Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2856/11.2YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP201206262856/11.2YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 06/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As regras estabelecidas para a notificação do requerido na injunção são ditadas por razões de eficácia e celeridade e, para esbater os riscos de o processo prosseguir à sua revelia, impõe a lei o rigoroso cumprimento de determinados procedimentos que, observados, implicam a presunção da notificação do requerido.
II - Quando estes mecanismos não atinjam a necessária garantia de que ao requerido foi conferido um pleno direito de defesa, na oposição à execução, pode o mesmo alegar e provar que não teve conhecimento do acto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 2856/11.2YYPRT-A.P1
Oposição à Execução Comum 2856/11.2YYPRT-A, 1ºJuízo de Execução do Porto

Acórdão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Por apenso à acção executiva sob a forma de processo comum, para pagamento de quantia certa, que a B…, S.A., com sede na …, …, .º, em Lisboa, move a C…, Lda., com sede na Rua …, …, .º, Apartado ….., no Porto, e D…, residente na Rua …, …, .º, Apartado ….., no Porto, este deduz oposição à execução, alegando que nunca residiu na Rua …, …º, .º, no Porto e, por isso, não foi notificado do requerimento de injunção. Invoca a sua falta de citação e a ausência de condições para ser aposta a fórmula executória. Aduz que o título é inexequível, porque no requerimento de injunção não vem especificado quem assinou o contrato. Invoca a sua ilegitimidade, porque no título figura como devedor D1… e não D.... Assinou o contrato em representação da sociedade C…, Lda. e não pessoalmente.

A oposição é liminarmente rejeitada com base na não verificação de qualquer dos fundamentos a que alude o artigo 814º, 1 e 2, do Código de Processo Civil, e porque, estando em causa um domicílio convencionado, incumbia ao executado afastar essa convenção. É julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, por estar em causa uma questão de mérito e não processual. É afastado o invocado fundamento da intervenção contratual do oponente ter ocorrido como representante da sociedade pelo facto de não enquadrar a previsão daquele normativo.

Recorre o oponente, cuja alegação assim conclui:
1) Decidiu o Tribunal a quo que o executado, ora apelante, não atacou a existência, ou não, de domicílio convencionado - “… não tendo o opoente atacado, como lhe cumpria, a existência de convenção de domicílio, nem tendo também alegado que, depois da cessação do contrato, mudou de domicílio, os factos constantes da petição inicial de oposição não integram o conceito legal de falta de citação, pelo que esta excepção tem de improceder.”
2) O título que serviu de base ao processo executivo foi um requerimento de injunção que deu entrada a 03/03/2010 e a que foi aposta a fórmula executória em 28/04/2010.
3) Naquela injunção o ora apelante não deduziu oposição, porquanto dela não foi notificado.
4) O ora apelante deduziu oposição à execução com fundamento, entre outros, na falta de título executivo pela nulidade da notificação do requerimento de injunção.
5) Após ter dado entrada o requerimento de injunção, a Secção notificou por via postal simples para a morada constante de tal requerimento como tivesse sido a morada convencionada.
6) Não existe qualquer contrato celebrado entre este e a Exequente, porquanto o mesmo nunca podia ter sido reduzido a escrito.
7) Faltando a redução a escrito do contrato onde estivesse convencionado o domicílio de cada um dos contraentes, não é legalmente possível o recurso ao disposto no artigo 12º-A do Anexo ao DL nº 269/98, de 1.9, na medida em que lhe falta um pressuposto essencial – convenção/acordo escrito sobre a domiciliação dos contraentes – e daí que a citação para a acção tivesse que ser feita ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 1º do Anexo e no respeito pelas especificações do artigo 236º do CPC, ou seja, através de carta registada com aviso do recepção.
8) A exequente no seu requerimento de injunção limita-se a alegar a existência de um contrato celebrado em 3/02/1994, com domicílio convencionado, com “o Requerido”, sendo certo que nem sequer identifica a qual dos dois requeridos se refere.
9) O Recorrente não foi nunca notificado do requerimento de injunção n.º 73054/10.0YIPRT, ao qual foi aposta fórmula executória e que serviu de título executivo à presente execução nem nunca residiu na Rua …, …, .º, apartado ….., ….-… Porto, provando-o documentalmente.
10) Não podia o recorrente, também, fazer prova da mudança de domicílio “em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato”, porquanto se reitera não existe tal contrato e por conseguinte não se podem ter extinto relações que nunca existiram!
11) Da análise à certidão comercial da sociedade Executada – C…, Lda. -, junta pelo Recorrente, constata-se que já no ano de 2009 a referida sociedade tinha sede na …, …, Loja …, Centro Comercial …, freguesia …,
concelho de Barcelos, sendo certo que o Recorrente, tal como também dela resulta, já não exercia funções de Gerência desde 23 de Dezembro de 2008, pelo que também nesta qualidade nunca poderia ter sido notificado e, consequentemente, ter tido conhecimento da existência da mencionada injunção.
12) O recorrente não foi notificado do requerimento de injunção violando-se, consequentemente, o principio do contraditório, prejudicando de forma óbvia a defesa do recorrente, impondo-se considerar que ocorre “in caso” falta de notificação do requerimento de injunção – art. 195º n.º 1 al. e) do CPC, sendo que a falta de citação constitui nulidade processual que implica a anulação de tudo o que se tiver processado após a petição inicial – art.º 194º do CPC.
13) Sendo nula a notificação do requerimento de injunção, não estava o mesmo em condições de lhe ser aposta a fórmula executória e, consequentemente, a anulação do processado posterior à apresentação do requerimento de injunção acarretando a invalidade do título que serve de base à execução inexistindo, por conseguinte, título executivo.
14) Decidiu o douto Tribunal a quo que as restantes excepções não podiam ser feitas valer em sede de oposição à execução, pelo facto de esse direito se ter precludido com a falta de contestação à injunção.
15) O requerimento de injunção, a que foi aposta a fórmula executória, não é, nem tem, o valor de uma sentença, despacho judicial ou de qualquer outra decisão de autoridade judicial que condene no cumprimento de uma prestação, como resulta do disposto no artigo 48°, n.º 1 do C.P.C.
16) O requerimento injuntivo a que seja aposta a fórmula executória, pelo Secretário de Justiça, não pode ser equiparado a uma Sentença.
17) O referido Secretário não é uma autoridade judicial e não pode, de forma alguma, ser equiparado a uma sentença um acto praticado por um funcionário da administração – como resulta nomeadamente do disposto no artigo 202º da CRP.
18) É, sem margem para qualquer dúvida, um título extrajudicial, ao qual, por força de disposição especial, é atribuída força executiva, classificando-o a doutrina de título impróprio porque formado num processo, mas não resultante de uma decisão judicial.
19) Para efeitos do modelo de oposição à execução, a lei equipara a injunção (fórmula executória) à sentença.
20) Não pode ser a alteração de uma norma processual que altera, sem mais, a natureza substantiva do requerimento de injunção.
21) Nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
22) A possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo, assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos no artigo 816.º do Código de Processo Civil.
23) O requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória não contém o reconhecimento de um direito, não foi objecto de apreciação jurisdicional, nem assume efeito de caso julgado ou preclusivo.
24) Deve ser recusada a aplicação do art. 814º nº2 do CPC, por invalidade constitucional, concluindo-se no sentido de que o executado/recorrente poderá deduzir todos os meios de defesa (art. 816º CPC), nomeadamente os deduzidos em sede de Oposição à Injunção.
25) A norma que resulta da redacção dada ao n.º 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 226/08 de 20 de Novembro é, também, inconstitucional por violação da reserva de juiz — artigo 202.º da Constituição.
26) Ao decidir de forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido faz uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, acabando por violar entre outros, o disposto nos artigos 2º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, n.º 1 do artigo 1º, 1º - A e 12º - A do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, 46º, alínea d), 48º, n.º 1, 194º, 195º, 236º, 814º, 816º, e 817º nº1 b) e c) todos do Código de Processo Civil, devendo, ainda, recusar-se a aplicação, por inconstitucionalidade material, da norma do nº 2 do art. 814º CPC, na redacção dada pelo DL nº 226/2008, de 8/3, por violação dos arts. 20º e 202º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
27) A douta Sentença deve ser revogada devendo a deduzida oposição à execução ser recebida.

Responde o apelado, alegando, em síntese:
1) Nem no decurso nem após a cessação da relação contratual, o recorrente comunicou à recorrida qualquer alteração do domicílio.
2) Tratando-se de domicílio convencionado, para que pudesse invocar, com sucesso, a falta de citação, o opoente teria de alegar igualmente na petição inicial de oposição que nunca existiu qualquer convenção de domicílio.
3) O título que serve de base à presente execução, constituído por requerimento de injunção, deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 3-03-2010 e nele foi aposta fórmula executória em 28-04-2010.
4) Embora dele tenha sido notificado, o requerido não deduziu qualquer oposição quanto à matéria invocada no requerimento de injunção.
5) Em consequência da falta de oposição, produziu-se o efeito preclusivo da defesa no tocante à matéria que o executado decidiu alegar em sede de petição de oposição, que excede o âmbito dos fundamentos admitidos pelo art. 814.º, n.º 1 CPC para oposição à execução fundada baseada em sentença ou injunção.
6) O executado está limitado aos fundamentos de oposição previstos no n.°1 do art.° 814.° do C.P.Civil, para a execução fundada em sentença (na parte em que sejam aplicáveis).
7) Após as alterações introduzidas ao CPC pelo DL n.º 226/2008, de 20/11, é aplicável à oposição às execuções fundadas em requerimento de injunção a que tenha sido aposta a fórmula executória o mesmo regime previsto para a oposição às execuções baseadas em sentença, só sendo admitidos como fundamento naquelas os fundamentos admitidos como oposição a estas.
8) A tal não obsta a circunstância de a fórmula executória ter sido aposta no requerimento de injunção antes da entrada em vigor daquelas alterações, face ao disposto no art.º 22.º do referido decreto-lei.
9) A sentença recorrida não incorre em qualquer dos vícios que o recorrente lhe imputa, tendo procedido à correcta interpretação e exacta aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 2.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, 1.º, n.º 1, 1.º-A e 12.º do diploma anexo a esse Decreto-Lei, e dos art.ºs 46.º, n.º 1 al. d), 48.º, n.º 1, 195.º, 814.º, 816.º e 817.º, n.º 1, al. b) e c) todos do CPC.
10) Deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo e confirmando a sentença recorrida na sua decisão e fundamentos.

II. Objecto do recurso
Ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 684º-3 e 685º-A do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto). Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal reconduzem-se a:
1. Nulidade de notificação do requerimento de injunção.
2. Inadmissibilidade de dedução de oposição.

III. Iter processual relevante
1. A B…, S.A. apresenta no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra C…, Lda., com sede na Rua …, …, .º - Apartado ….., Porto, NIF ………, e D…, residente na Rua …, …, .º - Apartado ….., Porto, NIF ………, requerendo a sua notificação para lhe ser paga a quantia de 4.805,70 euros, sendo 4,4689,99 euros de capital, 311,21 euros de juros de mora e 25,50 euros de taxa de justiça paga (fls. 91 e 92).
2. No requerimento, a B… assinala a existência de domicílio convencionado quanto aos dois requeridos (fls. 91 e 92).
3. As cartas para notificação dos requeridos são enviadas e depositadas no receptáculo postal do domicílio indicado em 1. (fls. 82 a 90).
4. O requerimento de injunção entrou em juízo em 3-03-2010 e a fórmula executória foi aposta em 28-04-2010 (fls. 91).

III. O direito
1. Falta de notificação do requerimento de injunção
Tal como na petição de oposição, em sede recursiva, continua o apelante a defender que não foi notificado do requerimento de injunção e que não pode ser considerado como notificado. Embora a requerente indique que o domicílio é convencionado, opõe o requerido apelante que ele não foi convencionado, desde logo, pela circunstância de não ter celebrado com a requerente qualquer contrato escrito. A apelada alega que o executado não impugnou o domicílio convencionado e que a matéria por ele articulada não tem a virtualidade de se reconduzir a tal impugnação.
Apreciando.
O requerimento de injunção foi entregue em 3-03-2010, pelo que é convocável o regime aprovado pelo Decreto-Lei 268/1998, de 1 de Setembro, com as sucessivas alterações incluindo a introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro. O artigo 2º desse diploma estatui que, nos
contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear, designadamente, o procedimento de injunção, podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.
No requerimento de injunção, a requerente limita-se a assinalar que está em causa um domicílio convencionado e a secretaria, actuando de harmonia com o estatuído no artigo 12.º-A daquele diploma, procede à notificação do requerido, agora oponente, mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio convencionado, e junta ao processo duplicado da notificação enviada. Por seu turno, o distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a deposita, remetendo de imediato a certidão à secretaria. Notificação cujo conteúdo traduz os elementos especificados no artigo 13º do diploma em destaque, nomeadamente com a indicação do prazo para a oposição e a respectiva forma de contagem, de que, na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, seria aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva e de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória.
Portanto, foram observadas todas as formalidades legais tendentes a produzir os efeitos executórios atribuídos ao requerimento de injunção e, assim, a aposição da fórmula executória que confere força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento da obrigação pecuniária em causa.
Impugnada agora, em sede executiva, a operatividade da notificação, vejamos se há acerto na decisão impugnada quando conclui que a validade da notificação só pode ser combatida mediante a alegação de que não existe convenção de domicílio, não invocada pelo ponente.
O artigo 12.º do normativo em causa convoca para esta notificação, com as devidas adaptações, as regras da citação, designadamente o disposto nos artigos 231º, 232º, 236º, nºs 2 a 5, e 237º do Código de Processo Civil. Donde o vício evocado pelo apelante corresponda “à falta de citação”, prevista pelo artigo 195º, 1, e), do Código de Processo Civil, quando se demonstre que o destinatário não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável. E quando a carta para citação tiver sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do acto deve ser acompanhada da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato e a nulidade da citação decretada ficará sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado (mencionado artigo 195º, 2). Só que a problemática suscitada pelo apelante precede a estatuição desta norma, porque impugna a existência de domicílio convencionado. Fá-lo inequivocamente em sede de recurso, mas o tribunal a quo opõe que o não faz em sede de oposição e, por isso, tem por operada a notificação do requerido no domicílio indicado como convencionado.
Sendo inquestionável que, no recurso, é vedado conhecer de questões novas, analisemos o requerimento de oposição à execução, interpretando-o, por forma a perscrutar se o executado/oponente controverte o domicílio convencionado.
A tal respeito alega o oponente: nunca residiu na morada para a qual foi remetida a carta para sua notificação (artigo 2º); o exequente não especifica quem assinou o contrato e quem é o devedor e refere o requerido, quando são dois os requeridos identificados (artigos 8º 9º); nunca assinou pessoalmente qualquer contrato, mas como sócio-gerente da C… (artigos 14º e 15º). A matéria articulada, apesar de não estar entalhada no que o oponente qualifica como “falta de título executivo” e “nulidade de notificação”, tem de ser aproveitada pelo tribunal para dela extrair as consequências jurídicas correspondentes, independentemente da contribuição da parte para um consentâneo enquadramento jurídico. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que pode servir-se dos factos articulados pelas partes e conferir-lhes a adequada roupagem jurídica (artigo 664º do Código de Processo Civil). Ora, a factualidade articulada pelo oponente não pode deixar de ser interpretada no sentido de que o direito que o exequente contra ele quer fazer valer, com base no contrato, nunca existiu ou já não existe. E no caso de haver domicílio convencionado, a falta de citação é atendível quando o citando alegue e prove ter mudado de domicílio depois de extintas todas as relações emergentes do contrato, o que implica que o citando tenha, a final, que demonstrar que o direito que contra ele se quer fazer valer, com base no contrato, nunca existiu ou já não existe (artigo 237º-A do Código de Processo Civil)[1]. Em sede recursiva o apelante defende que nunca poderá haver domicílio convencionado, porque não existe qualquer contrato por si assinado com a recorrente. Porém, essa matéria, como adiante melhor explicitaremos, antes se prende com o mérito da causa, que passará por indagar se o apelante se vinculou contratualmente com a apelada nos moldes em que ela o define ou se, ao invés, actuou somente em representação da sociedade de que é sócio-gerente. Versão que, a provar-se, afastará qualquer obrigação do oponente para com a exequente, levando à extinção da execução.
De todo o modo, a solução gizada alcança guarida nos princípios processuais civis, que constituem um instrumento fundamental na busca das resoluções mais acertadas para as dúvidas que ao intérprete se deparam. No fundo, eles facultam o clarificar das razões que inspiram a adopção de determinadas decisões; são como que cláusulas gerais orientadoras da marcha processual[2].
A reforma processual civil apostou na maleabilização do processado, esbateu o excessivo relevo das questões de cariz técnico-processual e conferiu ao juiz um proeminente papel na desenvoltura processual em função dos fins que as partes desejam prosseguir com a acção, que é dirimir os conflitos, promovendo uma rápida realização do direito material e um pronto restabelecimento da paz social. Justiça e eficiência devem ser as orientações fundamentais de qualquer legislação processual civil[3]. É nítida, hoje, a instrumentalidade do processo civil relativamente ao direito substantivo, sendo este que se sobrepõe àquele para privilegiar a decisão de mérito sobre a decisão de forma[4]. Princípios que mais não são do que a consagração do princípio constitucional do direito a um processo equitativo, cujo significado básico é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, informado pelos direitos de defesa e do contraditório (artigo 20º, 4, C.R.P.). Quer o direito de defesa quer o direito ao contraditório avocam particular relevância à citação/notificação, como acto que dá a conhecer ao réu/requerido que contra ele foi proposta determinada acção e é chamado para se defender. Daí que a prática de tais actos imponha especiais cautelas quer para garantir o pleno conhecimento do chamamento quer para assegurar a plena compreensão do seu objecto.
Sabemos que as regras estabelecidas para a notificação do requerido na injunção são ditadas por razões de eficácia e celeridade, o que acarreta sérios riscos do processo correr à sua revelia. Riscos que se esbatem com a imposição de mecanismos e procedimentos rigorosamente cumpridos, os quais, se observados, implicam a presunção da notificação do requerido. Aliás, o regime da injunção (artigo 12º) prevê um conjunto de regras tendentes a minorar tais riscos e, no caso de se frustrar a notificação por via postal, determina que a secretaria obtenha, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação. E se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local. Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais. Não sendo possível a notificação nos termos referidos, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.
De todo o modo, sempre que estes mecanismos não atinjam a necessária garantia de que ao requerido é conferido o cabal direito de defesa, o direito processual abona “válvulas de segurança” para diminuir o risco de postergação desse direito, conferindo-lhe a faculdade de alegar e provar que não teve conhecimento do acto. E, cumpridas as formalidades legais da notificação do requerido, é sobre este que recai o ónus de alegar e provar o seu desconhecimento do acto, em função dos padrões de normalidade e verosimilhança que situações similares sempre comportam. Ora, cremos que a articulação do oponente traduz exactamente essa alegação, sendo imprescindível que se lhe confiram condições processuais para a provar. Prova de extrema simplicidade, porque estando o contrato reduzido a escrito, tal como o alegam exequente e executado/oponente, bastará a sua junção para atestar se houve convenção sobre o domicílio e se a notificação foi endereçada para o domicílio convencionado. Por isso, logo na petição da oposição, dentre os meios de prova requeridos, formula o oponente a notificação do exequente para juntar a cópia do contrato.
Assim sendo, forçoso é que a oposição prossiga com o seu recebimento liminar e subsequentes termos processuais, por forma a que o oponente possa demonstrar a sua falta de notificação.

2. Inadmissibilidade de dedução de oposição
A decisão impugnada rejeita a oposição à execução por considerar que os fundamentos invocados não se enquadram no disposto no artigo 814º do Código de Processo Civil[5].
Como vimos, o exequente instaura esta execução comum, para pagamento de quantia certa, com base num requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, que constitui título executivo à luz do normativizado pelo artigo 14º do regime legal convocado.
Após lata discussão jurisprudencial acerca da natureza do título executivo formado pelo requerimento de injunção com fórmula executória, está hoje plasmado na lei adjectiva a sua equiparação à decisão judicial, a ponto de a oposição à execução só poder basear-se nos mesmos fundamentos que a oposição à sentença (artigos 814º, 1 e 2, e 821º do mesmo diploma legal), a saber: inexistência ou inexequibilidade do título; falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; falta ou nulidade da notificação para o procedimento de injunção, quando o réu não tenha intervindo no processo; incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; caso julgado anterior ao requerimento de injunção que se executa; qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de injunção e se prove por documento, sendo que a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio. De todo o modo, não obstante essa equiparação para os efeitos referidos, continua a ser qualificado como título judicial impróprio, cuja força executiva resulta de especial disposição da lei, e formado no decurso de um processo (artigo 46º, 1, d), do Código de Processo Civil)[6]. Ainda assim, a taxatividade dos fundamentos da oposição à sentença do tribunal do Estado estende-se, com as necessárias adaptações, à oposição fundada no requerimento de execução em que tenha sio aposta a fórmula executiva.
Do que já referimos quanto ao articulado pelo oponente, é patente que o único fundamento enquadrável é o da alínea d) – a falta de notificação do requerido para os termos da injunção, uma vez que não interveio no processo. No entanto, a decisão recorrida afastou-o com o argumento de que, estando em causa domicílio convencionado, a sua notificação considera-se operada e, por isso, já não pode voltar a discutir tal matéria. Como afastámos a assertividade desse raciocínio e considerámos que a evocada falta de notificação deve ser sujeita a prova, subiste a necessária motivação para a admissibilidade da oposição e o seu recebimento.
O apelante suscita a inconstitucionalidade do citado artigo 814º quando interpretado no sentido de só admitir a oposição ao requerimento de injunção com fórmula executória com os fundamentos contemplados para a sentença, excluindo a faculdade de o executado discutir a inexistência da dívida, por se tratar de uma limitação do direito de defesa.
Antes da alteração introduzida pelo mencionado inciso legal, toda a doutrina entendia que a aposição da fórmula executória no requerimento de injunção não era um acto jurisdicional, nem equiparável e, por isso, não havendo processo prévio que facultasse discussão acerca da obrigação exequenda, na oposição à execução era sempre admissível impugnar ou excepcionar a obrigação materializada pelo título extrajudicial[7]. Era pacífico o entendimento que «A aposição da fórmula executória não se traduz em acto jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando-se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal. Assim, a fórmula executória é insusceptível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na acção executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito»[8]. Por conseguinte, admitia-se que o requerido, na oposição à execução, utilizasse a defesa com a amplitude com que o poderia fazer na acção declarativa, ou seja, não circunscrito aos fundamentos de oposição à sentença.
Propugna o apelante que a presente alteração é materialmente inconstitucional, limitativa dos direitos de defesa e violadora dos artigos 18º, 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa.
O princípio constitucional de garantia de acesso ao direito e tutela jurisdicional plena e efectiva de consagração constitucional (artigo 20º C.R.P.) não parece comportar a impossibilidade legal de o executado discutir a causa debendi quando a sua falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção dão lugar à instauração de execução para realização coactiva do direito nele plasmado. Essa solução transforma um título de natureza não sentencial numa sentença, tornando indiscutido o direito invocado. Podemos contrapor que o requerido teve a possibilidade de, no processo de injunção, deduzindo oposição, obstar à aposição da fórmula executória. E só por isso, porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente, é que o título executivo não é uma sentença. Em todo o caso, nessa situação já considerou o Tribunal Constitucional que «há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito»[9]. E se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, torna-se necessário encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º C.R.P.). Por isso, apenas se justificam normas legais restritivas quando se revelem proporcionais e apresentem uma legitimação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos[10]. Daí que o Tribunal Constitucional repute que o artigo 814º, na redacção actual, na interpretação de que a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime geral da oposição à execução, designadamente o afastamento da oportunidade de, pela primeira vez, perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afecte desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.° da C.R.P., na sua acepção de proibição de ”indefesa”»[11]. Acórdão que tem um voto de inconstitucionalidade também por violação da “reserva de juiz”, ínsita ao artigo 202º C.R.P.
Não obstante a relevância dos argumentos expendidos pelo Tribunal Constitucional, a solução que alcançámos quanto à eventual falta de notificação do executado/oponente torna dispensável qualquer juízo sobre a inconstitucionalidade material levantada pelo recorrente e que, por ser inútil, nos escusamos de emitir. A decisão tomada permite ao executado/oponente provar a sua falta de notificação, podendo dar azo a que o mesmo venha a discutir a relação emergente do contrato.

Em suma:
1. As regras estabelecidas para a notificação do requerido na injunção são ditadas por razões de eficácia e celeridade e, para esbater os riscos de o processo prosseguir à sua revelia, impõe a lei o rigoroso cumprimento de determinados procedimentos que, observados, implicam a presunção da notificação do requerido.
2. Quando estes mecanismos não atinjam a necessária garantia de que ao requerido foi conferido um pleno direito de defesa, na oposição à execução, pode o mesmo alegar e provar que não teve conhecimento do acto.

IV. Decisão
Perante o expendido, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, revogando a decisão apelada, no legal prosseguimento dos autos, recebem a oposição à execução e determinam a notificação do exequente para contestar (artigo 817º, 2, do Código de Processo Civil).

Custas da apelação a cargo do vencido a final (Artigo 6º, 2, e Tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 26 de Junho de 2012
Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas
José Bernardino de Carvalho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
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[1] José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil”, Anotado, 1º Volume, 2ª ed., págs. 355 e 356.
[2] António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma de Processo Civil”, I, 2ª ed. revista e ampliada, págs. 26 e 27.
[3] Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, pág. 26.
[4] António Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 34.
[5] Na redacção dada pelo Decreto-Lei 226/2008, de 20 de Novembro, aplicável às acções instauradas a partir de 31 de Março de 2009.
[6] José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., págs. 63 e 64.
[7] Remédio Marques, “Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto”, 1998, págs. 79 e 80; Miguel Teixeira de Sousa, “A Reforma da Acção Executiva”, 2004, pág. 69.
[8] Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 2.ª ed., pág. 172.
[9] Acórdão T.C. n.º 658/2006, de 28 de Novembro, in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão T.C. n.º 283/2011, de 7 de Junho, in www.dgsi.pt, também citado pelo apelante na sua alegação.
[11] Predito Acórdão T.C. n.º 283/2011, de 7 de Junho, in www.dgsi.pt.