Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5851/06.0TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00042538
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: INSTRUÇÃO
INADMISSIBILIDADE
LEGITIMIDADE
ASSISTENTE
Nº do Documento: RP200905065851/06.0TDPRT.P1
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 578 - FLS 231.
Área Temática: .
Sumário: I - Perante o despacho de arquivamento do MP e estando em causa crimes de natureza particular (como sucede com os crimes de difamação e injúria), incumbe ao assistente deduzir acusação particular, não sendo admissível requerer a abertura de instrução. Assim, é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, face ao disposto no art. 287º, n.º 1-b) do CPP.
II - Estando ainda em causa um crime de administração danosa, p. e p. no art. 235º do C.P, o denunciante não pode arrogar-se a qualidade de ofendido, uma vez que não é titular de interesses privados que sejam protegidos com a referida incriminação. Por isso, quanto a este crime público, apesar de o recorrente o poder denunciar, não tem legitimidade para intervir nos autos como assistente, sendo que o despacho que genericamente o admitiu como tal, não faz caso julgado formal quanto à legitimidade. Assim, tendo sido arquivado o inquérito quanto a este crime, e não podendo o denunciante constituir-se assistente, também não pode requerer a abertura de instrução por esse crime (art. 287º, n.º 1-b) do CPP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 5851/06.0TDPRT.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. Na sequência da queixa-crime entrada em 18/10/2006, apresentada por B………., melhor id. a fls. 3, contra C………., D………. e E………., foi instaurado inquérito, registado sob o nº ..../06.0TDPRT, findo o qual foi proferido, em 20/5/2008, despacho de arquivamento nos termos do art. 277 nº 2 do CPP (fls. 162 a 172).

2. Notificado desse arquivamento, o assistente B………. requereu, em 23/6/2008, a abertura de instrução, nos moldes que constam de fls. 212 a 216.

3. Porém, o Sr. Juiz de Instrução, em 9/9/2008, proferiu a seguinte decisão (fls. 229 e 230):
“Em processo penal vigora o princípio da vinculação temática. Isto é, o juiz de instrução está limitado pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução.
Não pode, de todo, substituir-se aos participantes processuais e praticar os actos que só a eles pertencem e podem praticar.
Só relativamente a factos há instrução, e esta apenas e só sobre eles se debruça, tendo em vista uma decisão judicial de comprovação da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito - arts. 286 nº 1 e 287 nº 1 do C.P.Penal.
Ora, no requerimento de abertura de instrução não está narrada factualidade que permite concluir, pelos tipos legais dos crimes imputados, faltando, nomeadamente, os factos indiciadores do dolo.
O assistente tem de alegar os factos, ainda que de forma sintética, que hão-de ser atendidos para a decisão e, consequentemente, para as diligências de investigação, atento o princípio da investigação, atento o princípio da suficiência, da legalidade, da objectividade e do contraditório.
O Juiz não acusa, pronuncia, o que é muito diferente.
Aliás, que factos no RAI estão imputados à arguida E……….?
Nenhum.
Tão pouco tem o assistente legitimidade para o pedido quanto ao crime de gestão danosa.
Pelas razões expostas é o requerimento de abertura de instrução legalmente impossível.
Custas pelo assistente, fixando a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique.
(…)”

4. Inconformado com essa decisão, o queixoso/assistente dela interpôs recurso, concluindo a sua motivação (fls. 245 a 249) nos seguintes termos:
“1. O M. Juiz de Instrução só poderia rejeitar o requerimento de abertura de instrução por extemporaneidade do mesmo, incompetência sua ou inadmissibilidade legal da instrução, como se estabelece no nº 3 do art. 287 do C.P. Penal.
2. Nenhum destes fundamentos existe ou foi invocado, por ele, para o efeito.
3. Ademais o recorrente, dando cumprimento ao preceituado no nº 2 do mesmo preceito adjectivo, expôs, no seu requerimento, e como dele se vê, as razões de facto e de direito da sua discordância com o arquivamento dos autos por que concluiu o MP, e insistiu que se verificavam as condutas delituosas dos arguidos que impunham a imputação aos mesmos dos crimes de difamação e injúria, abuso de poder e gestão danosa,
4. requerendo, outrossim, as diligências de prova que, do mesmo, requerimento, constam e que, por razões de economia processual, se toma a liberdade de aqui não reproduzir.
5. Mesmo, porém, que o recorrente não houvesse requerido a efectivação de diligências ou o M. Juiz entendesse não as levar a efeito, sempre estaria obrigado a marcar a data e a realizar o debate instrutório, em obediência ao nº 1 do art. 297 do C.P. Penal.
6. Impunha-se, portanto, a realização da instrução, inexistindo qualquer fundamento legal para a rejeitar.
7. Ao rejeitar a requerida instrução, violou, pelo menos, o douto despacho recorrido, o disposto nos arts. 287, nºs 2 e 3 e nº 1 do art. 297, ambos do C. P. Penal.
8. Devendo, por isso, ser revogada e, em consequência, ordenar-se a realização da requerida instrução.
Termina pedindo a revogação e substituição do despacho impugnado por outro que defira o seu requerimento de abertura de instrução.

5. Respondeu o Ministério Público na 1ª instância (fls. 255 a 259), pugnando pela improcedência do recurso quanto à rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução relativamente à arguida E………. (por o requerimento de abertura de instrução estar desprovido de qualquer imputação que cumpra o disposto no art. 287 nº 2 do CPP) e ao alegado crime de administração danosa (por o recorrente, quanto a esse crime, não poder intervir como assistente) e, sustentando, no mais (no que respeita à abertura de instrução quanto aos dois arguidos C………. e D………. e aos restantes crimes), o seu provimento.

6. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 267 a 269), no sentido do provimento parcial do recurso, acompanhando a resposta apresentada na 1ª instância.

7. Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

8. Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO:
O objecto do recurso é demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP).
Assim, incumbe a este Tribunal da Relação verificar se o recorrente tinha legitimidade para apresentar o requerimento para abertura da instrução aqui em apreço e, em caso afirmativo, se esse mesmo requerimento cumpre ou não os requisitos exigidos pelo artigo 287 nº 2 do CPP.
Passemos então a apreciar o recurso aqui em apreço.
Em 18/10/2006, o recorrente apresentou queixa-crime contra C………., D………. e E………. invocando, para tanto, os factos que constam de fls. 3 a 10 (onde descreve o que, na sua perspectiva, se teria passado desde o dia 24/10/2005, pelas 9h30m, dentro da sala .., quando leccionava a disciplina de ………., na F………., sita em ………., V. Nova de Famalicão - escola onde, no ano lectivo 2005/2006, estava colocado como “Professor do Quadro de Nomeação Definitiva” - até 24/8/2006, sendo certo que entretanto mudou de escola, a pedido, sendo colocado no ano lectivo de 2006/2007 na G……….), concluindo que os participados teriam praticado um crime de difamação e injúria p. e p. nos arts. 181, 182 e 183 do CP, um crime de abuso de poder p. e p. no art. 382 do CP e um crime de administração danosa p. e p. no art. 235 do CP (crimes estes que não sofreram alterações apesar da revisão do CP aprovada pela Lei nº 59/2007, de 4/9, que entretanto entrou em vigor em 15/9/2007).
Porque, nessa mesma queixa, também requereu a constituição de assistente, foi genericamente admitida a sua intervenção nessa qualidade, nos termos que constam do despacho de fls. 30.
Perante a denúncia apresentada, o Ministério Público realizou as diligências que entendeu pertinentes, nos termos do art. 262 do CPP, acabando por encerrar o inquérito com o despacho de arquivamento que proferiu ao abrigo do art. 277 nº 2 do CPP, concluindo que não se encontrava “suficientemente indiciada a prática pelos arguidos dos denunciados crimes.”
Notificado desse despacho de arquivamento, o recorrente requereu a abertura de instrução nos moldes que constam de fls. 212 a 216 (que aqui se dão por reproduzidas) mas, esse seu requerimento não foi admitido, como ressalta da decisão objecto de recurso.
Resulta do teor dessa decisão que o Sr. Juiz a quo rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução (art. 287 nº 3 do CPP).
Para tanto, invocou fundamentalmente três razões:
a) - ausência de alegação de factos imputados à arguida E……….;
b) - ilegitimidade do assistente quanto à imputação do crime de administração danosa;
c) - ausência de narração de factualidade que permita concluir pela alegada imputação dos crimes em questão, nomeadamente, quanto a factos indiciadores do dolo.
Nessa medida, tendo em atenção as finalidades da instrução (arts. 286 nº 1 e 287 nº 1 do CPP) e o teor do requerimento que apreciou, concluiu (embora por outras palavras) o Sr. Juiz de Instrução ser “legalmente impossível” realizar a instrução, condenando, em consequência, o assistente em custas.
Ou seja: apesar de não invocar expressamente o disposto no art. 287 nº 3 do CPP e não haver exacta referência aos termos (v.g. “rejeição” e “inadmissibilidade legal”) utilizados nessa norma legal, o certo é que, interpretando o teor da decisão sob recurso, é claro, como acima foi dito, que o requerimento de abertura de instrução foi rejeitado com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução.
E, esse é um dos fundamentos de rejeição do requerimento de abertura de instrução.
Questão diferente (a analisar mais à frente) é saber se o Sr. Juiz de Instrução podia concluir pela existência desse fundamento de rejeição do requerimento de abertura de instrução.
Portanto, não assiste razão ao recorrente quando pretende sustentar que o Sr. Juiz violou o disposto no art. 287 nº 2 do CPP, por não assentar a rejeição do requerimento de abertura de instrução em nenhum dos fundamentos ali previstos.
Adianta, depois, o recorrente, que o seu requerimento de abertura de instrução continha a sua discordância das razões de facto e de direito que levaram ao arquivamento dos autos e, bem assim, os actos de instrução a realizar, observando o disposto no art. 287 nº 2 do CPP que, não exige formalidades especiais.
Como sabido, a instrução destina-se, consoante os casos, ou a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou a proceder ao controlo judicial da decisão do MºPº de arquivar, sempre tendo em vista a submissão ou não da causa a julgamento (art. 286 nº1 CPP).
Enquanto fase jurisdicional[1], a instrução (que não é um complemento da investigação que devia ter sido feita em inquérito[2]), compreende a prática dos actos necessários que permitam ao juiz de instrução proferir a decisão final (decisão instrutória) de submeter ou não a causa a julgamento (o juiz só deve a final pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forme a sua convicção no sentido de que há uma possibilidade razoável de que o arguido cometeu o crime objecto da causa - art. 308 nº 1 do CPP).
“O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução” – de modo a fundar a sua convicção para pronunciar ou não pronunciar o arguido – mas, “tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o nº 2” do art. 287 do CPP (cf. art. 288 nº 4 do mesmo código).
Essa liberdade de investigação (mesmo oficiosa), reafirmada na primeira parte do nº 1 do art. 289 do CPP, não é absoluta, estando antes limitada pelo objecto da acusação[3].
Com efeito, “a acusação tem por função a delimitação do âmbito e conteúdo do próprio objecto do processo, é ela que delimita o conjunto de factos que se entende consubstanciarem um crime, estabelecendo assim os limites da investigação judicial. Nisto se traduz o princípio da vinculação temática. Ao vedar os poderes de cognição do juiz a outros factos, que não os contidos na acusação, está a garantir-se ao arguido que só deles tenha de defender-se e que por outros não poderá ser condenado (no processo em curso). A relevância do conceito, em sede de acusação, tem pois uma dimensão de garantia dos direitos e da posição do arguido”[4].
A importância da fixação do objecto da instrução prende-se directamente por um lado, com a estrutura acusatória do processo penal português, embora mitigada pelo princípio da investigação judicial (cf. artigo 289 nº 1 do CPP, na fase da instrução) e, por outro, com o asseguramento de todas as garantias de defesa (artigo 32 nº 1 e 5 da CRP), “do direito de audiência de todo e qualquer participante processual que possa vir a ser pessoalmente afectado por qualquer decisão judicial”[5], o que compreende ainda, de forma destacada e autónoma, o respeito pelo exercício efectivo do princípio do contraditório, princípio este que atinge a sua dimensão máxima na fase do julgamento, visto que, nas fases preliminares (inquérito e instrução), há ainda limites ao seu exercício, por, numa ponderação de interesses prevalecer o superior interesse público da prevenção e repressão da criminalidade.
A efectividade e a eficácia do direito de defesa e do princípio do contraditório constituem, pois, requisitos essenciais para assegurar um processo justo e equitativo (art. 20 nº 4 da CRP)[6].
Daí que se compreenda que o objecto da instrução tenha “de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa” [7] e essa definição “abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.”[8]
Por isso, nessa fase processual, o requerimento para abertura de instrução é uma peça essencial.
Perante o arquivamento do inquérito, o assistente pode requerer a abertura da instrução nos termos previstos no art. 287 nº 1-b) CPP mas, neste caso, terá de observar os requisitos e pressupostos legais.
Sendo admissível a abertura de instrução, dispõe o art. 287 nº 2 do CPP, na parte que ora interessa, que “o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283 nº 3, alíneas b) e c).”
É o próprio art. 287 nº 2 do CPP que determina expressamente que ao requerimento de abertura de instrução é ainda aplicável o disposto no artigo 283 nº 3-b) e c) do CPP.
Por isso se tem vindo a defender que, quando o requerimento de abertura de instrução é apresentado pelo assistente (nos casos admitidos pela lei) o mesmo “consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento, por factos geradores de responsabilidade criminal. A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução. (…) [Existe] uma semelhança substancial entre tal requerimento [de abertura de instrução] e a acusação. Daí que o art. 287 nº 2 remeta para o art. 283 nº 3-b) e c), ambos do CPP, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento de abertura de instrução. Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento de abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do nº 3 do art. 283 do CPP”[9].
Vejamos, então, em primeiro lugar, se o recorrente tinha ou não legitimidade para requerer a abertura da instrução nos moldes em que o fez.
No caso dos autos, o aqui recorrente pretendia que os arguidos fossem pronunciados pela prática em autoria e/ou co-autoria de um crime de difamação e injúria p. e p. nos arts. 181, 182 e 183 do CP, um crime de abuso de poder p. e p. no art. 382 do CP e um crime de administração danosa p. e p. no art. 235 do CP.
Ora, resulta claramente do disposto no art. 287 nº 1-b) do CPP, que relativamente aos crimes de difamação e injúria o recorrente (que havia sido admitido a intervir nos autos como assistente) deveria ter deduzido acusação particular.
Não o tendo feito, obviamente que não podia requerer a abertura de instrução quanto a tais crimes de difamação e injúria.
Ou seja: quando estão em causa crimes de natureza particular (como sucede com os crimes de injúria e difamação) incumbe ao assistente deduzir acusação particular, não sendo admissível requerer a abertura de instrução.
Assim, nessa parte, sempre seria de rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, face ao disposto no art. 287 nº 1-b) do CPP.
Por sua vez, quanto ao crime de administração danosa, como foi salientado pelo Sr. Juiz de Instrução, o recorrente não tinha legitimidade para intervir nos autos como assistente.
O crime de administração danosa p. e p. no art. 235 do CPP protege o «património de “unidade económica do sector público ou cooperativo.”»[10]
Tutela-se com essa incriminação directamente um bem jurídico supra-individual[11] (interesse colectivo), sendo certo que, tal como foi configurado na queixa-crime e no requerimento de abertura de instrução juntos aos autos, não se descortina que tivessem sido afectados (imediata ou particularmente) interesses privados.
Isto significa, desde logo, que o recorrente não pode aqui arrogar-se a qualidade de ofendido, uma vez que não é titular de interesses privados que sejam protegidos com a referida incriminação prevista no art. 235 do CP (ver igualmente art. 68 nº 1-a) do CPP, segundo o qual o ofendido – considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos – tem legitimidade para se constituir assistente).
Ou seja, o recorrente, apesar de ser o denunciante, não é ofendido no crime de administração danosa (não é titular de qualquer interesse protegido com essa incriminação) que foi objecto de investigação e de arquivamento em sede de inquérito.
De resto, não se pode confundir a situação ora em análise com a prevista no art. 68 nº 1-e) do CPP, cujo catálogo de crimes (no qual não se inclui o crime de administração danosa) evidencia que o legislador pretende, por essa via, “tornar mais transparente a administração da justiça e permitir um combate mais eficaz a certas formas de criminalidade”[12].
Por isso, quanto a esse crime público, apesar do recorrente o poder denunciar, não se podia constituir assistente.
É jurisprudência corrente que, o despacho que admite a intervenção como assistente, não faz caso julgado formal quanto à legitimidade.
No caso dos autos, o despacho que admitiu o recorrente a intervir como assistente, foi feito de forma genérica e tabelar.
Apesar da omissão de referência aos crimes que em concreto admitiam essa intervenção, o certo é que o recorrente apenas se podia constituir assistente quanto aos crimes de natureza particular (art. 68 nº 1-b) do CPP) e de abuso de poder (art. 68 nº 1-e) do CPP) denunciados.
Desta forma (porque aquela declaração e decisão genérica não constituía uma decisão concreta vinculativa, não formando caso julgado formal quanto à questão da legitimidade para requerer a constituição de assistente), nada impedia que o Sr. Juiz a quo tivesse concluído pela falta de legitimidade do recorrente para se constituir assistente quanto ao crime de administração danosa e, portanto, pela sua ilegitimidade para nessa parte requerer a abertura de instrução.
Assim, tendo sido arquivado o inquérito quanto ao crime público de administração danosa e, não podendo o denunciante constituir-se nessa parte assistente, obviamente que também não podia requerer a abertura de instrução.
Não sendo o recorrente ofendido no crime de administração danosa e, como tal, não podendo nessa parte aceitar-se a sua intervenção como assistente, igualmente não podia requerer a abertura de instrução por esse crime (art. 287 nº 1-b) do CPP), não merecendo censura a decisão sob recurso nessa parte.
Resta, agora, o crime de abuso de poder.
Dispõe o artigo 382º (abuso de poder) do CP
O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Com este tipo legal pretende-se proteger, como diz Paula Ribeiro Faria[13], “a autoridade e a credibilidade da administração do Estado ao ser afectada a imparcialidade e a eficácia dos seus serviços.”
Sujeito activo terá de ser um funcionário e, portanto, para efeitos de lei penal haverá que atender ao respectivo conceito tal como é definido pelo art. 386 do CP.
A conduta proibida consiste no “abuso de poderes” ou na “violação de deveres”, ambos inerentes às funções de funcionário do agente do crime.
Em termos gerais Paula Ribeiro Faria[14] define o “abuso de poderes” “como uma instrumentalização de poderes (inerentes à função), para finalidades estranhas ou contrárias às permitidas pelo direito administrativo (ou melhor dizendo, ilegítimas)”, enquanto a “violação de deveres” refere-se a “deveres funcionais, deveres que estão relacionados com o exercício da função, e que por regra só subsistem enquanto o funcionário está em actividade”, tanto podendo incluir a violação de “deveres funcionais específicos” como de “deveres funcionais genéricos”.
Para além disso, o agente terá de actuar com a “intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa.”
O crime consuma-se com “a comissão do acto ou facto abusivo, por parte do funcionário, sendo irrelevante sob este ponto de vista a efectiva verificação do dano ou vantagem para o agente ou para terceiro (crime de mera conduta)”[15].
Ora, o recorrente invoca que, no seu requerimento de abertura de instrução, alegou factos bastantes que consubstanciariam o crime de abuso de poder que imputa aos arguidos.
Tendo em vista o princípio da legalidade, a descrição dos factos essenciais passava pela narração da conduta de cada um dos arguidos, de modo a satisfazer quer o tipo objectivo, quer o tipo subjectivo do ilícito de abuso de poder aqui em questão.
Como se diz no Ac. do TRG de 14/2/2005[16], «(…) uma conduta humana só poderá punir-se se estiver prevista numa norma penal que descreva claramente a conduta proibida ou ordenada, acompanhada da cominação de uma pena. Está aqui implicado o princípio da legalidade. Chamamos tipo a essas descrições de crimes contidas nas leis penais. A descrição exigida à peça acusatória, e pelo que acabou de dizer-se ao requerimento de abertura de instrução, reporta-se a todos os factos (factos essenciais) de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, quer dizer, todos aqueles que constituem os elementos de algum crime».
No caso dos autos, lendo e relendo o requerimento de abertura de instrução não conseguimos descortinar factos bastantes dos quais resulte que os arguidos teriam cometido o crime de abuso de poder denunciado.
É certo que o recorrente retira a conclusão de que houve “abuso de poder”, mas os factos que foi relatando não permitem retirar essa sua conclusão.
Com efeito, no requerimento de abertura de instrução, o recorrente narra uma sucessão de acontecimentos, manifestando a sua discordância quanto ao modo de actuação dos arguidos C………. (Presidente do Conselho Executivo da F………., pelo menos em 2005/2006) e D………. (Director dos Recursos Humanos da H……….).
Invoca em síntese que:
- na sequência de episódio que teria ocorrido em 24/10/2005, durante uma aula que estava a leccionar (onde teria sido agredido com “laser”), teve de receber assistência médica no Hospital de ………. e, por não se encontrar em condições de leccionar, recorreu depois ao Centro Médico de ………., em Braga, o qual o veio a considerar com incapacidade temporária absoluta para leccionar desde a data do acidente em serviço (24/10/2005) até 11/11/2005, altura em que foi considerado apto para o exercício das suas funções;
- apesar de ter conhecimento da sua incapacidade temporária absoluta, ainda em 31/10/2005, o Dr. C………. solicitou à H………. a sua sujeição a uma Junta Médica, a fim de que esta verificasse se a situação do recorrente era ou não fraudulenta, ordenando-lhe que permanecesse em casa, aguardando instruções, pedido esse que, porém, não teria sido aceite pela H………., mas que não lhe foi dado conhecimento;
- entretanto, teve alta médica definitiva, comunicando esse facto ao Dr. C………., por carta de 14/11/2005, pedindo-lhe novamente instruções quanto ao que fazer;
- só em 23/1/2006 o Dr. C………. teria respondido a essa carta do recorrente, comunicando-lhe que a Junta Médica se verificava em 31/1/2006, escondendo-lhe que a H………. havia recusado o primeiro pedido de Junta Médica (de 31/10/2005);
- entretanto o recorrente solicitou ao Dr. C………. que o esclarecesse sobre o fundamento da Junta Médica de 31/10/2005, tendo o mesmo lhe respondido - através de ofício de 10/11/2005 - que a havia solicitado para verificar o grau de incapacidade com que o ofendido havia ficado, o que não corresponderia à verdade;
- ainda em 4/11/2005 o Dr. C………. pediu a substituição do recorrente, o que veio a acontecer desde então até ao final do primeiro período lectivo de 2006/2007;
- submetido à Junta Médica de 31/1/2006, o recorrente foi considerado “apto” para leccionar, mas, o Dr. C………. não satisfeito com esse resultado, requereu a sua sujeição a nova Junta Médica, agora de foro psiquiátrico que, sem objecções, foi deferida pelo Dr. D……….;
- essa Junta Médica, que acabou por o considerar “apto” para a leccionação (cujo resultado só lhe foi comunicado em 12/4/2006), só viria a realizar-se em Dezembro de 2006, não sem que antes, depois de constituída, por falta de necessários elementos para julgar a sua “saúde psiquiátrica”, o mandasse submeter a exame de psiquiatria forense no Centro Hospitalar ……….;
- no final do ano lectivo de 2005 foi avaliado profissionalmente, tendo obtido classificação positiva e máxima na altura, de “satisfaz”, com plena concordância do Dr. C………. da Comissão de Avaliação da Escola;
- o Conselho Executivo da F………., presidido pelo arguido, Dr. C………., nunca fez ao recorrente (até à data do referido acidente com o “laser”) qualquer observação, fosse a que titulo fosse, que pusesse em causa a sua qualidade e capacidade como pessoa e/ou professor e nenhuma autoridade escolar, nomeadamente, a H………., ou o arguido Dr. D………., lhe promoveu qualquer inquérito ou averiguações de qualquer tipo;
- os arguidos (o Dr. C………. ao promover as Juntas Médicas e o Dr. D………. ao aceitá-las) deliberada e intencionalmente o impediram de exercer as suas funções de professor durante mais de um ano lectivo, causando-lhe prejuízos na sua actividade profissional e na sua imagem dentro e fora da Escola.
Relativamente à arguida Drª. E………., o recorrente não lhe imputa a prática de quaisquer factos, antes requerendo que fossem praticados determinados actos de instrução (v.g. que fosse junta aos autos documentação relativa a delegação de poderes no arguido Dr. D……….).
Assim, quanto à arguida Drª. E………., podemos desde já concluir pela inadmissibilidade legal da instrução por no requerimento de fls. 212 a 216 não lhe ser imputada a prática de quaisquer factos consubstanciadores do aludido crime de abuso de poderes.
Daí que, nessa parte, não mereça censura a decisão sob recurso.
Quanto aos arguidos Dr. C………. e Dr. D………., o recorrente concluiu, a partir dos factos que descreveu, que os mesmos se serviram da sua qualidade de funcionários públicos e dos poderes que se encontravam investidos.
Resultando do requerimento de abertura de instrução que o recorrente discorda dos procedimentos seguidos pelo arguido C………. junto da H………. e, da anuência do arguido D………., enquanto Director dos Recursos Humanos da H………., à realização de Juntas Médicas, a verdade é que dos factos que descreve não ressalta que tivesse havido “abuso de poderes” ou “violação de deveres inerentes às suas funções”.
Ora, sem a alegação de factos pertinentes nessa matéria, não se pode concluir que os arguidos C………. e D………. se tivessem servido da sua qualidade de funcionários públicos e dos poderes que se encontravam investidos para prejudicar o recorrente.
Isto é: não foram descritos factos objectivos e concretos que permitam retirar a conclusão que os mesmos arguidos tivessem manipulado os poderes inerentes às respectivas funções, actuando com finalidades ilegítimas e inadmissíveis ou que tivessem violado deveres funcionais inerentes aos cargos que exerciam.
Para tanto, basta igualmente atentar nos procedimentos previstos nos arts. 36 nº 1-b), 39 e 41 nº 1 do DL nº 100/99, de 31/3 (que estabelece o regime de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos), que disciplinam o regime de intervenção e submissão a Junta Médica de funcionários.
Dos factos alegados no requerimento de abertura de instrução apenas ressalta que os arguidos (cada um no exercício das respectivas funções) accionaram os mecanismos previstos nos citados artigos 36 nº 1-b), 39 e 41 nº 1 do DL nº 100/99, de 31/3.
Se o recorrente pretende questionar a forma como foram aplicados tais dispositivos legais, poderá fazê-lo (desde que se verifiquem os respectivos pressupostos) através de acção a instaurar no foro competente; não é o procedimento criminal a acção própria para esse efeito.
Deste modo, os factos alegados no requerimento de abertura de instrução são insuficientes para se poder considerar preenchido o tipo objectivo do crime de abuso de poder.
Sendo as condutas descritas no requerimento para abertura de instrução inócuas, em termos de responsabilidade criminal (precisamente por falta de alegação de factos pertinentes que integrem todos os elementos do tipo objectivo do crime de abuso de poder), não se podia considerar que a argumentação constante desse requerimento continha alegação de factos bastantes que integrassem esse tipo criminal.
Tendo em vista o princípio da legalidade, a descrição desses factos essenciais à pronúncia pelo crime de abuso de poder passava pela narração da conduta de cada um dos arguidos, de modo a satisfazer quer o tipo objectivo, quer o tipo subjectivo desse ilícito penal.
Sem a alegação dos elementos em falta, nunca era possível pronunciar os arguidos, como pretende o recorrente.
Também, o juiz não podia, por sua iniciativa, colocar os factos em falta, que eram essenciais para a imputação do crime em questão.
Tal solução (além de violar o princípio da igualdade de armas e até colocar em causa a própria imparcialidade e independência do “juiz das garantias”) está vedada porque os poderes de cognição do Juiz estão limitados pelo que consta do requerimento de abertura de instrução (assim também se assegurando as garantias de defesa do arguido).
O juiz não pode transformar uma narração de factos que é inócua, numa infracção criminal: caso viesse a acrescentar factos em falta, estar-se-ia perante uma alteração substancial dos factos, o que sempre tornaria nula a decisão instrutória (art. 309 nº 1 do CPP)[17].
Assim, não constando do requerimento de abertura de instrução, os factos pertinentes à imputação do mencionado crime de abuso de poder, face ao disposto no art. 287 nºs 2 (que remete para a alínea b) do nº 3 do art. 283) e 3 do CPP, sempre seria de rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal.
Sustenta, ainda, o recorrente que, deveria ter sido convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de abertura de instrução.
Porém, não lhe assiste razão porque (além do mais) a “solução” do “convite para aperfeiçoar o requerimento da abertura de instrução”, afronta o prazo peremptório previsto no art. 287 nº 1 do CPP.
Pelo Acórdão do STJ nº 7/2005 (DR I-A de 4/11/2005), com o qual se concorda, foi fixada jurisprudência nos termos seguintes: «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.».
Concorda-se com os fundamentos dessa jurisprudência, entendendo-se, em resumo que, a regra civilista do convite à correcção (ao aperfeiçoamento) do requerimento deficiente não tem aplicação no processo penal.
Não assiste, por isso, qualquer razão ao recorrente, improcedendo toda a sua argumentação.
Também não foram violadas as disposições legais que invoca.
Assim, sem necessidade de mais dilatadas considerações, conclui-se pela improcedência do recurso aqui em apreço.
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III- DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso aqui em apreço.
O recorrente vai condenado em 5 UCs de taxa de justiça.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 6/5/2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, p. 128, citando Jorge Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 16, refere: “A actividade processual desenvolvida na instrução é, por isso, materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações”.
[2] Assim, entre outros, Ac. do TC nº 459/2000, DR II de 11/12/2000.
[3] Sobre a instrução, refere Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 129: “Porque, porém, se trata de fase jurisdicional, a estrutura acusatória do processo e o inerente princípio da acusação limita a liberdade de investigação ao próprio objecto da acusação». Também, Anabela Rodrigues, “O inquérito no Novo Código de Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 77, realça “que se pretendeu realizar a máxima acusatoriedade possível: por um lado, sendo embora a instrução uma fase em que vigora o princípio da investigação, a autonomia do juiz não significa que tenha poderes conformadores da acusação; por outro lado, é exactamente a acusação que determina o objecto do processo”.
[4] Assim, Frederico Isasca, Alteração Substancial dos factos e a sua relevância no processo penal português, Almedina, 1992, p. 54. Em nota de rodapé, cita o pensamento de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, Coimbra Editora, 1974, p. 145, quando diz: “deve pois afirmar-se que o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal (…). Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação (…) constituem o cerne de um verdadeiro direito de defesa do arguido e deixam transparecer os pilares fundamentais em que se alicerça um Estado que os acolhe”.
[5] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p. 108.
[6] Ver Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, p. 192. A nível do TEDH, ver, entre outros, o acordão de 25/7/2000 – que pode ser consultado no site www.echr.coe.int/echr - proferido no caso Mattoccia c. Itália (debruça-se sobre as garantias do direito de defesa: v.g. conhecimento detalhado, pronto e adequado da natureza e das causas da acusação e disposição de tempo e das facilidades necessárias para preparar a defesa), pronunciando-se sobre o disposto nas alíneas a) e b) do § 3 do art. 6 (direito a um processo equitativo) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Note-se, como diz João Ramos Sousa, “Ainda há juízes em Estrasburgo”, in sub judice nº 28, Abril/Setembro de 2004, p. 7, que “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem um valor duplo no direito português: por um lado é directamente aplicável na ordem interna; e por outro lado, as suas normas e princípios servem de paradigma na interpretação e integração das normas constitucionais correspondentes. Isto é, as normas constitucionais referentes a direitos fundamentais devem ser interpretadas e integradas de acordo com a interpretação e integração das correspondentes normas da Convenção, estabelecidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”.
[7] Ac do TC nº 358/2004, DR II de 28/6/2004 (relatora Fernanda Palma).
[8] Assim, Ac do TC nº 358/2004.
[9] Assim, Ac do TC nº 358/2004. Acrescenta a Relatora que essa exigência (refere-se ao requerimento para abertura de instrução) “decorre (…) de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legítima”. Também, no Ac. do TC nº 674/99, DR II de 25/2/2000, se realça que “a necessidade de uma narração de factos penalmente censuráveis [pode ser vista] como uma decorrência lógica do princípio da vinculação temática, já que, só deste modo a acusação pode conter os limites fácticos a que fica adstrito o tribunal no decurso do processo (cfr. António Barreiros, Manual de Processo Penal, Universidade Lusíada, 1989, pág. 424). Ou seja, a narração dos factos, que constituem elementos do crime, deve ser suficientemente clara e perceptível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objecto do processo fique claramente definido e fixado. É, assim, imperativo que a acusação e a pronuncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”.
[10] Manuel da Costa Andrade, em anotação ao artigo 235, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, II, Coimbra Editora, 1999, p. 774.
[11] Cf. Ac. do TC nº 76/2002, DR II Série de 5/4/2002.
[12] Ver Augusto Silva Dias, “A tutela do ofendido e a posição do assistente no processo penal português”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coord. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, p. 62, defendendo que “«por interesse que a lei especialmente quis proteger» deve entender-se o interesse tutelado de forma particular, isto é, o interesse que é abrangido pelo âmbito de tutela, ou, dito de outra maneira, que forma parte, exclusiva ou concomitantemente, do objecto jurídico tutelado”. Este Autor defende (ob. cit., pp. 64 e 65) “a interpretação do art. 68 nº 1-a) do CPP no sentido da consagração de um conceito amplo de ofendido”, acrescentando (nota 22) que a “distinção entre ofendido e lesado não passa, pois, como por vezes se faz crer, pela distinção entre objecto imediato e objecto mediatamente protegido pela incriminação, mas sim pela questão de saber se o interesse em jogo está dentro ou cai fora do âmbito da objectualidade protegida”.
[13] Paula Ribeiro Faria, em anotação ao artigo 382, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, III, Coimbra Editora, 2001, p. 774.
[14] Paula Ribeiro Faria, ob. cit., pp. 775 e 776.
[15] Paula Ribeiro Faria, ob. cit., p. 779.
[16] Ac. do TRG 14/2/2005, relatado por Miguez Garcia, publicado na CJ 2005, I, p. 299 e 300. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 267, a propósito dos tipos incriminadores, assinala que “estes tipos de ilícito apresentam, nos delitos dolosos de acção (…), uma estrutura complexa, composta por elementos de natureza objectiva e de natureza subjectiva e com os quais é possível construir um tipo objectivo e um tipo subjectivo”.
[17] Também, no Ac. do TRP de 23/5/2001, relatado por Joaquim Braz, publicado na CJ 2001, III, pp. 238 a 240, se refere que “se os factos relatados no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente não integram qualquer tipo criminal, a inclusão na pronúncia de outros factos que, só por si ou conjugados com aqueles, integrassem um crime equivaleria à pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento. É que, se, de acordo com a definição do art. 1-f) do C.P.Penal, há alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente quando a nova factualidade tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso, por maioria de razão existirá alteração substancial dos factos sempre que os descritos naquele requerimento não integrem qualquer crime e os novos, só por si ou conjugados com aqueles, passem a integrá-lo. Resulta daqui que, quando o requerimento do assistente para abertura de instrução não narra factos que integrem um crime, não pode haver legalmente pronúncia. Na verdade, esta, nos termos do art. 308 nº 1 do C.P.Penal, tem de descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Ora, se o requerimento de abertura da instrução apresentada pelo assistente não contém esses factos, a sua inclusão na pronúncia significaria, repete-se, a pronúncia do arguido por factos que constituiriam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento, sendo tal decisão nula, por força do já falado art. 309 nº1”.