Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1869/09.9TBVRL-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RP201405051869/09.9TBVRL-F.P1
Data do Acordão: 05/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: ATENDIDA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando no artigo 6.º, nº 4 da Lei 41/2013 de 26/6 (Lei que aprovou o NCPCivil) se faz referência a que o disposto no Código de Processo Civil relativamente aos procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa (onde também se inserem os embargos de terceiro) apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei, apenas tem em vista as normas específicas reguladoras desses incidentes e já não as normas referentes aos recursos dessas decisões.
II - No que tange aos recursos interpostos de decisões proferidas durante a sua tramitação ou da respectiva decisão final, havemos de convocar as normas transitórias respectivas ou, quando estas não existam, fazer apelo às regras gerais referentes a aplicação das leis no tempo.
III - Dado que a única norma transitória sobre recursos respeita somente às acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, relativamente às restantes temos, então, de convocar aquelas normas gerais.
IV - Assim, aos recursos interpostos de decisões, em acções pendentes, proferidas a partir da entrada em vigor do novo CPC (1 de Setembro de 2013) aplica-se o regime de recursos decorrente deste novo diploma sempre que não estejam em causa normas que interfiram na relação substantiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1869/09.TBVRL-F.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, 1º Juízo
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário
I- Quando no artigo 6.º, nº 4 da Lei 41/2013 de 26/6 (Lei que aprovou o NCPCivil) se faz referência a que o disposto no Código de Processo Civil relativamente aos procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa (onde também se inserem os embargos de terceiro) apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei, apenas tem em vista as normas específicas reguladoras desses incidentes e já não as normas referentes aos recursos dessas decisões.
II- No que tange aos recursos interpostos de decisões proferidas durante a sua tramitação ou da respectiva decisão final, havemos de convocar as normas transitórias respectivas ou, quando estas não existam, fazer apelo às regras gerais referentes a aplicação das leis no tempo.
III- Dado que a única norma transitória sobre recursos respeita somente às acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, relativamente às restantes temos, então, de convocar aquelas normas gerais.
IV-Assim, aos recursos interpostos de decisões, em acções pendentes, proferidas a partir da entrada em vigor do novo CPC (1 de Setembro de 2013) aplica-se o regime de recursos decorrente deste novo diploma sempre que não estejam em causa normas que interfiram na relação substantiva.
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I- RELATÓRIO
B… e C…, embargantes, notificados do despacho que não admitiu o recurso por si interposto da decisão proferida nos autos, vieram do mesmo reclamar nos termos do artigo 643.º do NC.P.Civil.
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Por decisão do relator, datada de 5 Março de 2014, foi confirmado o despacho reclamado e, consequentemente, considerou-se não ser admissível o recurso interposto pela reclamante.
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Do assim decidido vem agora reclamar para a conferência.
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A reclamante apresenta os seguintes argumentos em sede conclusiva no que tange à não admissão do recurso por este tribunal:
Resulta da argumentação supra esgrimida que tanto por via do n.° 1 do art. 7.° da Lei 41/2013, como pelo n.° 4 do art. 6.° do mesmo diploma legal, normas relativas à aplicação no tempo do Novo Código de Processo Civil, em anexo aquela Lei 41/2013, que é de aplicar ao recurso interposto da sentença proferida no âmbito do incidente de embargos de terceiro, nomeadamente no que respeita ao prazo processual de interposição do mesmo, o artigo 638.° n.° 1 do NCPC, na versão que lhe foi dada pela Lei 41/2013 de 26/6 que estabelece que o prazo de interposição do recurso é de 30 dias, tendo, por conseguinte, sido a sua interposição tempestiva.
Ao contrário do que se decidiu no despacho que indeferiu liminarmente o recurso interposto, por ser intempestivo, como a decisão singular que o manteve, quer quanto à tramitação quer quanto a qualquer recurso durante a sua pendência, as normas aplicáveis são, pois, as do Novo CPC.
Diga-se, aliás que a reclamação efectuada pela ora impugnante também se reporta ao novo CPC, nomeadamente ao seu art. 643.°, e que foi admitida sem se colocar em causa a mesma norma, mostrando-se desprovido de completo sentido não ser de aplicar quanto ao prazo processual de interposição de recurso o Novo CPC.
TERMOS EM QUE, Por tudo quanto foi exposto supra, vem a ora impugnante requerer que sobre a matéria da decisão singular seja proferido acórdão; devendo o relator submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária, nos termos do n.° 3 do art. 652.° do NCPC aplicável ex Vi do art. 643.° do NCPC e, uma vez que a natureza das questões ora suscitadas impõem uma decisão imediata é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no n.° 2 a 4 do art. 657.° aplicáveis ex vi do n.° 4 do art. 652.° do NCPC.
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A parte contrária devidamente notificada não respondeu à reclamação assim deduzida.
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II- FUNDAMENTOS

A questão decidenda no âmbito da presente reclamação é a de saber se, deve ou não, ser admitido o recurso interposto pelos embargantes da decisão proferida pelo Srº Juiz do processo constante de fols. 135 da presente reclamação.

A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria factual com relevo para decidir a questão colocada é a seguinte:
1º)- O despacho reclamado é do seguinte teor:
“Cumpre apreciar da tempestividade do recurso apresentado a fls. 150, por imposto legalmente pelo art. 685.°-C, n° l e 2, al. a). do CPCivil na redacção anterior à da Lei 41/2013, de 26/06, mas também porque é questão suscitada expressamente em sede de contra-alegações.
O prazo para interposição do recurso é de 15 dias-art° 691.º, n° 1 al. j) e 5, do CPC.
A notificação da sentença aos embargantes objecto do recurso ocorreu em 10 de Outubro de 2013, sendo o recurso interposto em 08 de Novembro de 2013.
Ou seja, à data da interposição do recurso tinha expirado o prazo legal do recurso.
Termos em que com fundamento no mencionado art.° 685.°-C, nos 1 e 2, al. a) do CPC, na referida redacção anterior ao anterior CPC por ter sido interposto fora do prazo legal, se indefere liminarmente ao requerimento de interposição de recurso.
Custas do incidente pela parte que interposto o requerimento de recurso extemporâneo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
Notifique”;
2º)- A decisão proferida e objecto de recurso foi-o nos autos de embargos de terceiros com data de 9 de Outubro de 2013;
3º)- Tais os embargos de terceiro a correr termos por apenso aos autos de execução comum iniciaram-se em 26 de Setembro de 2012 (data da entrada em juízo), tendo a execução dado entrada em 25 de Novembro de 2009.
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III. O DIREITO

Face à factualidade acima descrita apreciemos, então, o mérito da reclamação.
A Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aprovou um novo Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. artigo 8.º).
Evidentemente que a entrada em vigor de qualquer lei processual suscita sempre problemas de aplicação da lei no tempo e cuja solução é, pelo menos em parte, dirimida através das chamadas disposições transitórias especiais.[1]
De entre essas disposições transitórias, o artigo 6.º trata especificamente da acção executiva e, o seu nº 4, dispõe expressamente que “O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei”.
Portanto, de acordo com este normativo são ainda aplicáveis as disposições do anterior CPCivil a todos os procedimentos e incidentes de natureza declarativa deduzidos em data anterior de 1 de Setembro de 2013 nas execuções pendentes, ou seja, as disposições relativas: a) aos incidentes previstos nos arts. 804.º e 805.º do antigo CPC (obrigação condicional ou dependente de prestação; liquidação); b) à oposição à execução (arts. 813.º a 819.º do antigo CPC); c) ao incidente regulado no art. 825.º do antigo CPC; d) à oposição à penhora (arts. 863.º-A e 863.º-B do antigo CPC); e) à verificação e graduação de créditos (arts. 864.º a 869.º do antigo CPC); à arguição de irregularidades da venda (art. 907.º do antigo CPC); f) à invocação de invalidades da venda (arts. 908.º a 911.º do antigo CPC); g) à prestação de caução (arts. 981.º a 990.º do antigo CPC); h) aos embargos de terceiro (arts. 351.º a 359.º do antigo CPC).
A este respeito advoga-se uma interpretação restritiva, no sentido de considerar apenas os incidentes da acção executiva que têm ligação funcional com o processo executivo, ficando assim excluídos os embargos de terceiro, por se ter mantido inalterado o seu regime.[2]
Não sufragamos semelhante entendimento, pois que, se não vê, como não dizer que os embargos de terceiro não tenham uma ligação funcional com a execução quando é, em consequência do acto judicialmente ordenado nesses autos, que o terceiro se vê obrigado a defender a sua posse ou qualquer outro direito contra aquele acto através da oposição deduzida mediante tais embargos.
Acresce que, o legislador, bem ou mal, não importa agora discutir a bondade dessa solução, enquadra sistematicamente os embargos de terceiro (“oposição mediante embargos de terceiro”) no Título III dos Incidentes da Instância, sendo certo que os incidentes da instância podem ter a estrutura de causa (cfr. artigo 152.º).
Dito isto, numa análise mais ponderada deste normativo, pensamos que a aplicação do antigo CPCivil diz apenas respeito às normas específicas reguladoras desses incidentes, mais concretamente às normas estatuídas nos artigos 302.º a 380.º-A.
No caso concreto que nos ocupa, o recurso interposto foi-o da decisão proferida nos embargos de terceiro que os reclamantes deduziram por apenso à respectiva acção executiva e, cuja entrada, ocorreu em 26 de Setembro de 2012 (facto descrito em 3º).
Como assim, apenas as normas constantes dos artigos 351.º a 359.º do anterior CPCivil têm aqui aplicação.
Efectivamente, no que tange aos recursos interpostos de decisões proferidas durante a sua tramitação ou da respectiva decisão final, havemos de convocar as normas transitórias respectivas ou, quando estas não existam, fazer apelo às regras gerais referentes a aplicação das leis no tempo.
Ora, a única norma que rege especificamente sobre os recursos é o artigo 7.º, n.º 1 da citada Lei 41/2013, segundo a qual nas acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, os recursos de decisões proferidas a partir de 1 de Setembro de 2013 estão sujeitos ao regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º (que respeita à chamada “dupla conforme”).
Por outras palavras, a única norma transitória sobre recursos respeita somente às acções anteriores a 1 de Janeiro de 2008 (e às respectivas decisões proferidas a partir de 1 de Setembro de 2013), não se encontrando norma específica para os recursos nas acções instauradas a partir dessa data (e distinguido ou não a solução consoante a data das respectivas decisões recorridas).[3]
Quid iuris, então, quanto a essas outras?
Dúvidas não existem de que os recursos de decisões proferidas em acções iniciadas depois de 1 de Setembro de 2013 se aplica o novo Código de Processo Civil (artigo 8.º da Lei 41/2013).
E quanto aos recursos de decisões em acções intentadas antes da entrada do NCPCivil?
Aplicando o regime previsto no artigo 12.º do CC ao processo civil resulta que na área do direito processual, a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes.
Como refere Antunes Varela: “(…) a ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á, no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.[4]
Portanto, a nova lei aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor, pelo que os actos praticados ao abrigo da lei antiga devem ser apreciados em conformidade com esta lei.[5]
Especificamente, no que concerne às normas reguladoras dos recursos, Antunes Varela distinguia as normas que “fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso”, defendendo a aplicação imediata da lei nova sempre que não estejam em causa normas que “interferem na relação substantiva”.[6]
Assim, aos recursos interpostos de decisões, em processos pendentes, que tenham sido proferidas a partir da entrada em vigor do novo CPCivil (1 de Setembro de 2013), aplica-se o regime de recursos decorrente deste novo diploma sempre que não estejam em causa normas que interfiram na relação substantiva.
Ora, os embargos de terceiro deram entrada 26 de Setembro de 2012 e respectiva decisão foi proferida em 9 de Outubro de 2013.
Como assim, proferida a sentença em data posterior a 01.09.2013, a nova lei, nomeadamente quanto ao prazo de interposição do recurso, é-lhe imediatamente aplicável.
Como evidenciam os autos, a sentença recorrida foi notificada aos embargantes em 10 de Outubro de 2013 e o recurso foi interposto em 08 de Novembro de 2013, ou seja, dentro do prazo de 30 dias a que alude o artigo 638.º, nº 1 do NCPCivil, já que o presente caso não quadra nas excepções aí contempladas em que, aquele prazo, é reduzido para 15 dias.
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Resulta, assim, do exposto que a reclamação apresentada merece ser deferida, não se confirmando assim o despacho reclamado.
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IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a reclamação procedente e, revogando-se o despacho reclamado bem como o despacho singular deste tribunal constante de fols. 117 e segs., admitem o recurso interposto pelos embargantes da decisão proferida em 9 de Outubro de 2013.
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Nos termos do artigo 643.º, nº 6 do CPCivil solicite-se ao tribunal recorrido o processo principal para que seja apreciado o recurso interposto.
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Sem custas
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Notifique.

Porto, 5 de Maio de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] Normas especificamente criadas para definir o campo de aplicação temporal dum determinado diploma.
[2] Cfr. neste sentido Henrique Carvalho, in Temas da Reforma do Processo Civil de 2013 (Normas Inovadoras e Direito Transitório), pág. 3, estudo disponível para consulta em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos) citado, aliás, pelos reclamantes.
[3] Não vemos, ao contrário do referem os apelantes, onde a Lei 41/2013, tenha para além dessa, outra norma transitória sobre os recursos, pois que, ao que saibamos o elemento histórico e em concreto os trabalhos preparatórios, não são normas transitórias mas apenas elementos interpretativos.
[4] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora in Manual de Processo Civil, 2ª Almedina, pág. 49.
[5] Antunes Varela, ob. citada pág. 54.
[6] Obra citada pág. 55.