Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
470/10.9TTVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: RESOLUÇÃO COM JUSTA CAUSA
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20120507470/10.9TTVNF.P1
Data do Acordão: 05/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Não se verifica a caducidade do direito do trabalhador resolver o contrato de trabalho com justa causa se os factos que a integram, tendo-se embora prolongado no tempo, se mantêm à data da resolução do contrato.
II - O contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais.
III - Perante a factualidade descrita, e verificando-se ela à data da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, o exercício de tal direito não se mostra abusivo não obstante a anterior tolerância do trabalhador em relação a tais comportamentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 470/10.9TTVNF.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 525)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Ldª, alegando que resolveu o contrato de trabalho que o ligava à R., invocando justa causa, pedindo o reconhecimento judicial desta, bem como a condenação da R. a pagar-lhe:
a) a quantia de 41.873,61 euros a título de diferenças entre a retribuição paga e a retribuição efetivamente devida pelas funções exercidas, nos termos da CCT aplicável ao setor;
b) a quantia de 9.001,60 euros a título de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho;
c) a quantia de 2.250,00 euros a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de natal vencidos no ano da cessação do contrato de trabalho;
sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora desde a data da resolução do contrato.
Alegou, para tanto e em síntese:
Como fundamentos para tal resolução o facto de exercer funções que excediam a sua categoria profissional de assistente de consultório, acrescentando não ter conhecimentos técnicos para executar algumas delas, sendo afeta pela empregadora á execução de tarefas que em nada se relacionavam com a sua atividade profissional e o seu local de trabalho.
Ser frequente que lhe fosse exigido que trabalhasse em períodos de descanso, nunca tendo sido sujeita a exames de saúde, qualquer ação de formação ou informação destinada a prevenir as situações de risco a que se encontrava sujeita, não existindo instalações sanitárias ou vestiários para a higiene pessoal das funcionárias ou qualquer plano de vacinação.
Haver sido alvo de vários comentários impróprios por parte do legal representante da R., que desconsiderava as obrigações familiares da A..
A lesão culposa dos seus interesses patrimoniais, exigindo-lhe o exercício de funções para as quais não estava habilitada.
Como consequência dos atos praticados pela R., afirma ter sofrido uma depressão nervosa.
Alegou ainda que a retribuição recebida não coincide com a que lhe era devida e que não foi paga a retribuição relativa a férias e subsídios de féria e de natal relativos ao ano de cessação do contrato de trabalho.

A Ré contestou, impugnando motivadamente, na generalidade, todos os fundamentos invocados pela trabalhadora para fazer cessar o contrato de trabalho e, assim sendo, a existência de justa causa para que aquela ocorresse.
Quanto á alegada depressão da A., negou tal possibilidade, afirmando que eram de natureza familiar e pessoal os problemas que a atormentavam, nada tendo a ver com a relação laboral existente.
Excecionou a prescrição dos créditos invocados e que fossem anteriores a 03/09/2005.
Alega ainda que só na petição vem a trabalhadora a alegar factos, falsos, que não alegou na carta que remeteu com vista á resolução do contrato e que, como tal, nos termos do art. 395º do C. do Trabalho, não podem ser considerados.
Mais alega, nos termos da norma citada, que, ainda que tais comportamentos da empregadora se verificassem, teria já decorrido o prazo de caducidade previsto no art. 395º do C. do Trabalho para resolução do contrato com tais fundamentos.
Deduziu pedido reconvencional, peticionando o pagamento quantia de 1.160,00 euros, porquanto a A. não cumpriu o período de aviso prévio previsto na lei para fazer cessar o contrato de trabalho por denúncia.

A A. respondeu à contestação, mantendo no essencial os factos alegados na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, julgando-se improcedente a exceção de prescrição invocada e relegando-se para a decisão final o conhecimento da exceção de caducidade, procedendo-se à seleção da matéria de facto assente e controvertida, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal nela produzida (sessões de 18.02.11, 15.03.11, 29.03.11, 26.04.11 e 11.05.11, conforme atas de fls. 226 a 232, 239 a 241, 262 a 269, 315 a 318 e 325 a 328), e, respondida a matéria da base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações, foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a “pagar à Autora a quantia de €19.044,26, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação e até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa, absolvendo-se a R. do demais peticionado.” Mais se decidiu julgar improcedente o pedido reconvencional, do qual foi a A. absolvida.

Inconformada, veio a Ré recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões[1]:
A. Com todo o devido respeito, e que é muito, a Meritíssima Julgadora cometeu um erro notório e desconforme, na apreciação da prova produzida, com influência na decisão da causa.
B. Com efeito, da referida prova, cuja reapreciação se requer, Vs Exªs facilmente concluirão que as respostas aos quesitos 2, 4, 5, 12, 13, 14, 15, 16, 21, 22, 29, 32, 33 e 34, devem ser NÃO PROVADOS;
C. Também, da prova produzida, resultam PROVADOS os factos constantes dos quesitos 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59 e 60 da Base Instrutória;
D. E, as respostas aos quesitos 7, 18, 23, 24, 25, 26, 27, 30, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45, devem ser dadas, de acordo com os esclarecimentos supra expostos;
E. Tal alteração à matéria de facto, resulta dos documentos juntos aos autos, e, essencialmente, do depoimento das testemunhas D…, E…, F…, G…, H… e I….
F. Alterando a matéria de facto, e dando as respostas aos quesitos, de acordo com o supra exposto, conclui-se que a Autora exercia as funções correspondentes à categoria de assistente de consultório.
G. Consequentemente, a Autora não tem direito a quaisquer diferenças salariais, nem justa causa para resolver, como fez, o contrato de trabalho.
- SEM PRESCINDIR
H. De qualquer forma, na carta que a Autora dirigiu à Recorrente, a resolver o contrato de trabalho com justa causa, limitou-se a apontar meras conclusões, sem indicar os factos que justificavam a resolução do contrato com justa causa;
I. E, se é certo, que a Autora na sua petição inicial, veio concretizar esses factos, os mesmos não podem ser atendíveis, por não constarem da comunicação escrita.
J. Acresce que, a Autora só podia resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva, se o comportamento da Recorrente fosse ilícito, culposo, e tornasse, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
K. Acontece que, a autora não alegou, nem provou, factos que permitam semelhante conclusão;
L. Ora, executando a Autora, de vez em quando, algumas tarefas, não compreendidas na sua categoria profissional de assistente de consultório, o certo, é que de acordo com a versão da própria Autora acontecia desde a data da sua admissão, ou seja, desde 16-03-2000.
M. Pelo que, também, caducou o direito de resolução do contrato de trabalho por parte da Autora.
N. Por outro lado, a matéria de facto, permite concluir pela existência duma conduta por parte da Autora do direito exercido suscetível de criar na outra parte a confiança de que o direito em questão não será exercido;
O. O que constitui um venire contra factum próprio, e, como tal, um abuso de direito.
P. Consequentemente, não assistindo à Autora o direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa, como o fez, deve o pedido reconvencional deduzido pala Recorrente, ser julgado procedente e provado, e aquela condenada a pagar a esta a quantia de € 1.160,00 (mil cento e sessenta euros) e respetivos juros.
EM SÍNTESE: A sentença recorrida violou, entre outras, as disposições constantes dos artigos 712º do Código de Processo Civil, artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho, artigos 395.º, 441.º, nº2, 442.º, nº1, 444.º, nº3, e 446.º, estes, todos do Código do Trabalho, e, ainda, artigo 334.º do Código Civil.
Pelo exposto, deverão Vs Exªs Senhores Juízes Desembargadores, dar provimento ao presente recurso de apelação interposto pela Recorrente, e, em consequência, revogar a sentença proferida pela Meritíssima Julgadora da Primeira Instância, substituindo-a por uma outra que julgue a ação totalmente improcedente e não provada, e o pedido reconvencional procedente e provado, com todas as demais consequências legais;

A Recorrida contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto dada como provada na 1ª instância [2]

1 - A A. foi admitida em 16 de março de 2000, para exercer, como exerceu, por contrato de trabalho subordinado, a sua atividade profissional – Estagiária 1.ºAno, por conta e sob a autoridade da Ré, o que sempre fez com bom e efetivo serviço até 20 de outubro de 2009.
2 - A R. é, desde julho de 1987, uma sociedade comercial por quotas que exerce de forma habitual e com caráter lucrativo a atividade de prestação de serviços médicos clínicos, enfermagem e meios complementares de diagnóstico e terapêutico, segurança, higiene e saúde no trabalho.
3 - As funções para as quais a A. foi contratada eram inerentes á categoria de assistente de consultório, tendo a seu cargo a execução de trabalhos, auxiliando o médico, desde que não exijam preparação especifica de determinadas técnicas, receber os doentes, a quem transmite instruções, se necessário, atender o telefone, marcar consultas, preencher fichas e proceder ao seu arquivo, receber o preço da consulta e arrumar e esterilizar os instrumentos médicos necessários á consulta.
4 - O seu horário de trabalho, inicialmente, era das 09 horas às 12.30 horas e das 13.30 horas às 18 horas, de segunda a sexta-feira, tendo sido posteriormente alterado pela R. para o seguinte horário:
- Segundas e Quintas: das 07.30h ás 10.30h/ das 11h ás 13h/ das 14h ás 16h;
- Terças, Quartas e Sextas: 07.30h ás 10.30h/ 11h ás 13.30h;
- Sábados – 08h ás 11h/ 11.30h ás 13h (conforme mapa de horário de trabalho afixado nas instalações da R..
5 – Em determinada altura, o representante legal da R. e as duas Assistentes de Consultório acordaram que aos sábados, viessem trabalhar alternadamente sábado sim, sábado não, no interesse destas.
6 - O local de trabalho da A. situava-se no C…, Rua …, …, R/C Dto., …, na freguesia de …, deste concelho.
7 - Ultimamente, a A. auferia por essa atividade o vencimento base de 580,00 €, acrescido de Subsídio de Alimentação no montante de 6,00 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado, e categorizada profissionalmente como Assistente de Consultório + 3 anos.
8 - Em 20 de outubro de 2009, mediante carta registada com aviso de receção, enviada para a sede e instalações da R., a A. procedeu à resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado com a R., conforme documento que consta de fls. 66 e sgs., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
9 - A R., em 02 de novembro de 2009, através de carta registada com aviso de receção, veio repudiar os fundamentos invocados pela A., conforme documento de fls. 74 e 75, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
10 - A R. desenvolve, a título principal, a atividade de prática médica de clínica geral em ambulatório (CAE ….. REV 3 – correspondente ao CAE ….. da REV 2) e, secundariamente, a atividade de estabelecimento de saúde com internamento (CAE ….. REV 3).
11 - A retribuição da A., ao longo do tempo em que trabalhou para a R., foi sendo a seguinte:
2000
vencimento pago …………………363,12€
2001
vencimento pago …………… 375,00€
2002
vencimento pago ………………390,06€
2003
- vencimento pago ……………433,00€
2004
- vencimento pago ……………433,00€
2005
- vencimento pago ……………444,00€
2006
- vencimento pago ……………457,00€
2007
- vencimento pago ……………457,00€
2008
-vencimento pago ……………564,00€
2009
- vencimento pago ……………580,00€.
12 - A A. nunca auferiu qualquer retribuição a título de abono para falhas e diuturnidades.
13 - A pedido do legal representante da R., a A. passava para computador trabalhos/teses relacionados com assuntos alheios ao C…, tais como redação de documentos relacionados com atividades politico-partidárias, curriculares, ensino e sócio-culturais.
14 - A pedido do legal representante da R., a A. elaborava atas.
15 - O legal representante da R. é psiquiatra de profissão.
16 - Por exigência da R., as colheitas de sangue eram realizadas pela A. e pela sua colega de trabalho D… para depois serem entregues para análise no J…, Ldª.
17 - A A. nunca teve conhecimentos técnicos e/ ou habilitações que lhe permitissem efetuar colheitas de sangue.
18 - A R. exigia à A. e à sua colega de trabalho D… que administrassem a medicação aos pacientes que ficavam internados no C….
19 - Durante o ano de 2004, uma paciente – K… – depois de internada, ficou inconsciente após a A, ter administrado a medicação indicada pelo legal representante da R. e médico responsável, Dr. L…, medicação que lhe causou insuficiência respiratória por não terem sido considerados os seus antecedentes asmáticos.
20 - Nessa data o médico estava ausente – Dr. L… – tendo sido diligenciado o seu encaminhamento para o hospital.
21 - Em 28 de setembro de 2009 deu entrada nas instalações da Ré um paciente que sofria de alcoolismo num estado avançado, estando já totalmente dependente de insulina e sofrendo de transtornos esfincterianos.
22 - Nesse dia, a A. tratou de preencher toda a documentação (Contrato, Consentimento, Termo de Responsabilidade, Guia Terapêutico, Registo Diário, etc) e encaminhou o paciente para o internamento.
23 - O Médico responsável – Sr. Dr. L… - não se encontrava na clínica, pelo que a A. tinha apenas um guia de tratamento onde constava a medicação e o soro que devia ser administrado segundo instruções daquele.
24 - Após o internamento, a filha do paciente deslocou-se á clínica para entregar as doses de insulina que tinham de ser dadas e o respetivo aparelho.
25 - Durante os primeiros dias de internamento, a R. assegurou que a administração da insulina fosse efetuada por dois enfermeiros, que iam alternando por turnos.
26 - A partir de 01 de outubro de 2009 ficou só um enfermeiro que vinha de manhã ou de tarde, sendo que, no período em que não estava o enfermeiro, a A. foi obrigada pela R. a assumir essas funções.
27 - No período em que a A. tinha de cuidar do paciente, este deslocou uma unha e apenas se encontrava lá a A..
28 - O tratamento dos pés de diabéticos exige conhecimentos profundos não só de enfermagem como ainda de podologia.
29 - A A. não tinha condições para cuidar do paciente, tendo sido chamado um podologista.
30 - Quando havia internamentos, a A. era obrigada a ir trabalhar ao domingo e feriados, quer para administrar a medicação quer para prestar os cuidados de higiene aos pacientes, tal como aconteceu no dia 04 e 05 de outubro.
31 - O nº de internamentos diminuiu, sendo no último ano, pelo menos 1 a 2 por mês.
32 - Para além de administrar medicação a doentes internados e prestar cuidados de saúde, a A. efetuava ainda, de forma permanente, a medição da tensão arterial, da temperatura, das diabetes e prestava os cuidados mínimos de higiene (lavava os doentes, mudava a roupa interior e a roupa da cama).
33 - O representante legal da R. – Dr. L… – exigia ainda da A. que esta fosse sua dactilografa e / ou assistente administrativa pessoal.
34 – Alternadamente, o representante legal da R., nomeava uma das duas assistentes de consultório, incluindo a A. para guardar o dinheiro dos honorários das consultas, organizar e entregar no gabinete de contabilidade contratado para tal, pela R., os documentos das despesas e das receitas da clínica, sendo que após março de 2008 tais tarefas passaram a ser realizadas apenas pela A..
35 - A partir de março de 2008, a R. deliberou atribuir ainda mais funções á A., passando esta a ser a responsável:
a) pela elaboração de mapas diversos (de telefonemas, despesas, receitas, medições de temperatura, tensão arterial e peso efetuadas), balancetes (próprias da categoria de Assistente Administrativo);
b) pela direção, coordenação e atribuição de funções aos outros funcionários (próprias da categoria de Chefe de Serviços);
c) pelo serviço de secretaria (próprias da categoria de Técnico de Secretaria);
d) pelo serviço de contabilidade (próprias da categoria de Técnico de Contabilidade).
36 - A partir de março de 2008, o trabalho administrativo da incumbência da A. também aumentou, tendo esta que apresentar, por escrito, semanalmente, os objetivos a alcançar, o plano de atividades e relatório para submeter á supervisão do representante legal da R. Dr. L….
37 - Desde a sua admissão incumbia á A. e á colega de trabalho D… efetuar pagamentos relativos à clínica e idas as bancos.
38 - Cabia também á A. efetuar os serviços de limpeza não só do C… mas também de outras lojas onde funcionam … das quais o sócio-gerente da R. como é caso da loja onde funcionava a M… e a N….
39 - Cabia também à A. executar o trabalho rotineiro de conservação, manutenção e limpeza em geral da clínica onde funcionava a R., em todas as dependências internas e externas, utilizando vassouras e outros instrumentos apropriados para manter o ambiente harmónico, limpo e agradável, utilizando produtos químicos naturais para desinfetar as instalações e evitar a propagação de qualquer doença, recolhendo o lixo, recolhendo batas, toalhas e lençóis sujos e substituindo-os por lavados.
40 – Na ausência da colega de trabalho G…, era a A. e a colega D… quem executava as operações de limpeza da R..
41 - A R. nunca submeteu a A. a qualquer exame de saúde, nem aquando da admissão nem posteriormente.
42 - A R. nunca forneceu à A. qualquer tipo de informação e/ou formação com vista a prevenir as situações de risco a que estava sujeita.
43 - A R. nunca colocou á disposição da A. instalações sanitárias e vestiários adequados para a sua higiene pessoal, pois não tinha local para trocar a roupa e tinha que utilizar a casa de banho dos próprios pacientes, sendo que a casa de banho utilizada pela A. era a mesma que era utilizada pelas mulheres utentes do consultório e demais mulheres profissionais da R..
44 - A R. nunca se preocupou em submeter a A. a um plano de vacinação preventiva atenta a exposição a agentes nocivos para a sua saúde.
45 - O legal representante da R. dirigia á A. as expressões “é uma incompetente”, “não sabe o que anda a fazer”.
46 - O representante legal da R. proibiu a A. e colegas de trabalho de estarem juntas e de conversarem.
47 - Esta situação foi criando ao longo dos anos de duração do contrato um profundo desgaste físico e psicológico á A..
48 - A A. apresenta um quadro de depressão, pelo menos desde de 2001, tendo no início de 2009 voltado a recorre aos serviços da sua médica psiquiatra, queixando-se de cansaço e insónias.
49 - A A. chorava no seu local de trabalho, queixando-se de cansaço.
50 - A A. emagreceu.
51 - A A. encontrava-se com um quadro clínico de depressão, situação que influenciava a sua relação com o marido e o filho, sendo que esta situação já anteriormente se verificara.
52 - Por causa da depressão a A. esteve 12 dias incapacitada para o trabalho.
53 - Foi recomendado à A. a toma de antidepressivos.
54 - Eram realizadas reuniões, de 15 em 15 dias, entre o legal representante da R., os funcionários e a psicóloga ligada á instituição.
*
É o seguinte o teor da carta referida no nº 8 dos factos provados:
“B…
Rua …, …
…. - … … VNF
Exmos. Senhores
C…, LDA
Rua …, …, …., R/C Dt.°
…. - … … VNF
Vila Nova de Famalicão, 20 de outubro de 2009
REGISTADA C/AR
Venho, por este meio, comunicar a V. Exc.ªs que, nos termos dos artigos 394.° e ss. do Código do Trabalho, procedo à resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado com V. Exc.as em 16 de março de 2000, com fundamento nos seguintes factos de natureza continuada:
1 - Violação culposa das garantias legais e/ou convencionais, consubstanciada na ampliação e alteração indevida das funções contratadas (artigo 394.°, n.°2, al.a b) do CT), na medida em que as funções efetiva e permanentemente exercidas por mim não só excedem manifestamente a atividade de Assistente de consultório, para as quais fui contratada, como não têm qualquer correspondência com aquela, sendo-me ilegitimamente exigidas atividades para as quais não tenho conhecimentos específicos/técnicos, tais como fazer colheitas de sangue, administrar medicação aos pacientes internados, prestar cuidados de higiene básicos a pacientes internados, entre tantos outros da mesma natureza.
Acrescem ainda as atividades que permanentemente Vs Exc.as me exigem de dactilografa E/OU assistente administrativa (nomeadamente passando para computador inúmeros trabalhos/teses relacionados com assuntos alheios ao C…, tais como redação de documentos relacionados com atividades politico-partidárias, curriculares, ensino, sócio culturais do sócio — gerente de V. Exc.as SR. DR. L…), bem como, a exigência permanente de efetuar não só os serviços de limpeza do C… mas também de outras lojas onde funcionam … das quais o sócio-gerente de V. Exc.a Dr. L…, faz parte.
2 - Violação culposa das garantias legais e/ou convencionais, consubstanciada no desrespeito sucessivo do horário de trabalho (artigo 394.°, n.º 2, al b) do CT), nomeadamente, exigindo-me abusivamente que trabalhe aos domingos e feriados com vista a prestar cuidados de saúde a pacientes internados, tal como aconteceu no passado dia 04 e 05 de outubro de 2009.
3 - Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho (artigo 394°, al.a b), do CT), na medida em que V.Exc.as nunca me sujeitaram a qualquer exame de saúde, nem aquando da minha admissão nem posteriormente; nunca forneceram qualquer tipo de informação e/ou formação com vista a prevenir as situações de risco a que estava sujeita; nunca colocaram á disposição instalações sanitárias e vestiários adequados para a higiene pessoal das funcionárias; nunca existiu qualquer plano de vacinação preventiva atenta a exposição a agentes nocivos para a nossa saúde, entre outros.
4 - Violação dos mais elementares direitos quer como trabalhadora, quer como pessoa humana, como sejam a honra, a consideração, o respeito e a integridade física e moral de que qualquer trabalhador deve gozar (artigo 394.°, n.°2, al.a f) do CT), submetendo-me a condições de trabalho graves e atentatórias do meu bem-estar físico e psíquico, desconsiderando inclusive as minhas obrigações familiares.
5 - Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios, ao exigir o exercício de funções para as quais não estou habilitada e que implicam necessária responsabilidade pelo seu cometimento.
Os factos vindos de relatar foram contínuos e permanentes nestes nove anos e sete meses de trabalho para V. Exc.as, tendo decorrido sempre dentro de um ambiente de trabalho verbalmente agressivo, tenso e desrespeitador, onde nunca foram criadas boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer moral.
Não obstante a prática continuada destes factos, por necessidades económicas, sempre me empenhei por salvaguardar o meu posto de trabalho, todavia, considero que o exercício muito para além das obrigações compreendidas no meu contrato de trabalho acarretaram o meu esgotamento nervoso ou psíquico, conforme V. Exc.as têm já conhecimento pelo atestado médico entregue a V. Exc.as em 12 de outubro do corrente ano.
Pelo que, a depressão resultante do desrespeito continuado dos deveres de V. Exc.as tornam impossível a subsistência do contrato de trabalho celebrado, atento essencialmente o manifesto desgaste psíquico que me acarretou.
Solicito, assim, a V. Exc.as procedam ao envio da documentação a ser entregue no Centro de Emprego e Segurança Social, bem como, que me sejam pagas num prazo nunca superior a 7 (sete) dias, não só as importâncias em dívida, como também a indemnização de antiguidade a que tenho direito.
Sem outro assunto de momento,
Atenciosamente, ”
*
III. Fundamentação

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redação aprovada pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
São, assim, as questões a apreciar:
a. Alteração da decisão da matéria de facto;
b. Funções exercidas pela A. e diferenças salarias;
c. Inatendibilidade da justa causa invocada pela A. para resolução do contrato de trabalho;
d. Caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho;
e. Inexistência de justa causa para resolução do contrato de trabalho;
f. Abuso de direito;
g. Pedido reconvencional.

1.1 Importa referir que o montante global da condenação se reporta a:
- €6.503,66, referente a diferenças salariais;
- €2.391,88, referente a abono para falhas;
- €1.419,66, referente a diuturnidades;
- €7.028,87, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa.

2. Da 1ª questão
…………………………………………………
…………………………………………………
…………………………………………………
*
Concluindo e sistematizando, são as seguintes as alterações introduzidas à matéria de facto provada:
22 - Nesse dia, a A. tratou de preencher o Contrato, Consentimento e Registo Diário e encaminhou o paciente para o internamento.
30 - Quando havia internamentos, a A., aos domingos e feriados, pelo menos por vezes, tinha que ir levar o jantar aos pacientes e, pelo menos duas vezes, teve que lá estar para acompanhar os doentes, uma das quais ocorreu no dia 04 de outubro de 2009.
35 - A partir de março de 2008, a R. deliberou atribuir ainda mais funções á A., passando esta a ser a responsável:
a) pela elaboração de mapas diversos (de telefonemas, despesas, receitas, medições de temperatura, tensão arterial e peso efetuadas), balancetes;
b) pela direção, coordenação e atribuição de funções aos outros funcionários;
c) pelo serviço de secretaria;
d) pelo serviço de contabilidade.
38 – A partir de maio de 2008, data em que a trabalhadora de limpeza da Ré (de nome G…) deixou de prestar trabalho, cabia também á A. e sua colega D… efetuarem os serviços de limpeza não só do C… mas também de outras lojas onde funcionam … das quais o sócio-gerente da R. como é caso da loja onde funcionava a M… e a N….
39 – A partir da data referida no nº 38, cabia também à A. e sua colega D… executar o trabalho rotineiro de conservação, manutenção e limpeza em geral da clínica onde funcionava a R., em todas as dependências internas e externas, utilizando vassouras e outros instrumentos apropriados para manter o ambiente harmónico, limpo e agradável, utilizando produtos químicos naturais para desinfetar as instalações e evitar a propagação de qualquer doença, recolhendo o lixo, recolhendo batas, toalhas e lençóis sujos e substituindo-os por lavados.
40. Anteriormente às datas referidas nos nºs 38 e 39, nas ausências da colega de trabalho G…, era a A. e a sua colega D… quem executavam as operações de limpeza da Ré.
46 - O representante legal da R. proibiu a A. e colegas de trabalho de estarem juntas e de conversarem no café.
54. Eram realizadas reuniões, de 15 em 15 dias, entre o legal representante da R., os funcionários e a psicóloga ligada à instituição para, designadamente, apreciar o trabalho feito e ver o que era necessário melhorar.
55. Nas reuniões referidas no nº 54, a A. nunca apresentou qualquer reclamação, nem se queixou.

3. Da 2ª questão

Tem esta questão por objeto a categoria profissional correspondente às funções exercidas pela A. (que tinha atribuída a categoria de assistente de consultório) e a condenação no pagamento da quantia global de €6.503,66 a título de diferenças salarias devidas a partir de março de 2008 porquanto, de acordo com a sentença recorrida, a partir de tal data, o leque de tarefas que passaram a ser cometidas à A. se enquadravam, no contexto da atividade da Ré e face à definição constante da Portaria 736/2006, de 26.07, na categoria de chefe de secção (e não na de chefe de serviço pretendida pela A.), sendo-lhe, consequentemente, devida a correspondente retribuição.
Entende a Recorrente que, face à pretendida alteração da matéria de facto, a A. exercia as funções correspondentes à categoria de assistente de consultório, não lhe sendo devidas diferenças salariais.
A procedência do recurso, nesta parte, passaria pelo sucesso da pretendida alteração da matéria de facto. Inalterada esta, impõe-se concluir no sentido da improcedência das conclusões F) e G), 1ª parte, assim se mantendo a sentença recorrida.

4. Da 3ª questão

Tem esta questão por objeto a inatendibilidade da justa causa invocada pela A. para resolução do contrato de trabalho, referindo que a A. se limitou a apontar meras conclusões, sem indicar os factos que justificavam a resolução do contrato com justa causa, não podendo ela, em sede de p.i., vir concretizar a factualidade não alegada na comunicação da resolução.

Sobre esta questão referiu-se na sentença recorrida o seguinte:
“Na carta remetida à R. constavam várias alegações, sendo que apenas estas podem ser consideradas para justificar a existência de justa causa, como estabelece o art. 398º, nº3, do C. do Trabalho.
Vejamos pois as alegações da A. que constam do referido documento:
Alegava a A. que a R. havia procedido á ampliação e alteração indevida das funções para as quais havia sido contratada, sendo-lhe exigido que executasse funções para as quais não tinha conhecimentos técnicos, como efetuar recolhas de sangue, administrar medicamentos e prestar cuidados de higiene a doentes internados.
Alegou ainda que lhe era exigido que exercesse funções de datilógrafa pessoal do legal representante da R. e que efetuasse limpezas não só na R. mas em outros locais ocupados por associações ligadas á pessoa do legal representante da R..
Mais alegou que a R. desrespeitava reiteradamente o seu horário de trabalho, exigindo-lhe que prestasse assistência a doentes internados.
Alegou ainda que a R. nunca a sujeitou a exames de saúde, plano de vacinação ou prevenção de riscos, deu formação ou informação sobre a existência destes, não existindo instalações sanitárias adequadas ou vestiários.
Mais alegou que foi submetida a condições de trabalho graves e atentatórias do seu bem estar físico, desconsiderando as suas obrigações familiares e que foram violados os seus interesses patrimoniais ao exigir-lhe o exercício de funções para as quais não estava habilitada.
Referiu ainda que prestou a sua atividade dentro de um ambiente de trabalho verbalmente agressivo.
No que diz respeito aos dois últimos parágrafos, assiste razão á R. quando refere que não estão imputados a esta quaisquer factos concretos (atos ou omissões praticados pela R.), pelo que a concretização que dos mesmos tenha sido feita na petição inicial (e os factos que resultaram provados após a realização da audiência), não pode aqui relevar, nos termos do já citado art. 398º, nº3, do C. do Trabalho.
O mesmo não se diga em relação às demais alegações, suficientemente concretizadas para que, provando-se os respetivos factos, se possa apreciar a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.”

Concorda-se, no essencial, com as considerações tecidas.
Com efeito, dispõe o art. 395º, nº 1, do CT/2009[3], que “1 – O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, (…)”, norma esta idêntica ao anterior art. 442º do CT/2003.
Ou seja, a resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho pelo trabalhador, depende, em primeiro lugar, da observância dos requisitos de forma a que se reporta o mencionado preceito, formalidade esta que, como condição da licitude da resolução com justa causa, tem natureza ad substantiam, delimitando, o seu conteúdo, a invocabilidade, em juízo, dos factos suscetíveis de serem apreciados para tais efeitos.
O preceito tem alguma similitude com o que ocorre no despedimento promovido pelo empregador com invocação de justa causa, mas dele diverge quanto ao grau de exigência na descrição dos factos que justificam a resolução e o despedimento pois que, na resolução, com invocação de justa causa, a lei se basta com uma indicação sucinta dos factos que a justificam.
Ora, como decorre da comunicação da resolução do contrato de trabalho, à exceção do que consta dos seus nºs 4 e 5 (dois últimos parágrafos a que se reporta a sentença recorrida), estão, nos seus pontos 1, 2 e 3, concreta e suficientemente descritos os factos (e não meros juízos de valor ou afirmações conclusivas) em que a A. sustenta a invocada justa causa, permitindo à Recorrente alcançar e compreender a razão dessa resolução.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

5. Da 4ª questão

Tem esta questão por objeto a caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho, alegando, para tanto, que, de acordo com a versão da A., o exercício de tarefas não compreendidas na sua categoria profissional de assistente de consultório se vinha verificando desde a sua admissão.
Na sentença recorrida, a este propósito, refere-se o seguinte:
“Ora, quanto ás funções exercidas pela A., as mesmas estão definidas (por acordo das partes, diga-se) como sendo as inerentes á categoria de assistente de consultório, tendo a seu cargo a execução de trabalhos, auxiliando o médico, desde que não exijam preparação especifica de determinadas técnicas, receber os doentes, a quem transmite instruções, se necessário, atender o telefone, marcar consultas, preencher fichas e proceder ao seu arquivo, receber o preço da consulta e arrumar e esterilizar os instrumentos médicos necessários á consulta.
Não eram estas apenas as funções exercidas efetivamente pela A.. A estas temos de juntar as funções de recolha de sangue para análises clínicas, alimentação e higiene dos doentes internados na R., limpeza da clínica e todas as demais que, após março de 2008, foram confiadas á A. e que são de natureza administrativa.
Verificou-se de facto uma ampliação das funções atribuídas pela R. à A..
Será esta ampliação ilegítima?
Cremos naturalmente que sim.
Por um lado, porque excedem material e substancialmente o conteúdo das funções para as quais a A. foi contratada e pelas quais auferia o seu vencimento – assistente de consultório, 3 anos -, não podendo a categoria profissional do trabalhador ser alterada unilateralmente pela empregadora, nos termos do art. 119º do C. do Trabalho.
Por outro lado, porque parte deles consubstanciam uma clara desvalorização profissional, como é o caso das tarefas de limpeza e de prestação de cuidados de higiene às pessoas internadas na R., não admitida por lei nos termos da norma citada já que não se podem considerar tarefas acessórias das que constituem o núcleo de tarefas da categoria profissional da A..
Por último, porque para algumas delas a A. não tem quaisquer conhecimentos técnicos, adequados e exigidos por lei.
É o caso da recolha de sangue para análises clínicas e para assistência a doentes internados – veja-se o DL. 217/99, de 15/06, na redação dada pelo DL. 111/04, de 12/05 e o Despacho 597/02, de 10/01, DR 2ª Série.
No que diz respeito ao funcionamento do C… há ainda que ter em atenção o que dispõe o DL. 13/93, de 15/01, regulamentado pelo Decreto Regulamentar 63/94, de 02/11 (alterados em data posterior aos factos que aqui se discutem) e que estabelecem condições mínimas de funcionamento de “unidades privadas de saúde”, estando estas definidas como sendo as que têm por objeto a prestação de quaisquer serviços médicos ou de enfermagem, com internamento ou sala de recobro (art. 1º do primeiro diploma citado). Ocorrendo de facto internamentos na R., estava esta obrigada a assegurar no funcionamento dos seus serviços, a presença física e permanente de pessoal de enfermagem (art. 36º do Decreto Regulamentar), o que, como resulta da matéria de facto provada, não acontecia.
A A. logrou provar também que lhe era exigido que exercesse funções de datilógrafa pessoal do legal representante da R. e que efetuasse limpezas (não só na R.) mas em outros locais ocupados por associações ligadas á pessoa do legal representante da R.. Também estas funções excedem naturalmente o conteúdo das tarefas de assistente de consultório da R. para as quais a A. foi contratada.
É certo que este conteúdo das funções da A., em ampliação daquelas para as quais foi inicialmente contratada, se verifica desde sempre (e não estamos agora a considerar as concretas funções administrativas que poderiam considerar-se ainda acessórias das funções de assistente de consultório e que a A. passou a exercer desde março de 2008).
Não obstante, entende o Tribunal que mantendo-se o seu exercício á data em que foi resolvido o contrato de trabalho por parte da A., ou seja, mantendo-se a violação por parte da empregadora dos direitos laborais da trabalhadora, o prazo de 30 dias a que se reporta o nº1 do art. 395º do C. do Trabalho não está ultrapassado em relação às funções exercidas pela trabalhadora nos 30 dias anteriores a tal resolução.
Não existe assim qualquer caducidade na invocação dos factos em causa como legitimadores da resolução com justa causa. Apenas aqui não poderá ser considerado o facto concreto ocorrido em 2004, pois que, em relação a esse, está caduco o direito de resolver o contrato de trabalho com esse fundamento.
Note-se que a R. não provou qualquer dos factos por si alegados e que “explicariam” esta ampliação de funções: o acordo da A., a solicitação expressa desta por razões pessoais, etc…
Quanto ao desrespeito por parte da R. do horário de trabalho fixado á A., demonstrou esta que lhe era exigido que prestasse assistência aos doentes internados para além do seu horário normal de trabalho, facto que se verificou, em concreto, em data próxima da resolução do contrato de trabalho.
Este desrespeito configura uma violação por parte da empregadora dos art.s 203ºe 212ºdo C. do Trabalho.
Também aqui, em relação aos factos verificados no mê de outubro de 2009, não se verifica qualquer caducidade do direito da A. resolver o contrato de trabalho, pois que a resolução ao ocorreu ainda no decurso desse mês.
A A. provou ainda que a R. nunca a sujeitou a exames de saúde, plano de vacinação ou prevenção de riscos, não tendo dado qualquer formação ou informação sobre a existência destes.
A A. foi contratada para exercer as funções de assistente de consultório numa clínica médica. Não parece possível que, em pleno século XXI, neste contexto, e exercendo a mesma as concretas funções que exercia, se possam verificar as omissões por parte da empregadora que resultaram demonstradas, em violação dos arts. 127º nº, alíeas g), h), i) e 281ºdo C. do Trabalho, e art. 108º nº 1 e 3, alíeas a), e b) da Lei 102/2009, de 10/09.
Quanto à inexistência de casas de banho exclusivas para funcionários ou vestiários, a conduta omissiva da R. viola o disposto no DL nº 347/93, de 01/10, conjugado com o n.º 1 do artigo 20.° da Portaria nº 987/93, de 06/10.
Mantendo-se estas omissões na data em que a A. resolveu o contrato de trabalho, também aqui não se verifica qualquer caducidade para o exercício daquele direito.”.

Estamos, no essencial, de acordo com as considerações transcritas.
Dispõe o art. 395º, nº 1, do CT/2009, que “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.”.
A contagem do mencionado prazo, de caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho com justa causa, em caso de facto continuado, e à semelhança do que também ocorre no despedimento promovido pelo empregador com invocação de justa causa, inicia-se após o termo do comportamento infrator. Enquanto este se mantiver, mantem-se o direito de resolução do contrato, tanto mais que, quanto mais se prolongue no tempo, maior poderá ser a gravidade do facto ou dos seus efeitos para o trabalhador.
Tratando-se de factos continuados, nem o trabalhador, quanto à resolução por si promovida, nem o empregador, quanto ao despedimento, são obrigados a manter e tolerar esse comportamento para além dos 30 dias desde o seu início e por tempo indefinido. E, por consequência, tratando-se no caso de factos continuados, que se mantinham à data da resolução do contrato de trabalho, não se verifica a alegada caducidade.
Importa, apenas, realçar, embora sem relevância prática quanto a eventual alteração do decidido na sentença, que, por via da alteração da matéria de facto, as funções limpeza que passaram a ser cometidas à A. não o foram desde sempre, mas, essencialmente, desde maio de 2008.
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

6. Da 5ª questão

Tem esta questão por objeto a inexistência de justa causa para resolução do contrato de trabalho.
A procedência desta questão passava pela alteração da matéria de facto, pelo que, inalterada esta, impõe-se concluir no sentido do não provimento do recurso, nesta parte.
De todo o modo, dir-se-á o seguinte:

Dispõe o art. 394º, que:
1- Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2- Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) (…)
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
(…)
3- Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) (…)
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador.
(…)
4- A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
(…)
Por sua vez, de harmonia com o art. 396º, nº 1, a resolução do contrato de trabalho com fundamento em facto previsto no nº 2 do citado art. 394º, confere ao trabalhador o direito à indemnização naquele prevista.
O art. 394º, nºs 2 e 3 consagram o que habitualmente se designa, respetivamente, por justa causa subjetiva, proveniente de atuação culposa do empregador, e por justa causa objetiva, relacionada com circunstâncias justificativas dessa resolução não imputáveis a comportamento ilícito e culposo do empregador, realçando-se, quanto à al. b), desse nº 3, que ela consagra a alteração das condições de trabalho pelo empregador, porém desde que no exercício lícito dos seus poderes.
No n.º 4 do art. 394.º prescreve-se que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.”
Neste normativo (art. 351.º, n.º 3), por sua vez, prevê-se que, “[n]a apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”
Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral.
A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos:
a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho;
b) outro de caráter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal;
c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade[4] de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantias do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa causa. Torna-se necessário que a conduta culposa do trabalhador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.
Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que, enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reação alternativos à rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa invocada pelo trabalhador, sendo certo que, naquele, se tutela a garantia do emprego, por um lado, e que, nesta, não tem o trabalhador, à semelhança do que ocorre com o empregador (que detém um leque variado de sanções disciplinares), outros meios de reação ao comportamento infrator do empregador.

No caso, considerando a factualidade provada conforme referido no ponto 5, afigura-se-nos, tal como na sentença recorrida, que ocorre justa causa para a resolução do contrato de trabalho, não sendo à A. exigível, face à gravidade dos factos e seus efeitos, determinantes de um desgaste físico e psicológico da A., a manutenção da relação de trabalho.
A Ré, com o seu comportamento, ao determinar à A., aliás de forma permanente, a realização de tarefas não compreendidas no objeto da atividade contratada, que implicam desvalorização profissional (tarefas de limpeza das instalações, arrumo de quartos e de higiene dos doentes) não compatíveis com a categoria de assistente de consultório e, depois, de chefe de secção), bem como tarefas estranhas à atividade da própria empresa (trabalhos particulares de datilografia), e ao impor-lhe o exercício de determinadas tarefas que excedem a competência técnica e funcional da categoria de assistente de consultório (designadamente recolha de sangue, acompanhamento, sem a presença de pessoal devidamente habilitado – médico e/ou enfermeiro -, de doentes internados), ao impor-lhe uma quase ou muito frequente disponibilidade para tarefas durante o tempo de descanso semanal (obrigação de levar as refeições, em caso de internamentos), ao não observar regras de higiene (inexistência de sanitários próprios e vestiários) e segurança no trabalho (tendo em conta a falta de formação, mormente adequada face às especificidades das tarefas que a A. levava a cabo no âmbito do acompanhamento dos doentes internados e recolha de sangue), tornou inexigível a manutenção da relação laboral, concordando-se, igualmente com o que também é referido na sentença recorrida e que se passa a transcrever: “Pelo menos desde março de 2008 foram transferidas para a A., e é à R. quem faz tal transferência, competências que em muito a sobrecarregaram e que acresceram a muitas outras que já realizava sem conhecimentos técnicos para tal e sem que se enquadrassem nas funções para as quais foi contratada.
Não era exigível á A. que se mantivesse indefinidamente nesta situação, tanto mais que, por razões de saúde que não tiveram origem nestes factos, o seu estado se agravava, necessitando de medicação.”
Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.

7. Da 6ª questão

Tem esta questão por objeto o invocado abuso de direito, considerando a Recorrente o período de tempo decorrido relativamente aos factos invocados e a falta de reclamação da A.
O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo (cfr. art. 334º do Cód. Civil).
Tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé, o que, como é entendido, ocorrerá quando a conduta anterior do seu titular que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido, traduzindo-se ele, assim, no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente [5] (venire contra factum proprium) ou quando uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa-fé, o que consubstancia uma forma de tutela do beneficiário, confiante na inação do agente e que supõe, de acordo com as circunstâncias do caso, um não exercício, prolongado no tempo, do direito justificadamente geradora de uma situação de confiança de que o mesmo não seria exercido (suppressio)– cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, Almedina, pág. 56.
Não nos parece, todavia, que tal ocorra no caso em apreço.
É certo que, durante um prolongado período de tempo, a A. não reagiu, nem reclamou.
Não obstante, o contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais, especificidade esta que, aliás e aliada ao interesse da pacificação laboral no decurso da relação, estão bem presentes na razão de ser do regime especial de prescrição dos direitos de natureza laboral, em que a sua contagem tem início, apenas, após a cessação do contrato de trabalho. A mera tolerância do trabalhador perante determinados comportamentos do empregador não significa a sua aceitação, capacidade de tolerância essa que, perante a persistência do comportamento infrator, vai também diminuindo.
Por outro lado, mantendo-se ao longo do tempo tal comportamento infrator e persistindo ele à data da resolução do contrato de trabalho, não é também legítima, nem tutelável, a expectativa do empregador de que o trabalhador a ele não reaja.
É esta a situação dos autos. E tendo a A. justa causa para resolver o contrato de trabalho, mais não fez ela do que lançar mão de uma prerrogativa que a lei lhe confere, sendo de ponderar, também, que, ao contrário do que sucede com o empregador, que detém um leque variado de medidas de sancionamento do comportamento do trabalhador, ao trabalhador mais não lhe resta do que a resolução, com justa causa, do contrato de trabalho.
Entendemos, pois, que não se verifica o invocado abuso de direito, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões da Recorrente.

8. Da 7ª questão

Reporta-se esta questão ao pedido reconvencional, que tem por objeto a indemnização por resolução do contrato de trabalho sem observância de aviso prévio.
A sua procedência dependia da inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, pelo que, ocorrendo tal justa causa, tem necessariamente que improceder o pedido reconvencional.
Assim, e nesta parte, improcedem também as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 07-05-2012
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
________________
[1] Fls. 379 a 894, correspondendo fls. 403 a 894, a transcrição de depoimentos.
[2] O assinalado a itálico corresponde a pontos da matéria de facto adiante alterados.
[3] Abreviatura de Código do Trabalho, provado pela Lei 7/2009, de 12.02 este o aplicável ao caso.
[4] Essa impossibilidade prática, por não se tratar de impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
[5] Cfr. Acórdão da RP 25.12.05, in www.dgsi (P0535984).

(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)
______________
SUMÁRIO

I. Não se verifica a caducidade do direito do trabalhador resolver o contrato de trabalho com justa causa se os factos que a integram, tendo-se embora prolongado no tempo, se mantêm à data da resolução do contrato.
II. Constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, o comportamento da Ré, globalmente considerado, que: determina à A., de forma permanente, a realização de tarefas não compreendidas no objeto da atividade contratada, que implicam desvalorização profissional (tarefas de limpeza das instalações, arrumo de quartos e de higiene dos doentes) não compatíveis com a categoria de assistente de consultório e, depois, de chefe de secção), bem como tarefas estranhas à atividade da própria empresa (trabalhos particulares, do legal representante da Ré, de dactilografia); lhe impõe o exercício de determinadas tarefas que excedem a competência técnica e funcional da categoria de assistente de consultório (designadamente recolha de sangue, acompanhamento, sem a presença de pessoal devidamente habilitado – médico e/ou enfermeiro -, de doentes internados); a sujeita a disponibilidade para tarefas durante o tempo de descanso semanal (obrigação de levar as refeições aos utentes internados); não dispõe, no consultório/clínica, de sanitários próprios e vestiários (tendo a trabalhadora que utilizar os sanitários comuns aos utentes).
III. O contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais.
IV. Perante a factualidade descrita em II, e verificando-se ela à data da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, o exercício de tal direito não se mostra abusivo não obstante a anterior tolerância do trabalhador em relação a tais comportamentos.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho