Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
818/08.6TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20110124818/08.6TTBRG.P1
Data do Acordão: 01/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Para que, nos termos do art. 7º, nº 1, al. b), da Lei 100/97, de 13.09, o acidente de trabalho se tenha como descaracterizado, é necessário que ela tenha resultado, exclusivamente, de negligência grosseira do sinistrado, incumbido à Seguradora o ónus de alegação e prova dos factos correspondentes.
II - Agiu com negligência grosseira o trabalhador que procedeu à reparação de uma ficha de uma extensão, que previamente havia sido por ele ligada à corrente eléctrica, e que, por virtude de contacto com a mão nos fios condutores de electricidade, sofreu electrocussão de que lhe resultou a morte.
III - Todavia, não dispondo a obra, ao contrário do que devia, de dispositivos diferenciais de corrente diferencial estipulada não superior a 30 mA e estabelecendo a Portaria 949-A/2006, de 11.11, no seu ponto 412.5.1., que o emprego de tais dispositivos “é reconhecido como medida de protecção complementar em caso de falha de outras medidas de protecção contra os contactos directos ou em caso de imprudência dos utilizadores”, não se poderá concluir que o referido acidente resultou, exclusivamente, do comportamento negligente do sinistrado.
IV - Para tanto necessário seria que tivesse ficado provado que, mesmo que esse dispositivo existisse, o acidente sempre teria ocorrido, prova essa cujo ónus incumbia à Seguradora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 818/08.6TTBRG.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 372)
Adjuntos: Des. António Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B………., viúva, por si e em representação dos seus filhos menores C………., solteiro, estudante, D………., solteiro, estudante e E………., solteira, estudante, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra F………., S.A., e G………., Ldª., pedindo a condenação de ambas, na medida da responsabilidade, a pagar:
1.1. À viúva, a pensão anual e vitalícia, no valor de € 8.651,00 da responsabilidade da entidade patronal, caso se prove que não tenha observado as regras de segurança no trabalho ou, subsidiariamente, da responsabilidade da seguradora, a pensão anual e vitalícia de € 3.244,13, com início em 05/08/2008, dia seguinte ao da morte do sinistrado, a ser-lhe paga adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida em Maio e Novembro de cada ano 1/14 do montante anual, a título de subsídio de férias e de Natal.
1.2. A quantia de € 5.112,00 de subsídio por morte, acrescida de juros legais a contar do seu vencimento;
1.3. A quantia de € 3.408,00 de despesas de funeral, acrescida de juros legais a contar da citação.
1.4. A quantia de € 20.000,00 a título de dano não patrimonial.
1.5. A quantia de € 20,00 a título de despesas em transportes para deslocações obrigatórias.
2.1 Aos beneficiários legais – C………., D………., e E………. – a pensão anual e temporária de € 8.651,00, da responsabilidade da entidade patronal, caso se prove a violação por esta entidade das regras de segurança ou, subsidiariamente, da responsabilidade da seguradora, a pensão anual e temporária de €1.802,29, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, e enquanto frequentarem respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado, ou o ensino superior, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescida em Maio e Novembro de cada ano de 1/14 do montante anual, a título de subsídio de férias e de Natal, acrescido de juros legais a contar do seu vencimento.
2.2. A quantia de € 2.556,00 de subsídio por morte, acrescida de juros legais a contar do seu vencimento.
2.4. A quantia de € 10.000,00 para cada um, a título de dano não patrimonial.
3. A quantia de € 60.000,00 a título de compensação pela perda do direito à vida.
Para tanto, alegou em síntese ser viúva de H………. e que este último sofreu um acidente quando trabalhava como carpinteiro de cofragem de 1ª. sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª. Ré, mediante a retribuição de € 531,50 x 14 meses/ano, acrescida de € 5,00 x 22 dias x 11 meses/ano de subsídio de alimentação, do qual lhe resultaram lesões que lhe provocaram a morte por electrocussão.
Alegou, ainda, que este acidente ocorreu em consequência de violação de normas de segurança por parte da 2ª. Ré e que a morte do sinistrado lhe causou a si e aos seus filhos danos de natureza não patrimonial.
Por fim, invocou que, à data do acidente, a responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava transferida pela 2ª. Ré para a 1ª. Ré Seguradora.

A 2ª. Ré, entidade patronal, contestou, nos termos constantes de fls. 132 a 136, negando ter violado normas de segurança que tivessem originado o acidente e invocando, por seu turno, que o acidente se encontra descaracterizado, dado que o mesmo ocorreu devido a negligência grosseira por parte do próprio sinistrado.
Terminou, pedindo a improcedência da acção em relação a si e a consequente absolvição do pedido.

A 1ª. R., Seguradora, também contestou, nos termos constantes de fls. 143 a 147, invocando de igual forma a descaracterização do acidente, perante uma actuação grosseiramente negligente por parte do próprio sinistrado que alega ter sido a causa do acidente.
Concluiu pela improcedência da acção e, por mera cautela, pela sua condenação apenas a título meramente subsidiário, provando-se a inobservância culposa por parte da 2ª. Ré das regras de segurança no trabalho.

A Ré empregadora respondeu à contestação da Seguradora (fls. 164 e 165), reiterando que o acidente se ficou a dever, única e exclusivamente, a um comportamento temerário do sinistrado, de grau relevante e elevado e que não violou quaisquer regras de segurança.

A fls. 167 a 172 foi proferido despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto assente e a base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, e respondida a base instrutória, de que não foram apresentadas reclamações, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu nos seguintes termos:
a) Condenou a Ré “F………. – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora à taxa de 4% desde o respectivo vencimento até integral pagamento:
1. À Autora B……….:
- com início em 05-08-2008, o capital de remição correspondente a uma pensão anual de € 2.595,30;
- € 2.556,00 a título de subsídio por morte; e
- € 3.408,00 a título de despesas de funeral;
2. A cada um dos Autores C………., E………. e D……….:
- com início em 05-08-2008 e até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, a pensão anual de €1.441,83, a pagar nos termos do disposto no art. 51° do Dec.-Lei nº 143/99, de 30/04 e actualizável de acordo com o art. 6° do Dec.-Lei nº 142/99, de 30/04; e
- € 852,00 a título de subsídio por morte;
3. A todos os Autores:
- € 20,00 a título de transportes;
b) absolver a Ré “F………., S.A.” do restante pedido; e
c) absolver a Ré “G………., Ldª.” de todo o pedido.

Inconformada, a Ré Seguradora veio recorrer da sentença, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. a discordância da Recorrente com a conclusão da sentença: pois que continua a entender com boas e bem fundadas razões que deveria ter sido dado como provados os quesitos 2º, 8º, 9º, 39º e 41 º
2. Nos depoimentos das duas ÚNICAS testemunhas presentes na obra no dia do sinistro e do registo áudio da inquirição daquelas mesmas duas testemunhas, que deverá resultar alterada a resposta à matéria de facto.
FACTUALIDADE ESTA ALEGADA NA P I PELO M Pº:
3. A fundamentação do Mmº Juíz assenta lapidarmente na premissa: Nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou o acidente
4. as respostas, SEM CONTRADIÇÕES ENTRE SI colhidas no depoimento das preditas testemunhas acima mencionadas conduzirão V. Exas a alterar as respostas no seguinte sentido: ao quesito 2º, Provado, ao quesito 8º: Provado, ao quesito 9º: Provado, ao quesito 39º, provado, ao quesito 41º Provado
5. É o Mmº Juíz inteirado pelo depoimento desta testemunha de uma avaria na Ficha de extensão
6. Dos depoimentos decorre A DEMONSTRAÇÃO FACTUAL QUE O INVÓLUCRO DA EXTENSÃO ESTAVA AGORA DESMONTADO
7. Se a extensão apresentasse o invólucro danificado teria sido referido
Nada vem referido. O invólucro é removido já quando a extensão se encontra na 3ª laje a ser montada.
8. Resulta da prova produzida que junto ao sinistrado a extremidade da ficha da extensão se encontrava desmontada, com os fios já descarnados do revestimento plástico e prontos a introduzir nos terminais de aperto da ficha,
9. Para alcançar os fios já descarnados o sinistrado teve de fazer recuar o invólucro que protege a ficha deixando os fios à vista
10. Sem prejuízo de V Exas entenderem aditar quesitos à base instrutória EM momento algum foi questionado ou apurado em Audiência ou referido pelas testemunhas presentes no local do sinistro, que:
1. a extensão que fora arremessada para a 3ª laje pelo sinistrado já apresentava o invólucro recuado?
2. E os fios dos encaixes soltos (pernes metálicos- condutores)?
3. As extremidades dos fios desprovidas já de protecção em plástico, ficando pois nús ou descarnados?
4. Ao ponto do sinistrado ter sido confrontado com essa situação na 3ª lage? e
5. ter optado por reparar a ficha de motu próprio?
11. Estamos em crer que o Sinistrado efectivamente agiu como o Mmº Juiz .. perspectivou na S/ Exma Instância.
12 - Só não nos conformamos é que essa perspectiva realista não tenha vingado na Douta Sentença aqui colocada em crise
13. - O Sinistrado só teve acesso e contacto físico fatal com a corrente eléctrica, após ter executado o acto de descarnar os fios e por a nú os contactos.
14. Indo ele furar barrotes e tendo acabado de lançar a extensão para a 3ª laje já ligada à corrente mal se percebe a fundamentação da Sentença que ressalva inclusive a hipótese do sinistrado desconhecer que a ponta da extensão onde tocou estivesse conectada à corrente eléctrica.
15. Com o devido respeito os concretos excertos de depoimentos reproduzidos contrariam o entendimento vertido na sentença, pelo que alterando as respostas à matéria de facto impugnada o comportamento do sinistrado integra a previsão legal da alínea b) do Nº 1. 7 do art º da LAT e decreto que a regulamenta
16. - O comportamento do sinistrado revela se a todas as luzes reprovável e indesculpável tanto mais que o mesmo como Chefe de Equipa e nessa qualidade podia e devia velar pelo cumprimento cabal das condições de segurança, transmitindo-as aos demais trabalhadores, velando para que estes as cumprissem e combatendo qualquer incumprimento destas e qualquer comportamento temerário que levasse à potenciação do risco de ocorrência do acidente
17. O mais elementar sentido de prudência e sensatez desaconselhava o sinistrado de se colocar na situação de risco desnecessário em que se colocou desmontando a extremidade da extensão que havia sido por si próprio previamente ligada ao quadro eléctrico
18. O sinistrado não tinha incumbências ou funções de electricista
19. O sucedido (electrocussão) era a consequência mais previsível perante o circunstancialismo factual em que ocorreu o sinistro
Termos em que V Exa proferindo douto Acórdão que se altere as respostas à matéria de facto nos termos expendidos e se pronuncie pela descaracterização do acidente como de trabalho por negligencia grosseira do sinistrado revogue a sentença do tribunal “a quo” absolvendo a co R do pedido, sem prejuízo de V Exas atenderem ao vertido e decidirem aditar à base instrutória os seguintes quesitos:
1- a extensão que fora arremessada para a 3ª lage pelo sinistrado já apresentava o invólucro recuado?
2. E os fios dos encaixes soltos (pernes metálicos condutores)?
3. As extremidades dos fios desprovidas já de protecção em plástico, ficando pois nús ou descarnados?
4. Ao ponto do sinistrado ter sido confrontado com essa situação na 3ª lage?
5. e ter optado por reparar a ficha de motu próprio?

Os AA. contra-alegaram, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista no processo.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto Provada na 1ª instância:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 4 de Agosto de 2008, numa obra de construção de uma vivenda, em Braga, H………. trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª Ré, onde desempenhava as funções de “carpinteiro de cofragem de primeira”, mediante o salário de € 531,50 x 14 meses/ano, acrescido de € 5,00 x 22 dias x 11 meses/ano de subsídio de alimentação [A) dos factos assentes];
2. Nesse dia, entre as 13,30 e as 14,40 horas, quando se encontrava na 3ª. e última laje da obra, o mesmo H………. sofreu uma electrocussão, por contacto directo com corrente eléctrica, que lhe provocou a morte [B) dos factos assentes e resposta aos factos 1º e 40º da base instrutória];
3. A corrente era conduzida através de uma extensão eléctrica que se encontrava sob tensão, proveniente do quadro eléctrico que se situava num contentor existente no solo [C) dos factos assentes];
4. O mesmo H………. necessitava de utilizar e ligar à energia eléctrica um berbequim que pertencia à 2ª. Ré, tendo tido, para o efeito, necessidade de utilizar a mesma extensão, que era monofásica e tinha cerca de 23 metros de comprimento, a qual partia de uma tomada tripla colocada ao nível do rés-do-chão, a qual, por sua vez, se encontrava ligada ao quadro referido em 3º, dado que não existia naquela 3ª. laje um quadro de distribuição dotado de tomadas (resposta aos factos 4º, 5º, 6º e 7º da base instrutória);
5. A instalação eléctrica existente na obra não dispunha de dispositivos diferenciais, de corrente diferencial estipulada não superior a 30 mA (resposta ao facto 14º da base instrutória);
6. O H……… tocou nos condutores, ficou com os fios descarnados na mão e tinha no dedo indicador e no polegar marcas de queimado que coincidiam com os fios descarnados (resposta aos factos 10º, 41º e 42º da base instrutória);
7. Ao lado do H……… encontrava-se um busca-pólos (resposta ao facto 43º da base instrutória);
8. No final do último dia de trabalho antes do evento, ao arrumar todo o material, o H………. atirou uma extensão eléctrica do 3º piso para o solo e, durante a queda, a ficha fêmea embateu num barrote (resposta aos factos 34º e 35º da base instrutória);
9. No dia referido em 1º, o mesmo H………. ligou a extensão que provinha da tomada tripla aludida na resposta ao facto 6º da base instrutória na tomada do quadro eléctrico do contentor e atirou-a do solo para a 3ª laje da obra (resposta aos factos 37º e 38º da base instrutória);
10. Os restantes trabalhadores presentes apenas conseguiram contactar os serviços do INEM através de um telefone existente numa casa próxima da obra, dado que não dispunham de meios de contacto no local (resposta aos factos 12º e 13º da base instrutória);
11. Após terem sido contactados, os serviços do INEM demoraram cerca de 45 minutos a chegar ao local do evento, o que levou a que fosse efectuado mais que um telefonema para o 112 (resposta aos factos 29º e 31º da base instrutória);
12. O referido H………. já trabalhava em obras de construção civil há mais de 18 anos e nunca exerceu ao serviço da 2ª. Ré as funções de electricista (resposta aos factos 24º e 45º da base instrutória);
13. Esta última tem ao seu serviço um electricista incumbido de proceder à montagem e desmontagem de quaisquer equipamentos, máquinas ou acessórios eléctricos e de proceder, sempre que necessário, à reparação dos mesmos (resposta ao facto 25º da base instrutória);
14. A 2ª. Ré deu ordens a todos os seus trabalhadores no sentido de que qualquer material danificado ou avariado devia ser posto de lado (resposta ao facto 28º da base instrutória);
15. As instalações eléctricas e o contentor de chapa metálica no interior do qual estava instalado o quadro eléctrico pertenciam à empresa “I………., L.da” a quem havia sido adjudicada a obra, tendo esta última celebrado com a 2ª. Ré um contrato de subempreitada para a execução apenas da estrutura da mesma (resposta aos factos 32º e 33º da base instrutória);
16. A Autora B……… suportou as despesas do funeral do mencionado H………., cujo corpo foi trasladado (resposta aos factos 19º e 20º da base instrutória);
17. O H………. era um pai e marido muito carinhoso e dedicado à família, motivo por que a morte daquele os deixou na maior consternação e tristeza (resposta aos factos 21º e 23º da base instrutória);
18. Os Autores despenderam a quantia de € 20,00 em deslocações obrigatórias [D) dos factos assentes];
19. H……… nasceu no dia 15 de Agosto de 1969 e, à data da sua morte, era casado com a Autora B………. desde 1 de Agosto de 1992 [E) dos factos assentes];
20. B………. nasceu no dia 24-08-1969, C………. no dia 27-09-1999, E………. no dia 23-10- 1995 e D………. no dia 17-06-1993 [F) dos factos assentes];
21. As Rés celebraram entre si um contrato de seguro, titulado pela apólice nº ……………, em vigor à data referida em 1º, através do qual a 2ª. Ré havia transferido para a 1ª. Ré a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho, mediante a retribuição aí também indicada [G) dos factos assentes].
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III. Fundamentação

1. Questões a apreciar

Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT/2000, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, são as seguintes as questões a apreciar:
a. Da impugnação da decisão da matéria de facto;
b. Se o acidente que vitimou o sinistrado deverá, nos termos do disposto no art. 7º, nº 1, al. b), da Lei 100/97, de 13.09, ser descaracterizado.

1.2. Importa, porém e antes de mais, referir que a sentença recorrida considerou:
- Quanto à invocada violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora, não ter ficado demonstrado o “necessário nexo de causalidade entre a eventual inobservância de regras de segurança e a eclosão do sinistro”, decisão esta que não foi posta em causa no recurso, nem foi, por sua vez, objecto de recurso por parte dos AA..
- Quanto à não descaracterização do acidente, considerou, em síntese, que não ficou demonstrado o circunstancialismo que originou o acidente e, por consequência, que tivesse existido negligência grosseira por parte do sinistrado.

2. Da 1ª questão

Pretende a Recorrente que seja alterada a resposta aos quesitos 2, 8, 9, 39, que foram dados como não provados, por forma a que sejam tidos como provados, bem como a do quesito 41, que foi objecto de resposta restritiva e que, segundo a Recorrente, deveria também ter sido considerado provado. Mais sugere que esta Relação, se assim o entender, adite à base instrutória os quesitos cuja redacção indica nas suas conclusões.

2.1. Começando por esta segunda sub-questão, cabe referir que a esta Relação não compete formular quesitos sobre matéria não alegada pelas partes, sendo que essa possibilidade está, nos termos do disposto no art. 72º do CPT, restringida à 1ª instância de harmonia com a regulamentação constante desse preceito. O que a Relação poderá fazer, aliás de forma oficiosa, é, relativamente a matéria de facto alegada pelas partes e que não haja sido considerada pela 1ª instância, determinar a ampliação da matéria de facto controvertida que tenha por relevante (art. 712º, nº 4, do CPC) ou, quanto à que esteja assente por acordo das partes nos articulados, por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tomá-la em consideração (art. 659º, nº 3, do CPC).
Assim, e na medida em que os quesitos sugeridos consubstanciam matéria de facto nova, não alegada nos articulados, não haverá que se proceder à sua formulação, sem prejuízo de poder e dever, aliás, a Relação ter por assente matéria de facto sobre a qual tenha havido acordo das partes nos articulados.

2.2. Quanto à pretendida alteração das respostas aos quesitos 2, 8, 9, 39 e 41, a Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 685º-B, nºs 1 e 2, sendo que concretizou os pontos de facto de cuja decisão discorda, indicou os meios de prova em que assenta a pretendida alteração e procedeu à transcrição dos excertos dos depoimentos das testemunhas que sustentam essa pretensão. Assim, do ponto de vista formal nada impede a pretendida reapreciação.

2.3. É o seguinte o teor dos quesitos em apreço:
2º - No momento em que o mencionado H……… se encontrava a montar uma ficha na extensão eléctrica indicada em C)?
8º - O sinistrado desmontou a ficha da extensão, expondo assim os condutores nus da fase e neutro, os quais não se encontravam entrançados?
9º - E fê-lo com vista a facilitar a introdução dos condutores nos terminais de aperto da ficha e proceder ao seu aperto?
39- Ao lá chegar[1], tentou reparar a referida ficha fêmea da extensão socorrendo-se de um busca-pólos e de uma chave de cruz?
41 – O sinistrado ficou deitado na laje, tendo na mão direita a ficha fêmea da extensão eléctrica com o invólucro recuado e os fios descarnados?
Como se disse os quatro primeiros quesitos foram dados como não provados e, o último, foi objecto da seguinte resposta: “Provado apenas que o H………. ficou com os fios descarnados na mão.”, resposta esta que consta do nº 6 dos factos provados, o qual aglutina também as respostas aos quesitos 10º e 42º.
Sustentando a alteração, invoca a Recorrente os depoimentos das testemunhas J………. e K………., sendo de referir que se procedeu audição integral dos depoimentos por estas prestados, bem como à audição de todos os prestados pelas demais testemunhas inquiridas.

2.4. Importa, no entanto e antes de nos reportarmos aos referidos depoimentos, referir o seguinte:
A matéria constante dos quesitos 2, 8 e 9 corresponde ao que foi alegado pelos próprios AA., havendo sido extraída do art. 11º da petição inicial, no qual se refere o seguinte: “11. Por razões da sua actividade profissional, o sinistrado desmontou a ficha da extensão, expondo assim os condutores nus da fase e neutro, os quais não se encontravam entrançados, por isso que H………. tentou realizar essa operação, destinada a facilitar a introdução dos condutores nos terminais de aperto da ficha e proceder ao seu aperto.”.
A Ré Seguradora, no art. 1º da contestação, discriminou expressamente os arts. da petição inicial que aceitava e, no 2º da contestação, indicou expressamente a matéria que entendeu impugnar, entre a qual refere que “Deixa impugnada” a matéria, entre outra, dos artigos “10º a 13º” da petição inicial, ou seja, incluiu nessa impugnação o artigo 11º.
Não obstante, na sua versão dos factos, refere que a ficha fêmea estava danificada (por o sinistrado, no último dia de trabalho anterior ao acidente, a haver atirado da laje do 3º piso para o solo) e que, no dia do acidente, a ligou na tomada do quadro eléctrico, a atirou do solo para a 3ª laje da obra e que, aí, a tentou reparar [sublinhado nosso], sofrendo a electrocussão uma vez que a extensão se encontrava ligada à corrente (arts. 11º a 19º da contestação); o sinistrado gritou e de imediato os colegas o alcançaram, encontrando-o deitado na laje tendo na mão direita a ficha fêmea da extensão eléctrica com o invólucro recuado e os fios descarnados e tendo a electrocussão ocorrido por ter ele ficado em contacto directo com a corrente eléctrica através dos referidos fios descarnados (arts. 20 a 24), não desconhecendo o sinistrado o risco a que se estava a expor ao intervir directamente numa ficha de uma extensão em tensão (art. 39º).
A Ré empregadora referiu, na contestação, que a operação alegada pelos AA. no art. 11º da p.i., não fazia parte da actividade profissional do sinistrado, que este, bem como os demais trabalhadores, tinham ordens expressas no sentido de que nunca deviam ser eles a resolver qualquer avaria ou problema eléctricos, nem utilizar material danificado e que o sinistrado, ao tentar realizar a operação descrita no art. 11º da p.i. [sublinhado nosso], sem desligar a corrente eléctrica, adoptou um comportamento temerário de relevante e elevado grau (arts. 9º a 11º); e, na resposta à contestação da Ré seguradora, invoca o descrito pela Seguradora, acima referido, e que o sinistrado tentou reparar a ficha da extensão. [sublinhado nosso].
Ou seja, do referido conclui-se que as partes, nos articulados, estão de acordo pelo menos quanto ao facto de que o sinistrado, aquando do acidente, tentou arranjar ou reparar a ficha da extensão e que foi, quando o fazia, que sofreu o acidente. É o que dizem as RR e que não é contrariado pelo que o A. alega no art. 11º da p.i. que, ao cabo e ao resto, consubstancia uma operação de reparação.
Parece-nos pois que, pelo menos, está assente, por acordo das partes nos articulados, que o sinistrado tentou proceder à reparação da ficha da extensão.

2.5. Concretamente, quanto às respostas impugnadas:
Relativamente aos quesitos 2º, 8º e 9º:
Na obra em questão apenas se encontravam as testemunhas J………. e K………. (trabalhadores da Ré empregadora na referida obra), os quais, porém, no momento do acidente estavam no piso correspondente ao solo, enquanto que o sinistrado se encontrava na lage do 3º piso, não tendo eles presenciado o acidente.
Todavia, a testemunha K………. referiu, em síntese, que o sinistrado ia utilizar um berbequim (o que lhe foi dito pelo próprio sinistrado), para o que, antes de subir à laje do 3º piso, ligou a extensão ao quadro eléctrico, atirou-a do solo para a 3ª laje, subiu à laje e, pouco depois, ouviu um grito, tendo acorrido de imediato ao local e verificado que o sinistrado se encontrava “encostado à parede, com os fios monofásicos na mão, tirei-lhe os fios da mão e deitei-o no chão para não cair desamparado” e que os fios da extensão se encontravam descarnados.
No essencial, toda essa factualidade veio a ser dada como provada, assim como assente está, pelo que se deixou dito no antecedente ponto 2.4., que o sinistrado procedia à reparação da ficha da extensão.
Por outro lado, a testemunha J………. referiu que quando chegou lá acima, depois do K………., viu que as “peças estavam desencaixadas da extensão”, que o “fio estava desmontado”, que “a extremidade da extensão estava a ser preparada para montar as pecinhas da ficha.”, que a parte fêmea da extensão estava desmontada, que o invólucro da ficha se encontrava recuado e que estava no chão um “busca – pólos” e uma chave de cruz.
A conjugação de tudo quanto ficou referido legítima, de forma segura, a conclusão de que, no momento em que ocorreu o acidente essa extremidade da extensão (parte fêmea) havia sido desmontada pelo sinistrado (pois foi ele quem atirou a extensão para a 3ª laje da obra, não sendo de crer que o tivesse feito com os fios já descarnados; nessa laje não se encontrava mais ninguém; e essa parte da extensão encontrava-se desmontada, com as “pecinhas para serem montadas”, como o disse a testemunha J……….) e, bem assim, que se propunha montá-la, o que aliás corresponde à própria versão dos factos apresentada pelos AA.
Afigura-se-nos, pois e com a necessária segurança, que a resposta aos quesitos 2º, 8º e 9º não poderia deixar de ser a de provado, prova essa que não decorre de meras conjecturas ou suposições, mas sim das regras da lógica e da experiência, conjugadas com o que foi visto pelas referidas testemunhas e, em última análise, de presunção judicial (arts. 349º e 351º do Cód. Civil), já que dos demais factos conhecidos se pode extrair a prova do que consta desses quesitos.
Assim, nesta parte, procede a impugnação da matéria de facto, em consequência do que se adita à matéria de facto provada os nºs 22, 23 e 24 com o seguinte teor:
22 – O evento descrito no nº 2 dos factos provados ocorreu no momento em que o mencionado H………. se encontrava a montar uma ficha na extensão eléctrica indicada no nº 3 dos factos provados.
23 – O sinistrado desmontou a ficha da extensão, expondo assim os condutores nus da fase e neutro, os quais não se encontravam entrançados.
24 – E fê-lo com vista a facilitar a introdução dos condutores nos terminais de aperto da ficha e proceder ao aperto.

Quanto ao quesito 39º, decorre do que ficou referido que o sinistrado, depois de ter chegado à 3ª lage, tentou reparar a ficha fêmea da extensão, sendo de referir que não foi feita prova de que, antes de lá estar, se tivesse apercebido de que a ficha estivesse danificada, como parece induzir o encadeamento dos quesitos anteriores (34º a 38º) e a conjugação, utilizada no quesito 39º, de “ao chegar lá (…).”. Quanto à utilização do busca-pólos e da chave de cruz, pese embora elas estivessem no chão, próximo do local, desconhece-se se o sinistrado utilizou as duas ou uma ou outra (sendo que o busca-pólos também tem uma chave de parafusos).
Deste modo, o quesito 39º deveria ter tido a seguinte redacção, que passa a constituir o nº 25 dos factos provados, ora aditado:
25 – O sinistrado, depois de ter chegado à 3ª laje da obra, tentou reparar a referida ficha fêmea da extensão.
Quanto ao quesito 41º, a testemunha K………. referiu que, quando lá chegou, o sinistrado estava de pé, encostado à parede e que foi ela, testemunha, quem o deitou no chão, para não cair desamparado. Afirmou também que ele tinha na mão os fios descarnados da ficha, ficha essa que era a fêmea. E no relatório da autópsia que consta de fls. 46 a 51 refere-se que as lesões ocorreram na mão direita. Acrescente-se que para que os fios descarnados tivessem ficado na mão do sinistrado, como foi dado como provado, o invólucro da ficha fêmea tinha que estar recuado.
Assim, altera-se a resposta ao quesito 41º, que consta do nº 6 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:
6 – O H………. tocou nos condutores, ficou na mão direita com os fios descarnados da ficha fêmea da extensão eléctrica, cujo invólucro estava recuado, e tinha no dedo indicador e no polegar marcas de queimado que coincidiam com os fios descarnados.

3. Da 2ª questão

Defende a Recorrente que o acidente se deveu a negligência grosseira do sinistrado, pelo que, nos termos do art. 7º, nº 1, al. b), da Lei 100/07, de 13.09 (LAT), se deverá ter por descaracterizado.
Para tanto aduz, em síntese, que o comportamento do sinistrado, ao proceder como procedeu, violou as mais elementares regras de prudência e sensatez, sendo a electrocussão a consequência mais previsível, para além de que era ela chefe de equipa, com obrigações acrescidas de zelo em matéria de segurança.

3.1. Dispõe o artº 7º, nº 1, al. b), da LAT que não dá direito à reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Por sua vez, o artº 8º, nº 2, do DL 143/99 (RLAT), de 30.04, diploma que veio regulamentar a LAT, refere que se entende por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
Para que o direito à reparação seja, de harmonia com a citada alínea b), excluído, é, assim, necessária a verificação cumulativa de dois requisitos:
a) Que o acidente provenha de negligência grosseira do sinistrado;
b)Que essa negligência grosseira seja, exclusivamente, a causa do acidente.
Quanto ao primeiro dos requisitos, a negligência consubstancia-se na omissão de um dever de objectivo de cuidado ou diligência adequado, segundo as circunstâncias concretas de cada caso, a evitar a produção de um determinado evento.
Porém, a negligência pode assumir gravidade diferente, sendo usual a distinção entre a negligência consciente e inconsciente e, em função da intensidade da ilicitude (a violação do cuidado objectivamente devido) e da culpa (violação do cuidado que o agente é capaz de prestar segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais), entre a negligência lata ou grave, leve e levíssima.
Na negligência consciente, o agente prevê a produção do resultado lesivo como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação; na inconsciente, o agente, por inconsideração, descuido, imperícia ou inaptidão, não concebe a possibilidade do resultado lesivo se verificar, podendo e devendo embora prevê-lo e evitar a sua verificação.
Exigindo a lei, como pressuposto da descaracterização, a negligência grosseira, «o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras. (…). A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias.» - cfr. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, a págs. 63.
Como se refere no Ac. do STJ de 29.11.05, proferido na Revista nº 1924/05-4 (Proc. nº 124/2000., do TT Porto, 1º Juízo, 3ª Secção), «a figura da negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.».
Mas, para a descaracterização do acidente, não basta a verificação da negligência grosseira da parte do sinistrado, sendo ainda necessário que o acidente tenha resultado (exclusivamente) do comportamento do sinistrado.
Por outro lado, e conforme é aliás entendimento uniforme da jurisprudência, a culpa, exclusiva e grosseira, do sinistrado na produção do acidente, consubstancia factualidade impeditiva da responsabilidade infortunística, pelo que à entidade responsável por essa reparação (seguradora e/ou entidade patronal) incumbe o ónus de alegação e prova da mesma – artº 342º, nº 2, do Cód. Civil.

3.2. Da matéria de facto provada resulta, a nosso ver e salvo melhor opinião, que, na verdade, o sinistrado violou, de forma grosseira, as mais elementares normas de segurança.
Com efeito, e ainda que se não haja provado que a ficha haja ficado danificada quando o sinistrado a atirou da laje do 3º piso para o solo e batido no barrote (como alegavam as RR) e que, no dia do acidente, quando ligou a extensão à corrente tivesse logo constatado que ela não estava ou estaria em condições, certo é que tentou proceder à sua reparação, estando os fios condutores descarnados, sem que, previamente, a tivesse desligado da corrente eléctrica. Trata-se de uma operação de elevado risco, temerária e que o mais elementar senso comum e prudência aconselharia a que não fosse realizada sem que, previamente, se tivesse precavido e desligando a extensão da corrente eléctrica, tanto mais que nem era o sinistrado electricista, pelo que nem de habitualidade ao perigo ou excesso de confiança se poderá falar. Se, para mudar uma lâmpada, é de todo aconselhável que a tal se proceda com a corrente eléctrica desligada, que dizer da operação de reparação de uma ficha em que os fios condutores ficam descarnados? O risco de contacto com esses fios, e da ocorrência de choque eléctrico, não era imprevisível, antes pelo contrário, era perfeitamente plausível, o que é do conhecimento geral e não poderia deixar de ser do conhecimento do sinistrado, tanto mais que, embora não exercendo as funções de electricista, já trabalhava em obras de construção civil há mais de 18 anos.
Por outro lado, e ao contrário do que é referido na sentença recorrida, afigura-se-nos que não é possível que o sinistrado não soubesse que a extensão em causa estava conectada à corrente eléctrica, sendo certo que foi ele quem a ligou e quem a atirou para a laje do 3º piso, sendo que da matéria de facto provada, ou até alegada, mormente pelas AA., não decorre qualquer facto no sentido de que, nessa laje, existissem duas extensões.
Sempre se diga, no entanto e tendo em conta que, a esse propósito, a sentença recorrida remete para o que referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto[2], que da prova testemunhal produzida não vemos como pudesse o sinistrado desconhecer que a extensão em causa estava ligada à corrente ou que pudesse ter sido induzido em erro. A testemunha K………. afirmou que existiam duas, no máximo três, extensões, sendo uma a que o sinistrado atirou e, outra, que estava “cá em baixo”, não tendo nenhuma das testemunhas afirmado que, na 3ª laje, existisse outra extensão que não apenas aquela que vitimou o sinistrado e que foi por ele ligada à corrente e atirada para essa laje, como aliás a 1ª instância deu como provado. Ou seja, como provado ficou pela 1ª instância, havia uma extensão que o próprio sinistrado, momentos antes do acidente, ligou à corrente e que atirou para a laje do 3º piso. E foi esta, e não outra, a extensão que vitimou o sinistrado.
Acresce referir que não encontramos, na verdade, razão justificativa ou minimizadora do comportamento temerário do sinistrado ao proceder às operações a que procedeu, e que os próprios AA. alegaram na petição inicial, com a corrente eléctrica ligada, sendo que nem foi feita prova de que a Ré empregadora o incumbira da montagem da ficha dessa extensão, como quesitado no quesito 2º e que foi objecto da resposta de não provado. E, diga-se, não foi pelos AA. alegado qualquer outro motivo justificativo do comportamento do sinistrado alegado no art. 11º da petição inicial (de proceder à desmontagem e montagem da ficha da extensão) com a corrente eléctrica ligada.

3.3. Mas para que o acidente seja descaracterizado, necessário é, também, que ele seja imputável, exclusivamente, ao comportamento negligente do sinistrado.
A este propósito releva o facto descrito no nº 5 dos factos provados, nos termos do qual a instalação eléctrica existente na obra não dispunha de dispositivos diferenciais, de corrente diferencial estipulada não superior a 30mA, sendo que a Portaria 949 – A/2006, de 11 de Setembro, que aprova as regras técnicas das instalações eléctricas de baixa tensão, no seu ponto 412.5.1, dispõe que “o emprego de dispositivos diferenciais, de corrente diferencial estipulada não superior a 30 mA, é reconhecido como medida de protecção complementar em caso de falha de outras medidas de protecção contra os contactos directos ou em caso de imprudência dos utilizadores”[3].
E, inexistindo tal diferencial, não se poderá excluir a hipótese de a inexistência de tal dispositivo de segurança e da violação da correspondente norma de segurança que prevê a necessidade da sua existência[4] poder ter contribuído ou concorrido para o acidente.
É certo que no quesito 15º se perguntava se esse dispositivo reduziria a possibilidade de electrocussão do sinistrado por contacto directo, quesito esse que mereceu a resposta, não impugnada, de não provado. Significa isso, mas tão-só isso, que não ficou demonstrado que a existência desses dispositivos reduzisse a possibilidade de ocorrência do acidente. Com efeito, a resposta de não provado não tem como consequência a prova do facto contrário ao quesitado. Ou seja, não significa essa resposta, nem isso dela se pode retirar, que se existisse esse diferencial o acidente teria ocorrido na mesma, facto este cuja prova competia à Recorrente.
Com efeito, cabendo à Ré Seguradora o ónus da prova de que o acidente proveio, exclusivamente, do comportamento do sinistrado, cabia-lhe demonstrar que mesmo que o diferencial existisse, o acidente sempre teria ocorrido, pois que só assim se poderia concluir no sentido da exclusividade do comportamento do sinistrado para a ocorrência do acidente, assim excluindo totalmente, para a verificação do sinistro, a (eventual) concorrência desse outro factor que, como decorre da própria norma, “é reconhecido como medida de protecção complementar em caso de falha de outras medidas de protecção contra os contactos directos ou em caso de imprudência dos utilizadores.”.

Assim sendo, entende-se que não se encontra demonstrada a exclusividade do comportamento negligente do sinistrado para a ocorrência do acidente, em consequência do que, ainda que com fundamento diverso, se entende ser de confirmar a sentença recorrida, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e, embora com fundamentação diversa, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 24.01.2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Reporta-se à 3ª laje, já que o quesito vem na sequência do quesito 38º, que foi dado como provado e corresponde ao nº 9 dos factos constantes da sentença.
[2] Onde se refere o seguinte: “Acresce, ainda, que a circunstância de, no momento antes de ter subido para a 3ª laje, o sinistrado ter ligado uma extensão ao quadro eléctrico não significa, desde logo, que o mesmo tivesse consciência que a ponta da extensão onde tocou estivesse já conectada à corrente eléctrica. É que ambas as extensões iam ligar a uma tripla, pelo que o sinistrado poderia ter suposto que a última das extensões não estaria, ainda, ligada à aludida tomada tripla.”
[3] Cfr. também, sobre a necessidade de existência de tal dispositivo, parágrafos 704.471 al. a) e 704.531.2.6 da referida Portaria 949-A/2006, de 11.09.
[4] Então invocados para fundamentar a imputabilidade do acidente à violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora (art. 18º, nº 1, da Lei 100/97).
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SUMÁRIO

I - Para que, nos termos do art. 7º, nº 1, al. b), da Lei 100/97, de 13.09, o acidente de trabalho se tenha como descaracterizado, é necessário que ela tenha resultado, exclusivamente, de negligência grosseira do sinistrado, incumbido à Seguradora o ónus de alegação e prova dos factos correspondentes.
II - Agiu com negligência grosseira o trabalhador que procedeu à reparação de uma ficha de uma extensão, que previamente havia sido por ele ligada à corrente eléctrica, e que, por virtude de contacto com a mão nos fios condutores de electricidade, sofreu electrocussão de que lhe resultou a morte.
III - Todavia, não dispondo a obra, ao contrário do que devia, de dispositivos diferenciais de corrente diferencial estipulada não superior a 30 mA e estabelecendo a Portaria 949-A/2006, de 11.11, no seu ponto 412.5.1., que o emprego de tais dispositivos “é reconhecido como medida de protecção complementar em caso de falha de outras medidas de protecção contra os contactos directos ou em caso de imprudência dos utilizadores”, não se poderá concluir que o referido acidente resultou, exclusivamente, do comportamento negligente do sinistrado.
IV - Para tanto necessário seria que tivesse ficado provado que, mesmo que esse dispositivo existisse, o acidente sempre teria ocorrido, prova essa cujo ónus incumbia à Seguradora.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho