Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
597/13.5TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
ABONO DE VIAGEM
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP20140324597/13.5TTVNG.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que uma prestação se possa considerar regular para efeitos de integrar a retribuição do trabalhador é necessário, além do mais, que seja prestada com alguma frequência, entendida esta, pelo menos, metade do ano civil;
II - Verificando-se tal periodicidade, na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal devem incluir-se as prestações remuneratórias auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação de horário incómodo, compensação especial, compensação de horário descontínuo e compensação especial de distribuição, correspondendo a retribuição para esse efeito àquela que foi paga pelo desempenho do trabalho no condicionalismo em que normalmente é executado;
III - Devem excluir-se desse cômputo as prestações que se destinam não a retribuir o trabalho, mas a compensar as despesas que o trabalhador tenha que efectuar por virtude da execução do trabalho e que se presume que não seriam efectuadas caso não tivesse que efectuar o trabalho efectivo.
IV - Em conformidade com a proposição anterior, não deve contabilizar-se na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal o abono de viagem pago ao trabalhador;
V - Os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicáveis o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, ou no artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, ou no artigo 337.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil;
VI - Não tendo a empregadora cumprido a obrigação de incluir a média de prestações auferidas pelo trabalhador que integram a retribuição, no cômputo das remunerações de férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal, aquando dos correspondentes pagamentos, sobre as diferenças em falta vencem-se juros de mora, desde as datas em que tais remunerações e subsídios deviam ter sido, na sua totalidade, pagos, já que aquela sabia, ou tinha obrigação de saber, o montante devido a tal título.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 597/13.5TTVNG.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …., ….-… …) intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CTT – Correios de Portugal, S.A. (NIPC ………, com sede na …, n.º .., ….-… Lisboa), pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
i) a quantia de € 5.184,80 relativa à média anual da retribuição correspondente a trabalho suplementar e nocturno, compensação de horário descontinuado, complemento especial de distribuição, abono de viagem, subsídio de condução, compensação de horário incómodo e compensação especial, não paga pela Ré ao Autor no mês de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal nos anos de 1995 a 2003;
ii) juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para cada ano, desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à disposição do Autor até integral pagamento.

Alegou, para o efeito e em síntese, que é trabalhador da Ré desde 10 de Maio de 1995, exercendo as funções de carteiro, e que recebeu, regular e periodicamente, desde a admissão até ao ano de 2003, prestações complementares, decorrentes de trabalho suplementar, trabalho nocturno, subsídio de condução, abono de viagem, complemento especial de distribuição, compensação de horário incómodo, compensação de horário descontínuo e compensação especial: tais prestações, por força das normas legais e convencionais em vigor, deviam integrar o cálculo e pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, o que a Ré não fez.
Por isso peticiona o referido pagamento, bem como os juros de mora legais.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, por excepção e por impugnação: (a) por excepção, quanto à inexistência de mora, sustentando que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido: assim, a haver lugar a juros de mora apenas serão devidos a partir do trânsito em julgado da sentença; além disso, alega que os eventuais juros de mora vencidos há mais de cinco anos se encontram prescritos; (b) por impugnação, e quanto às peticionadas diferenças na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, alegando que sempre pagou tais prestações de acordo com os critérios legais, não fazendo parte do conceito legal de retribuição as prestações aludidas pelo Autor.
A concluir, pugna pela procedência das excepções suscitadas quanto aos juros de mora, com a consequente absolvição do pedido, nessa parte, e pela improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido, na sua totalidade.

Respondeu o Autor, a pugnar pela improcedência das excepções quanto aos juros de mora, uma vez que, por um lado, tratando-se de uma obrigação de prazo certo (pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal), há mora desde a data do seu vencimento, e, por outro lado, e quanto à prescrição, os juros de mora não têm autonomia face aos créditos laborais, pelo que se lhes deve aplicar o prazo (de prescrição) destes.

Em sede de despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de inexistência de juros de mora até ao trânsito em julgado da sentença e de prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.
Na mesma peça processual foi fixado valor à causa (€ 7.930,42), e o Exmo. juiz, considerando que o estado dos autos lhe permitia conhecer de imediato do mérito da causa (artigo 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho), proferiu sentença, julgando a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente por provada, condenando-se a Ré. CTT, S.A., a pagar ao Autor B… as quantias apuradas como médias de prestações complementares nas retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de natal dos anos de 1995 a 2003, num total de 148,17 euros em relação a 1995, 95,58 euros em relação a 1996, 366,55 euros em relação a 1997, 569,25 euros em relação a 1998, 756, 93 euros em relação a 1999, 926,74 euros em relação a 2000, 962,74 euros em relação a 2001, 675,07 euros em relação a 2002 e 683,78 euros em relação a 2003, acrescidas dos juros de mora que, às taxas legais, se tenham e venham a vencer até afectivo e integral pagamento”.
Inconformada com a decisão, quer no que diz respeito às excepções quer no que diz respeito ao mérito da causa, a Ré, CTT – Correios de Portugal, S.A., dela interpôs recurso para este tribunal, apresentando alegações que concluiu nos termos seguintes:
“I. É entendimento da recorrente que se impõe a modificação da decisão do Tribunal a quo por inegável erro de julgamento, nos termos do art. 669.º n.º 2, a) e b) do C.P.Civ., por a decisão recorrida ter sido tomada contra legem.
II. Na verdade, e no que respeita à integração das prestações complementares, andou mal a sentença recorrida ao considerar que se presume que tais quantias integram a retribuição.
III. Contudo, “esta presunção legal em matéria de retribuição não tem, em si mesma, uma função qualificativa adicional das prestações do empregador ao trabalhador, nem confere um valor qualificativo autónomo ou superior a nenhum dos elementos do conceito de retribuição, conforme se pode ler no douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1881/07.9TTLSB.L1-4, 16-12-2009 disponível em http://www.dgsi.pt.
IV. Entende a Recorrente que estas prestações não integram o conceito de retribuição, não são devidas no âmbito de férias, nem no subsídio de Natal, não decorrem da Lei, nem assim é regulamentado no AE/CTT, aplicável ao contrato de trabalho sub judice.
V. Nos termos do art. 82.º da LCT, a retribuição traduz o conjunto de valores com carácter pecuniário ou em espécie que o empregador se encontra obrigado a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida do seu trabalho ou, mais precisamente, da disponibilidade da sua força de trabalho, por força do contrato, da lei, de instrumento de regulamentação colectiva aplicável ou dos usos.
VI. As prestações complementares estão ligadas a contingências especiais da prestação do trabalho ou ao mérito, assiduidade ou produtividade do trabalhador ou até a certas situações pessoais deste. Todos os subsídios referidos têm por pressuposto a efectiva prestação de trabalho, não sendo, portanto, devidos nos casos em a prestação de trabalho não se verifica, seja qual for o seu fundamento;
VII. É entendimento do STJ que “mesmo o facto das prestações periódica e regularmente recebidas pelo trabalhador integrarem, em princípio, o conceito de retribuição não significa que linearmente tenham de ser levadas em conta para efeitos de cálculo das prestações cujo montante se encontra indexado ao valor da retribuição. A retribuição a atender para esse efeito não é – tirando as especificidades que resultem concretamente da lei – a retribuição global, mas sim a chamada retribuição modular ou padrão, da qual devem ser excluídas aquelas prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra razão específica (Ac. do STJ, de 17/01/2007, in http://www.dgsi.pt)”.
VIII. No nosso entendimento, só no caso de não estar evidenciado a que título é feito esse pagamento é que funcionará a presunção referida. Por outro lado, basta que falte um dos elementos essenciais que caracterizam a retribuição em sentido técnico-jurídico – obrigatoriedade, correspectividade da prestação de trabalho, regularidade e periodicidade – para que tal qualificação seja de afastar, considerando-se ilidida a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 82.º da LCT e no nº 3 do art. 249.º do C.Trab.
Ora,
IX. De acordo com a cláusula 123.º do AE/CTT, o subsídio de trabalho nocturno, só é devido quando é prestado entre as 20.00 horas de um dia e as 08.00 horas do dia imediato.
X. E, nos termos da Cláusula 122.º do AE/CTT, considera-se trabalho suplementar, o prestado fora do período normal de trabalho.
XI. O trabalho nocturno e o trabalho suplementar são, pela sua própria natureza e por força da lei, um desenvolvimento transitório da relação contratual laboral, o que, aliás, lhes retira o eventual carácter de regularidade ou habitualidade.
XII. Como tal, estas prestações são devidas somente na medida em que o trabalho seja efectivamente prestado nas condições acima especificadas. Assim, ainda que sejam prestações periódicas, não podemos incluir no conceito restrito de retribuição estes subsídios por trabalho nocturno ou suplementar, nos termos do art. 86.º da LCT.
XIII. Já a compensação especial tem uma finalidade específica, que é o pagamento da assinatura do telefone que só ocorre 12 vezes, sendo paga todos os meses, incluindo o de férias, como consta dos recibos de vencimento do Autor, conforme prova documental junta com a contestação, a fls. dos Autos, documentação essa que foi, em absoluto, desconsiderada pela M.mo Juiz a quo, onde se explica que esta compensação é atribuída segundo determinados critérios, avaliados ano a ano, e que por isso não tem justificação para integrar os subsídios de férias e de natal.
XIV. Esta prestação visava compensar a dedicação à Empresa, especificamente a antiguidade, o comportamento e a assiduidade, inicialmente, através da isenção de pagamento da taxa de assinatura mensal do telefone instalado na residência do trabalhador e, a partir de Fevereiro de 1995, através do respectivo pagamento.
XV. Importa referir que esta compensação especial nada tem a ver com a Cl. 139.º do AE, onde sob o nome Compensação Especial, se define a Compensação do horário incómodo, que é atribuída ao trabalhador por cada dia que iniciar ou terminar o seu período normal de trabalho entre as 2 e as 6 horas, inclusive, ou quando o trabalhador inicie ou termine, no período referido, o seu intervalo de descanso, desde que este seja igual ou superior a quatro hora.
XVI. A Compensação Especial peticionada pelo Autor com aquele nome, refere-se tão só à isenção do pagamento da taxa telefónica, não têm por fim contrapartida pelo trabalho prestado, antes sim, premiar dedicação do trabalhador à empresa, pelo que não deveria integrar o conceito de retribuição.
XVII. Assim, a compensação de horário incómodo, como também, a compensação de horário descontínuo, prevista na Cl.ª 140.º do AE/CTT que só é paga quando por imposição da empresa, o período normal de trabalho comportar um intervalo de descanso de duração igual ou superior a quatro horas, e a Compensação Especial de Distribuição, prestação que é paga ao trabalhador por cada dia efectivo de distribuição domiciliária de correspondências, tendo em conta as condições específicas dessa actividade; porque apenas são devidas em circunstâncias especiais, não integram o conceito de retribuição.
XVIII. No que ao abono de viagem concerne refira-se em primeiro lugar que a Ré juntou documentos aos Autos que explicitam o modo de atribuição e forma de pagamento dos mesmos, sendo que o autor, conforme resulta dos seus recibos de vencimento, apenas auferiu abono de viagem marcha (percurso a pé) ou abono de viagem moto (percurso com motorizada). Documentação essa que foi, em absoluto, desconsiderada pela M.ma a quo.
XIX. Por outro lado, é a própria lei que exclui, do conceito de retribuição as quantias recebias a título de abono de viagem e outras equivalentes, vide arts. 87.º da LCT e 260.º do C.Trab.2003.
XX. Ora, resulta claramente da Cl. 80.º do AE/CTT de 2010, do AE/CTT 2010 (que mantém o estatuído nos anteriores, vide Cl. 147.º e 155.º) que tais prestações têm como fim específico compensar o trabalhador por encargos acrescidos com as despesas em deslocações de casa para o local de trabalho e vice-versa, bem como pelo gasto ou encargo decorrente da utilização, ao serviço do empregador, de meio de transporte próprio, nessa compensação se enquadrando também a deslocação a pé ou em velocípede a pedal, mormente tendo em conta a natureza específica e própria das funções de carteiro.
XXI. As características de regularidade e periodicidade no pagamento não são de atender quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, situação que ocorre – por exemplo com as ajudas de custo, abonos de viagem despesas de transporte e outras equivalentes, devida ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo se essas importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador, o que não sucede in casu.
XXII. Logo, não constituem um ganho acrescido resultante da sua prestação laboral, são valores compensatórios de despesas, não podem as mesmas ser consideradas como parte integrante da retribuição, a não ser que excedessem as despesas normais do trabalhador e fossem tidas para o efeito, pelo contrato e pelos usos.
XXIII. Como tal não tem carácter de retribuição, tanto mais que as respectivas importâncias não excedem os montantes normais devidos pelas despesas a que se refere.
XXIV. Cabendo ao Autor, ao contrário do que vem defendido na sentença em crise, a prova de que tais ajudas constituem uma forma disfarçada de retribuição, por o seu montante exceder o valor das despesas feitas em serviço, assim decidido no Ac. da Relação do Porto, de 26/06/2000, in BMJ 498, p. 275.
XXV. Ora, não tendo sido alegados e provados factos em conformidade, deveria improceder a sua pretensão neste sentido.
XXVI. Na verdade, não pode o Tribunal escudar-se na presunção prevista nos arts. 82.º da LCT e 249.º do C.Trab. para, salvo o devido respeito, simplisticamente, condenar a Recorrente quando, na verdade, é o próprio legislador que exclui do conceito de retribuição determinadas prestações complementares.
XXVII. E, quanto à prova da sua integração no conceito de retribuição, a mesma cabe ao Autor, pelo que se entende que a dimensão da presunção de que toda e qualquer prestação é considerada retribuição, não pode incluir as prestações que a própria lei exclui, caso contrário, a ressalva feita carece de qualquer sentido.
XXVIII. Recentemente, pronunciou-se esse Venerando Tribunal no sentido de que o abono de viagem, a que se reporta a clª 155ª do AE aplicável aos C… publicado no BTE nº 24/1081,e o “Abono de viagem/Mar” a que se reporta, posteriormente, a clª 147º do AE aplicável aos C… previsto no BTE 21/1996, bem como nos AE posteriores, ainda que pago regularmente, não constitui retribuição, competindo ao trabalhador, pelo menos, a alegação de que tais abanos não visam a compensação a que se reportas as citadas clªs ou outras despesas decorrentes de viagens e/ou, bem assim, que o pagamento excede o montante das despesas que o pagamento do referido abono visa compensar” – veja-se, entre outros, o Ac. de 18/02/2013, disponível em dgsi.pt.
XXIX. Por outro lado, andou mal a sentença recorrida pois que nem aferiu do carácter de regularidade e periodicidade, o que de todo se compreende.
XXX. Quanto a esta questão vem sendo entendimento praticamente unânime da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [Acs. STJ de 23.06.2010, 15.09.2010, 16.12.2010 e de 05.06.2012, todos in www.dgsi.pt] que «deve considerar -se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial que ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).
XXXI. Deste modo, e sufragando-se este entendimento, que salvo melhor opinião é o correto, apenas os suplementos remuneratórios que foram pagos ao autor em onze dos doze meses de cada ano deveriam ser considerados para os referidos efeitos.
XXXII. Mas ainda que se entendesse que a prestação é regular e periódica se auferida em pelo menos seis meses, não têm carácter de regularidade:
- No ano de 1995, Horas Extra e Abono de Viagem
- No ano de 1996, Horas Extra, Compensação de Horário Descontínuo e o Abono de Viagem,
- No ano de 1997, o Abono de Viagem, Subsídio de condução, Compensação de horário Incómodo e Compensação Especial
- No ano de 1999, Subsídio de condução, Compensação de horário Incómodo
- Nos anos de 2001 e 2002, o Abono de Viagem.
XXXIII. Por fim, e nos que à contagem dos juros concerne, também andou mal a sentença recorrida.
XXXIV. Em primeiro lugar, não se pode considerar haver mora antes da citação da ré para contestar a presente acção; na verdade, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido (cfr. artº 805º do C.Civ.).
XXXV. É que, embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, aquilo que está aqui em causa não é o seu não pagamento, mas antes a discussão sobre a natureza de complementos de modo a saber se integram ou não o conceito de retribuição.
XXXVI. E sendo a questão controvertida, não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento dessas retribuições e subsídios, ou seja, que a ré sabendo o valor a pagar se atrasasse a pagar.
XXXVII. Apenas pela procedência da presente acção, e nos seus precisos termos de condenação, é que se apurará o montante em dívida, ou seja, quais são as prestações que o Autor tem vindo a auferir ao longo do contrato com a Ré que se considerarem retribuição; mais, Não é razoável exigir do devedor que ele cumpra enquanto não souber qual o montante e o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.
XXXVIII. Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar à Ré a mora geradora de condenação em juros, sendo estes devidos tão só a partir do momento do trânsito em julgado da decisão a proferir nestes Autos, ou seja, a contar do dia da constituição em mora, cfr. art. 806.º do C.Civ..
XXXIX. Ou, o que por mera cautela de patrocínio se concede, pela interpelação para pagamento, pelo que não existindo interpelação anterior será de considerar a data da citação, cfr. art. 805.º do C.Civ.. Consequentemente, a serem devidos juros moratórios estes contar - se-ão apenas a partir daquela data.
XL. Porém, e caso assim não se entenda, ao contrário do que vem defendido na douta sentença em crise, entende a Recorrente que não se aplicam aos juros de mora o regime previsto no art. 38.º da LCT nem, por maioria de razão, os arts. 381.º do C.Trab.2003 e 337.º do C.Trab.2009, uma vez que a obrigação dos juros pressupõe uma obrigação de capital, que não assume natureza laboral, apenas porque a obrigação principal reveste essa natureza, tanto mais que o regime da prescrição dos créditos laborais é especial.
XLI. Integrar aí os juros é forçar a letra da lei na medida em que os juros têm a sua causa imediata no incumprimento ou cumprimento tardio, pelo que, e na senda do Acórdão da RC de 02/03/2011, não é dogmaticamente correcto defender que eles resultam do contrato de trabalho ou estão abrangidos na “violação do contrato”.
XLII. O fundamento subjacente à suspensão do prazo prescricional dos créditos laborais, ainda que analisada do ponto de vista dos créditos do trabalhador, não nos permite concluir dever-se alargar o âmbito da norma ao regime de prescrição de juros.
XLIII. Os juros nascem do incumprimento e visam punir apenas a mora pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias. Assim, não podem considerar -se como um crédito resultante do contrato de trabalho, devendo os juros ficar sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do art. 310.º do C.Civ..
XLIV. Justificar a aplicação de uma norma excepcional pela origem mediata da causa também não nos parece adequado. Desde logo, e repetimo-nos, porque há uma norma específica que prevê a prescrição dos juros, ainda que ilíquidos - al. d) do art. 310.º do C.Civ., sendo certo que se estaria a alargar o âmbito aplicativo de uma norma excepcional a casos que a letra do preceito não prevê.
XLV. Não nos parece que o legislador tenha criado um regime de protecção tal que quisesse incluir os juros nos sucessivos preceitos da prescrição dos créditos laborais, sendo certo que é sim, um absurdo, que o Autor após 20 anos, como sucede in casu, sobre um vencimento de um crédito que não lhe foi pago atempadamente, possa vir reclamar juros desde o vencimento.
XLVI. Se o devedor paga juros é porque, durante determinado período e tempo, deteve na sua esfera capital que deveria encontrar -se na esfera do credor; Ora, como supra referimos, a Ré não podia liquidar a prestação por não saber quais os complementos remuneratórios que integrariam o conceito de retribuição, e apenas o saberá aquando do trânsito em julgado da decisão a proferir, pelo que, constitui, de facto, uma vantagem para o credor que a suspensão da prescrição dos créditos laborais se estenda também aos juros devidos pela mora.
XLVII. Tanto mais que a permanência de capital na esfera da Ré não resulta do incumprimento culposo da obrigação de pagar.
XLVIII. Pelo conjunto de razões que ficam ditas, entende a Apelante ser aplicável aos juros o disposto na al. d) do art. 310.º do C.Civ., ou seja, considera que estes estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos e que esse prazo não se suspende por mero efeito de estar (ainda) em execução o contrato de trabalho.
XLIX. O que significa que, a haver diferenças retributivas devidas, aquelas quantias só começam a vencer juros 5 anos antes da citação da Ré e não desde a data do respectivo vencimento.
L. O M.mo Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, os arts. 82.º, 83.º, 86.º e 87.º da L.C.T., 249.º e 260.º C.Trab.2003, e 310.º e 350.º C.Civ. e as normas constantes do AE/CTT.
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue a improcedência desse pedido, como é de inteira JUSTIÇA”.

Não tendo o recorrido apresentado contra-alegações, foi seguidamente o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, como subida imediata, nos próprios autos e feito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal em 03-02-2014, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões essenciais a decidir:
(i) saber desde quando são devidos juros de mora e se os vencidos há mais de cinco anos se mostram prescritos (excepções deduzidas).
(ii) saber se as quantias pagas pela Ré ao Autor a título de remuneração de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação especial, compensação de horário incómodo, compensação de horário descontínuo, compensação especial de distribuição, compensação de horário incómodo, e abono de viagem revestem carácter retributivo.
(iii) saber se as prestações são devidas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Uma vez que a primeira questão equacionada, que se refere às excepções deduzidas, poderá ficar prejudicada em função da resposta dada às restantes questões, iniciar-se-á a análise e decisão por estas e só após se apreciará aquela.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, com fundamento no acordo das partes, falta de impugnação especificada e documentos não impugnados:
1. O Autor foi admitido para prestar serviço, por conta a sob autoridade da Ré, em 10 de Maio de 1995.
2. O Autor mantêm-se ao serviço da Ré com a categoria profissional de CRT [carteiro(a)], desde essa época até à presente data.
3. O local de exercício de actividade do Autor, começou por ser no CDP …, tendo alterado o local de trabalho em 1996 para o CDP …, em Vila Nova de Gaia, onde se mantém até ao dia da hoje.
4. A Ré sempre organizou, e ainda organiza hoje, o serviço dos seus trabalhadores com recurso a trabalho suplementar e nocturno.
5. É o caso do Autor, que sempre efectuou por ordem e no interesse da Ré, trabalho suplementar e nocturno, todos os meses em virtude de por escala trabalhar fora do horário normal de trabalho e à noite (este número é alterado infra).
6. Para além dos supra citados trabalho suplementar e nocturno, o Autor vem recebendo da Ré, ao longo dos anos, valores correspondentes a subsídio de condução, abono de viagem, complemento especial distribuição, compensação horário incomodo, compensação horário descontínuo e compensação especial.
7. Contudo, a Ré vinha pagando ao Autor a retribuição de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, tendo apenas em consideração a parte fixa da retribuição.
8. Apenas em 2004, em comunicação interna, a R. admitiu que outras parcelas faziam parte da retribuição, tendo passado a pagá-las para futuro na retribuição de férias e no respectivo subsídio.
9. Apesar de o subsídio de compensação especial não vir expressamente consagrado na referida comunicação interna, ao contrário de todas as outras retribuições ora peticionadas, a Ré acordou, no ponto 3. do “PROTOCOLO AE 2003/2004 – I, que tal subsídio passaria a ser considerado diuturnidade especial, tendo passado a pagar essa diuturnidade catorze vezes ao ano.
10. Entre 1995 e 2003, a R. pagou ao A., para além da retribuição base e diuturnidades, os complementos com as denominações e valores que constam dos quadros anexos ao art. 26º da petição, constantes de fls. 9 a 12 e que foram dados por reproduzidos (face à inexistência de suporte informático em versão de trabalho que os permita reproduzir aqui).

Estes os factos dados como provados.
Constata-se em relação ao n.º 5 que no mesmo se menciona, além do mais, que o Autor efectuou, por ordem e no interesse da Ré, trabalho suplementar e nocturno, “todos os meses”.
Porém, do facto n.º 10, donde resulta os complementos pagos pela Ré ao Autor – que não são postos em causa pelas partes – verifica-se que nem todos os meses dos anos em causa o Autor prestou trabalho suplementar e nocturno.
Assim, segundo se entende, a referência feita na matéria de facto (n.º 5) a “todos os meses”, mais não significa que sempre que o Autor prestou esse trabalho o fez por ordem e no interesse da Ré e não que tenha prestado o trabalho em causa durante todos os meses da relação laboral (até 2003).
De outro modo, o facto n.º 5 (que o trabalho teria sido prestado durante todos os meses) seria contraditório com o facto n.º 10 (donde decorre que nem todos os meses houve prestação do referido trabalho).
Assim, uma vez que o facto n.º 5, na redacção que lhe foi atribuída na 1.ª instância, é susceptível de suscitar dúvidas, de forma a afastar estas altera-se o facto, passando a ter a seguinte redacção:
“O Autor sempre que efectuou trabalho suplementar e nocturno, fê-lo por ordem e no interesse da Ré, em virtude de por escala trabalhar fora do horário normal de trabalho e à noite”.

Em relação ao facto n.º 10, deram-se por reproduzidos os quadros que constam do artigo 26.º da petição inicial com fundamento que não existe suporte informático em versão de trabalho que os permitisse reproduzir.
Diga-se que atendendo ao princípio da colaboração sempre o tribunal recorrido poderia ter solicitado à(s) parte(s) o necessário suporte informático, sendo que a inserção dos quadros na sentença, e não a mera remissão para os mesmos, para além de corresponder a uma melhor técnica jurídica, permitiria uma mais fácil e clara percepção da matéria de facto.
Todavia, considerando que a recorrente não questiona ter pago as quantias constantes dos quadros e pelos títulos aí indicados e que a questão passa, essencialmente, por saber se essas quantias e pelos títulos indicados devem ser computadas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, a fim de evitar delongas processuais, designadamente com vista à inclusão dos quadros na sentença, em função da resposta dada à questão referida se analisarão os quadros, que, de resto, as partes não questionam.
Assim, caso se considere que todas as prestações têm natureza retributiva e devem integrar a remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal, tal como fixado na sentença recorrida, perde relevância a análise dos referidos quadros, em relação às quantias discriminadas e auferidas mensalmente pelo Autor, pelo que se torna inútil nesta fase processual incluir tais quadros.
Naturalmente que, por maioria de razão, caso se considere que todas as prestações em análise não têm natureza retributiva e que não são devidas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, perde qualquer relevância consignar no acórdão os aludidos quadros.
Já caso se entenda que algumas das prestações não assumem natureza retributiva, então terá que se reformular o cálculo das quantias devidas ao Autor e, para isso, terão que se ter em conta, como elemento essencial, os quadros com indicação das prestações que foram pagas, pelo que nessa altura, caso se justifique, se analisará e consignará expressamente o conteúdo de tais quadros.

IV. Enquadramento jurídico
Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar cada uma delas.
Preliminarmente, importa referir os normativos legais a atender em termos de direito substantivo, tendo em conta a sucessão de leis no tempo e que o Autor funda a sua pretensão no trabalho prestado, e respectivas retribuições, nos anos de 1995 a 2003.
Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
Daí que o Código do Trabalho de 2003 se aplique às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos após a sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003).
No caso, estando em causa retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal que deveriam ter sido pagas até 2003, ou seja, antes da vigência do Código do Trabalho de 2003, importa atender ao disposto na Lei n.º 49 408, de 24-11-1969 (LCT), no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, previsto no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações conferidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e ainda na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho.
Deverão também ter-se presentes os acordos de empresa (AE) celebrados entre os CTT e o SNTCT invocados pelas partes e referidos na sentença recorrida, na medida em que resulta dos autos que a Ré os aplica na empresa.
Isto não obstante se reconhecer que não se mostrem provados factos donde possa concluir-se pela sua aplicabilidade directa ao caso, por força da aplicação do princípio da filiação [por não alegada, nem demonstrada a filiação sindical do Autor – cfr. o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro, o artigo 552.º do Código do Trabalho de 2003, que acolheram o denominado princípio da filiação] e que constam da PRT publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 27/77, de 29 de Julho de 1977 e AE publicados no BTE 21/1996 (alterado nos BTE 28/99, 30/2000 e 29/2002) e 29/2004.

1. Da natureza retributiva das prestações
1.1. Estipula o artigo 82.º, do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969 (doravante LCT):
“1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador."
Como assinala Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª edição, pág. 439), deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade (no sentido de ser satisfeita por períodos aproximadamente certos) e regularidade (no sentido da sua constância) da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo dessa forma relevância no pagamento.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2007 (Proc. n.º 3211/06 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), «com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E exigindo carácter “periódico” para a integração da prestação do empregador no âmbito da retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes».
No dizer de Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 447), «a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art.º 82.º da LCT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da «retribuição»».
Assim, segundo se entende, a característica de regularidade não tem, necessariamente, que incidir sobre quantitativos certos percebidos todos os meses do ano em que o trabalhador presta a actividade, ou sobre um número concreto e pré-determinado de meses do ano: o que importa é que essas prestações se apresentem como uma vinculação do empregador ao seu pagamento, não revistam carácter arbitrário, e que as mesmas correspondam a uma expectativa de ganho do trabalhador, não revestindo carácter excepcional, ocasional.
Dito ainda de outro modo: o que importa é que a repetição do pagamento por um número significativo de vezes e a um determinado título crie no trabalhador a convicção da sua continuidade de recebimento e que paute o seu consumo em função de tal expectativa (legítima) de recebimento.
Tentando objectivar o critério da regularidade e periodicidade da prestação, este tribunal tem adoptado um critério orientador – que se afigura adequado – no sentido que para que uma prestação se possa considerar regular deve ser prestada com alguma frequência, indicando para tanto pelo menos metade do ano.
Escreveu-se a este propósito no acórdão de 21-02-2011 (Proc. n.º n.º 547/09.3TTGDM.P1): “qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser, pelo menos, de metade do ano. Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica e, portanto, sem carácter retributivo”.
Anote-se, também, que o facto do empregador, no uso dos seus poderes de direcção e organização do trabalho, poder eventualmente fazer cessar, para o futuro, a atribuição de prestações aos trabalhadores, por ter feito cessar a causa dessa atribuição, não retira às prestações, regular e periodicamente percebidas pelo trabalhador, a natureza retributiva, com as inerentes consequências legais, nomeadamente ao nível das sua eventual relevância no cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias e de Natal, no período em que ele as recebeu.

No âmbito do Código do Trabalho de 2003, o artigo 249.º estabelece os princípios gerais da retribuição, nos seguintes termos:
“1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 — (…).”
Importa também deixar assinalado que por força do que dispõem os artigos 82.º, n.º 3, da LCT e 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, a lei presume participar da natureza de retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Ao trabalhador incumbe alegar e provar a satisfação pelo empregador de determinada atribuição patrimonial, seus quantitativos e respectiva cadência, cabendo depois ao empregador a demonstração de que a mesma não constitui contrapartida da actividade do trabalhador ou não tem natureza periódica e regular, para afastar a sua natureza retributiva (cfr. artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

1.2. Cabe agora analisar as diversas prestações pagas pela Ré, e por ela questionadas no recurso, para concluir se as mesmas assumem natureza retributiva.
Para tanto irá partir-se do enquadramento legal que se deixou plasmado, coadjuvado pelo respectivo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, de forma a melhor se poder percepcionar as várias denominações que a Ré atribuiu às prestações e os fins que as mesmas visam.
Por se concordar com a análise e fundamentação que sobre a matéria consta do acórdão deste tribunal de 21-03-2013 (Proc. n.º 405/11.1TTVLG.P1, disponível em www.dgsi.pt), irá, a par e passo, acompanhar-se o mesmo.

1.2.1 Quanto às prestações por trabalho suplementar
Como decorre do que estabelecem os artigos artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro (LDT), artigo 197.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, e a cláusula 122.ª, n.º 1 do AE de 1996, cujo conteúdo não foi alterado nos posteriores AE, trabalho suplementar é aquele prestado fora do horário de trabalho.
Trata-se de um trabalho por natureza excepcional, que correspondente a uma mera eventualidade de ganho, e nessa medida, e como regra geral, a lei exceptua o respectivo pagamento da retribuição global; no entanto, a mesma lei ressalva a possibilidade dessa retribuição por trabalho suplementar integrar a retribuição global do trabalhador.
Assim é que nos termos do artigo 86.º, da LCT, não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, salvo quando se deva entender que integra a retribuição do trabalhador.
Face às considerações que acima se deixaram expostas a propósito da natureza regular e periódica de uma prestação, a conclusão que se impõe é no sentido da retribuição do trabalho extraordinário ou suplementar não ser de computar na retribuição global, excepto se a prestação desse trabalho pelo trabalhador assumir natureza regular.
Nesse sentido, escreve Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 453): “no tocante ao trabalho suplementar, a remuneração acrescida pode ser ou não computada no salário global conforme se verifique ou não a regularidade do recurso a horas suplementares de serviço. Tal é a única interpretação plausível da fórmula um tanto perturbadora do art. 86.º da LCT”.
Esta tem sido também a interpretação, ao que se conhece uniforme, da jurisprudência, como se pode ver, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2006 (Proc. n.º 08/06, da 4.ª Secção, cujo sumário e encontra disponível em sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em www.stj.pt).

No caso em apreciação, extrai-se da matéria de facto (n.º 10, que remete para os quadros constantes do artigo 26.º da p.i.), que o Autor prestou trabalho suplementar em pelo menos 6 meses dos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, pelo que, face ao que se deixou supra analisado, não poderá o mesmo deixar de se considerar regular e periódico, integrando, por isso, a retribuição do trabalhador.
Já em relação aos anos de 1995 e 1996, uma vez que o trabalho suplementar prestado não o foi, pelo menos, durante metade dos meses de cada um dos anos, não pode o mesmo considerar-se regular e, assim, integrar a retribuição.

1.2.2. Quanto às prestações por trabalho nocturno
Valem também aqui as considerações que se deixaram expostas a propósito do trabalho suplementar: aquele assume natureza retributiva se for pago com carácter regular e periódico, dada a legitima expectativa que geram no ser percebimento [vejam-se, entre outros e neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2006 (Proc. n.º 3825/05), de 22-04-2009 (Proc. n.º 2595/08) e de 15-09-2010 (Proc. n.º 469/09), todos da 4.ª Secção].
No caso que nos ocupa, os elementos constantes do n.º 10 da matéria de facto revelam que em todos, ou quase todos, os meses de cada um dos anos de 1995 a 2003 o Autor prestou trabalho nocturno, pelo que não poderá o mesmo deixar de integrar a retribuição do Autor.

1.2.3. Quanto à compensação especial
Sob a epígrafe “Compensação especial”, estabelece a cláusula 139.ª, n.º 1, do AE de 1996 (publicado no BTE, n.º 21, de 08-06-1996), à semelhança do que estabelecia a cláusula 147.ª, n.º 1, do AE de 1981 (BTE, 1.ª Série, n.º 24, de 29-06-1981) que por cada dia em que iniciar ou terminar o seu período normal de trabalho entre as 2 e as 6 horas, inclusive, receberá uma compensação especial; e no n.º 2 da mesma cláusula determina que o disposto no numero 1 é também aplicável nos casos em que o trabalhador inicie ou termine, no período referido, o seu intervalo de descanso, desde que este seja igual ou superior a 4 horas.
No entanto, a recorrente sustenta que tal compensação tem por finalidade o pagamento da assinatura do telefone que só ocorre por 12 vezes por ano, ou seja, que constitui uma isenção do pagamento da taxa telefónica, nada tendo a ver com o desempenho da actividade laboral.
Ora, o certo é, por um lado, que da factualidade provada nada resulta nesse sentido; por outro, de acordo com a cláusula da contratação colectiva a “compensação especial” tem um fim específico, aí previsto (início ou termo do período normal de trabalho entre as 2 e as 6 horas, ou o período de descanso, desde que este seja igual ou superior a 4 horas).
Além disso, não tendo a Ré afastado a presunção que decorre do artigo 82.º, n.º 3, da LCT e artigo 249.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 não poderá deixar de se considerar que tais prestações constituem retribuição.
Por isso, tendo a referida compensação sido paga, todos ou quase todos os meses dos anos de 1998 a 2003 assume natureza retributiva.
Já em relação aos restantes anos, uma vez que não foram pagas, pelo menos, durante metade dos meses desses anos, não assumem carácter retributivo.

1.2.4. Quanto à compensação de horário descontínuo e compensação de horário incómodo e compensação especial de distribuição.
Diga-se que face ao alegado pela própria recorrente não parece oferecer dúvidas que tais prestações assumem natureza retributiva, já que se encontram ligadas à concreta profissão de carteiro que o Autor desempenhava, designadamente ao período normal de trabalho em que desenvolvia essa actividade e os intervalos de descanso (iguais ou superiores a quatro horas), tal como se encontra prevista nas cláusulas 139.ª e 140.ª do CCT.
Assim, as compensações em causa prendem-se com a específica execução de tal trabalho, mormente com o período de tempo de realização do trabalho, porventura a exigir um esforço acrescido ao trabalhador.
Todavia, a compensação por horário descontínuo em nenhum dos anos foi paga, pelo menos, durante seis meses, pelo que não pode assumir a natureza retributiva.
Quanto à compensação de horário incómodo apenas em relação aos anos de 2000 a 2003 foi paga, pelo menos, durante seis meses de cada um desses anos, pelo que só em relação aos mesmos assume natureza retributiva.
E no que se reporta à compensação especial de distribuição, apenas nos anos de 2001 a 2003 foi paga em pelo menos seis meses de cada um desses anos, pelo que só em relação aos mesmos assume natureza retributiva.

1.2.5. Quanto ao abono de viagem
Sob a epígrafe “Subsídio de transporte próprio – Viagem e marcha” estipula a cláusula 147.ª, n.º 1, do AE (de 1996), que quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio, a empresa pagar-lhes-á, por quilómetro, um determinado subsídio, que varia conforme o transporte próprio utilizado e o preço do combustível.
Do fundamento da atribuição do subsídio extrai-se que o mesmo não visa pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho, mas tão só ressarcir o trabalhador de despesas por ele suportadas em virtude da prestação do trabalho e com a utilização de transporte próprio.
Por isso, os montantes pagos referentes a tal subsídio, ainda que regulares e periódicos, não têm natureza retributiva, visando antes compensar o trabalhador pelo gasto ou encargo decorrente da utilização, ao serviço do empregador, de meio de transporte próprio, nessa compensação se enquadrando também a deslocação a pé ou em velocípede a pedal, mormente tendo em conta a natureza específica e própria das funções de carteiro.
É certo que no caso a matéria de facto é omissa sobre a razão de tal pagamento: no entanto, tal como se decidiu no acórdão deste tribunal de 15-04-2013 (Proc. n.º 286/10.2TTSTS.P1, disponível em www.dgsi.pt), também aqui se entende que se as prestações foram “(…) pagas ao A. a título de “ab. Viag”, sem que o mesmo haja posto em causa a veracidade quer do título a que foram pagas, quer de que os respetivos pagamentos constituíam e tinham por objeto, efetivamente, o fim correspondente à sua designação, isto é, compensação por despesas com viagens/transporte, não tendo também posto em causa que fossem devidos nos termos da citada clª 147º do AE (…), assim como não alegou (nem se provou) qualquer eventual excesso dessa prestação (e/ou dos montantes pagos) em relação às despesas normais que o respetivo pagamento visou suportar ou compensar e que, nos termos do contrato ou dos usos, devesse ser considerado como retribuição. Com efeito, o A. apenas considera que, dada a regularidade do seu pagamento, deveriam integrar o conceito de retribuição, sendo, por consequência devidos nas férias e nos subsídios de férias e de Natal, mas nada mais pondo em causa.
De todo o modo, sempre se dirá que é facto público e notório, para além de que decorre das regras da experiência comum, que o exercício das funções de carteiro implica a realização do percurso aos locais onde as entregas deverão ser feitas, deslocações estas que, necessariamente, só poderão ocorrer em meio de transporte ou a pé. (…)
Ora, no caso e como se disse, o A., que exercia as funções de carteiro, não põe em causa que lhe fosse devido o pagamento dos abonos de viagem. Acresce que não foi alegado, nem resulta da matéria de facto provada, que os pagamentos efetuados ao abrigo dessas clªs excedessem os montantes que, nos seus termos, seriam devidos”.
Refira-se que ainda que os abonos de viagem não se enquadrassem na cláusula em causa, resulta da sua própria denominação que se tratam de abonos para compensar despesas efectuadas com viagens, o que o Autor não põe em causa, nem que as viagens tivessem sido efectuadas ou que os valores pagos a tal título excedessem as despesas cujo pagamento os abonos visavam compensar, alegando apenas a regularidade e periodicidade dos pagamento para sustentar que integram a retribuição e, como tal, que devem ser computadas na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Nesta sequência, e em síntese, tratando-se de um abono ou subsídio que visa apenas ressarcir o trabalhador de despesas por ele efectuadas ao serviço da empregadora – em conformidade, aliás, com o que estatui o artigo 87.º, da LCT e artigo 260.º, do Código do Trabalho de 2003, não pode o mesmo assumir natureza retributiva.

Assim, e em síntese, é de concluir que, com excepção do “abono de viagem”, as prestações pagas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação especial, compensação de horário descontínuo, compensação de horário incómodo e compensação especial de distribuição integram a retribuição do trabalhador, desde que pagas, pelo menos, durante metade de cada um dos anos em causa.
Em relação ao subsídio de condução, não vindo o mesmo questionado nas conclusões das alegações de recurso (que, como se referiu, delimitam o objecto deste), é de considerar que integram a retribuição do trabalhador desde que, também quanto a tal subsídio, tenha sido pago durante pelo menos seis meses de cada um dos anos peticionados.

2. Da inclusão ou não das prestações na remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal
O artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 874/76 de 28 de Dezembro, estabelecia que “[o]s trabalhadores têm direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil”.
Por sua vez decorre do artigo 6.º do mesmo compêndio legal que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período (n.º 1), e que além desta retribuição os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição (n.º 2 do mesmo artigo).
No AE/CTT de 1996, cláusula 142.ª estabelece-se que os trabalhadores têm direito, em cada ano, a um subsídio de férias de montante igual ao da remuneração mensal do mês de Dezembro nesse ano.
Idênticas são as disposições sobre a matéria dos posteriores instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Ora, como a jurisprudência tem afirmado [vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2007 (Revista n.º 4557/06), disponível em www.dgsi.pt, onde se remete para outra jurisprudência do mesmo tribunal e no mesmo sentido], se nos instrumentos de regulamentação colectiva sempre se falou em retribuições ou remunerações (vocábulos que aqui se devem ter por equivalentes), sem reserva, deve entender-se, na falta de outros elementos interpretativos, que se quis abranger todos os segmentos que os integram.
Assim, tal retribuição deve ser de montante igual à da retribuição que é normalmente processada a favor do trabalhador, nela se incluindo os componentes que, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 2, da LCT a devam integrar, o que significa que a lei ficciona, para o apontado efeito, a correspectividade entre essa retribuição e a efectiva prestação do trabalho.
Por isso, face ao normativo legal e convencional, apenas são de excluir do cômputo da retribuição de férias e subsídios de férias as prestações que tenham uma causa específica distinta da remuneração do trabalho no concreto circunstancialismo em que é prestado (por exemplo, prestações destinadas a compensar o trabalhador de despesas concretas que presumivelmente ele tivesse que suportar para realizar o trabalho).

Em relação ao subsídio de Natal, o Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, generalizou por via legislativa o subsídio de Natal; concretamente, estabelece-se no artigo 2.º, n.º 1, que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição.
Porém, no n.º 2, do artigo 1.º, excepciona-se do âmbito de aplicação do regime constante de tal diploma legal, os trabalhadores abrangidos por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que regulem especificamente o subsídio de Natal, salvo se este for inferior a um mês de retribuição (n.º 3, do mesmo artigo).
No caso, os diversos AE/CTT regulam o subsídio de Natal: é o que se verifica, nomeadamente, com a cláusula 143.ª do AE de 1996, bem como em posteriores AE, em que se estabelece que os trabalhadores têm direito a receber um “subsídio de correspondente à sua remuneração mensal”.
Face às considerações que se deixaram anteriormente expostas a propósito do subsídio de férias, também aqui, e até à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (1 de Dezembro de 2003), se entende, face à interpretação literal e tendo em conta a unidade do sistema jurídico, que o legislador pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de no seu pagamento se atender a todas as prestações de natureza retributiva que sejam contrapartida da prestação do trabalho.
Atente-se que, em relação ao ano de 2003, vencendo-se o subsídio de Natal em Novembro (por força da cláusula 143.ª, n.º 1, do AE/CTT), portanto antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, ao mesmo é aplicável o regime legal que se deixou descrito.

Nesta sequência, tendo em conta a interpretação que se deixou feita a propósito de cada um dos complementos, no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, devem incluir-se as seguintes importâncias:
a) No ano de 1995: € 90,03 a título de trabalho nocturno e € 100,71 a título de subsídio de condução, o que totaliza € 190,74 e correspondente à média mensal de € 15,90.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 47,70 (€ 15,90 x 3).
b) No ano de 1996: € 140,15 a título de trabalho nocturno e € 115,50 a título de subsídio de condução, o que totaliza € 255,65 e a média mensal de € 21,30.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 63,90 (€ 21,30 x 3).
c) No ano de 1997: € 1.042,50 a título de trabalho suplementar e € 164,10 a título de trabalho nocturno, o que totaliza € 1.206,6 e corresponde à média mensal de € 100,55.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 301,65 (€ 100,55 x 3).
d) No ano de 1998: € 614,79 a título de trabalho suplementar, € 223,72 a título de trabalho nocturno e € 165,23 a título de compensação especial, o que totaliza € 1.003,74 e corresponde à média mensal de € 83,65.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 250,95 (€ 83,65 x 3).
e) No ano de 1999: € 899,89 de trabalho suplementar, € 245,64 de trabalho nocturno e € 165,23 de compensação especial, o que totaliza € 1.310,76 e corresponde à média mensal de € 109,23.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 327,69 (€ 109,23 x 3).
f) No ano de 2000: € 770,70 de trabalho suplementar, € 354,34 de trabalho nocturno, € 694,85 de compensação de horário incómodo e € 154,97 de compensação especial, o que totaliza € 1.974,86 e corresponde à média mensal de € 164,57.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 493,71 (€ 164,57 x 3).
g) No ano de 2001: € 1.374,21 a título de trabalho suplementar, € 445,77 a título de trabalho nocturno, € 97,02 a título de compensação especial de distribuição, € 327,14 a título de subsídio de condução, € 868,72 a título de compensação de horário incómodo e € 201,06 a título de compensação especial, o que totaliza € 3.313,92 e corresponde à média mensal de € 276,16.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 828,48 (€ 276,16 x 3).
h) No ano de 2002: € 388,20 a título de trabalho suplementar, € 396,19 a título de trabalho nocturno, € 102,62 a título de compensação especial de distribuição, € 455,73 a título de subsídio de condução, € 872,32 a título de compensação de horário incómodo e € 183,60 a título de compensação especial, o que totaliza € 2.398,66 e corresponde à média mensal de € 199,89.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 599,67 (€ 199,89 x 3).
i) No ano de 2003: € 356,57 a título de trabalho suplementar, € 433,39 a título de trabalho nocturno, € 102,93 a título de compensação especial de distribuição, € 400,98 a título de subsídio de condução, € 858,77 a título de compensação de horário incómodo e 183,60 a título de compensação especial, o que totaliza € 2.336,24 e corresponde à média mensal de € 194,69.
Estando em causa a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, é devido a tal título ao Autor a quantia de € 584,07 (€ 194,69 x 3).
Deste modo, é devido ao Autor, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, nos anos de 1995 a 2003 as quantias de € 47,52, € 63,90, 301,65, € 250,95, € 327,69, € 493,71, € 828,48, € 599,67 e € 584,07, respectivamente.
Procedem, por isso, parcialmente e nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Dos juros de mora
3.1. A sentença recorrida condenou a recorrente em juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento das prestações até integral pagamento.
A recorrente rebela-se contra tal condenação, argumentando, no essencial, que se mostram prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos e que embora exista um prazo certo para pagamento da retribuição por férias, subsídio de férias e de Natal, era controvertida a questão de saber quais as prestações ou complementos a incluir no cálculo daqueles, e que só com o trânsito em julgado da decisão se apurará o montante em dívida, pelo que só a partir de tal data são devidos juros de mora.
Refira-se, desde já, que não se acompanha o entendimento da recorrente.
Vejamos porquê.

3.2. Quanto à alegada prescrição dos juros de mora
Escreveu-se no acórdão deste tribunal 09-12-2013 (Proc. n.º 280/12.9TTGDM.P1), também relatado pelo ora relator:
“Como resulta do disposto no artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao devedor; este considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efectuada no tempo devido (n.º 2, do mesmo artigo).
Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde a juros a contar do dia da constituição em mora (n.º 1, do artigo 806.º, do Código Civil).
E, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Idêntico é o regime que se extrai do artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003 e, mais recentemente, do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
Trata-se de um regime especial de prescrição que, como é sabido, encontra a sua razão de ser no facto de se considerar que só a partir do momento da cessação do contrato o trabalhador estará em condições de exercer os seus direitos, sem qualquer dependência para com o empregador decorrente da vigência da relação de trabalho.
O não cumprimento da obrigação de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho faz incorrer o devedor, como resulta dos aludidos normativos do Código Civil, na obrigação de indemnizar o credor, indemnização essa que correspondente aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Daqui decorre que esta obrigação de indemnizar emerge da mora no cumprimento de um crédito laboral, constituindo, por isso, também um crédito emergente da violação do contrato de trabalho.
Por isso, o mesmo encontra-se sujeito ao prazo especial de prescrição do artigo 38.º, n.º 1, da LCT, ou do artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, ou artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, constituindo, por isso, um desvio ao regime geral do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.
Esta tem sido, de resto, a interpretação, se não uniforme, pelo menos largamente maioritária da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se pronunciou sobre a matéria, como podem ver-se, entre outros, os acórdãos de 30-09-2004 (Proc. n.º 1761/04) e de 21-02-2006 (Proc. n.º 3145/05), de 14-02-2006 (Proc. n.º 2448/06) e de 14-03-2006 (Proc. n.º 3825/05).
Como se afirmou no acórdão desse tribunal de 30-09-2004, “Seria perfeitamente absurdo que a A. estivesse em tempo de pedir ao R. os créditos resultantes do incumprimento parcial do contrato de trabalho que os uniu e já não pudesse pedir-lhe os juros de mora, por se considerarem prescritos.
Tal entendimento aberrante obrigaria a autora a accionar o réu para pagamento dos juros dos seus créditos laborais na vigência do contrato de trabalho, criando mal estar e atritos com o empregador, que a lei pretendeu evitar ao conceder-lhe o prazo de 1 ano a partir do dia seguinte ao da cessação daquele para o fazer. Tal entendimento anularia o escopo prosseguido pelo legislador com aquele normativo, caso a autora não estivesse na disposição de prescindir dos juros de mora dos seus créditos ...”
Efectivamente, encontrando o prazo de prescrição previsto na LCT, e nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, no facto do trabalhador não ter plena liberdade psicológica para reclamar o que lhe é devido durante a vigência do contrato, dado o estado de especial subordinação em que se encontra, mal se compreenderia, tendo em conta a necessária harmonia do sistema jurídico, que já tivesse essa liberdade psicológica para reclamar os juros de mora devidos por um crédito laboral, e que os tivesse que reclamar ainda que na pendência da acção laboral.
O legislador não estabeleceu um prazo de prescrição diferente para cada espécie de crédito laboral, designadamente, o capital, os juros, ou outra, antes englobou todo o conjunto de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador ou do empregador, por efeito do contrato, e da sua violação ou cessação no âmbito de um prazo único de prescrição, de um ano a contar da cessação do contrato.
Em conformidade com o entendimento que se deixa expresso, mantendo-se o contrato de trabalho entre as partes, forçoso é concluir que não se mostram prescritos os créditos decorrentes dos juros de mora.”.
Não vemos fundamento para nos afastarmos deste entendimento, pelo que só nos resta acompanhá-lo e, por consequência, concluir que não se mostram prescritos os créditos decorrentes dos juros de mora, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3.3. Quanto ao prazo de vencimento dos juros de mora
Sobre esta problemática transcreve-se o que se escreveu no acórdão de 18-12-2013 (Proc. n.º 339/10.7TTVLG.P1) também relatado pelo ora relator:
“Estão em causa prestações de execução continuada do contrato de trabalho, e que têm prazo certo, tal como decorre do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 874/86, de 28-12, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 03-07, e cláusulas 142.ª e 143.ª do AE.
Tratando-se de obrigações de prazo certo o devedor constitui-se em mora, independentemente da interpelação (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).
A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os prejuízos causados ao credor, correspondendo a indemnização, na obrigação pecuniária, aos juros legais a contar da constituição em mora (artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil).
Decorre também do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 69/85, de 18-03, que o empregador fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que lhe não seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.
Por sua vez, o artigo 364.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, prescreve que o empregador que falta culposamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros de mora.
Ora, no caso em apreciação, não resulta, por um lado, que o não pagamento integral da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal seja imputável ao trabalhador; por outro, a iliquidez da dívida é meramente aparente e não real, uma vez que a empregadora sabia, ou pelo menos tinha obrigação de saber, o montante em dívida.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2006 (Revista n.º 2840/2005 da 4.ª Secção), numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos, «a situação em apreço […] configura como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. E não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a ré teve conhecimento) que as médias anuais de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno e dos restantes subsídios (de divisão do correio, de transporte de pessoal,...) integravam a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal. Na verdade, o facto de só por decisão do tribunal a ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, "a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas". [...]. É evidente que a ré pode discordar deste entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que a sua posição prevaleça, mas este é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar os direitos os autor a ser indemnizado do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.».
Assim, estando provado que a recorrente não procedeu ao pagamento integral das retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal em causa nas datas dos seus vencimentos, e sendo certo que a mesma dispunha de todos os elementos para proceder ao seu pagamento, constituiu-se em mora na data dos respectivos vencimentos, incidindo, por isso, o início da contagem dos juros de mora com o vencimento de cada uma das prestações.”.
Não descortinamos fundamento legal para divergir do entendimento que se deixou transcrito, pelo que não merece censura a decisão recorrida que condenou a Ré no pagamento dos juros de mora desde o vencimento das respectivas prestações até integral pagamento.
Improcedem, consequentemente, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

As custas, em ambas as instâncias, deverão ser suportadas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por CTT – Correios de Portugal, S.A., e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se consequentemente a recorrente da condenação a pagar ao Autor/recorrido B… as quantias apuradas como médias de prestações complementares nas retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de natal dos anos de 1995 a 2003, num total de 148,17 euros em relação a 1995, 95,58 euros em relação a 1996, 366,55 euros em relação a 1997, 569,25 euros em relação a 1998, 756,93 euros em relação a 1999, 926,74 euros em relação a 2000, 962,74 euros em relação a 2001, 675,07 euros em relação a 2002 e 683,78 euros em relação a 2003, acrescidas dos juros de mora que, às taxas legais, se tenham e venham a vencer até efectivo e integral pagamento, substituindo-se a referida decisão pela condenação da mesma recorrente a pagar ao recorrido as quantias apuradas como médias de prestações complementares nas retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal dos anos de 1995 a 2003, num total de € 47,52 no ano de 1995, € 63,90 no ano de 1996, € 301,65 no ano de 1997, € 250,95 no ano de 1998, € 327,69 no ano de 1999, € 493,71 no ano de 2000, € 828,48 no ano de 2001, € 599,67 no ano de 2002 e € 584,07 no ano de 2003, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento.

Porto, 24 de Março de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
______________
Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
(i) para que uma prestação se possa considerar regular para efeitos de integrar a retribuição do trabalhador é necessário, além do mais, que seja prestada com alguma frequência, entendida esta, pelo menos, metade do ano civil;
(ii) verificando-se tal periodicidade, na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal devem incluir-se as prestações remuneratórias auferidas a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, compensação de horário incómodo, compensação especial, compensação de horário descontínuo e compensação especial de distribuição, correspondendo a retribuição para esse efeito àquela que foi paga pelo desempenho do trabalho no condicionalismo em que normalmente é executado;
(iii) devem excluir-se desse cômputo as prestações que se destinam não a retribuir o trabalho, mas a compensar as despesas que o trabalhador tenha que efectuar por virtude da execução do trabalho e que se presume que não seriam efectuadas caso não tivesse que efectuar o trabalho efectivo.
(iv) em conformidade com a proposição anterior, não deve contabilizar-se na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal o abono de viagem pago ao trabalhador;
(v) os juros de mora relativos a crédito laboral, enquanto indemnização resultante da mora no cumprimento dessa obrigação, consubstanciam créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, sendo-lhes aplicáveis o regime especial de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, ou no artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, ou no artigo 337.º, n.º 1, do Código de Trabalho de 2009, e não o regime geral que decorre da alínea d) do artigo 310.º do Código Civil;
(v) não tendo a empregadora cumprido a obrigação de incluir a média de prestações auferidas pelo trabalhador que integram a retribuição, no cômputo das remunerações de férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal, aquando dos correspondentes pagamentos, sobre as diferenças em falta vencem-se juros de mora, desde as datas em que tais remunerações e subsídios deviam ter sido, na sua totalidade, pagos, já que aquela sabia, ou tinha obrigação de saber, o montante devido a tal título.

João Nunes