de ter sido condenado como reincidente, como foi.

Pretende, finalmente, ignorando o seu passado criminal, que a pena de prisão seja declarada suspensa na sua execução.
Consignou o Sr. Juiz:
“Atendendo ao percurso de vida do arguido, aos seus antecedentes criminais, à sua personalidade vincadamente desviante e resistente às sanções penais, ao seu problema aditivo, que persiste, sendo certo que tem cumprido o programa de substituição com metadona, à ausência de qualquer apoio familiar (note-se que não pode regressar para casa da mãe, com quem está incompatibilizado, sendo que não tem qualquer outra residência) e à ausência de um projecto de vida estruturado, considera-se que não há condições para substituir a pena de prisão aplicada por qualquer outra pena não detentiva da liberdade (nomeadamente, suspensão da pena ou trabalho a favor da comunidade, únicas no caso admissíveis), pois nenhuma delas se mostra susceptível de satisfazer de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na verdade, face à factualidade apurada, não é possível fazer-se um prognóstico favorável no sentido de a simples censura dos factos e a ameaça da prisão, mesmo que acompanhados de regime de prova ou deveres/regras de conduta, serem suficientes para afastar o arguido da criminalidade, pois cometeu o crime dos autos após ter cumprido várias penas de prisão por crimes contra o património, pelo que está mais que demonstrado que nem sequer a aplicação do tipo de pena mais grave foi suficiente para evitar a reincidência.
Face ao exposto, decide-se não suspender ou substituir por trabalho a favor da comunidade a pena de prisão aplicada ao arguido”.
Contra o assim decidido se insurge o arguido, argumentando:
“O arguido necessita de uma oportunidade. (…)
Na Sentença recorrida fundamentou-se a não aplicação ao arguido do instituto da suspensão da execução da pena de prisão com base em dois argumentos: 1.º que o arguido tem antecedentes criminais apresentando um comportamento vincadamente desviante e 2.º de que o arguido não conta com qualquer apoio familiar não havendo, assim, um prognóstico de que assuma outro comportamento mais consentâneo com os valores violados.
Em nossa opinião, temos de convir que o argumento para a não aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ao arguido é manifestamente insuficiente para a fundamentação de tal decisão.
O que releva é a existência de uma prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, tomo I, pág. 444). A fundamentação da necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, no acórdão recorrido, mais não constitui do que considerações de ordem genérica.
No caso temos que, à data da prática dos factos, o arguido conta com 53 anos de idade. Anteriormente à condenação nos presentes autos sofreu várias outras condenações por crimes de natureza essencialmente idêntica, o que nos leva a concluir que a ressocialização do arguido não passa por uma pena de prisão efectiva.
Do relatório social resulta que o arguido é oriundo de uma família de modesta condição social, sendo que a vivência familiar desde sempre é descrita como conflituosa.
Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.
Tornou-se abstinente do consumo de drogas, sendo acompanhado no CRI Porto Central integrando o programa de substituição de metadona.
Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, designadamente a falta de apoio familiar e a dificuldade em conseguir colocação laboral.
Entendemos, assim, que, com o apoio adequado, pode existir uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado, designadamente mediante o seu ingresso na associação F….
Nos termos do art. 51.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime. E nos termos do art. 52.º do mesmo código, o tribunal pode impor ao condenado, durante o período da suspensão, o cumprimento de regras de conduta.
Uma dessas regras de conduta poderia ser o dever de frequentar curso de formação profissional que permita ao arguido, poder endireitar a sua vida, possibilitando-lhe, assim, ter um futuro inserido plenamente na sociedade pois, e claramente no caso do arguido, não podemos de todo afirmar que a prisão seja solução para a ressocialização do arguido.
O Tribunal a quo não atendeu, assim, em nosso entender, como devia: ao percurso de vida do arguido e ao relatório social deste, elemento fundamental para se aferir em como o arguido é merecedor de uma oportunidade”.

Que dizer?
Que o recurso, nesta parte, é manifestamente improcedente. Como se verá.
O art.º 50º, n.º 1, do C. Penal manda que o tribunal suspende a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão (aqui da pena) realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para aplicação da pena de substituição é, pois, necessário que se possa concluir que o arguido presumivelmente não voltará a cometer novo crime.
Trata-se, no dizer de Anabela Rodrigues[13], de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.
Tal conclusão tem de ser extraída de um juízo de prognose antecipado, que seja favorável ao arguido.
Trata-se de um juízo de prognose que não corresponde a uma certeza, “antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga fundar”[14].
Tal juízo tem de assentar essencialmente na prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido.
Não estão aqui em causa considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de (re)integração.
Sempre que tal juízo de prognose seja favorável ao delinquente não deverá, em princípio, decretar-se a execução da pena.
Mas devem ter-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém. A comunidade não há-de encarar a suspensão como sinal de impunidade, deixando de acreditar no sistema penal como eficaz na tutela dos bens jurídicos.
Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, o arguido não voltará a cometer novo crime; e ainda que as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não saem defraudadas.
Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.
Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.
A averiguação da dita probabilidade deve ser feita em concreto, passando em revista a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta que manteve antes e depois do facto e as circunstâncias em que o praticou.
Esta conclusão, como defendem os doutrinadores, tem de assentar num juízo favorável de não voltar a delinquir, feito em prognose antecipada.
E, na dúvida, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada[15].
Ora, perante a factualidade apurada, não pode senão fazer-se um juízo de prognose desfavorável, tanto do ponto de vista da prevenção geral como da prevenção especial.
Na realidade, a Comunidade deixaria de acreditar no sistema penal se um indivíduo, tantas vezes condenado em pena de prisão pela prática de crimes contra o património, fosse agora condenado em pena não detentiva, ademais quando se trata de um reincidente.
Trata-se de um crime de furto em casa de habitação, seja na residência da ofendida E…, sita na Rua …, …, .º, no Porto, o que eleva, de sobremaneira, o sentimento de insegurança, a exigir forte reacção contrafáctica.
Acresce que, como se referiu, as anteriores condenações não foram suficientes para afastar o arguido da delinquência.
O que implica se faça o referido juízo desfavorável.

Improcedem, pois, todas as conclusões da motivação.

DECISÃO:
Termos em que, na improcedência do recurso, se mantém e confirma a sentença recorrida.
Fixa-se em 5 Ucs a tributação.

Porto, 6-02-2013
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro
______________
[1] Comentário Conimbricense do Código Penal, em anotação ao art.º 203º
[2] Ac de 20/6/2012, processo 1135/11.0PBCBR.C1, in www.dgsi.pt
[3] Ac da RC de 9/12/2009, processo 19/08.3 GBCVL.C1, in www.dgsi.pt
[4] Ac da RP de 12/5/2010, processo 36/08.3GHVNG.P1, in www.dgsi.pt
[5] Ac da RE de 6-09-2011, processo 294/09.6GFLLE.E2, in www.dgsi.pt
[6] Ac da RE de 15-11-2011, processo 199/10.8PAOLH.E1, in www.dgsi.pt
[7] Ac da RE de 29/05/2012, processo 49/11.8GAVRS.E1, in www.dgsi.pt
[8] Ac da RC de 20/06/2012, processo 1135/11.0PBCBR.C1, in www.dgsi.pt
[9] Ac da RP de 24/10/2012, processo 393/11.4GFPNF.P1, in www.dgsi.pt
[10] As consequências jurídicas do crime, pg. 268
[11] Ac do STJ de 9/12/98, in BMJ, pg. 77 e segs
[12] Ac do STJ de 26/3/2008, processo 4833/07
[13] A posição jurídica do recluso, pg. 78 e segs.
[14] Ac do STJ de 13/05/2009, CJ, Acs do STJ, XVII, II, p. 220
[15] Assim, Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 344, que cita Jescheck