Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/08.9TBOAZ
Nº Convencional: JTRP00042467
Relator: TEIXEIRA RIBEIRO
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
GERÊNCIA
PESSOALIDADE
PROCURAÇÃO
Nº do Documento: RP2009042016/08.9TBOAZ
Data do Acordão: 04/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 795 - FLS 71.
Área Temática: .
Sumário: I – O Cod. Soc. Com. consagra o princípio da pessoalidade do exercício do cargo de gerente nas sociedades por quotas, de que são consequências lógico-normativas a proibição de se fazerem representar no exercício do seu cargo (art. 252º, nº5) e a intransmissibilidade da gerência (art. 252º, nº4).
II – Sendo, apesar disso, legalmente permitido aos gerentes nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos (art. 252º, nº6), não podem eles, todavia, conferir a esses procuradores ou mandatários poderes tão amplos que colidam com o princípio anteriormente enunciado, de carácter imperativo.
III – Por isso, é nula a procuração (arts. 2º do Cod.Soc. Com. e 294º do CC) em que os dois únicos sócios e gerentes de uma sociedade por quotas conferem, em representação desta, poderes a um procurador, para, além do mais, “praticar todos os actos e contratos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social da sociedade, nomeadamente (…) e, em geral, todos os poderes de gestão e representação que a gestão e defesa dos direitos e interesses da sociedade exijam”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rel. 29
Apelação nº 16/08.9TBOAZ
(Apelação nº 31/09-3)
2ª Secção Cível

Relator – Teixeira Ribeiro
Adjuntos.- Desembgdrs: Dr. Pinto de Almeida e
Dr. Telles de Menezes



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – B………., residente em ………., freguesia de ………., Oliveira de Azeméis, intentou na Comarca de Oliveira de Azeméis, acção declarativa, com processo ordinário, aí distribuída ao .º Juízo Cível sob o nº16/08.9TBOAZ,
Contra
C………., com sede no mesmo lugar e freguesia, pedindo se declare nula a procuração que em 15 de Fevereiro do ano 2000 ela e seu irmão D………., enquanto únicos sócios e gerentes, e em representação de E………., LDª, outorgaram ao Réu, constituindo-o, por essa forma, procurador desta sociedade e atribuindo-lhe todos os poderes de gerência existentes na sociedade, em violação de normas de carácter imperativo, como são as do Artº 252º do Código das Sociedades Comerciais.

Contestando, o Réu, pai da Autora, alegou, em síntese, que:
- Constituída a Sociedade E………., Ldª em 19 de Agosto de 1987, por força de sucessivas cessões de quotas passou a ter dois únicos sócios (os outorgantes da procuração), ambos nomeados gerentes, apesar de muito novos e sem capacidade para assumir uma empresa de tal dimensão; foi nesse contexto que surgiu a procuração, tendo sido ele (Réu) quem dispusera do capital para adquirir todas as quotas, activo e passivo da sociedade, no valor de Esc. 260.000.000$00, e que, por isso, ficara com uma confissão de dívida em seu poder, que deveria ter sido paga e não foi.
Defendendo que apesar de a A. B………. entretanto haver renunciado à gerência a sociedade continua a ter outro gerente (o irmão daquela), e que a lei admite que possam ser nomeados estranhos para órgãos da administração, concluiu pela improcedência da acção.

Respondendo à matéria de excepção, a Autora considerou irrelevante e dilatório o alegado pelo R, concluindo como na petição inicial.
*
No despacho saneador, julgou-se a acção procedente, declarando-se a nulidade da identificada procuração.

Inconformado, o Réu trouxe a presente apelação, formulando as seguintes conclusões alegatórias:

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……………………………………………………
……………………………………………………

A Autora não ofereceu contra alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Sendo as conclusões alegatórias que definem o objecto e o âmbito do recurso (Artºs 684º, nºs 1 e 3, e 690º, nº1, ambos do Cod. Proc. Civil), temos, no essencial, duas questões para conhecer:
a) – Saber se foi alegada suficiente causa de pedir pela Autora, de modo a justificar-se a decisão que foi proferida;

b) – Conhecer do mérito da sentença, quanto à declaração de nulidade da procuração outorgada pela Autora ao Réu.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – Os Factos que a sentença julgou provados, documentalmente e por acordo das partes:

1º– Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Azeméis sob o nº……… a sociedade comercial denominada “E………., Ldª”;

2º - São seus sócios e gerentes a autora e D………., irmãos entre si e filhos do réu;

3º - Com data de 14 de Fevereiro de 2000 a autora, o réu e o referido D………., assinaram o documento junto aos autos a fls. 36 a 37, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“2 – Que o capital pertence em partes iguais a cada um dos referidos sócios, ou seja, cada um deles detém quotas correspondentes a metade desse capital.
3 – Que essas quotas foram adquiridas a F………. e a seus filhos e o pagamento das mesmas foi feita por C………., pai da B………. e do D………. (…).
5 – (…) reconhecem dever ao C………. a quantia de duzentos e sessenta milhões de escudos.
8 – (…) para que ele possa ser reembolsado dos referidos duzentos e sessenta milhões de escudos, obrigam-se a passar-lhe procuração que lhe permita vender as quotas e ficar com o preço da venda, como meio de ele se ressarcir integralmente dos pagamentos atrás referidos, o que ele poderia fazer caso eles não amortizem o seu débito”.

4º - Com a data de 15 de Fevereiro de 2000, a autora e D………. assinaram a procuração junta a fls, 55-57, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“Declaram os outorgantes:
Um – Que pelo presente instrumento, E………., Ldª, constitui seu procurador C………. (...), a quem, com a faculdade de substabelecer, concede os poderes seguintes:
- Para praticar todos os actos e contratos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social da sociedade, nomeadamente:
a) representar a sociedade perante tribunais (…); perante os entes e órgãos de administração central, regional (…) todo o tipo de entidades públicas ou privadas (…);
b) comprar e vender matérias primas, bens de equipamentos, utensílios, veículos automóveis e produtos acabados;
c) comprar, vender e onerar bens imóveis e moveis;
d) fazer contratos de locação de bens móveis e imóveis, incluindo no regime de leasing, bem como fazer a sua alteração, revogação e rescisão;
e) contratar operações financeiras, activas a passivas e abrir linhas de crédito;
f) fazer contratos de trabalho, bem como fazer a sua revogação e rescisão, exercer o poder disciplinar, instaurar processos disciplinares e proceder a despedimentos;
g) constituir mandatários judiciais (…);
h) subscrever livranças, aceites bancários, garantias bancárias e termos de fianças (…);
i) fazer despachos alfandegários e assinar e endossar conhecimentos e respectivos comprovantes;
j) receber quaisquer valores, bens e documentos e dar quitação;
k) outorgar quaisquer escrituras sempre que, no caso concreto, lhe tenham sido atribuídos ou delegados por acta da gerência ou da assembleia geral que precisará o seu conteúdo;
l) e em geral, exercer todos os poderes de gestão e representação que a gestão e a defesa dos interesses da sociedade exijam.
Dois – Que a presente procuração é conferida no interesse do referido procurador sendo, por isso, irrevogável nos termos dos artigos duzentos e sessenta e cinco, número três, e mil cento e setenta e um, número dois, ambos do Código Civil.”

5º - Com a data de 8 de Janeiro de 2001, a autora comunicou à sociedade E………., Ldª, a renúncia à gerência dessa sociedade, conforme a carta junta a fls.38, que não foi objecto de registo na CR Comercial.

II. 2 – Os Factos e o Direito Aplicável às Enunciadas Questões

a) – Da suficiência da causa de pedir e da sua prova:
O Apelante questionou a suficiência das causa de pedir invocada pela Autora, por esta – no seu dizer – se ter limitado a invocar a nulidade da procuração sem ter descrito, de modo concreto e individualizado, “a forma e o conteúdo das declarações de vontade emitidas”, em vez de – como o fez – ter remetido para aquele documento, que deu por reproduzido. Na sequência, sustentou, ainda, que a Mmª Juiz se lhe não poderia ter substituído para dar como provados (como deu) os factos que constituem o conteúdo da procuração no que concerne às declarações emitidas pelos respectivos outorgantes.
Compreende-se mal esta divergência, pelos seguintes motivos: a causa de pedir -- que constitui o fundamento concreto da vida real que justifica a formulação do pedido (entendido este como a tutela ou providência judicial pretendida e solicitada) -- é tanto mais ampla ou substancial quanto o é o respectivo pedido. É este que condiciona a sua amplitude, atento o princípio da substanciação consagrado no nosso sistema processual civil (Artºs 151º, 264º, nº1, e 467º, nº1, d), do CPC).
No caso “sub júdice”, o pedido da acção circunscreve-se à declaração de nulidade da procuração em que foram outorgantes os únicos sócios e gerentes de uma sociedade por quotas e o Réu, a pretexto de que tal procuração contraria as normas imperativas do Artº 252º do Código das Sociedades Comerciais.
Para fundamentar esse pedido, a Autora alegou em que circunstâncias elaboraram a procuração; era muito nova e sem experiência de gestão, sendo ela e um irmão os únicos sócios e gerentes da sociedade por quotas. Juntou, além disso, o teor dessa mesma procuração. Primeiro, em fotocópia, e, mais tarde (fls. 34 a 37), em pública-forma, certificada pelo Notário, e indicou as normas pretensamente violadas.
Ora, neste contexto, parece-nos despiciendo exigir-lhe que reproduzisse no articulado, as declarações de vontade que emitira em tal documento, ao dispor da observação e análise do Tribunal.
Na mesma linha, e por idênticas razões, sendo tal documento autêntico (exarado pelo oficial público competente, em cartório notarial), e não tendo o seu conteúdo sido alvo de qualquer impugnação, com a alegação da sua falsidade, a força probatória desse documento estende-se às declarações nele emitidas aquando da respectiva elaboração na presença do aludido funcionário público – Artºs 369º, 370º e 371, do Cod. Civil. De tal forma que teriam de ser consideradas provadas – como o foram – pela Exmª Juiz, face ao disposto no Artº 659º, nº3, do Cod. Proc. Civil.
Improcede, por conseguinte, a primeira das enunciadas questões, sem necessidade de mais demorados argumentos.

b) – Do mérito do saneador-sentença.
Suposta como definitivamente assente a supra-descrita factualidade, a questão está agora em saber se a citada procuração é ou não nula, face ao que preceitua o Artº 252º do Código das Sociedades Comerciais, do seguinte teor:

“1 - A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.
2 – Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.
3 – A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.
4 – A gerência não é transmissível por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota.
5 – Os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 261º.
6 – O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa. “.

Toda esta estrutura normativa está indissociavelmente ligada à relevância da gerência como órgão necessário e indispensável à vida da sociedade por quotas, de cariz executivo e direccionado à prática dos actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios – Artº 259º do mesmo Código.
São reflexos dessa relevância a protecção estabilizante que no actual quadro legislativo se conferiu aos gerentes, depois de designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, que não podem transmitir o seu cargo por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota – nº 4 do Artº 252º.
Procurou-se, com essa intransmissibilidade, fazer prevalecer as razões de ordem pessoal, ligadas à personalidade do gerente (nomeadamente pela preparação humana e aptidão técnica) que estiveram na origem da sua escolha ou eleição pelos sócios, seja ele também sócio ou um simples estranho ao contrato social. Tanto assim que, ao contrário do que sucedia anteriormente à aprovação do actual Código das Sociedades (Dl. nº 262/86, de 02/09, e posteriores alterações), as respectivas funções só poderão ser exercidas por pessoas singulares, e já não por pessoas colectivas ou outras sociedades comerciais (nº1 do mesmo Artº 252º), com o que se terá acolhido a sugestão do Anteprojecto Ferrer Correia, Lobo Xavier, M, Ângela Coelho e António Agostinho Caeiro, no dizer de Ilídio Duarte Rodrigues, in “A Administração Das Sociedades Por Quotas e Anónimas”, Lisboa, 1990, pag. 119-121.

É essa pessoalidade que também justifica que os gerentes se não possam fazer representar no exercício do seu cargo (nº 5 do mesmo Artº 252º), ressalvados os casos em que podem delegar nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio, nos termos e condições previstas no nº 2 do Artº 261º.
Estes princípios, por serem de natureza imperativa, não podem ser preteridos ou derrogados – cfr, entre outros, Ilídio Duarte Rodrigues, ob. Citada, pag. 63 a 65 – sendo, por conseguinte, nulo qualquer negócio jurídico, como a procuração, celebrado em seu desrespeito – Artºs 294º do Cod. Civil, com referência ao Artº 2º do Cod. Sociedades Comerciais.

É certo que o nº6 do Artº 252º preceitua “O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa. “. Comentando esta disposição, o Prof. Raul Ventura, depois de aludir aos antecedentes históricos da prática seguida enquanto vigorou o artº 256º do Código Comercial – que já permitia aos comerciantes encarregarem outras pessoas, além dos seus gerentes, do desempenho constante, em seu nome e por sua conta, de algum ou alguns dos ramos do tráfico a que se dedicavam, desde que, para esse efeito (e segundo o seu $ único), essa faculdade estivesse consignada nos respectivos estatutos – esclarece, a pag.s 27 e 28 da sua obra “Sociedades Por Quotas”, Vol. III, Almedina, 1996, depois de apelidar aquela redacção de infeliz, que apesar do que demais consta no Artº 252º aquele nº 6 não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categoria de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa. E acrescenta “ a faculdade de uma pessoa, singular ou colectiva, conferir mandatos, com ou sem representação, é natural, só não podendo ser exercida quando a lei faça pessoal o acto” (sublinhado nosso). E – prossegue – “A infelicidade da redacção (entenda-se do citado nº6) consiste em ligar a representação da sociedade, por mandatários, à representação dos gerentes para o exercício da sua função. São coisas perfeitamente distintas; num caso é representado o gerente, no outro é representada a sociedade.”.

Ora bem:
Focando a nossa observação no texto da questionada procuração, vemos que são os gerentes e únicos sócios (a Autora e o seu irmão D……….) que em representação da sociedade, constituem procurador desta (da sociedade “E………., Ldª”) o Réu, ora apelante.
Esta actuação dos gerentes enquadra-se, pelo menos formalmente, na citada disposição do nº6 do Artº252º.
Só que os poderes que ali conferem ao procurador ou mandatário são tão amplos que atingem a “pessoalidade” dos gerentes, esvaziando por completo a razão de ser da sua escolha ou eleição, como se a gerência pudesse ser exercida por procuração em derrogação dos princípios de natureza imperativa acima explicitados. É o que decorre, desde logo, do primeiro enunciado do respectivo texto – “…a quem concede os poderes seguintes…para praticar todos os actos e contratos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social da sociedade, nomeadamente, representar a sociedade perante Tribunais…entes e órgãos de administração central, regional e local, Conservatórias, Cartórios Notariais, Finanças, Segurança Social, Alfândegas e, em geral, perante todo o tipo de entidades públicas ou privadas, em todos os actos, contratos, assuntos e interesses que à mesma respeitem…comprar, vender e onerar bens imóveis e móveis…fazer contratos de locação de bens móveis e imóveis…contratar operações financeiras, activas e passivas e abrir linhas de crédito…fazer contratos de trabalho, bem como fazer a sua revogação e rescisão, exercer o poder disciplinar, instaurar processos disciplinares e proceder a despedimentos…constituir mandatários judiciais, receber citações e notificações…subscrever livranças, aceites bancários, garantias bancárias e termos de fiança, sacar e endossar cheques…assinar ordens de pagamento e de transferências…receber quaisquer valores, bens e documentos e dar quitação…” etc. etc.

De tão amplos que são tais poderes, o poder de representação externa da sociedade (por exemplo) – que os autores e obras acima citadas fazem questão de realçar, com apoio no nº1 do Artº 252º, como fazendo parte de uma das principais funções da gerência, por vincular a sociedade nas suas relações com terceiros – foi completamente conferido ao procurador ou mandatário, que legalmente não deve exercer a gerência (nº5 daquele Artº 252º).
Por isso, in casu, a gerência dos dois únicos sócios da E………., Ldª, passou a ser meramente “decorativa”. Quem, objectivamente, a está a exercer é o procurador através da aludida procuração, ainda por cima irrevogável. Aliás, o apelante assumiu esse mesmo papel logo no seu articulado da contestação, ao afirmar que os únicos sócios, seus filhos, eram muito novos (com 24 e 22 anos de idade), “não tinham capacidade técnica para assumir a empresa” e lhe deviam o preço das quotas – fls. 13 a 18.
Ora, esta pretensão, pese embora as razões pragmáticas invocadas pelo apelante, não tem apoio legal, pelos motivos já explicitados. Também nos parece ser este o entendimento, não só da doutrina já referida, como de um ou outro Aresto conhecido, além do que foi citado pelo Autor na petição inicial. Por exemplo, do Acórdão da Relação de Lisboa, de 22/03/2007, in www.dgsi.pt/jtrl, nsf/331, quando aí se afirma “As sociedades por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, mas a gerência pode nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de actos ou categorias de actos, como preceitua o artº 252º, nº1 e 6, do Código das Sociedades Comerciais, o que significa que as procurações têm de ser analisadas no seu conteúdo para se apurar quais as categorias de actos que o procurador pode realizar”(sublinhado nosso).

Em conclusão:
1 – O Código das Sociedades Comerciais consagra o princípio da pessoalidade do exercício do cargo de gerente nas sociedades por quotas, de que são consequências lógico-normativas - a proibição de se fazerem representar no exercício do seu cargo (artº 252º, nº5) e a intransmissibilidade da gerência (Artº 252º, nº4);
2 – Sendo, apesar disso, legalmente permitido aos gerentes nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos (Artº 252º, nº6), não podem eles, todavia, conferir a esses procuradores ou mandatários poderes tão amplos que colidam com o princípio anteriormente enunciado, de carácter imperativo.
3 – Por isso, é nula a procuração (Artºs 2º do Cod. das Sociedades e 294º do Cod. Civil) em que os dois únicos sócios e gerentes de uma sociedade por quotas conferem, em representação desta, poderes a um procurador para, além do mais, e nos termos acima melhor explicitados, “praticar todos os actos e contratos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social da sociedade, nomeadamente (…) e, em geral, todos os poderes de gestão e representação que a gestão e defesa dos direitos e interesses da sociedade exijam”.

III – DECIDINDO

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 20/04/2009
Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo